The Wicked escrita por Jules


Capítulo 3
Capítulo III


Notas iniciais do capítulo

Eu tenho essa história pronta e fiquei desanimada em reescrever ela, mas acabei sendo influenciada pelos comentários que vocês deixaram, leitores.

Então obrigada!

Segue mais um capítulo para vocês!

Boa leitura!



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III

— Bolinho?

Abri um sorriso largo, erguendo um muffin azul de blueberry que havia comprado na cafeteria. Meu intuito era ser bem simpática, mas também havia certo remorso por trás daquele gesto generoso, uma vez que me sentia muito mal após descobrir que Tate talvez tivesse algum distúrbio emocional, e que eu havia falado um monte de coisas que não deveria antes do almoço. O menino loiro me olhou em confusão e basicamente moveu apenas os olhos negros, continuando na mesma pose, segurando um livro em suas mãos.

Quando eu não me movi e não falei nada, ele ergueu o braço e pegou o bolinho hesitantemente. Eu não sabia exatamente o que eu esperava que aquele muffin fizesse por nós, mas já era um bom início. Não poderia pensar que “ufa, ele pegou meu bolinho, então isso provavelmente significa que ele me ama”, mas de certa forma senti como se aquela fosse uma oferta de paz. A pior parte é que ele tinha razão: eu fui ignorante, e agora estava disposta a desvendar as verdadeiras cores de Tate sem preconceitos afrente.

Me sentei de frente para ele na mesa da biblioteca e observei conforme ele deixava o bolinho de lado e voltava a prestar atenção no livro. Estreitei os olhos tentando ler o título e me surpreendi quando percebi que ele lia sobre pássaros. Aquele definitivamente era um tema que eu jamais chutaria que o garoto se interessaria por.

— 10 mil espécies de pássaros. Uau, isso parece interessante.

Tentei fingir que estava animada com o assunto, mas falhei miseravelmente. Um sorriso sem exibir os dentes se formou no rosto do rapaz e ele apenas abaixou o livro, apoiando as mãos sobre a mesa e me observando em tom entretido. Por um momento me senti um pouco desconfortável com toda aquela análise, mas não deixei que ele percebesse isso. Não deixaria Tate me intimidar também.

— Ok. Vamos lá, cereja. - Ele falou por fim, apoiando as costas contra o encosto da cadeira. - Dispa-se para mim.

— O que?

Arregalei os olhos, pega de surpresa com seu comentário. Tate apenas ergueu uma sobrancelha.

— Fale sobre você. Abra a sua alma. Libere suas energias. - Ele completou, dando de ombros. - Não é isso o que a professora Solaia queria?

Ele perguntou em tom irônico, principalmente quando citou o nome da professora maluca. Meu rosto corou completamente e me senti uma idiota por não ter entendido em primeiro momento o que ele havia dito. Engoli em seco e limpei a garganta, mudando de posição na cadeira.

— Certo. Bem, meu nome inteiro é Cherry Elleanor Griffin e eu nasci na divisa com o Canadá. Meus pais são Nora e George Griffin, e...

— Isso está chato. - Ele me interrompeu, fazendo com que eu o encarasse em tom de confusão. O rapaz abriu uma expressão exagerada pensativa conforme eu me convencia a não manda-lo ir ao inferno pela interrupção. Eu nem havia começado a minha história! - Já sei. Vamos falar de outra coisa. O que você pensa sobre suicídio, Cherry?

Pisquei algumas vezes em completa confusão e abri a boca para responder, mas dela não saiu som. Analisei conforme Tate me encarava, parecendo genuinamente interessado, e senti certo incômodo surgir dentro de mim. Eu sabia muito bem o porque ele estava fazendo aquilo e eu não ia deixar ele conseguir o que queria. Tate poderia pensar que vivia melhor sem as pessoas, mas eu não acreditava naquilo, e iria morrer provando o meu ponto.

— Por que você faz isso? - Perguntei em tom levemente irritado, mesmo tentando evitar isso. Soltei um suspiro pesado. - Sério. Por que joga esse tipo de assunto para deixar as pessoas desconfortáveis e se barrar de conhece-las?

— Pois é exatamente o contrário, cara cereja. - Ele se encostou contra a cadeira em uma posição confortável, cruzando os braços sobre o peito. - É justamente com esse tipo de assunto mais profundo que conseguimos realmente conhecer as pessoas. E não com coisas superficiais e desinteressantes como nome dos pais e cidade de nascimento. E então? O que você acha?

Revirei os olhos com a lógica dele, por mais que fizesse certo sentido. Ainda assim que seu interesse não era em me conhecer, mas sim em tentar me deixar desconfortável a ponto de não querer falar mais com ele, mas eu não lhe daria aquela satisfação. Por isso apoiei as mãos sobre a mesa e o encarei em tom impaciente, conforme abria um sorriso irônico.

— Acho a coisa mais covarde que uma pessoa pode fazer.

Uma leve expressão de surpresa se formou no rosto de Tate, que ele tentou esconder, mas eu percebi. Pelo menos agora ele parecia realmente interessado no que eu tinha a dizer.

— É mesmo? Por quê?

— Porque quando uma pessoa tira a própria vida, ela está pensando apenas nela mesma e tomando o caminho mais fácil. Ok, ela pode pensar que a vida é uma bosta, ok, ela pode pensar que está ajudando todo mundo por simplesmente desaparecer, mas ela não tem ideia no rombo eterno que uma coisa do tipo causa em uma família. A pessoa morreu, os problemas dela acabaram, mas ela só transferiu toda a sua dor para uma pessoa que vai ter que viver com isso para o resto da vida. Então, sim, é uma covardia, tanto quanto é egoísta.

Tate ficou em silêncio após eu terminar o meu discurso, e ele se recusava a olhar para mim. Seus olhos eram fixos no livro sobre a mesa, e o tempo todo que eu falava, eu sentia que havia dor em sua expressão. Ainda assim, a dor tão clara em seus olhos era completamente mascarada por um sorriso que se manteve aberto o tempo todo, como se ele usasse uma espécie de máscara para disfarçar seus pensamentos. E Tate era completamente contraditório.

— Sabe por que eu gosto de pássaros, cereja?

Ele mudou de assunto repentinamente, mais uma vez me deixando confusa. O observei em curiosidade, incomodada por ele não voltar a olhar para mim.

— Por que, Tate?

— Eles são descomplicados. - Ele deu de ombros, como se essa fosse explicação suficiente. - Quando as coisas apertam, eles somente voam e passam a viver em outro lugar. Longe. Isso é poético em certos aspectos, não?

— Não. - Respondi seca, ganhando os olhos do rapaz em minha direção mais uma vez, agora surpresos. - Isso é bem ridículo, na verdade. - Abri um sorriso largo, soltando uma risadinha baixa. - Até porque tenho quase certeza que pássaros migram por causa de estações e comida.

Uma risadinha divertida escapou dos lábios de Tate e isso fez com que meu coração apertasse um pouquinho. Ele tinha covinhas tão lindas que era quase um crime escondê-las. Abri um sorriso largo, contagiado por sua risada, ainda tentando entender como poderia um riso tão alegre fazer parte de um rosto com olhos tão tristes.

— Sim, acho que você tem razão.

Ele deu de ombros, convencido. Apoiei os cotovelos sobre a mesa, tomando coragem para soltar minhas próximas palavras.

— Você pensa em suicídio, Tate?

Me odiei no segundo seguinte, mas perguntei. O sorriso no rosto do menino não se desfez, mas perdeu sua intensidade conforme ele me encarava em um tom quase sombrio. Ele não respondeu. Um momento de silêncio se formou entre nós, e por alguns segundos apenas ficamos ali, encarando o outro no fundo dos olhos. As íris de Tate eram tão escuras que pareciam grandes buracos negros, como se não tivessem um fim, e cheios de breu.

— Às vezes.

Ele respondeu, me pegando completamente de surpresa. Engoli em seco, sentindo meu estômago se embrulhar e um frio na espinha me dominar. Eu não pensei que ele fosse admitir assim, e ele parecia sério. Por um momento não soube o que responder.

— Por que?

Tate abriu um sorriso e soltou uma risada divertida com minha pergunta. Eu, por outro lado, estava completamente séria.

— Por que não? - Ele deu de ombros, apoiando os cotovelos sobre a mesa e curvando-se em minha direção. Senti meu coração disparar pela aproximação, conforme mais uma vez fitávamos diretamente os olhos do outro. - Viu? Podemos aprender muito mais sobre o outro com esse tipo de conversa.

— Você precisa de ajuda.

Disparei antes que ele pudesse continuar. Tate fechou a cara, me observando em tom sóbrio. Engoli em seco, me sentindo incomodada pela intensidade do seu olhar.

— Então me ajude.

— Não eu. - Rebati, sentindo meu coração disparado. - Psicológica. De médicos.

Tate soltou um suspiro decepcionado e se afastou de mim mais uma vez, se apoiando relaxado contra a cadeira. Deu de ombros.

— Já tentei. Não funciona.

Senti certo desespero tomar conta de mim conforme eu buscava qualquer outra solução que pudesse ajuda-lo. Eu sabia que no exato momento em que eu saísse daquela sala, eu deveria ir até o escritório do psicólogo da escola e reportar que um dos alunos poderia ser um perigo para ele mesmo. Tate ia me odiar, mas aquela era a coisa certa a se fazer.

— Você não vai me dedurar, vai?

Tate perguntou em tom um tanto quanto ressentido, me pegando se surpresa. Era como se ele lesse minha mente, e o simples pensamento me aterrorizou. Balancei a cabeça em negação automaticamente, sequer pensando em minha reação.

— Você promete?

Ele questionou mais uma vez, me fazendo hesitar. O menino de cabelos loiros apoiou os cotovelos contra a mesa novamente e segurou minha mão, fazendo com que meus olhos se arregalassem em surpresa e meu coração batesse frenético pela reação tão repentina. Seus dedos apertaram fortes a minha palma e me surpreendi pela sua temperatura baixa. Meus olhos se colaram aos dele de novo, e naquele momento eu soube que estava perdida.

— Eu posso confiar em você, Cherry?

Assenti. E aquele foi o maior erro da minha vida.

[...]

Eu passei as horas seguintes caminhando de um lado para o outro do meu quarto, segurando o telefone de casa na mão, me perguntando se eu deveria ou não ligar para a escola e reportar Tate. Se eu contasse a situação para qualquer pessoa, todos me diriam para ligar, que era a coisa certa a fazer e que no final das contas seria melhor para ele, mas não era tão simples assim. A verdade é que eu tinha medo de Tate me odiar, e mais medo ainda de piorar as coisas para ele. Eu tinha medo de não podermos conversar mais.

Eu sabia que o psicólogo ligaria para a mãe de Tate, que explicaria a situação e que provavelmente ele seria internado por um tempo. Mas e depois? Ele havia dito que já tinha passado por aquele tipo de situação e que não havia funcionado, então o que mais tinha para se fazer? Senti meu coração doer dentro do meu peito, e observei em volta do meu quarto, me deparando com os quadros recém-pendurados em minhas paredes cor-de-rosa, abrindo um sorriso nostálgico com as imagens que encontrei.

Sorrindo para a câmera, estávamos eu, Callie e Jossie, minhas duas melhores amigas de Walker, e as pessoas que eu mais amava. No retrato do lado havia uma foto minha com meus pais, e no terceiro, uma imagem minha abraçando nosso recém-falecido cachorro Bingo. Todas as fotos mostravam imagens de pessoas felizes, sorrindo e curtindo a vida em todos os sentidos mais belos da palavra. Por um momento senti certa culpa me atingir e desejei que Tate fosse capaz de sentir as coisas que eu senti quando vivi todos aqueles momentos agradáveis. E foi então que eu tive a ideia.

Se psicólogos não conseguiam concertar o menino de cabelos loiros, talvez uma mudança em sua vida pudesse. Talvez eu pudesse estar ao seu lado e lhe oferecer uma coisa que ninguém ofereceu antes: amizade. Tate havia se aberto para mim tão facilmente na biblioteca, que de certa forma ele parecia implorar por algum tipo de atenção. E era exatamente aquilo que eu daria. Eu não me importava com o que as pessoas pensavam dele, ou o que os rumores diziam. Tate parecia ser um cara incrível, e eu estava decidida em pagar para ver.

Agarrei minha bolsa sobre a cama e corri em direção a porta da frente da casa, pegando minha bicicleta e montando nela em tom decidido. Meu coração batia forte em meu peito conforme eu pedalava, e eu tentava me lembrar das informações que as meninas haviam me dado sobre a casa onde Tate morava. Segundo elas, era uma espécie de casa amaldiçoada famosa pela região, mas eu tinha certeza que elas estavam exagerando. Comentaram que ficava em uma parte nobre e movimentada de LA, e no final das contas não foi tão difícil de encontrar.

Quando me dei conta, eu já descia da minha bicicleta e caminhava até a porta, batendo três vezes na madeira e aguardando pacientemente. Eu não havia planejado nada. Não havia pensado no que eu diria caso a mãe de Tate abrisse a porta, o que eu faria se não tivesse ninguém em casa, ou se Tate simplesmente não quisesse me ver. Eu ficaria bem chateada de ter pedalado toda aquela distância atoa, e ter perdido tanto tempo lendo mapas, mas tudo bem. Tudo valeu a pena, porque no final das contas, a porta se abriu e encontrei exatamente quem eu queria ver.

A surpresa no rosto de Tate foi impagável, e quando ele percebeu que eu realmente estava ali, fechou a porta atrás de si e caminhou em minha direção. Abri um sorriso largo e ergui a mão em cumprimento, mas ele apenas ficou parado me observando em surpresa. E eu apenas ignorei.

— Tate, oi!

— Hm... Cherry. O que você está fazendo aqui?

— Eu quero te convidar para ir à minha casa na sexta de noite. Meus pais irão dar um coquetel de inauguração da empresa, e eu adoraria se você fosse.

O rapaz pareceu perplexo por um momento, e demorou mais do que o normal para voltar a si. Ele olhou para mim e para a casa vezes consecutivas, como se tentasse decidir se aquilo era uma piada ou não, mas logo apenas abriu o velho familiar sorriso, dando de ombros.

— Claro.

Respondeu, fazendo com que por um momento eu congelasse. Um sorriso largo se abriu em meu rosto e dei um pulinho animado com sua resposta. Tate riu da minha cara com a reação, mas não liguei. Tirei um papel e uma caneta que havia trazido estrategicamente em minha bolsa e anotei meu endereço. Entreguei o bilhete para ele, e então ergui a mão, acenando agora em despedida.

— Legal. Hm... Te vejo lá.

— Até amanhã.

Ele me corrigiu, uma vez que nos encontraríamos na escola. Quase tropecei em meus pés conforme voltava até a minha bicicleta.

—Ah! E use um terno!

Completei, fazendo com que Tate desse uma risada gostosa. Ele parecia estar se divertindo com minhas trapalhadas, e mesmo estando rindo de mim, gostei de ver a felicidade em seu rosto.

— Pra escola?

Revirei os olhos, balançando a cabeça em negação. Montei em minha bicicleta, o olhando por cima do ombro.

— Quer saber? Você é insuportável. - Falei entre um sorriso, me equilibrando sobre o pequeno banco. - Não se atrase!

Reforcei antes de começar a pedalar, deixando Tate aos poucos para trás. Um sorriso irredutível se formou em meu rosto e meu coração batia forte conforme o vento acariciava o meus cabelos. Ele havia dito sim. E foi assim que o inferno começou.


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Notas finais do capítulo

Tks



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