Saí do carro com cuidado, tentando não escorregar na calçada congelada da West Hill High School. Era um dia frio em Fort Collins. No domingo a neve caiu, fria e bonita. Era possível ver a camada branca e fofa de gelo na extensão de minha rua. Mas o espetáculo durou só um dia. Na segunda as ruas da pequena cidade do Colorado estavam cheias de carros, pessoas e um rastro de neve cinzenta, poluída pelos veículos. Inspirei o ar gelado daquela manhã e acelerei o passo em direção a entrada. Quase corri pelos corredores à procura de um rosto. Abri um largo sorriso quando, finalmente, o achei.

— Kay! – corri para seus braços e fui recepcionada com um abraço. Senti o cheiro do seu perfume amadeirado e jurei que estávamos a sós naquele corredor. Só eu e ele.

— Bom dia, minha princesa. – Kay quebrou o silencio e afastou o abraço, logo ele encostou seus lábios nos meus e me beijou. O beijo era desejoso, mas não como os beijos da sexta. Este parecia dizer “Senti sua falta.” Lancei meus braços sobre seus ombros e fiquei na ponta dos pés. Queria que aquilo durasse, porém senti a necessidade exorbitante de respirar. – Droga de seres humanos que precisam de oxigênio. – ele falou se afastando. Eu ri, ainda de olhos fechados. Quando eu finalmente os abri, pude perceber olhos azuis nos fitando. Era o Zack. Sorri e acenei de longe. Minha ação fez Kay virar para trás e encarar o menino de cabelos negros, que caiam por sobre os seus olhos da cor do céu. Um breve aceno foi o que recebemos. Meu tutor escondeu as mãos no moletom e saiu caminhando e fugindo de nossas vistas. – Quem é?

— É o Zachary. – falei como se ele fosse nosso amigo íntimo. -  Ele é meu tutor. – expliquei.

Um breve “Ah!” saiu dos lábios do meu namorado e ele deu de ombros, voltando a me beijar em seguida. Fomos interrompidos pela Kiara e pela Joane, que me puxaram pelo braço e me conduziram apressadamente para a aula do Sr. Reynold.

Kiara tinha novidades para contar. Coisas sobre o pós-festa e como a noite foi maravilhosa ao lado de um garoto que ela era apaixonada há anos.

— Não sabia que era apaixonada pelo Steven. – comentei, incrédula.

— E quando foi eu falei que eu dormi com o Steven? – perguntou com um sorriso nos lábios.

Não deu tempo de perguntar, pois o professor entrou na sala anunciando o início da aula. Incrivelmente, eu consegui entender uma parte do assunto que ele ensinava. A equação parecia com a que Zachary tinha me ensinado, e me obrigado a fazer, no sábado passado. Sorri com a lembrança. Isso me fez olhar para trás, para a última cadeira da 3 fileira, ele sempre sentava ali, apesar de não existirem lugares marcados. Rabiscando algo no seu caderno. Perdido no seu mundo. Seus cabelos caiam e tapavam parte de seus olhos. Talvez ele devesse cortar um pouco. Pensei, distraída. Mal percebi quando o sinal tocou e o garoto, que antes estava na minha imaginação, se materializou em minha frente.

— Vejo que você e seu namorado se reconciliaram. – ele disse num sorriso torto. Como ele sabia que eu e o Kay havíamos brigado?— Precisamos marcar as próximas aulas. – continuou – E você precisa me dizer as outras disciplinas que possui notas baixas.

— Acabou? – ri, arregalando os olhos – Muita coisa, minha mente funciona devagar. Você tem aula de quê agora?

— Educação Física. – ele revirou os olhos, parece que correr e suar não era um dos seus passatempos preferidos – Podemos caminhar juntos até lá. – Apesar de ser uma afirmação, senti uma pequena dúvida no seu modo de falar. É como se perguntasse “Tudo bem caminhar ao seu lado?”. Sorri gentilmente, e dei o primeiro passo em direção ao ginásio. Ele me acompanhou.

— Esqueci que hoje era segunda. Que aula você tem normalmente? Quer dizer, quando não é segunda? – fiz uma careta, tentando consertar minha confusão de palavras.

— Japonês. – falou, simplesmente.

— Você estuda japonês? – perguntei boquiaberta. – Porque você estuda japonês?

— Eu gosto. – deu de ombros. – Gosto da cultura, do idioma, e sou vidrado em animes e jogos.

— Animes são aqueles desenhos né? – lembro que já ouvi uns garotos conversando sobre o tópico no corredor do colégio.

— Quer dizer que nunca assistiu um anime? – perguntou enquanto nos aproximávamos da grande quadra esportiva. Fiz que não com a cabeça. – Cara! – ele deu um longo suspiro – Me lembrar de te apresentar ao lado bom da vida algum dia. – Apenas ri e assenti. Era engraçado poder ver esse lado do Zachary. – Então... Quais são as outras disciplinas que está com problema?

Deu um sorriso amarelo e mordi levemente o lábio inferior, à procura de uma resposta para aquela pergunta. Todas? Não podia dizer isso.

— Bem... – comecei – Matemática, mas isso você já sabe. Biologia está sendo complicado também, e eu não consigo entender nada que o professor de história fala, sabe. E pode ser que eu também tenha alguma dificuldade em interpretar os grandes textos literários de inglês. Mas fora isso, estou bem. – tentei forçar um sorriso autentico. Não sei se deu certo.

— Okay. – ele parecia tentar entender minha grade escolar, ou procurar um erro nela. – Só uma dúvida, fora matemática, biologia, história e inglês, quais outras disciplinas você estuda? – suspirei. Quer uma dica? Nunca minta para alguém muito inteligente.

— Desenho e culinária. – foi quase uma pergunta. Sim. Tentei não parecer tão tola, ou burra. Talvez ele não tenha notado meu desespero, ou talvez só foi gentil e fingiu que não o notou. Ao invés de piadas, ele apenas riu gentilmente e assentiu com a cabeça.

— Então? – já estávamos na frente do ginásio. Pude avistar Kiara e Joane sentadas no começo da longa arquibancada. – Vamos estipular os dias das nossas aulas. – declarou.

— Os treinos das líderes de torcida começam essa semana, toda terça e quinta-feira. E nas segundas a comissão do baile se reúne para discutir e planejar a festa. Então, eu te suplico. – juntei as mãos como se fosse orar – não me faz ter aulas esses dias. Vou ter cansada demais para entender qualquer coisa. – ele riu do drama.

— Okay. – cedeu. – Quartas e sextas então, às seis da tarde. Podemos estudar na sua casa, ou revezar entre a minha e a sua se preferir.

— Está bem! Podemos revezar, se não se importar.

— Então quarta te busco às seis. E posso te mostrar algum anime. – ofereceu, animado. Apenas assenti. – Podemos estudar outra disciplina dessa vez. Você escolhe. – assenti dando um leve suspiro desanimado. Ele apenas riu de minha notável preguiça. Por algum motivo, ficamos parados na mesma posição por algum tempo. Ele me olhava com um sorriso quase bobo. Decidi que isso não parecia certo, então apenas quebrei o contato visual e acenei me afastando.

— Até mais. – falei baixinho. Ele apenas acenou de volta e foi para o lado oposto do ginásio e sentou ao lado de um garoto de cabelos castanhos. Fui em direção da Kiara e da Joane. Ambas conversavam animadamente sobre um assunto qualquer. Quando a Joane me avistou, acenou para que eu sentasse perto delas.

— A Ki tá namorando! – anunciou num largo sorriso.

—Serio? – falei, desacreditada. – Ki, que felicidade! Parabéns! – comemorei abraçando minha melhor amiga. A Kiara não desejava um namoro sério com ninguém, apesar de ser extremamente desejada, afinal, ela era linda. – Tá. Quem é o Sr. Perfeito, que conseguiu atravessar essas correntes bem amarradas do coração da minha amiga? – perguntei rindo. Ela revirou os olhos, ainda com um sorriso atrevido no rosto.

— Segredo. – falou, colando o indicador nos lábios. – Decidimos esperar um pouco, antes de espalhar. Precisamos resolver alguns pequenos problemas antes. Mas logo, vocês saberão.

— É algo muito complicado? – Joane parecia impaciente. Minha amiga latina era extremamente curiosa e direta e mal conseguia segurar sua língua. Por conta disso, às vezes acabava metida em grandes problemas, mas era carismática o suficiente para resolvê-los rapidamente. – Podemos ajudar. – ofereceu. Não poderia mentir e dizer que também não estava preocupada com tudo aquilo. Para que mascarar um namoro? Qual problema poderia impedi-los de revelar seu relacionamento? Pensei.

— Só umas pedras no caminho. – deu de ombros. – Mas não se preocupem! As coisas logo, logo se ajeitarão! – afirmou. – E eu espero que me apoiem. – disse olhando em nossos olhos. – Afinal, é para isso que servem as amigas, não? – sorrimos juntas.

— Agora só falta a Joane. – abusei.

— Não por muito tempo. – falou com um brilho nos olhos. – Liz. Aceita ser meu cupido?

— Han? – fiz uma careta. Não me consideraria uma boa pessoa para conselhos amorosos.

— Estou muito afim de um amigo seu. – ela apontou com a cabeça para a direção oposta à que estávamos. Segui seu olhar e vi dos garotos sentados conversando. Um tinha cabelos castanhos e seus olhos pareciam ser de um tom claro, seu companheiro possuía cabelos negros e olhos azuis. Eu o conhecia. Senti um leve arrepio e voltei meu olhar para a Joane. Uma sensação estranha ocupou meu corpo me deixando enjoada. Abri minha boca, mas logo a fechei. Esperava que ela dissesse algo, mas minha amiga continuava encarando o garoto. Respirei fundo e chamei sua atenção para mim.

— Está apaixonada pelo Zack? – perguntei num sussurro, como se estivéssemos trocando segredos. Engoli em seco quando minha amiga apenas assentiu com a cabeça.