As pessoas, muito frequentemente, conseguem exatamente aquilo desejam embora não sejam capazes de notar. Talvez alguém que saia em um dia de sol deva se queimar, talvez uma garotinha que corre para a neve, em meio a uma nevasca, deva ser congelada.

Se todos obtêm no final aquilo que merecem, talvez Lou Clark já soubesse que a nevasca se aproximava, que a tempestade se mostrava no horizonte e que nada dura para sempre. Porém aqueles olhos de Will Traynor, aqueles olhos deliquescentes, já sabiam mais do que Lou pensou poderiam saber e ainda assim eles estavam juntos.

Ao menos, os olhos de Will foram a primeira coisa que Lou viu ao acordar no dia de seu casamento, finalmente o grande momento havia chegado e ela dormira abraçada com o futuro marido na noite anterior porque os braços dele tinham um estranho efeito sob ela. Will a fazia acreditar que ela não teria o pior do mundo e que talvez ela não receberia do universo nada que fosse ruim ou indesejável. Aquela crença, era uma noção inocente sobre o amor e ainda mais inocente sobre a vida. Havia uma grande mentira entre eles, um grande segredo que Will guardava consigo como se não houvesse outra alternativa. Infelizmente, sempre há outra possibilidade e todos naquela cama sabiam disso.

—Bom dia - Disse Will com um sorriso. - Você está muito bonita hoje futura Senhora Traynor.

—Você sempre acorda mais cedo? - Questionou Lou se mexendo nos cobertores e então completou - Será Senhora Traynor Clark

—Não tenho escolha Clark, você se mexe muito durante a noite - Respondeu ele rindo.

Lou jogou um travesseiro sob o futuro marido e se colocou de pé caminhando até o banheiro. A jovem mulher deixou a porta aberta e se inclinou para lavar o rosto a fim de seguir o diálogo com Will, contudo algo mudou. Tudo de repente ficou branco como em uma nevasca, não havia nada além da cegueira causada por uma luz forte demais.

—Está ansiosa para o casamento? - Questionou Will no outro lado do aposento, incapaz de ver o banheiro.

Lou sentiu que perdia o equilíbrio, ainda assim a voz de Will perguntava algo e ela sabia que precisava caminhar até aquele homem. A garota saiu do banheiro ainda cambaleante e ainda cega pela luz branca que havia invadido sua própria mente, ela se aproximou da escrivaninha quase incapaz continuar de pé. A nevasca em sua mente estava mais e mais forte.

—Lou? Lou? - A voz de Will era cheia de alarme, cheia de temor.

Louisa Clark caiu no chão, havia desmaiado, aquela nevasca era forte demais e ela se sentia apenas uma garota soterrada pela fúria congelante. Apenas uma menina incapaz de lidar com o branco infinito das coisas incompreendidas.

—Ajuda! Ajuda! - Will gritava porque não podia ir até Lou, ele nunca poderia ir até ela. - Lou, Lou…

Esse era o problema, a nevasca era e sempre seria intransponível para Will Trayor.

***

Will estava na cadeira de rodas, a postos do lado de fora do próprio quarto enquanto Nathan permanecia sentado observando com certa incompreensão a postura no mínimo alarmada de Will. Haviam pedido para que Neal - um dos convidados para a cerimônia - examinasse devidamente Lou já que encaminha-la para o hospital ainda desmaiada poderia gerar maiores problemas.

—Lou é forte e saudável - Garantiu Nathan franzindo as sobrancelhas para o fato de que Will não parava de usar a cadeira de rodas para percorrer o pequeno espaço entre a porta fechada repetidamente. - Ela esteve muito envolvida com o casamento e nervosa pelos preparativos além de que todos aqueles desenhos…Esse desmaio foi o resultado de todas essas mudanças. Não se preocupe.

Will não pôde responder porque finalmente a porta se abriu e Neal deixou o aposento no qual Lou estava sendo examinada.

—Como ela está? - Questionou Will após fazer um leve aceno para que Nathan se retirasse.

Neal era um velho amigo, haviam se conhecido ainda na faculdade e desde então partilharam uma serie de momentos juntos embora a doença de Will tenha sido um obstáculo por algum tempo eles acabaram por cultivar a mesma amizade à distancia que já possuíam após se formarem. Neal vivia em Nova York há alguns anos e era um médico renomado.

—Lou está descansando, daqui a uma hora ela poderá voltar para os preparativos e o casamento poderá seguir normalmente. - A voz de Neal era cheia de preocupação apesar das palavras tranquilizadoras.

—Eu sei que não deveria ter pedido para esconder a verdade… - Começou Will após Neal se sentar no local antes ocupado por Nathan.

—Se eu tivesse sido responsável pelos exames de Lou jamais a deixaria na ignorância e acredite está cometendo um erro ao ocultar a verdade - A voz de Neal era cheia de censura. - Ela está morrendo, esses desmaios ficarão mais e mais frequentes.

—Eu consultei vários médicos usando os exames de Lou e todos disseram que o tumor no cérebro é incurável e que não pode ser removido - Will praticamente murmurou as palavras, era incapaz de pronuncia-las mais alto. - Me disseram que ela pode ter doze meses de vida antes de tudo se deteriorar.

—Não acha que ela deveria saber que o fim está chegando? - A voz de Neal era também um sussurro.

—Como se fala para a mulher que te devolveu a vida que a existência dela será banida? Como anunciar a morte para alguém que amamos? - Questionou Will ainda seriamente, ainda tentando saber como encontraria as palavras.

—Ainda que não tenha palavras para expressar o tamanho de sua dor por perde-la …- Neal parecia procurar as palavras certas para completar - Precisa dizer a ela, precisa dizer antes do casamento porque aquela mulher te ama, ela te ama com toda a existência dela e isso está claro mas talvez ela não seja capaz de amar o homem que foi capaz de esconder um segredo tão grande.

—Todos cometemos erros, mas não vou priva-la da esperança. Não hoje - Assegurou Will.

Will Traynor sabia que diante dele havia uma nevasca inescrupulosa de cor branca. Que aquela terrível nevasca poderia afinal tirar tudo aquilo que pensou que possuía de mais valioso, contudo como ele poderia dizer para Lou Clark que aquele era o fim? Que tudo em breve seria absolutamente branco? Como diria que o céu estaria sem nenhuma estrela, nenhum herói, nenhuma nevasca?

***

Lou finalmente conseguia ver a própria imagem refletida no grande espelho do local reservado para a preparação da noiva, o casamento iria ocorrer nas dependências do castelo, um lugar antigo para uma nova vida cheia de coisas surpreendentes. Felizmente, todos haviam concordado com a continuidade do casamento e isso fazia Lou se sentir melhor, afinal o desmaio havia sido - ao menos para ela- um mero sinal da exaustão decorrente dos preparativos para a mudança de cidade, para o casamento e para o início das aulas em Columbia.

Eram muitas mudanças, tudo estava prestes a se transformar em algo completamente novo.

A vida nunca antes parecera tão certa, tão pura, tão semelhante ao branco nevasca daquele vestido de noiva que Louisa Clark usava.

—Você está linda - Assegurou Treena colocando ambas as mãos sobre a boca e então abraçando a irmã.

Ambas estavam no local reservado para a preparação da noiva por isso eram capazes de apreciar através das antigas janelas de pedra o fato de que a decoração estava absolutamente elegante, bonita e ao mesmo tempo cheia de vida. Todo o casamento parecia dividir a áurea irônica de Will e a alma deslumbrante de Lou e os noivos sabiam disso. No final, havia sido uma excelente ideia dividir as tarefas dos preparativos entre Treena e a Senhora Traynor.

—Estou nervosa e feliz… - Lou encarava a própria imagem no espelho perplexa porque nunca havia visto a si mesma tão bonita e então completou em uma crise de risos - Vou me casar com Will Traynor!

—Sim! - Garantiu Treena segurando as mãos de Lou e ambas começaram a pular por alguns segundos.

Lou ainda sentia que não podia respirar quando desceu as escadas, encontrou os braços do próprio pai e se viu perante a beleza do castelo, das flores brancas e das infinitas possibilidades. Diante dela havia um tapete vermelho, Will estava exatamente do outro lado e a decoração combinava o vermelho da paixão avassaladora, o amarelo das abelhas em toda sua incerteza e o branco nevasca das coisas que podem vir a desmoronar. Os bancos rústicos de ambos os lados separados pelo grande tapete estavam completamente cheios de familiares, amigos, velhos amigos, conhecidos e parentes nunca antes vistos.

—Está pronta, minha filha? - Questionou o pai de Lou em um sussurro.

—Como nunca antes. - Assegurou Lou sorrindo ao encarar Will no fim do corredor formado pelas pétalas de flores amarelas em meio ao tapete vermelho.

Lou sentiu seus pés iniciarem a caminhada. Tudo para ela naquele momento se resumia a Will Traynor e seus olhos deliquescentes, contudo o branco nevasca invadia gradativamente sua mente mais uma vez. Ela se perguntou se conseguiria não desmoronar dessa vez. Por um instante tudo foi incerteza na balança inevitável do destino.