Tola escrita por TK


Capítulo 8
VIII - A Imprudência e seus Presentes




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Há sempre esses momentos em que se perde o controle, em que o mundo parece se resumir em uma coisa e apenas ela. De todas as pessoas, acho que eu sou a que mais está acostumada com a sensação.

Sentidos agudos, nenhuma consideração ao que se resumiriam as minhas ações depois de terem sido feitas.

Tudo se resume aos murros, aos gritos e á raiva.

Nem percebi quando derrubei Alexander. Nem percebi quando me joguei no brutamontes e comecei a esmurrar seu rosto de uma maneira que minhas mãos também acabavam machucadas. Não importava se ele era maior, não importava se eu acabasse mais machucada do que ele.

Ele atacou Margot. Ela nem deveria estar ali. Nunca gostou de brigar, nunca foi corajosa, a Margot que era curiosa, pequena, um amor de pessoa com todos.

Senti muitos braços me agarrando, por um momento parecia que esses braços eram todas as pessoas do mundo, talvez até algo abstrato como a consciência.

Mas não era, ainda queria encher aquele desgraçado de porrada.

Fui arrancada de cima do homem por Alexander e outros competidores, minhas mãos doíam horrores e eu tinha certeza de que feridas deviam ter sido abertas com aquela briga. Eu ás sentia, o sangue, a sensação do vermelho descendo por meu braço.

E Margot me olhava no chão. Um olhar cheio de decepção e raiva que apertava meu coração, e o pior é saber que não estou surpresa por ela me olhar para mim. Como deveria olhar depois do que eu fiz a ela? Mesmo assim, não via nenhum motivo para que ela estivesse aqui, nenhum que eu conseguisse imaginar.

Homens levantaram-na do chão, e ela parecia uma pluma. A facilidade com que o fizeram me surpreendeu. Acho que jamais ela pareceu tão pequenina assim.

Comecei a me remexer, queria os acompanhar, e, relutantes, os homens me soltaram. Talvez estivessem com medo de que eu fosse voltar á brigar com o agressor dela, e eu voltaria se não sentisse a necessidade de segui-la até as curandeiras.

Curandeiras sempre foram importantes para o povo, cuidando de feridos com orações e remédios. Era uma profissão perigosa, já que muitas delas eram confundidas com bruxas pela própria Igreja e queimadas até a morte. Sempre monitoradas de perto, só podiam usar medicamentos reconhecidos por um padre e eram restritamente obrigadas á rezar na hora do tratamento.

Foi levada ás pressas para um quarto pequenininho, manchando os lençóis brancos com o seu sangue e respirando de uma maneira que causava uma estranha angústia.

Por mais que Alexander tentasse me parar, não o ouvia, nem prestava atenção no que estava dizendo e de como tentava me segurar para que não fosse, no final, contudo, pareceu ceder aos meus desejos. Mal prestei atenção, mas pude ouvir seus gritos ordenando que todos saíssem da sala e brigando com os outros homens que olhavam a cena curiosos, os escoltando para fora com palavras duras e berros assustadores. Parecia estressado. 

A curandeira chegou pouco depois, uma anciã idosa e com uma saúde aparentemente frágil. Andava devagar, quebrando um pouco o clima de adrenalina que eu sentia por causa do momento e, consequentemente, me fazendo sentir uma raiva irracional. Ela precisava de cuidados, e precisava deles muito rápido.

— Não quero você perto de mim. - Margot anunciou de um jeito que me machucou, quase tanto quanto saber que aquela era a intenção dela.

— Pare de gastar energias comigo e cale a boca. - Eu sabia que havia a traído, sabia que roubei dela e das injustiças que cometi com a nossa amizade. A última coisa que precisava era que ela ficasse esfregando isso na minha cara.

Franziu o cenho, mostrando seu claro incomodo pela situação. Não só por minha causa mas também pelo seu corpo judiado. Aquilo demoraria para se curar, e ainda havia o risco de descobrirem que era uma menina. Aliás, o que Margot estava fazendo lá, vestida como um homem e vagando pelo meio daquelas pessoas?

Claro, todos precisávamos de dinheiro, mas Margot tinha a mãe, e eu sabia que ela não seria capaz de abandoná-la, não importa a circunstância ou a situação. Ela estava bem? E se estava, o que havia sido feito pra que ela simplesmente mudasse de ideia?

A reza começou, enquanto ficava tentando impedir que mais sangue escorresse de seu corpo. Acho que jamais me acostumarei com a bizarrice que a reza acabava fazendo transparecer no ambiente, sempre rezavam devagar e com calma, sem se importar com o quão grave o estado do enfermo ou do ferido.

E quando alguém morria no meio da reza, era apenas a "vontade de Deus".

Fiquei tensa, no momento não sabia bem o que fazer, mas sabia que se não fizesse nada haveria a chance de descobrirem o que Margot estava fazendo. Era ela em minha pele, comprometendo-se com os mesmos riscos que eu me comprometo ao escolher permanecer aqui com a minha mentira.

— Posso cuidar dele. - Anunciei, interrompendo a reza. Hesitando, sem saber direito os riscos que eu estava jogando em suas costas ao pedir que a deixasse em minhas mãos. Eu não sabia cuidar de ferimentos muito bem, e a experiência mais tensa que já tive na vida se tratando de machucados era um mísero joelho ralado com o qual tive que pedir ajuda porque não sabia direito como o faria parar de sangrar.

Ambas olharam para mim, um olhar desconfiado e assustado. Logo, a velha franziu o cenho e seu olhar ficou mergulhado em desgosto.

— Você está negando a ajuda de Deus? - Deixou a raiva transparecer ao dizer isso, era claro o que pensava sobre isso. Eu estava cometendo uma heresia, deixando que uma pessoa morresse em mãos que não fossem dele, mas que fossem minhas. Mesmo que ela não estivesse em um estado entre a vida e a morte, eu estava assumindo esse risco sem nenhum pesar.

Olhei para a porta do quarto, não sei porque, mas olhei. O rei estava parado lá, olhando toda a cena. Pelo visto, sem se preocupar com sua aparência, os cabelos estavam bagunçados, usava roupas simples que deixavam claro que ele estava indo dormir quando a confusão começou.

Estava como qualquer outra pessoa estaria ao se preparar para dormir, cansado, com sono e surpreso por todos os eventos estarem acontecendo logo na hora de estar indo para a cama. Nenhum traço de sua realeza, nenhum traço de exclusividade, ele era mais a gente do que nós jamais fomos.

Hesitei, por mais que já tentasse me convencer de que a opinião dele não me importava, não sabia bem o que pensaria disso. Não sabia se os boatos eram verdade, se ele era o infiel demônio como realmente todo mundo considerava que era ou não. Por um momento, pareceu-me que toda a lealdade que senti por ele quando saíamos correndo por aquela multidão enfraqueceu-se.

— Estou. - Foi um sussurro, baixo, mas audível. Eu devia isso á Margot, era o mínimo que eu devia á ela. A velha olhou para Rupert, como se esperasse que ele fizesse alguma objeção quanto á tudo o que havia acontecido, mas ele não disse nada. Só se afastou, como se abrisse um espaço para que ela pudesse sair do quarto enquanto resmungava.

A porta se fechou, e me voltei para Margot assim que aconteceu.

— Você está louca? O que diabos está fazendo aqui? Deixou sua mãe sozinha? - Ela revirou os olhos. Tentava me empurrar e fazer com que ficasse longe dela. Eu não ficaria. Eu me recusava á ficar.

— Minha mãe está bem, se ela conseguiu cuidar de mim e de você durante tanto tempo então consegue tomar conta de si mesma. E depois, acho que você em uma posição que te dá o direito de ficar brava comigo, não é mesmo? O que diabos você está fazendo aqui..? - Ela fraquejou e começou á tossir, querendo ou não, me preocupava com ela e fiz um sinal para que ficasse em silêncio, me apressando para cuidar dos ferimentos de seu corpo.

Senti uma dor aguda em meu ombro com o meu corpo acordando da onda de adrenalina. Estava ciente que esse machucado ainda me atrapalharia muito, e me lembrava bem o quanto foi difícil deixar que Rupert cuidasse dele, comigo escondendo a maior parte de meu corpo e reclamando sempre que tentava ver mais do ferimento.

— Você também está machucada e está querendo tomar conta de mim. - Resmungou, e estava certa. O ombro doía e minhas mãos também, mesmo que não me importasse muito com elas. Os machucados haviam válido á pena. - É bom que dê um jeito nisso logo. Não quero que suspeitem de nada.

Suspirei, peguei algumas bandagens levantei sua camiseta, limpando seus ferimentos com água fria e estancando seus sangramentos. Com a minha falta de experiência, era o melhor que eu poderia fazer, em cerca de uma hora ela já parecia suficientemente bem. O ambiente era tenso, muito silencioso, e era claro que nenhuma de nós teria paciência para explicar tudo o que estava acontecendo.

— Prazer, Agony. - Sussurrei, e ela arregalou os olhos quando eu lhe revelei que este era, oficialmente, o nome que havia escolhido. Era claro que sabia da história do mantra, e era uma das poucas que sempre achou uma má ideia ligar sorte com essa superstição.

Nunca acreditou no mantra, para ela era só mais uma maneira de contribuir para que os guardas achassem que, de alguma maneira, estávamos ligados á bruxaria. Era uma brincadeira de mau gosto que ela acreditava que, um dia, ainda seria a razão de nossa morte.

— De todos os nomes.. - Ela parecia genuinamente decepcionada. Desviou o olhar e começou á rezar baixinho, uma oração corrida e atropelada, como se aquele nome disse amaldiçoado. Mal terminou e já foi se apresentando como a nova pessoa que era agora. - Prazer, Magnus.

~*~

Margot havia escolhido um nome forte, um nome digno de um guerreiro. Eu a invejava por isso, mesmo sabendo que seria impossível achar um nome que me definisse tão bem quanto o que estou usando agora.

Ao sair do quarto, ele ainda não tinha ido embora.

Estava lá, parado no corredor, quase tirava um cochilo ali mesmo. Quando me viu, deu um jeito de acordar balançando sua cabeça e piscando com rapidez os olhos, tinha o mesmo ar de uma criança que havia se perdido da mãe.

— Correu tudo bem? - Perguntou, e não pude fazer mais do que assentir em resposta á sua pergunta. Desviei meu olhar, não conseguia olhar para ele. Ficou preocupado, pelo visto deve ter percebido que eu não tenho experiência com coisas assim.

— Fui imprudente? - Indaguei, sem saber direito o que fazer.

— Você foi? - Me devolveu a pergunta, chegando mais perto e, em um gesto estranhamente carinhoso e inesperado, pousando sua mão em minha cabeça.

— Se eu soubesse não estaria te perguntando. - Retruquei, engolindo meu medo e olhando diretamente para ele. Tinha um certo cuidado em seus olhos, que eram como um estranho e indecifrável código, não sabia como se sentia quanto tudo aquilo, orgulho? Estava chateado? Perplexo?

— E acha que sou eu quem deve decidir se foi imprudente ou não? Mal te conheço, Agony. - Era estranho como oscilava entre a empatia e a autoridade, entre o poder e a gentileza. Só por lembrar o meu nome me fazia sentir secretamente agradecida.

— Talvez, sou eu quem vou te proteger. - A declaração saiu natural, como se eu tivesse certeza de que ganharia dos outros. Isso pareceu deixá-lo satisfeito, já que fez com que sorrisse e mexesse levemente a cabeça, estava com vergonha?

— Você me diz se foi ou não imprudente. - E se calou, esperando uma resposta. Fiquei calada, não por estar pensando ou nada do tipo. Só quis ficar, aproveitar mais um pouco aquele momento, contemplar um pouco aquela figura de autoridade em minha frente, agora tão parecido com qualquer outra pessoa que encontro por aí.

Aquele era mesmo o homem que todo mundo tratava como se fosse uma divindade? O que movia guerras e unia países? Será que ficaria chateado se descobrisse que eu me sentia como se toda a autoridade que ele tivesse fosse falsa? Não que eu quisesse desobedecê-lo, na verdade, acho que eu realmente sentia vontade de cuidar dele.

— Não. - Com minha resposta, tirou a mão devagarinho de minha cabeça. Começou á se afastar devagar, dando passos para trás, sem dar as costas para mim. Então, quando ele deu e foi embora, eu fiquei lá, paralisada de um jeito estranhamente confortável.

No final, quem queria dormir em pé era eu.


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Notas finais do capítulo

ME PERDOEM PELO ATRASO AAA
Sim, sou irresponsável. Sim, fiquei de final em química. Sim, apenas me livrei da escola semana passada.
Química + Eu => Pesadelo, unica reação que sei fazer bem.
Espero de coração que gostem do capitulo ;;



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