Tola escrita por TK


Capítulo 9
IX - A Primeira Prova




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É estranho admitir que mesmo em dias terríveis ás vezes conseguimos ter uma maravilhosa noite de sono.

Fui a primeira á acordar, dormi separada dos outros, com Alexander me vigiando. Não só porque eu havia ficado enquanto o brutamontes fora eliminado , coisa que faria com que os outros se sentissem injustiçados por eu estar aqui, mas também porque meus seios doíam e mal podia esperar para tirar a faixa que os apertavam e deixar que respirassem um pouco.

O príncipe havia considerado as minhas ações como um ato de defesa pelo homem estar atacando um companheiro meu.

Não sei bem porque concordou com isso, talvez por entender que estariam furiosos comigo porque fiquei ou porque sentiu dó de mim por ver minha amiga apanhando, uma amiga que, pelo jeito, ele não tinha percebido que era menina. 

Uma amiga que eu não sabia mais se podia chamar de amiga, nunca brigamos muito, sempre que brigávamos não demorava quase nada para que esquecêssemos o conflito e retomássemos a admiração que sentíamos uma pela outra. Dessa vez, não era assim, eu parecia ter estragado nossa amizade de vez.

Só podia torcer para que esse sacrifício pudesse valer á pena, mesmo sem ter certeza se conseguiria ser fria o suficiente para devolver a pessoa que me apoiou durante tanto tempo para a miséria. 

Levantei, balancei minha cabeça e vi o feno voando para todo canto e cobrindo o meu campo de visão por um desconfortável momento. Peguei a faixa no chão, fiz questão que dormisse com ela por perto, e já ia preparando-a para enrolar em meus seios de novo.

— Não quer ficar descansando mais um pouco? - Cobri o meu busto, feio e dolorido, quase que instantaneamente quando ouvi a voz de Alexander adentrando o ambiente. Carregava um olhar de pena, quase triste, ao observar meu corpo de modo descarado. Pouco depois, desviou o olhar. - Perdão. 

— Você está me olhando como se eu fosse um filhote de pássaro que quebrou a asa, por quê? - Nem precisava responder, eu já sabia bem qual era o motivo. Mesmo assim, algo dentro de mim quis perguntar só para ouvir sua resposta.

— Essa farsa toda não parece estar fazendo bem para o seu corpo. Podia arrumar um marido rico com muita facilidade, sabe? Você é bonita e tem uma bela.. anatomia, apesar de judiada. Então, por que passa por esse estresse todo? - Foi uma pergunta indelicada, mas dava para perceber que ele não a fazia por mal. Realmente estava curioso, até fascinado pelas minhas decisões. 

— Você está certo, eu poderia fazer isso. - Não tinha muito o que fazer se não admitir que sim, eu podia. Não entendia o porquê eu precisava daquilo, os motivos de estar indo tão longe. - Cataria o dinheiro dele, bastava mostrar os seios. Quero ao menos fazer algum trabalho para merecer o que vou ganhar, esse é o perfeito. E outra, não consigo me ver sendo amada por ninguém. Casamento com ou sem dinheiro seria perda de tempo.

— Está sendo muito cruel consigo mesma. - Reclamou, parecia até mesmo um pouco magoado pelas minhas palavras. No fundo, sabia que ele compartilhava das mesmas inseguranças, todo ser humano compartilha. - Precisa de ajuda? 

— Seria bom. - Resolvi que, se estava olhando, não devia faltar muita coisa para ver. Descarada ou não, joguei a faixa para ele e fiquei de costas, esperando. Sabia que se vencesse, então nunca mais poderia mostrar meu corpo para qualquer pessoa, exibi-lo para quem eu pudesse por agora seria um grande prazer. 

Entendeu a deixa, chegou por trás de mim e eu levantei meus braços. Ele realmente era ruim nisso. 

— Mais pra cima - Instrui, e ele logo se corrigiu e começou a enrolar direito. Tinha medo de apertar muito, mas precisava, por isso hesitou bastante até que conseguisse fazer tudo certo. Não era como se tivesse escolha, se descobrissem eu podia muito bem aponta-lo como um cúmplice por saber do segredo desde o começo, então era esperto da parte dele tentar fazer com que eu me simpatizasse, conscientemente ou não. 

Catei as roupas espalhadas pelo feno e me vesti enquanto ele abria caminho para que eu pudesse passar pela pequena portinha do espaço em que fiquei, nada mais do que um quadrado vazio aonde deveria estar um cavalo, mas que estava livre naquela noite. Ao menos seria a última vez em que dormia lá, agora poderíamos voltar a usar os quartos, já devem ter sido arrumados com a quantidade de servos que esse lugar tem. 

Saímos do celeiro na ponta dos pés, evitando colidir com as pessoas que ali dormiam. Eram como um bando de leões selvagens, e o pior é que, se um acordasse, não sabia se iriam tentar fazer alguma coisa comigo.

— O que você acha do príncipe? - Mesmo já tendo uma opinião formada sobre Rupert, a pergunta me rodava a cabeça e me fazia indagar o que outras pessoas achavam dele. Com o silêncio da situação, não pude deixar de conter a minha imaginação e fazer a pergunta, colocando um pouco de expectativa nas respostas que me eram possíveis.

— Éramos amigos. - Revelou, virando-se para mim e se preparando para contar toda a história. - Há muito tempo atrás. Ele não era como hoje, era uma criança muito desastrada e quase burra, talvez até inocente de mais. Andávamos juntos o tempo todo, só que as coisas começaram á mudar quando sua formação para ser herdeiro do trono começou. Seu pai lhe entregava obras enormes para que pudesse ler, e ele lia. Com o tempo, começou a furtar os manuscritos da biblioteca da igreja, livros que não deviam estar ao alcance dele. Durante o dia mal se mantinha acordado enquanto brincávamos, de noite, não dormia, ficava até de madrugada lendo livros de filósofos que nunca ouvi falar e tomando notas. Eu sentia muita falta dele. 

— Simplesmente... pararam de se falar? - É triste quando amizades acabam assim, do nada. Um abandono por parte de dois, um cansado de correr atrás do outro. 

— Não, foi muito pior do que isso. Entrei em seu quarto depois de muito tempo, em um dia que não tinha descido para que pudéssemos brincar. Nunca vi bagunça maior do que aquela, papéis jogados no chão, pilhas e mais pilhas de livros e ele sentado no meio de tudo aquilo. Escrevia rápido, como se não houvesse amanhã, e não era a primeira tentativa já que tinham papéis rasgados em todos os lugares. Me viu, se virou para mim e seu olhar estava diferente. Ele.. ele tinha ficado louco. - Engoliu em seco, dava para ver o quanto aquela lembrança era assustadora para ele. - Começou á gritar, "eles estavam errados!", "estão todos errados e cegos!". Me lembro do modo que se levantou e começou á jogar os livros pela janela, estraçalhando o vidro e berrando com uma fúria que eu não sabia que ele possuía.  

A história me fazia estremecer, ele parecia controlado, mesmo que sendo uma pessoa mão-de-ferro. Ele tinha que ser, era o futuro da nação e suas ordens tinham que ser obedecidas. 

—  Quem estava errado? - A imagem do príncipe e de seus guardas se aproximando do celeiro calou a minha boca e a dele. Os outros competidores começaram á sair de lá, um a um. 

Estava como um nobre novamente, o ar de realeza tinha retornado. Parecia forte e autoritário, divergindo muito da aparência simples e vulnerável da noite passada. 

Corri, deixando Alexander para trás e entrando na linha que todos os competidores formavam e prestei meus respeitos com uma reverência melhor do que a primeira. Estava começando á ficar boa nisso. O príncipe limpou a garganta e logo começou á explicar tudo o que precisávamos saber sobre o que faríamos.

— Cavaleiros, devido á acontecimentos do dia anterior a ordem dos desafios teve de ser alterada. Para o alívio de vocês, ou não, começaremos com provas que terão como foco testar a sua capacidade criativa e lógica. - definitivamente tinha começado com habilidades pouco valorizadas para um guarda costas, sendo um do contra não esperava nada além disso vindo dele. - Terão o privilégio de explorar o castelo para concluir essa tarefa. 

Arregalei os olhos, não podia deixar de demonstrar que estava impressionada. Aquele lugar era o que muitas pessoas observavam e imaginavam como seria ser a vida lá dentro, até mesmo sonhavam com ele. Era impressionante, simplesmente impressionante.

— Quero que o sol seja trazido para mim até o começo da tarde. - E os múrmuros explodiram. Muitas pessoas se questionavam, sussurravam possibilidades umas para as outras e alguns mais audaciosos o chamavam de louco. - Tem várias coisas que podem servir como sol, mas tem um ideal. Eu tenho uma em mente. As pessoas que conseguirem trazer algo aceitável passarão, mas a que trouxer o meu ideal será a campeã do desafio. Tenham isso em mente, é muito importante. 

Minha mente ficou branca, não tinha a menor ideia do que fazer para completar os requisitos. Vários concorrentes saíram correndo para os lados e já começavam á vasculhar tudo com certa hesitação, ninguém queria quebrar nada, o castelo deveria ser respeitado. 

Margot também estava lá, apoiando-se em um dos guardas para conseguir andar. Pelo visto não se recuperaria tão cedo, era reconfortante, por mais cruel que a sensação fosse. Não suportaria lutar contra Margot ou ficar parada enquanto ela lutava contra outra pessoa, eu a conhecia o suficiente para saber que ela não era uma pessoa muito forte e que poderia acabar morta se lutasse contra os outros competidores 

Só que eu tinha esquecido uma coisa, Margot sempre foi muito mais esperta do que parecia.

Ela foi mancando com uma calma impressionante, se locomovendo com a ajuda do guarda, até chegar perto de um quadro enorme que mostrava uma mulher nua deitada em um campo de trigo. Polêmico, pela careta que ela fazia dava para ver que seios expostos não era algo que ela considerava muito confortável de olhar.

— Aqui. - Rupert e todos os outros que estavam na sala voltaram o seu olhar para ela, que estava com o nariz empinado e fazendo o máximo para causar a impressão de poder e certeza.

— Aonde? - Ele perguntou, cruzando os braços e esperando pela resposta com certa expectativa no olhar. 

— Ali, vossa majestade. - E seu dedo se moveu até um ponto para fora da pintura, que ela mal alcançava, ás vezes me esquecia que Margot era praticamente uma criança. - Não aparece na figura, mas as sombras e a luz aparecem. Não tem nada nesse ambiente que possa causar esse efeito se não o sol.

— Isso foi mais rápido do que eu esperava. Parabéns, você venceu. - A expressão do príncipe foi de impressionada para satisfeita, olhando com cuidado dava para perceber que estava se questionando se tinha feito a escolha certa quanto ao objeto que diria quem seria o vencedor. Nada de aplausos, nada de cumprimentos, ninguém queria comemorar os méritos dos outros. O importante é que o mérito pertencesse á eles.

Saber que ela tinha passado, como campeão ainda, me deu um frio na espinha, me deixando incomodada. Isso fez com que eu me sentisse culpada, mesmo sendo a minha amiga eu queria que ela perdesse e caísse o fora dali.

Foi a primeira vez que a ideia de que lá dentro não éramos amigas passou pela minha cabeça.

O foco foi recuperado em pouco tempo, os mais rápidos já tinham saído enquanto Margot apresentava o quadro e voltavam com girassóis, broches baratos e afins. Esses o príncipe os encarava, entediado e negando tudo o que lhe traziam, era óbvio que os eliminaria quando tivesse a chance. Odiava o esperado, mesmo com pouco tempo de vivência ao seu lado já era algo muito óbvio para mim.

Iam passando aos poucos, um ou outro que conseguia se destacar, ser menos óbvio. Conseguiam achar o padrão de um sol no teto do castelo, usavam até mesmo tecidos de mesa para dobrar como um origami de maneira que se assemelhasse ao astro.

O pior é que não tenho ideia do que eu devo fazer. 

Por mais que eu olhe para os lados, ande pelos cômodos, não consigo achar nada que possa servir para ser um sol.

Depois de muito andar, entrei em um cômodo grande no segundo andar. No início pensei se tratar de uma espécie estranha de biblioteca, até me dar conta que aquele era o quarto do príncipe. 

Vestígios da história que Alexander me contou estavam lá. Seu lixo era cheio de papéis amassados, alguns rasgados, provando que o seu hábito de escrever não tinha sido deixado para trás. Queria poder entender o que ele tinha escrito.

Me sentia levemente humilhada por ver tantos livros e notas que eu sabia que jamais teria a capacidade de fazer, mal conseguia assinar meu nome. 

Um deles me chamou a atenção, amassado e caído perto do lixo. Continha um desenho que ele mesmo parecia ter feito, o desenho de um velho chorando. Era um velho deformado, com as mãos levantadas como se pedisse dinheiro ou até mesmo a proteção divina.

Por algum motivo, peguei o desenho e o amassei novamente, colocando-o dentro de minha calça. No outro lado da folha tinha um texto, e eu teria de ver com Alexander se ele sabia ler e se seria capaz de poder fazer isso por mim.

Quando levantei a cabeça, tive que abaixa-la de novo por um brilho forte ter feito com que meus olhos doessem. Me mexi, e andei até perceber que, de um certo ângulo, o reflexo duas esferas de vidro que se encontravam em cima de uma prateleira formavam a figura de um sol. 

O vidro parecia conter um segundo material por dentro, talvez ouro, eu não sabia ao certo, mas era perfeito para que eu pudesse passar o desafio. Quem sabe, até impressionaria o príncipe.

Com a ajuda de alguns livros, consegui alcançar as esferas que estavam na prateleira mais alta do quarto. Peguei-as com o máximo de cuidado que conseguia, carregando-as como se fossem dois bebês em meus braços.

Estava tudo dando certo, eu passaria, iria para a próxima etapa e tudo acabaria bem. Andava rápido, ansiosa, e logo ia descendo a escada para poder finalmente ter a vitória garantida.

Isso até alguém colocar o pé na frente dos meus e fazer com que eu caísse e ambas as esferas se quebrassem no chão.

Rolei escada abaixo, parando aos pés do príncipe.


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Notas finais do capítulo

EU ESTOU OFICIALMENTE VIVA E RESPIRANDO!
Passei de ano, meus amores, não me perguntem como porque eu não vou saber responder.
Continuo sem entender nada sobre química.



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