The Grey escrita por Milla Lyra


Capítulo 4
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Aproveitem a leitura, meu povo!



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Duas semanas tinham se passado, e a menor distância em que cheguei de Draco foi de algumas cadeiras na sala de aula. Ele estava me evitando, eu sabia disso porque Draco não se aproximava mais enquanto Luna, Theo e eu estávamos sentados no gramado, nem nos chamou para outra de suas lutas, nem tentou me olhar ou sorrir maliciosamente, como vinha fazendo. Quando passava por mim, seus olhos estavam sempre em outra direção, seus passos apressados para não ter que me cumprimentar. Eu aceitei isso como sendo o melhor que poderia ter acontecido, pelo menos eu tentava me convencer disso. A verdade era que eu estava triste, não tinha ânimo nem para estudar, ou trabalhar, todos os meus movimentos eram automáticos. Quando isso foi acontecer? Eu pensava, distraída. Como eu fora me ligar a Draco dessa forma absurda em algumas semanas? Eu ficava consternada quando sonhava com ele, o que acontecia com mais frequência do que eu admitia. Era sempre o mesmo sonho, ultimamente, Draco apenas sorria para mim. Não falava, nem fazia nada, apenas sorria aquele sorrisinho torto que eu gostava, como se prometesse fazer coisas comigo, e eu gostaria do que ele faria. E aí eu acordava suada, corada e arfando, com um aperto no estômago e uma sensação quente no meu baixo ventre.

   Luna estava ficando preocupada comigo, perguntava o que tinha acontecido, se era por causa da minha mãe, mas eu apenas dizia que estava tudo bem. Toda vez que Theo jantava conosco, eu esperava, de modo relutante, que ele comentasse algo sobre Draco. Se ele estava bem, se estava com problemas, como tinha sido sua última luta. Mas, nada. Theo nunca citava seu nome, e cada jantar terminava com uma decepção para mim. Pelo menos até aquela noite.

   - Você está com olheiras enormes, amor. Não tem dormido bem? - Luna perguntou, preocupada com o ar de cansaço de Theo. Eu também vinha notando seu olhar sempre cansado, seus ombros baixos, o tom arroxeado sob seus olhos. Theo suspirou, derrotado, como se admitisse algo que o preocupasse.

   - Tenho levantado todas as madrugadas para acordar Draco. E depois não consigo mais dormir, fico pensando nos gritos dele e… - Ele parou subitamente, arregalando os olhos na nossa direção, o rosto numa expressão arrependida. - Eu não disse isso. Façam de conta que eu nunca falei isso.

   - Gritos? - Perguntei, alarmada. - Porque Draco gritaria?

   - Vamos lá, Theo, nós também somos amigas dele. - Luna disse, tentando convencê-lo a falar. - Nós nos importamos com Draco.

   - Tudo bem. - Theo suspirou. - Draco tem pesadelos desde que fui morar com ele. Acorda gritando e esperneando, chamando pela mãe desesperadamente. Antes era só algumas vezes, não costumava acontecer muito, e ele acordava sozinho. Mas, agora, tem sido todas as noites, ele está começando a me assustar. Draco grita pela mãe, pede para alguém parar com o que quer que seja, chega até a chorar e soluçar as vezes. É apavorante de se presenciar. E agora ele não acorda mais sozinho, eu tenho que ir até ele e sacudi-lo até que ele abra os olhos, e aí ele corre até o banheiro e fica lá por horas, ou até que eu saia do quarto. Ele nunca fala sobre o que são seus pesadelos, ou o que houve para que ele os tenha a tanto tempo. - Quando Theo terminou de falar, eu estava sem fôlego.

   - Meu Deus… - Luna murmurou. - Coitado do Draco.

   - Por favor, não comentem isso com ele. Draco não gosta de falar sobre isso, e também detesta que pensem que ele é fraco. - Theo pediu, os ombros tensos.

   - Claro, claro. - Luna acenou e tranquilizou o namorado. Eu não sabia o que falar, não tinha ideia do que pensar sobre o que acabara de ouvir. Sentia tanto por Draco que meu coração apertava, viver daquele jeito devia ser horrível. Não conseguir uma noite de paz, não dormir nem por uma noite inteira. E eu não tinha percebido isso porque nem olhava para ele à semanas. Draco também devia estar tão cansado quanto Theo. - Durma aqui até está descansado, então.

  Theo negou com um aceno, os olhos assustados. - Eu tenho medo do que possa acontecer se eu não estiver lá para acordá-lo, sabe? Já falei para Draco procurar um especialista para ajudá-lo, mas ele é daquele jeito, muito durão para aceitar ajuda.

   - Isso é preocupante, não é Hermione? - Luna perguntou. Tomei um susto quando meu nome foi falado, estava tão atônita com tudo que nem notara que estava calada desde o início da conversa.

   - Sim, sim. Muito preocupante. - Disse, estupidamente.

   - Eu acho que tudo tem a ver com os pais dele. - Theo continuou. - Não a mãe, Draco a ama, eu já notei isso; mas Lucius. Draco o detesta, dificilmente o chama de pai.

   - O Sr. Malfoy não parece uma má pessoa. - Comentei, esperando Theo revelar mais qualquer coisa sobre Draco e sua família.

   - Ele realmente não é, apesar de que ele me dá medo. Principalmente quando ele liga procurando por Draco. Sempre que o Sr. Malfoy liga, Draco perde o pouco juízo que tem, fica instável por dias, arruma brigas com uma facilidade alarmante.

   - Espero que esse problema com Draco e o pai dele se resolva logo, pelo bem deles e seu também. - Luna murmurou.

   - Sim, eu também espero. - Disse Theo.



No dia seguinte, aquela conversa ainda rondava minha cabeça. As aulas passaram rapidamente, e eu não conseguia nem dizer quais eu já tivera. Minha atenção estava dispersa, minha mente cheia. Quando caminhei pelos corredores do prédio da faculdade, estava tão distraída que esbarrei em alguém sem querer, tomando um tranco tão forte que por pouco não caí. O que impediu minha queda foi um braço rodeando minha cintura firmemente.

   - Desculpa! - Falei, segurando nos braços da pessoa para me equilibrar. Ainda não tinha olhado para cima, tentava não cair nem derrubar ninguém.

   - Tome mais cuidado, garotinha. - A voz era tão familiar que senti uma vibração por todo meu corpo. Não deveria ser tão reconhecível, não depois de tão pouco tempo, mas era. Draco me segurava, e quando eu olhei para cima, vi seu sorriso torto, aquele dos meus sonhos, todo para mim. Senti como se meu corpo relaxasse. Até que notei seus olhos. Aqueles olhos cinzas e vibrantes estavam sem vida agora, grandes manchas arroxeadas sob eles, as pálpebras tão caídas que parecia doente. Draco claramente não estava bem. Seu rosto estava mais magro também, os ossos sobressaindo sob a pele pálida.

   - Hã… obrigada. - Falei, tentando não o encarar. Era difícil, eu queria passar a mão no rosto dele, acariciar suas pálpebras, delinear o formato dos seus lábios.

   - Está tudo bem? - Ele perguntou, franzindo as sobrancelhas.

   - Porque não estaria? - Eu era quem deveria perguntar aquilo. Não fazia sentido ele me perguntar se eu estava bem.

   - Você parece nervosa, não olha no meu rosto, e nem falou nada insultante. Isso é estranho. - Draco resmungou, levando a mão que estava na minha cintura até meu braço, segurando-o.

   - Estou ótima. E você, está bem? - Como eu queria que ele me dissesse a verdade, que se abrisse para mim, contasse seus problemas. Mas eu sabia que isso não aconteceria.

   - Estou perfeitamente bem. - Ele respondeu, ainda estranhando meu comportamento.

   - Olha, sobre aquela noite no estacionamento, eu sinto muito ter estourado daquela forma. Geralmente eu não gosto de ser usada como desculpa para nada, mas eu exagerei. Desculpa, de qualquer forma. - Falei, olhando diretamente para o peito de Draco bem na minha frente. Ainda não confiava em mim para olhar no seu rosto. A mão de Draco acariciou meu braço.

    - Eu também tenho que me desculpar. Eu não deveria ter te usado daquela forma. - Ele disse. Pelo seu tom, era óbvio que ele não gostava de pedir desculpas, e estava se esforçando para não ser ríspido. Isso quase me fez rir.

    - Bom, então acho que somos amigos, agora.

   - Amigos? - Draco perguntou, cético. Senti minha bochecha esquentar, eu estava corando de vergonha. Amigos, Hermione? Sério?

    - Ou conhecidos, tanto faz. - Me apressei em dizer. Draco riu de leve, e cruzou os braços.

   - Acho que gosto do ‘amigos’, na verdade. Pelo menos podemos tentar não nos matar. - Rimos juntos da improbabilidade daquilo. Não ia dar certo, mas o que custava tentar?

   - Claro, porque não? - Falei, sorrindo.

   - Sim, porque não? - Um silêncio constrangedor se seguiu. Eu podia sentir os olhos de Draco em mim. - Porquê não vamos até o Café aqui do campus? - Surpresa, demorei um pouco para responder.

   - Hã… Claro. Vamos sim. - Olhei para seu rosto, ele estava sorrindo suavemente, era quase imperceptível. Eu acreditava que Draco nunca sorrira abertamente sem medo e sem restrições postas por ele mesmo. Ele era tão contido com suas emoções, a não ser que se tratasse da raiva, aí ele a liberava facilmente.

   Draco passou por mim, sem que nossos corpos encostassem ele me guiou até a saída do prédio. Pela primeira vez em muito tempo, eu não sabia o que fazer. Estava estranhamente tímida ao lado dele, como se sua presença me intimidasse.

   - Está calada demais hoje. Não me insultou, não me provocou ou deu sermões. Quase não te reconheço. - Draco sorriu. - A não ser, é claro, pela sua roupa. Essa sim é sua marca pessoal. - Franzindo as sobrancelhas, ergui o queixo em um sinal claro de petulância.

   - Como assim, minhas roupas? O que quer dizer? - Entramos no Café, e logo procuramos uma mesa mais separada dos outros clientes. Eu tinha a impressão de que ainda teríamos coisas a discutir, não queria público. Logo que nos sentamos, Draco se encostou desleixadamente na cadeira, pegou o celular do bolso e começou a brincar com ele, rodando-o entre os dedos.

   - Não faça essa cara de teimosa, Hermione. Só falei que você se veste de um jeito… único. - O modo como ele falou me deixou ainda mais incomodada.

   - E o que você quer dizer com ‘único’? - Draco suspirou, se inclinou sobre a mesa, suas mãos quase encostando nas minhas.

   - Você não é de mostrar seu corpo. Não estou falando que você deveria sair mostrando tudo, se você não quiser. Só digo que você deveria usar blusas mais femininas, ou calças mais justas, ou até vestidos as vezes. Já se olhou bem no espelho? - Fiquei rígida na mesma hora. Parece que finalmente ele tinha visto que eu não era o que ele queria, enfim. - Você tem um corpo incrível, várias garotas a invejariam, se ao menos tivessem ideia do que você esconde nessas camisas grandes e calças folgadas.

   Mais uma vez, eu estava boquiaberta. Ele só podia estar brincando comigo, sem dívidas era isso. Corpo incrível, eu? Tinha a forte sensação de que Draco estava zombando dos meus defeitos, mas sua expressão estava tão séria e sem a malícia habitual, que eu não tinha certeza de nada.

   - Você acha que não estou falando sério? - Ele perguntou, franzindo o cenho.

   - Na verdade, tenho a impressão de que você está querendo brincar comigo, uma brincadeira de mau gosto, é claro. Ou então, você é cego. Ainda não me decidi. - Ele ergueu uma sobrancelha, parecia surpreso.

   - Não se acha bonita, Hermione? - O que eu responderia? Não queria mentir dizendo que me achava bonita, nem queria parecer tão ridícula dizendo que não.

    - Me acho… comum, na melhor das hipóteses. - Draco riu, uma risada cética, como se não acreditasse na minha resposta.

    - Acredite em mim, você não tem nada de comum.

   - Ah, não? Acho que você pode falar sobre isso, já que já viu todo tipo de corpos femininos. Mas não viu o meu, então como pode ter certeza?

   - Não acho que você irá gostar da minha resposta, mas vou ser sincero. - Esperei ele falar. Draco estava hesitante, procurando quais palavras usaria, isso estava me deixando ansiosa. - Eu dei uma boa olhada em você, na primeira vez que nos vimos. É o que normalmente faço, não me crucifique por isso, é o que as garotas com quem eu saio esperam que eu faça. Você estava com um jeans mais justos, diferente dos que você normalmente usa, grudava tão bem nas suas pernas que eu me lembro de pensar que eu gostaria de estar entre elas.

   Todo o meu rosto e pescoço estavam tão quentes que eu tinha certeza de que estava mais corada do que nunca estive em toda a minha vida. O modo tão prático como ele falava só deixava tudo ainda mais constrangedor, e me lembrava de que ele estava acostumado com aquilo, enquanto eu, não.

   - Lembro também que você estava com sapatos altos. - Ele continuou. - Era como se suas pernas nunca tivessem fim, apesar de você ser tão pequena que eu sabia que eu poderia te levantar e fazê-la enroscar as pernas em minha cintura, se eu quisesse. Você usava uma camisa de botões, o tecido era tão fino e transparente que eu podia ver o contorno da sua lingerie, quando estávamos na luz forte do restaurante. - Draco hesitou, e em seguida riu, voltando a encostar-se na cadeira. - Isso, é claro, foi antes de você abrir a boca e eu perceber que você era uma cretina.

   - Você que foi um babaca comigo, sem falar que apareceu para um encontro com um hematoma no rosto, o que queria que eu fizesse?

   - Enfim, isso não é relevante para o que eu quero dizer, disso tudo. Só quero que você tenha a certeza de que seu corpo é lindo, e deveria gostar dele, ou até amá-lo. - Fiquei calada por um momento, procurando qualquer outro assunto para conversarmos. Uma garçonete veio anotar nossos pedidos, e em seguida, depois de um cumprimento desnecessariamente íntimo demais para Draco, ela se foi.

   - Você não cansa desse tipo de coisa? - Perguntei. - Quero dizer dessas garotas se jogando para você desse modo, é ridículo. - Ele riu novamente, mas até quando ele queria parecer relaxado, eu podia ver o receio em mostrar-se demais. Não tinha outras palavras que o descrevessem melhor do que esquivo e reservado.

   - Não é tão comum quanto você imagina. É só que, por aqui, todos sabem quem eu sou.

   - Fala da sua família? - Assim que as palavras saíram da minha boca, me arrependi. Draco endureceu a expressão, o sorriso desapareceu do seu rosto.

   - Não vamos falar sobre isso. - Ele disse. Não foi uma pergunta, ou uma sugestão, foi como se ele tivesse fechado aquela porta na minha cara. Assunto que envolvesse família estava proibido com Draco. A garçonete trouxe meu frappuccino e o Americano de Draco. Quando ela saiu, ele parecia ter recuperado um pouco do bom humor. - Você não parece gostar das garotas que me conhecem. Algum motivo?

   O que eu poderia dizer? ‘O motivo é que eu sinto meu sangue ferver e congelar ao mesmo tempo quando alguma mulher fica perto de você’ não era uma explicação razoável, muito menos lógica. Sem falar que eu pareceria uma louca com transtornos mentais se dissesse isso. Então preferi ficar em silêncio, e após alguns momentos, Draco percebeu que eu não responderia. Ele riu, se inclinando sobre a mesa novamente.

   - Eu queria falar várias coisas que te deixassem corada e tímida agora. Eu gosto de como suas bochechas ficam rosadas e você desvia os olhos quando fica com vergonha.

   - Ou você só gosta de me deixar desconfortável. - Falei, erguendo uma sobrancelha.

   - Isso também é um motivo bom. - Ele disse, sorrindo. - Mas, me fala, te convenci a gostar do seu corpo? - Aquele assunto de novo… Draco não desistiria daquilo.

   - Eu gosto dele, tudo bem? Mas gosto também das roupas que eu uso. Porque elas te incomodam, afinal? - Draco parou com um olhar pensativo.

   - É uma boa pergunta, eu também me pergunto isso.

   - Chegou a alguma conclusão? - Perguntei.

   - Não. Mas eu ainda gostaria de vê-la com aquelas roupas outra vez.

   - Você não sabe conversar sem soltar essas cantadas? - Seus lábios arquearam naquele sorriso torto que eu gostava, e eu esqueci até o que tinha falado antes.

   - Hermione, se eu quisesse te cantar você saberia, acredite. Só estou sendo seu… amigo. - Eu ainda estava afetada com seu sorriso. Não era justo que eu me afetasse tanto com ele, enquanto Draco não parecia estar atraído por mim em nenhum aspecto. Eu me sentia uma estúpida, tanto que eu me prometi não me atrair por ele, e lá estava eu, totalmente seduzida por um simples sorriso dele. - Quero te levar à um lugar. Você quer ir comigo?

   A resposta sensata para aquilo era um sonoro ‘NÃO’. Draco iria me magoar, eu sabia disso. Ele não era o que eu queria para minha vida, não era a paz que eu almejava. Qualquer aproximação com ele era um passo para o abismo de dor que ele me causaria. Eu tinha finalmente escapado da minha mãe, e ia me meter com ele? Não era certo. Não era justo. Mas era o que eu faria.

   - Quero. - Murmurei, admitindo naquela hora de que eu faria o que quer que ele me pedisse, aceitando o fato de que eu estava encantada por Draco. A expressão de satisfação dele era clara. Draco levantou da cadeira, deixou algumas notas na mesa, e estendeu a mão para mim. Não hesitei nem por um segundo em colocar minha mão na dele. Saímos do Café, Draco ainda segurava minha mão, distraído. Fomos caminhando até o estacionamento do campus, e Draco me levou até a caminhonete preta lustrosa dele.

   - Tem certeza de que quer ficar à sós comigo? Lembre-se que eu sou um ‘babaca-troglodita’. Sem esquecer do violento. - Ele estava me dando uma escolha, eu podia fugir, se quisesse. Mas eu não queria.

   - Não tenho medo de você. - Falei. Draco sorriu abertamente pela primeira vez naquele dia, tinha gostado das minhas palavras.

   - Que bom. - Ele falou. - Entra aí. - Draco entrou no carro, me deixando sozinha. Por um momento senti a decepção vindo, mas o que eu esperava? Draco abrindo a porta do carro para mim, todo cavalheiro e príncipe encantado? Eu sabia que ele não era nada disso. Abri a porta e subi na caminhonete. Os bancos de couro eram claros e suaves, bem confortáveis. Por dentro o carro era tão lindo quanto por fora. Tudo parecia tão caro, tão fora do meu mundo, que naquele momento eu hesitei.

   - Onde vamos? - Perguntei, tentando tirar aquela diferença entre Draco e eu da minha cabeça.

   - Você vai ver. - Ele disse. Ligou o carro e saiu do estacionamento.

   Draco dirigia feito um louco, meus dedos já estavam dormentes e brancos de tanto apertar o banco. Ao olhar para o painel, quase gritei para que ele parasse para eu descer, mas minha voz parecia ter sumido também. Ao contrário de mim, Draco estava relaxado, de vez em quando olhava para mim e ria.

   - Relaxe, Hermione. Eu sempre dirijo assim, nunca bati ou atropelei ninguém. - Ele falou. - A não ser aquele esquilo, uma vez. - Completou, pensativo.

   - Isso não tem graça, Draco! Você está quase voando nessa coisa! - Ele riu, não se importando nem um pouco com o meu desespero.

   Alguns minutos depois, Draco estacionou em um parque vazio. Não haviam casas por perto, nem pessoas caminhando ou admirando a paisagem. Descemos da caminhonete, e Draco seguiu uma trilha na minha frente, me olhando as vezes para que eu o acompanhasse. O lugar era grande, tinham árvores altas e bonitas espalhadas por todo lugar, o chão era coberto por grama, o ar cheirava a flores e verde. Draco foi caminhando pela trilha estreita entre as árvores, eu o acompanhei, um pouco relutante. Eu ouvia o canto de pássaros no céu, e logo adiante, uns trinta metros do começo da trilha, tinha um pequeno lago. Draco sentou sobre um tronco caído, e acenou para que eu sentasse ao seu lado. As árvores escondiam a vista para a estrada, ninguém podia nos ver, a não ser que entrassem na trilha. A água do lago era verde, e a paz daquele lugar me invadiu, me acalmando de um modo magnífico.

   - Bonito aqui, não é? - disse Draco, sussurrando, como se não quisesse incomodar a paz dali.

   - É lindo. - Murmurei. Draco estava sentado ao meu lado, uma perna de cada lado do tronco, de frente para mim. Seu sorriso era pequeno, contido. - Eu poderia ficar aqui para sempre, longe de tudo. Sem aulas, sem trabalho, sem minha mãe pedindo dinheiro. - Parei, mortalmente arrependida de ter falado aquilo. Mas Draco já me olhava, a curiosidade explícita.

   - Porque sua mãe te pede dinheiro? - Ele perguntou, o cenho franzido.

   - É complicado. - Falei, mas claramente ele queria saber o que era complicado. Suspirei, me amaldiçoando por abrir a boca e acabar estragando tudo. - Meu pai foi embora quando eu era mais nova, deixando eu e minha mãe sozinhas. Mamãe nunca trabalhou, então, quando fiz dezesseis anos, tive que ser o adulto da casa. Hoje ela mora sozinha lá na minha antiga cidade, com a pensão que meu pai manda todo mês, mas ainda assim, não é o suficiente para ela. - Era isso, eu estragara o momento feliz que estávamos tendo com meu drama familiar.

   - E porque sua mãe não trabalha? - Ele perguntou. Não tinha acusações no seu tom, apenas curiosidade.

   - Ela nunca trabalhou antes, e não quero forçá-la a nada. Como posso obrigar minha mãe a trabalhar para se sustentar?

   - Mas isso é errado. Ela era quem deveria cuidar de você, e não o contrário. - Sua voz confusa quase me fez rir.

   - Pelo menos estou sozinha agora, pela primeira vez sou dona do meu futuro.

   - Sim, você é. - Ele disse, pensativo.

  Olhei para o rosto de Draco, ele estava me olhando de volta. Sem rir ou sorrir, apenas olhando. E sem pensar, me inclinei para perto dele, apenas o bastante para sentir seu cheiro e inspirei. Draco cheirava a um leve perfume masculino, e sua respiração tinha uma fragrância estranha de cereja. Ele parecia surpreso com a minha aproximação, os olhos atentos aos meus movimentos. Me inclinei mais, curiosa quanto ao que ele faria, mas Draco não se moveu nem um centímetro. Finalmente, me aproximei mais, meu nariz tocava o dele, e Draco fechou os olhos. Não resisti ao convite obvio no seu gesto, e toquei seus lábios com os meus.

   Draco estava paralisado, chocado com a minha atitude. E até eu mesma estava perplexa com a minha coragem. Nossos lábios ainda tocavam-se, sem qualquer movimento, até que Draco os abriu levemente e capturou meu lábio inferior entre os dele. Não sei explicar o que aconteceu a seguir, em um momento estávamos apenas nos beijando, e no seguinte Draco havia me puxado pela cintura e grudado seu corpo no meu. Uma sensação de formigamento se espalhava pelo meu corpo, minhas mãos pareciam ter vida própria enquanto se agarravam aos braços de Draco, minha respiração estava enlouquecida. Eu podia sentir seu gosto, seus lábios, seu corpo contra o meu, suas mãos no meu cabelo e nas minhas costas. Os pensamentos que me acusavam de estar fazendo algo errado, desapareceram, nada mais nos impedia. Nos separamos, buscando um pouco de ar. Draco me observava hesitante, parecia com medo de como eu reagiria. Eu sorri, acalmando-o.

    - Achei que você não gostasse de mim. - Ele sussurrou no silêncio.

   - Eu também achei. - Respondi. Draco inclinou a cabeça no meu pescoço, inspirando. Um arrepio subiu por todo meu corpo.

   - Você cheira tão bem. - murmurou. - É como o cheiro de chuva.

   - Qualquer dia eu te empresto o meu perfume. - Brinquei, ele riu.

   - Não parece ser perfume, e sim seu cheiro. Essência de Hermione. - Seu nariz subia e descia da minha orelha até minha clavícula. Um murmúrio sem sentido escapou dos meus lábios. Draco beijou logo atrás da minha orelha, foi como um pequeno choque elétrico no meu ventre. Arquejei, me segurando ainda mais nele. A mão que estava nas minhas costas desceu para meu quadril, passando para minhas pernas. Hesitei, não queria ir longe demais ali naquele lugar. Não foi o modo como pensei na minha primeira vez.

   - Temos que ir. - sussurrei. Draco levantou a cabeça, e pela primeira vez notamos que estava escurecendo. Estrelas estavam começando a aparecer.

   - Sim, tem razão. - Ele levantou, e me puxou para junto do seu corpo. - Vamos lá.

 

No caminho de volta Draco estava estranhamente calado. Não tinha tentado manter uma conversa, nem ao menos olhava na minha direção, eu estava preocupada com seu comportamento. Mas o que eu mais sentia era confusão, já tinha aceitado que estava atraída por Draco, já tinha admitido que faria qualquer coisa que ele me pedisse, mas minha atitude de tê-lo beijado ainda me chocava. Não que eu fosse inexperiente em beijos, mas nunca foi por iniciativa própria como esse. E eu nunca tinha sentido o que eu senti naquele beijo com Draco, tinha a impressão de que ainda conseguia sentir o calor dos lábios dele, só de lembrar das suas carícias no meu pescoço, um arrepio passou pela minha nuca.

   - Você está calada novamente. - Draco murmurou, me olhando de lado. - Algum problema?

   Ele parecia tão preocupado que me fez sorrir. Era bom saber que ele se importava comigo.

   - Problema algum. - Respondi, e ele sorriu também.

   - Gostou do meu lugar secreto? - Perguntou ele, em um tom de segredo. Apesar dos seus olhos cansados, ele parecia tão lindo quanto sempre foi, os cabelos claros como uma aura sobre a cabeça, sua presença já era como um choque de satisfação em mim. Eu poderia admirá-lo por dias seguidos, se tivesse a chance.

   - Não será só seu nunca mais, já me sinto um pouco dona dele agora. - Falei.

    De alguma forma, eu me sentia como se tivesse resolvido uma questão importante, tínhamos algo especial entre nós, eu podia sentir isso, e acreditava que Draco sentia também. Meu coração estava quente, com uma euforia que normalmente eu não toleraria, principalmente por causa de um homem. Mas Draco era especial, eu confiava nisso.

   - Quando nos veremos? Hoje a noite? Amanhã? - Perguntei, ansiosa pelo próximo encontro, impaciente pelos próximos beijos. Draco franziu o cenho, hesitou para responder, e aquilo me deixou preocupada.

   - Como assim? Nos vemos quase todos os dias no campus, Hermione. - Ele respondeu, o tom esquivo estava de volta.

   - Não falo em encontros acidentais, Draco. - Disse, de modo mais suave que consegui, apesar da inquietação que começava a me afligir. - Falo do nosso próximo encontro, você sabe, como um casal.

   Draco virou-se para mim subitamente, os olhos tão assustados e arregalados que fiquei em choque.

   - Um casal? - Ele perguntou, a voz alarmada. - Você não está pensando que porque nos beijamos somos algum tipo de… namorados, ou coisa do tipo, está? - Paralisada como eu estava, só consegui gaguejar algo incompreensível. A felicidade de antes foi substituída pelo sentimento de rejeição, eu me sentia humilhada  por Draco. Ele deu uma risada seca, não havia humor nele. - Acho que você está levando isso para o caminho errado Hermione. Não somos namorados, nem um casal apaixonado ou qualquer coisa que lembre isso. Só nos beijamos, aconteceu, e eu acredito que foi tão bom pra você quanto foi para mim, mas não vai passar disso. Diversão, Hermione, só estávamos nos divertindo.

   - O quê? - Sussurrei, atordoada com a sua indiferença. Eu estava me enganando, no fim das contas. Draco não sentira nada de especial, eu fui estúpida em sequer pensar que ele tivesse a capacidade de envolver-se com alguém para algo além de sexo. Era isso que ele queria de mim, agora eu entendia isso. Mais uma garota na sua lista vasta, mais um nome que ele um dia sequer lembraria, mais uma. Meus olhos queimavam de vergonha e humilhação, meu peito estava tão apertado que tudo que eu queria era chorar. Mas eu me recusava a me despedaçar na frente daquele homem, ele não merecia me ver no meu estado mais frágil, eu não daria aquela vitória a ele. Então respirei fundo, endureci minha expressão e torci para que minha voz soasse forte e decidida.

   - O que você acha que eu sou, Malfoy? Algum joguinho? Mais uma Pansy na sua lista? Escuta aqui, seu babaca mimado e egoísta, eu NUNCA me rebaixaria a ser sua transa de fim de semana! Sabe o que eu tenho que suas amiguinhas nunca terão? Amor próprio e senso de ridículo! Acha que é o último homem da face da terra, não acha? Que só porque veio de uma família rica, qualquer garota no mundo quereria transar com você? Pois se enganou. - Falei, soando como uma mulher forte e determinada, coisa que eu não me sentia. Abaixei a voz, e disse num sussurro venenoso que surpreendeu até a mim: - Eu prefiro morrer sozinha, do que me reduzir ao ponto de aceitar ser um dos seus casinhos.

   Olhei para a janela, desesperada para sair daquele carro. Draco me olhava com os olhos turbulentos, ansiosos, e notei, surpresa, medo neles. Estávamos perto do campus, eu não queria ficar nem mais um segundo ao lado de Draco.

   - Pare esse maldito carro, Draco Malfoy. - Falei, sem me alterar.

   - Porque está tão chateada comigo? - Perguntou Draco, começando a parecer zangado. Notei que ele endurecia a  cada vez que eu pronunciava seu sobrenome. - Não tenho culpa se você é uma garotinha tão inocente ao ponto de acreditar que um beijo é um relacionamento. Cresça, Hermione, eu nunca te prometi nada.

   - PARE ESSE MALDITO CARRO, BABACA! - Gritei, só queria que ele calasse a boca, que parasse de jogar minhas falhas na minha cara. Draco estava vermelho de raiva.

   - Não grita comigo! Já te falei que não sou esse cara que acha bonito ser agredido ou xingado de graça! EU NÃO TE FIZ NADA! Então pare de ser uma cretina prepotente, e tenha a decência de admitir que tudo isso é culpa sua e das suas suposições!

   - Se você não parar esse carro, eu vou ligar para a polícia agora. - Falei, séria. Draco freou o carro bruscamente, o cinto de segurança me deu um tranco forte, me fazendo bater a cabeça contra o banco. Arfei, colocando a mão na parte de trás da cabeça. Quando olhei para Draco, me surpreendi. A raiva tinha sumido do seu rosto, e ele olhava para mim com arrependimento e preocupação.

   - Meu Deus, me desculpa, Hermione. Está tudo bem? Machucou muito sua cabeça? - Ele se inclinou contra mim, mas rapidamente soltei o cinto e abri a porta, saltando da caminhonete, apertando minha bolsa contra meu peito. - Hermione! - Ouvi Draco me chamar, mas andei mais rápido. Só torcia para chegar em casa antes que desabasse.

 

A casa estava vazia quando cheguei. Luna fixara um recado na porta da geladeira onde avisava que ficaria com Theo naquela noite. Eu estava sozinha, com o coração partido e me sentindo péssima. Tomei um banho longo, esperando a crise de choro chegar a qualquer instante, mas, agora que estava em casa, me sentia vazia. As lágrimas não vinham, só havia o sentimento de degradação que Draco me causara. Vesti um conjunto de moletons folgados e reconfortantes e me joguei na cama, esperando o sono vir.

   O que mais se passava pela minha cabeça, era o quanto eu tinha sido burra, ao pensar que Draco se envolveria comigo. Éramos opostos desde o princípio. Ele tinha razão em dizer que eu era inocente, porque eu realmente era, e não só pela minha virgindade. Eu realmente acreditei que Draco tinha apreciado nosso tempo juntos como sendo único, extraordinário, e ele só queria uma distração. Mas, como ele mesmo disse, Draco não tinha me prometido nada, supus tudo. E realmente era culpa minha.

   Após várias horas me martirizando, consegui cair no sono, meus sonhos perturbados por olhos cinzas e cabelos claros.

 

Luna chegou em casa cedo na manhã seguinte. Quando acordei, ela estava fazendo o café, só cheiro me fez despertar. Cheguei a cozinha, e ela estava de costas para mim, encostada no balcão. Fui até ela, e beijei seu cabelo.

   - Bom dia. - falei, rouca. Luna virou-se para mim, a expressão estava preocupada e tensa. - O que houve? É o Max outra vez?

   - Não, não é isso. - Ela disse, me olhando nos olhos. - Draco falou para Theo o que aconteceu entre vocês ontem. - Paralisei, não sabia o que falar. Virei as costas e fui me sentar, puxando uma xícara cheia de café que Luna tinha colocado. O calor da porcelana me acalmou.

   - Porque ele faria isso? - Perguntei, magoada com Draco pela minha exposição. Luna sentou à minha frente.

   - Ele chegou na casa deles parecendo bem preocupado e incomodado. Depois de algum tempo ele pediu seu número a Theo e a mim. Theo perguntou porque ele queria, no começo Draco não quis responder, ficava dando desculpas sem sentido. Mas, depois ele falou, contou o que aconteceu e que vocês brigaram depois, e também sobre a freada do carro e o tranco que você levou. Estava preocupado com você, disse que só queria perguntar se estava bem. - Ela suspirou. - Bom, Theo não gostou de como ele a tratou. Disse que ele foi grosso e insensível, e que você não era como as outras garotas que Draco já teve. Os dois estavam gritando um com o outro, e eu estava com medo no quarto de Theo. Draco estava irredutível, dizia que não tinha feito nada, e que Theo estava exagerando. Finalmente eles se acalmaram e eu voltei para a sala.

   - E o que aconteceu depois? - Perguntei, sussurrando.

   - Theo deu seu número a ele, desculpe. - Luna lamentou. - Mas ele ainda acha que você deve ficar longe do Draco, Hermione, e eu concordo com ele. Vocês são muito diferentes, Draco nunca namorou, ele não namora. Você não vai querer ser uma das garotas dele, eu sei disso. Você só vai sofrer. É melhor se afastar agora.

   - Eu sei, Luna. Já me decidi que não vou me envolver com Draco outra vez. Mas, sabe, ele está certo em um ponto, ele nunca me prometeu nada, eu que imaginei coisas demais.

   - Não fale isso, Hermione. - Disse Luna. - Você só não tem a malícia que ele tem, é uma garota inocente.

   - Porque vocês ficam repetindo que sou inocente? - Falei, irritada. - Sei o que sou, não precisa ficar repetindo isso.

   - Desculpe, só estou tentando te mostrar as diferenças entre vocês. Não quero que se magoe. Você cuidou de mim com Max, estou cuidando de você agora. - Suspirei, segurando a mão de Luna.

   - Desculpa pela explosão também. Eu só… quero esquecer o dia de ontem.

   - Você vai as aulas hoje? - Perguntou Luna.

   - Claro que sim. Não vou deixar uma bobagem estragar meu futuro.

   - Sim, verdade. - Luna sorriu, apertando minha mão. - Então, vai se arrumar. Está tarde, precisamos ir.

   Enquanto me arrumava, pensei no que fazer quando encontrasse Draco. Eu não podia fugir dele o resto do ano, era ridículo, e o campus não era tão grande assim, acabaríamos nos encontrando, querendo ou não. Me olhei no espelho, resignada comigo mesma. Quem era essa garota medrosa que cogitava a ideia de esconder-se de alguém? Eu não era assim.

   Decidida a esquecer o dia anterior, me arrumei o melhor que pude. Coloquei um vestido de verão, o tecido era fino e branco estampado com pequenas flores azuis, e ficava alguns dedos acima do joelho, as alças eram trançadas e finas. Calcei sapatilhas azuis e voltei a me olhar no espelho. A melhora na aparência me deu mais confiança, eu podia fazer aquilo, podia fazer o que eu quisesse. Arrisquei delinear os olhos e colocar um batom claro, eu raramente usava maquiagem. Eu estava… bonita até, gostava do meu reflexo. Sorri, satisfeita, e fui ao encontro de Luna, que me esperava na sala, impaciente, com as chaves na mão.

   - Você demorou hoje, Her… - Ao me olhar, Luna arregalou os olhos, pasma. - Uau, você está linda. - Ela falou.

   - Seu tom de surpresa me magoa, sabia? - Perguntei, tentando disfarçar a timidez. - Vamos lá? Estamos atrasadas.

 

No fim das aulas, Luna e eu caminhamos pela propriedade do campus. De braços dados, estávamos olhando os alunos e professores que passavam por nós, admirando o belo prédio da faculdade e conversando. Luna me contava sobre a noite de ontem, que foi a primeira vez que ela dormiu no apartamento de Theo e Draco. Ela estava feliz, a cada vez que falava o nome do namorado, seus olhos brilhavam intensamente, seu rosto ficava radiante. Ela o amava, isso era evidente, e eu estava feliz por eles. Chegamos ao gramado, e logo vimos Theo sentado, enquanto lia algum livro. Nos aproximamos e sentamos ao lado dele.

   - Você está bem? - Theo me perguntou, parecia preocupado comigo. Sorri, tentando tranquilizá-lo.

   - Sim, estou ótima. Obrigada pela defesa. - Ele sorriu de volta e eu vi o que Luna tinha visto em Theo da primeira vez em que se olharam. Quando sorria, Theo parecia tão jovem e despreocupado, os olhos também brilhavam enquanto ele observava Luna, como se bebesse cada gesto, sorriso e palavra que dela. Eles eram tão lindo juntos, que eu só queria sair dali.

   - Theo. - Ouvi uma voz familiar chamar atrás de mim. Não me movi, esperando que ao me ver, Draco fosse embora. Mas não foi o que aconteceu. Draco deu a volta, e sentou-se bem na minha frente, e estava com um rapaz ao seu lado. - Estava te procurando. - Ele disse a Theo. - Olá, loirinha.

   - Olá, Draco. - Luna respondeu, foi simpática, mas não havia mais tanta receptividade.

   - Olá, Hermione. - Ele cumprimentou. Pensei em deixá-lo sem resposta, mas não me rebaixaria a isso.

   - Oi. - Respondi educadamente.

   - Meninas, esse é o Blásio, essas são Luna, minha namorada, e Hermione, nossa amiga. Blásio faz parte do Ciclo junto com Draco. - Theo apresentou, já que, aparentemente, Draco não tinha educação para tanto. Blásio abriu um sorriso encantador.

   - Mas, ao contrário dele, eu não sou tão desagradável. - Ele estendeu a mão, apertando a de Luna. Em seguida, apertou a minha mão. Ele era bonito, não havia dúvida nisso. Tinha a pele escura e macia, os olhos eram castanhos e calorosos, o sorriso amplo era tão bonito quanto amigável. Era tão alto quanto Draco, mas era mais forte, os braços mais musculosos. Pequenos brincos de diamantes brilhavam nas orelhas dele. - Você é Hermione, não? Prazer em conhecê-la.

   Senti minhas bochechas esquentando enquanto coravam.

   - O prazer é meu. - Respondi, sorrindo de volta.

   - Porque estava me procurando? - Theo perguntou, não houve resposta. - Draco? - Theo chamou, nada. Olhei para Draco, ele estava franzindo o cenho e olhava de mim para Blásio repetidamente. - Draco!

  - Oi? - Ele respondeu, atordoado. - Ah, sim. Mark está marcando minha próxima luta para hoje à noite. Você precisa conversar com ele.

   - Tem certeza de que está pronto para isso? - Theo murmurou, apreensivo. - Você tem… você sabe, dormido bem?

   - Estou ótimo, Theo. - Draco respondeu, ríspido.

   - Você vai a luta, Hermione? - Blásio me perguntou. Draco mostrou um sorriso perverso.

   - Hermione não gosta de lutas, ela não curte homens violentos, desista, Blás. - Uma onda de fúria subiu em mim.

   - Claro que vou. - Respondi, como se não tivesse ouvido Draco falar.

   - Porque não vamos juntos, então? Faz tempo que não acompanho uma luta do Draco, podemos fazer companhia um para o outro. - Eu não queria ir naquela luta estúpida, mas o olhar irritado no rosto de Draco foi o que me fez concordar.

   - Claro, vamos sim. Vai ser ótimo, Blásio.

   - Me chame de Blás, fica bem mais bonito com a sua voz do que nas deles. - Luna e Theo riram, mas Draco estava sério, e parecia incomodado.

   - Certo, Blás. - Falei, cativada pelo tom afetuoso dele. Blásio não se parecia em nada com Draco.

   - Então eu posso passar na sua casa, ou prefere que nos encontremos lá?

   - Não, não. - Luna falou. - Ela vai comigo. Você é muito educado e amigável, mas não vou deixar minha amiga num carro de um desconhecido, desculpa.

   - Ela tem razão.  - Falei, rindo.

   - Então nos encontramos lá. - Blás concordou, não parecia contrariado ou chateado.

   - Já acabou a paquera paralela? - Draco perguntou irritado. - Precisamos ir, Blás.

   - Pode ir, vou ficar um pouco aqui com Hermione. - Blás respondeu. Draco parecia furioso, mas continuou sentado perto de Theo. Luna arqueou a sobrancelha, me lançando um olhar de aviso.

   - Eu tenho que ir também. - Falei, me levantando. Blás levantou-se primeiro e estendeu a mão para me ajudar. - Obrigada. - Agradeci e, mesmo sem querer, olhei para Draco. Ele estava boquiaberto, olhava para o meu vestido como se nunca tivesse visto um em toda a sua vida. Seus olhos acompanhavam cada parte do meu corpo, e pousaram no meu rosto. Ele parecia corado, as bochechas sem dúvida estavam mais rosadas do que antes. Mas era ridículo pensar que Draco coraria por minha causa.

   - Nos vemos mais tarde, linda. - Blás sussurrou e beijou minha bochecha. Minha surpresa foi tanta que fiquei sem ação por um momento.

   - Hã, sim, nos vemos lá. - Falei, constrangida. Luna levantou e se despediu de Theo. - Até mais tarde. - Me despedi. Draco só acenou, ainda parecia irritado. Theo sorriu, bagunçando meu cabelo e Blás ainda estava sorrindo para mim.

   No caminho para casa, Luna não parava de falar sobre Blásio. Sobre como ele era lindo, e como ele ficou encantado comigo e como nós combinávamos. Eu apenas balançava a cabeça quando tinha que concordar. Não podia negar que tinha sido bem receptiva com ele, mesmo que fosse só para irritar Draco. Era errado, eu sabia, mas era também revigorante. Mas eu não estava prestando muita atenção no que ela falava, tinha me lembrado dos pesadelos de Draco. Ele parecia mais descansado naquele dia, mas ainda assim, eu estava preocupada com uma luta naquele estado. Me sentia uma idiota por me preocupar, mas não conseguia tirar isso da minha cabeça.

   - Hermione? - Luna chamou.

  - Sim?

   - Não ouviu nada do que eu falei, não é?

   - Desculpa. - Suspirei. - Estou um pouco distraída, só isso.

   - Mas está animada em sair com Blásio?

   - Sim, claro. Ele parece ser um cara legal, vai ser bom.

   - Sua mãe tem te ligado? - Perguntou Luna, incerta quanto minha reação. Era sempre cansativo falar sobre minha mãe, Helena Granger não era um assunto que eu gostava de abordar.

   - Ela ligou a algumas noites, mas como eu disse que estava sem dinheiro esse mês, ela só ligará novamente mês que vem. Espero. - Luna concordou, apertando minha mão sobre meu joelho.

  

   Estávamos no quarto a quase uma hora, e nem Luna e nem eu chegamos a um acordo no que usaríamos para a luta.

    - Definitivamente meu guarda roupas não foi feito para frequentar Ciclos de faculdade. - Falei, olhando os jeans, blusas, terninhos e poucos vestidos que eu tinha. Não era muita coisa, então Luna foi ao seu quarto e trouxe metade do seu guarda roupa para deixar a tarefa mais fácil. Peguei um short jeans curtos, mas não apertado. Uma open boot preta, e uma blusa de alças leve. Era perfeito, não era exagerado e continuava simples e bonito.

   - Claramente você não está tentando seduzir o Blás. - Luna falou, rindo. - Mas ainda vai ficar linda, mesmo sem querer.

    - Preferia ficar discreta. - Murmurei.

   - Relaxa, mesmo que você vestisse sacos de lixo ainda ficaria linda. Impossível ser discreta com esses cachos maravilhosos. - Luna olhava para meu cabelo, desejosa. Ri, balançando a cabeça. - Vou dar uma olhada no que vou vestir. Theo disse que vem nos buscar em uma hora.

   Após Luna sair do quarto, tentei organizar a bagunça que estava na minha cama. Enquanto isso, pensei que eu realmente tinha gostado de Blás, seu sorriso amplo e seu comportamento amistoso haviam chamado a minha atenção. Podia até ser bom sair com ele, afinal. Poderíamos nos divertir juntos. Meu celular alertou uma nova mensagem, e fui olhar. Fiquei confusa com o que li, pelo menos até ver a inicial no fim da mensagem.

Você realmente irá à luta?

 

Era Draco, eu não tinha ideia de onde vinha tanta certeza, mas eu sabia que era ele. Fiquei tentada em não responder. Era o certo, eu não deveria falar nada, precisava tirar ele da minha cabeça. Mas antes que eu me convencesse a jogar o celular longe, já estava digitando de volta.

Sim, irei.

 

Não esperava uma resposta, mas fiquei encarando a tela do aparelho, totalmente surpresa com a mensagem. O que Draco queria, afinal? Estava me deixando tão confusa que eu mal conseguia pensar. O celular acendeu mais uma vez.

Você está bem?

 

Ele falava sobre a humilhação que ele me fez passar? Do incidente no carro? Eu não sabia exatamente, então fui prática na resposta.

Sim, ótima.

 

Não demorou muito para chegar outra mensagem.

Que bom. Fiquei pensando se você me responderia.

 

Hesitei para responder. A verdade era que eu não tinha força de vontade para deixá-lo sem resposta, mas isso era ridículo demais para que eu admitisse.

Sempre respondo qualquer mensagem, não importa de quem seja.

 

A mensagem de Draco demorou mais a vir, e eu imaginei sua expressão lendo minhas palavras. Eu queria magoá-lo, mas ainda ficava incerta em fazê-lo.

Nos vemos mais tarde.

 

Não foi a última mensagem de Draco naquele dia.

 

O galpão da luta estava mais lotado do que a vez anterior. O portão mal pôde ser fechado, por conta do tumulto. Quando passamos por baixo dele, Theo segurou minha mão e a de Luna e sussurrou para que não saíssemos de perto. Fomos até a beira do círculo onde a luta aconteceria, e lá encontrei Blásio. Ele estava bem vestido, uma camisa social preta e jeans escuros. Olhando-o assim, eu nunca imaginaria que ele fazia parte daquele maldito Ciclo.

   - Você está fantástica, Hermione. - Ele se inclinou e beijou minha bochecha.

   - Você também não está mau. - Brinquei, sorrindo. Olhando ao redor, percebi que tinham homens enormes na borda do círculo, e até Mark estava tenso. - Onde está Draco? - Perguntei.

   - Se preparando no corredor do pagamento. - Notando meu olhar nervoso para os homens, Blás segurou minha mão e suavemente, acariciou minha bochecha com os nós dos dedos. - Não se preocupe, linda, Draco sempre ganha essas lutas. E ninguém vai mexer com você, está  comigo. - Sorri, tentando mostrar confiança. Eu estava nervosa por Draco, aqueles homens não eram um bom sinal. Luna e Theo estavam ao nosso lado, e vi que Theo também não estava relaxado.

    Mark andou até o meio do circulo, e fez suas apresentações. O barulho do lugar era ensurdecedor.

   - O desafiante de hoje é um cara que não tem medo de morrer! Já lutou contra nosso garoto antes, e perdeu feio! Mas ainda assim, ele quer revanche! - Os homens na borda do círculo grunhiram, eu definitivamente não gostava deles. - Ele tem dois metros, isso mesmo, dois metros de músculos! Pode vir, Danny! - Olhei para onde Mark apontava. Um homem enorme, o maior que eu já vira em toda a minha vida, andava até o círculo com passos firmes e um olhar determinado. Ele não sorria, não tinha nenhuma expressão no rosto. Danny estava sem camisa, os músculos dos braços e barriga me apavoraram, ele parecia uma montanha sólida.

   - Draco já o venceu antes? - Perguntei, sem acreditar que Draco já sairá vivo de um confronto com aquele cara.

   - Sim, e foi a melhor vitória dele. - Blás falou. Ainda assim, eu não consegui me acalmar. Mark fez a mesma apresentação da última vez para Draco, e logo ele entrou. Parecia tão pequeno, em comparação a Danny, tão magro. Seus olhos procuravam algo, e logo ele viu Theo e Luna e acenou. E então, Draco me viu. Ele abriu um pequeno sorriso, quase imperceptível, mas em seguida ele viu Blás, que segurava minha mão, e o sorriso se foi. Draco lançou um olhar furioso na minha direção, o pescoço e peito ficaram avermelhados, como se fizesse um grande esforço.

    Finalmente, Draco e Danny estavam frente a frente, a diferença física entre os dois era alarmante, mas ninguém parecia se importar com isso. Mark foi até eles e murmurou algo, mas Draco nem aparentava ouvir, seus olhos estavam atordoados, ele não parecia concentrado. Mark olhou para ele e falou algo, como se tivesse chamando sua atenção, Draco acenou, e em seguida, Mark se afastou. A contagem regressiva começou, e eu mal ouvia os gritos. Estava apavorada por Draco, minhas mãos tremiam tanto que Blás perguntou:

   - Você está bem? Quer sair daqui? - Eu não consegui responder, apenas acenei que não, não queria sair.

   E, então, a luta começou. Draco e Danny se movimentaram, um rodeando o outro, procurando uma forma de atacar. A cada investida que Danny dava para frente, Draco mudava os movimentos. Algumas vezes os olhos de Draco vinham na minha direção, e eu queria gritar para que ele olhasse o adversário, mas minha voz parecia ter tirado férias, eu não conseguia falar nada. Danny deu um passo rápido para perto de Draco, que aproveitou a ação para desferir um soco contra o queixo do adversário. Danny cambaleou, mas logo firmou-se, investindo contra Draco outra vez, que desviou, socando as costelas de Danny em seguida. Foi aí que tudo desandou.

   Aproveitando que Draco estava tão perto, Danny o segurou, e acertou uma joelhada na barriga de Draco. Ele arfou, parecia sem fôlego, tentou se esquivar do oponente, mas Danny ainda o segurava. Mais duas joelhadas na barriga de Draco. Eu apertei a mão de Blás, apavorada. Com algum esforço, Draco conseguiu se livrar do rival, mas Danny o acertou no rosto com as costas da mão, Draco cambaleou, e vi sangue escorrer da boca.

   Senti Luna segurando minha blusa e olhei para ela. Luna estava com os olhos arregalados, em pânico, e tentava esconder o rosto no peito do namorado, que estava também estava assustado. Eu não sabia o que fazer.

   Quando olhei novamente para a luta, Draco estava caído no chão, enquanto Danny o golpeava repetidamente. Por fim, não suportei mais olhar aquilo, e levei as mãos aos olhos, fechando-os. Blás me abraçou, colocando meu rosto contra seu pescoço. Senti meus dedos molhados, e percebi que estava chorando. O barulho só aumentava, mas eu não conseguia mais olhar.

   - Já chega! Larga ele! - Ouvi Mark gritar. Blás falou algo no meu ouvido, mas não entendi. Em seguida, Blás se foi, e Luna me puxou para seu lado. Seus olhos estavam vermelhos, e ela estava sozinha.

   - Theo e Blás levaram ele para o corredor. - Ela falou, enxugando as lágrimas que escorriam no meu rosto. - Vai ficar tudo bem. - Ela tentava me acalmar.

   - Eu vou lá. - Falei, caminhando até onde a abertura que levava para o corredor estava. Theo e Blás saiam de lá quando cheguei.

   - Não entre, ele está louco de raiva lá dentro! - Theo exclamou, temeroso. Nem hesitei, passei por eles, deixando os três para trás.

    Primeiro ouvi Draco, para depois ver. Ele estava gritando e quebrando alguma coisa.

   - Porra! - Vi quando ele pegou uma cadeira e a jogou contra a parede por três vezes, até que não sobrou nada. Em seguida, Draco virou e me viu.

   Seu rosto estava ensanguentado, cortes se espalhavam pelos lábios, sobrancelhas e nariz. Um corte na maçã do rosto e ainda escorria sangue de lá. Seus olhos estavam arroxeando, um parecia prestes a se fechar, por conta do inchaço. Seu abdômen estava muito vermelho. Mas, de tudo isso, o que mais me amedrontou foi a fúria na sua expressão. E naquele momento, a fúria estava dirigida a mim.

   - Isso é culpa sua! - Ele gritou, vindo na minha direção. - Tudo isso que está acontecendo É CULPA SUA!


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Notas finais do capítulo

Comentem o que acharam!
Até a próxima. Bj.