Tola escrita por TK


Capítulo 10
X - Cacos de Esperança


Notas iniciais do capítulo

Voltar a seguir uma rotina nunca é fácil, mal as aulas começaram e já quero jogar tudo pelos ares, aaa.
Pois bem, espero que gostem do capítulo ♥



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Senti duas mãos me ajudando a levantar, tudo parecia girar, a tontura era tanta que mal conseguia sentir a dor dos novos cortes feitos pelo vidro.

Foi por pouco, por muito pouco, um caco relativamente grande tinha caído a centímetros da minha garganta, e eu podia estar morrendo agora mesmo se ele a tivesse acertado.

Imaginei os guardas colhendo o meu corpo e o jogando fora, já que nessa vida eu não era nada mais do que apenas uma filha da miséria

O caco estava em uma posição estranha e parecia um tanto quanto grande para ter saído de uma peça tão pequena, será que realmente tinha caído junto com os outros resquícios das esferas quebradas?

Eu estive tão perto, agora faltava pouco para que a tarde chegasse e eu estava machucada e com a minha linha de raciocínio totalmente perdida, a minha salvação estava estraçalhada em milhões de pequenos caquinhos nas escadas do palácio.

Com dificuldade, foquei a minha visão e percebi o príncipe olhando para o que sobrou do objeto estraçalhado na escada e me apoiando em seus ombros.

Vi o quanto parecia chateado por causa do objeto perdido, seja lá o que ele era, tinha um carinho exclusivo por ele.

Minha consciência pesou por não ter considerado a possibilidade de ter sido algo especial.

— Venha. Foi uma queda e tanto. - Respirou fundo, tentando aparentar o menos preocupado o possível com a perda de um pedaço de sua história.

Era algo precioso, tive certeza, toda a tristeza tinha achado um refúgio em seu sorriso amarelo.

Quando tentou andar comigo apoiada em seu ombro, eu travei.

Não, ele não podia me levar. Não podia falhar.

— Por favor, espere, eu ainda não consegui passar. - Pedi, tentando fazer com que parasse de me guiar e quase levando nós dois ao chão.

Ele sabia que não podia simplesmente me passar sem que eu merecesse, e eu não queria que ele fizesse isso, aceitar algo que eu não mereço apenas não é certo, mesmo que eu não esteja em condições de decidir o que é.

Ele não falou nada, e nem precisava para que eu soubesse que não aceitaria que eu colocasse a minha saúde em segundo plano.

O salão aonde estávamos tinha muitos objetos preciosos, possivelmente mais preciosos do que as esferas.

Quadros, vasos, o enorme tapete decorado e o piano da rainha. Não era um segredo para ninguém no reino que ela adorava música.

Tentei parar de novo e me soltar, sem me importar com a possibilidade de cair e perder a capacidade de levantar de novo, acabei jogando nós dois para o lado, consequentemente me salvando de mais uma queda feia por causa do piano, senti meu dedo repousar em uma tecla, uma nota invadiu o salão sem querer.

Os meus concorrentes começaram a rir com maldade de toda a humilhação que passava pelo meu rosto por não conseguir ficar em pé, apenas Margot teve a decência de ficar quieta.

Me surpreendi quando Rupert arregalou os seus olhos da cor do mar e sussurrou bem baixinho em minha orelha.

— Toque de novo. - Estremeci, perto de mais.

Tive que apoiar melhor as minhas costas no piano para ter certeza que não tocaria no meu corpo, mesmo com a faixa eu tinha medo de que tudo fosse revelado.

Não soube bem o que deveria fazer, e não achava que haviam outras opções se não obedecer o que tinha me falado.

Hesitante, toquei, ouvindo o barulho ecoar pelo ambiente e fechando os olhos com medo de uma dor de cabeça, mas não foi o que aconteceu, de certa forma a nota tinha feito com que uma tranquilidade estranha invadisse a minha alma.

— O que foi isso? - Perguntou, e me lançou um sorriso brincalhão, ignorando os olhares estranhos que as pessoas da sala nos lançavam.

Pareciam não entender nada, nem eu estava entendendo, mas Rupert não dava a mínima para elas. Juntando as peças, percebi o que ele queria dizer com tudo aquilo e não consegui me conter, tive que abrir um sorriso largo.

Sol. A nota Sol. - E começamos a rir, eu e Rupert, pelo visto todo mundo estava com o queixo caído depois de ver que eu tinha quebrado a armadura de seriedade que ele se esforçava tanto para manter em público.

Mal conseguíamos nos manter de pé, a resposta esteve tão perto o tempo todo e ninguém viu! Fomos os únicos que percebemos e isso bem em cima da hora!

Os guardas tiveram que nos separar, do jeito que as coisas estavam indo não conseguíamos dar nem um passo sem o risco de cair.
Só quando me afastei dele a estranha crise de risos que tinha acabado de acontecer cessou, mas eu ainda podia ouvir vossa majestade e sua risada hilária a plenos pulmões vindo do salão.

Eu passei por um fio, alguém tentou sabotar o meu progresso, mas quem?

Se a pessoa estava lá em cima as chances de ter passado no desafio eram menores, se não ela não teria motivo para subir, e eles não tem guardas lá?

Os guardas deveriam ter visto ou feito alguma coisa se alguém me fez cair, era quase impossível que alguma coisa passasse batido por eles.

Me soltei do homem que me ajudava, agradecendo com um aceno de cabeça e ignorando os arranhões e hematomas novos.

Sabia lidar bem com a dor e não estava com um pingo de paciência para encarar as curandeiras, mesmo que isso quisesse dizer que teria que me arrastar (sim, arrastar, não consigo mais andar sem mancar) por aí com o corpo ferrado e o gosto de sangue na boca.

Tinha o receio de ter perdido um dente.

A última coisa que eu me importava no momento era se eu estava mal, a pessoa que fez isso nem se importou com a possibilidade de um caco de vidro entrar no meu pescoço quando me presenteou com aquela queda.

Me matando ou não, ele me queria fora daquele jogo.

Talvez até quisesse que o caco perfurasse o meu pescoço.

Era um aviso, um aviso muito claro que nesse momento eu não deveria baixar a guarda para mais ninguém.

Era uma tentativa de assassinato.

Chequei se ainda tinha o pedaço de papel que tinha pegado no quarto, soltando o ar aliviada quando percebi que, sim, ainda estava aqui.

Discretamente, tirei ele de minhas roupas e observei seu conteúdo normalmente, estranhei a letra que residia sobre o papel, estava tremida.

Esqueci de parar de andar, e trombei com alguém, e antes que eu conseguisse arrumar alguma mentira percebi que "alguém" era Alexander.

O olhar dele estava sombrio, e fixo no papel que eu tinha em mãos, desviei quando ele tentou tirá-lo de mim.

— Por favor, me diga que não fez o que estou pensando que fez. - Fiquei calada, e ele levou as mãos na cabeça, bagunçando os cabelos com aparente nervosismo. Eu não tinha contado com a possibilidade de que ele sequer quisesse me ajudar.

— Você sabe ler? Por favor, leia pra mim. - Franziu o cenho, merda, ele achava a ideia um grande absurdo.

— E se ele perceber? Você perdeu o juízo?! Eu deveria ter te entregado. - Quando ameaçou me entregar, segurei-o pela gola da camiseta e aproximei o meu rosto do dele.

Senti a fúria queimando o meu corpo, quase me esquecendo de que estava machucada e que poderia perder o equilíbrio se não me concentrasse bem.

— Me entrega e te aponto como cúmplice, se acha que ficarei com pesar se queimar comigo então está enganado. - Engoliu em seco, acho que tinha entendido bem o recado.

— Só disse que devia, não que ia. - Jurei ter ouvido a voz dele falhar, mas ignorei. Não demorou para que um olhar contemplativo pousasse em meus cortes. - O que aconteceu com você?

Recuperando a minha calma, eu o expliquei tudo o que tinha acontecido.

Expliquei como deveria levar o sol para o príncipe, como quase tinha falhado na competição e, por pouco, não fui eliminada e também sobre a suposta pessoa desconhecida que tinha tentado fazer com que eu fracassasse em um desafio que estava tão perto de vencer e quebrasse os pertences do príncipe.

— Você quebrou as esferas? - De todas as perguntas, essa foi a primeira que ele fez. Eu já tinha falado que tinha quebrado, mas parecia que ele queria ter certeza de que tinha ouvido direito.

— Eram importantes? - Desviou o olhar, merda, eram muito importantes.

Um silêncio desconfortável tomou conta por alguns momentos, percebi que era uma coisa que eu jamais saberia, isso dependendo dele.

A encarada dizia tudo, podia mentalizar a bronca.

"Se alguém tem que falar sobre um objeto tão importante, é Rupert, não sou eu". 

— Você tem certeza que tinham guardas perto da escada? É muito estranho que você tenha sido derrubada e ninguém tenha sido penalizado. Aliás, tem certeza que alguém sequer te derrubou? Pode estar sendo paranóica. - Eu tinha, eu senti a canela dele contra a minha perna, eu ouvi o riso breve e debochado.

— Sim, eu tenho! Eu não estou inventando! Me derrubaram! Você tem noção de que eu podia estar bem pior do que eu estou agora? Jamais me permitiria ser desajeitada assim a essa altura da competição. - Tinha de ser cautelosa, cuidar dos mínimos detalhes para fazer tudo com perfeição. Todo aquele desafio tinha sido um desastre!

Parecia que, mesmo que eu tentasse acertar, sempre acabava bagunçando tudo.

— Eu acredito em você! Calma! Só acho estranho que tenha sido derrubada e que nenhum guarda tenha sequer repreendido o sujeito! - Dava para ver que ele desconfiava de mim, e por mais que eu quisesse gritar com ele por isso, a verdade é que mal o conhecia. Seria burrice brigar com ele por sua falta se confiança. - De qualquer maneira, não há muitas coisas que possam ser feitas se só você viu.

— Você está certo. - Se ele tinha encarado a minha acusação assim, as outras pessoas do castelo provavelmente também iriam a encarar. - Por favor, eu sei que já te pedi muitos favores, mas eu preciso saber o que está escrito nesse texto. Não devia ter pegado, mas sinto que é um texto importante.

— Não aqui, não agora. - Deixou claro com aquelas palavras que, se eu quisesse saber o que estava escrito, teria obrigatoriamente que esperar. - Vou pensar no seu caso, mas é bom que você guarde isso bem, muito bem, os pensamentos de uma pessoa como ele não devem cair em mãos erradas.

Que assim seja. A verdade é que só a possibilidade de saber o que está escrito nela já me deixava ansiosa.

Saber ler parecia muito distante da minha realidade, e eu nunca tive a chance de aprender.

Não que fosse incomum, eu nasci pobre, apenas nobres e monarcas tinham a chance de aprender a ler, mas me perguntava os motivos pelos quais a leitura afetava tanto sua vida e ele como pessoa, talvez nunca entenderia.

Guardei a folha com cuidado, naquele momento ela era a coisa mais preciosa que tinha comigo, talvez a única, fazia tempo que não dava valor a nada.

Feito isso, sai de perto de Alexander e resolvi procurar o meu quarto, esquecendo que se pedisse a ajuda dele, talvez pudesse ter me levado lá.

~*~

Provavelmente já teriam começado a comer sem mim, então tinha que me apressar, mas acabei me perdendo.

Maldito castelo enorme!

Grande de mais e com muitas entradas e saídas! Por mais bonito que fosse, ainda era preferível morar em uma casa mais simples, pelo  menos é impossível se perder em casas simples.

Cada vez que passava por mais uma porta acabava ficando mais e mais nervosa, me amaldiçoei por não ter tido a brilhante ideia de prestar mais atenção no caminho quando entrei no castelo pela primeira vez.

Certo, segunda vez, na primeira estava fugindo de um monte de lunáticos que, por algum motivo, tinham tentado colocar a cabeça de Rupert em uma bandeja de prata.

Isso se prolongou até que eu ouvi gritos de raiva altos vindo de um dos quartos que me fizeram parar, e eu me arrependeria de ter parado e bisbilhotado mais do que eu deveria.

Pelo visto estavam certos de dizer que a curiosidade matou o gato.

— Você está brincando comigo? Você entregou a resposta do desafio na mão daquele moleque! Você podia ter ficado calado, mas você apenas aumentou o pouco tempo que temos para completar essa droga de competição e ainda ajudou um homem fraco, desastrado e pequeno de mais passar na prova!

Aquele era o rei falando?

Colei minha orelha na parede, sem pensar direito em que consequências aquilo poderia me trazer. Por algum motivo, não tinham guardas naquela área, talvez quisessem mais privacidade.

— Essa é a minha competição para o meu guarda costas e não tem nada que você possa fazer sobre isso. Agora pare de gritar, somos todos adultos aqui. - Reconheci a voz de Rupert, ele não estava berrando. Parecia muito mais calmo do que o pai, como se soubesse que não teria nada que ele pudesse fazer para mudar o que aconteceu.

— Você riu! Você riu no meio de todas aquelas pessoas como se tivesse ouvido uma piada! Ele quebrou as suas.. - E ele foi interrompido, pelo visto o príncipe não estava tão calmo quanto pensei que estivesse.

— Eu sei o que ele quebrou! Eu sei, céus! Pare de querer me dar ordens, se eu assumirei o controle então me deixe pensar por mim mesmo. Eu considerei certo, ele tocou a nota, eu perguntei o que era aquela nota, era uma nota de sol. Sol. Foi o que eu pedi para que me trouxessem, ele trouxe. - A raiva na voz dele era algo novo para mim, que eu nunca tinha ouvido antes. Mais uma das faces do príncipe estava aparecendo diante de mim.

— Esse trono nem deveria ser seu. - Me arrepiei. O que ele queria dizer com isso? Ele era o príncipe, era claro que o trono deveria ser dele. Por mais que eu tentasse procurar motivos para que o trono não devesse ser dele, eu não conseguia achar nenhum.

Um silêncio sinistro tomou conta do quarto, e quando eu ouvi passos vindo na direção da porta, tentei ir para o outro lado do corredor o mais rápido que podia.

Andava com pressa para que pudesse sair mais depressa dali, eu precisava sair daquele lugar antes que Rupert ou qualquer outro me visse. 

Se minha perna estivesse boa, teria conseguido sair dali.

— Agony?

Ouvindo aquela voz falando o meu apelido, soube que era tarde de mais.


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