Everlong escrita por Guinha Aguilar


Capítulo 1
Somewhere only we know


Notas iniciais do capítulo

Oi oi, gente!
Esse é o primeiro capítulo, eu espero que vocês gostem. Faz muito tempo que eu não escrevo nada, então assumo que estou meio enferrujada AUHDUADH
Lido muito bem com críticas construtivas, então não tenham medo/vergonha/receio de apontarem o que vocês não gostaram ou o que está errado.
Tem um pouco de digressão na narrativa e não, não é erro de escrita, é opcional. Mas vocês sempre saberão, porque eu os marcarei com aqueles (...) durante os capítulos.
Qualquer dúvida, mande aquela MP. E se você chegou até aqui, dê uma chance pra estória e deixe aquele comentáriozinho, né? *.*
Beijão e boa leitura!



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Quando eu tinha sete anos, minha mãe costumava dizer para mim que eu deveria arranjar meus próprios amigos, ou ficaria sozinha. Aos onze, meu pai disse que eu deveria me arrumar para que os garotos começassem a me notar e que, dessa forma, eu não ficaria sozinha. Aos quinze, eles aparentemente tinham desistido de tentar me fazer ser vaidosa e bonita o suficiente para que cometessem comigo o assédio que cometiam com a minha mãe quando ela tinha a minha idade. Aos dezesseis, eu finalmente cansei de ouvir tanta coisa e decidi fazer o que eles queriam que eu fizesse. Transformei meu cabelo cacheado em liso, emagreci alguns – muitos – quilos e comecei a vestir trinta e oito. Parei de roer as unhas, fingi amar rosa e arrumei os dentes. Eu era a única pessoa que me conhecia em um corpo estranho, apesar dos danos, eu sabia que eu ainda estava lá. Independente do mundo te transformar em algo que você odeia, é essencial manter a essência. E foi isso que eu fiz.

Diferente das minhas amigas da escola e afins, eu queria encontrar o amor, mas ele não vinha até mim. O que eu poderia fazer se, mesmo com todas as mudanças físicas, meu interior continuava o mesmo?! Algumas manias foram mudadas, outras eram velhas demais para saírem de onde estavam. Diziam para mim que eu devia frequentar mais lugares de alta sociedade, que, assim, eu encontraria alguém que finalmente se encantaria pela minha beleza e, consequentemente, se eu soubesse agir como uma dama, eu não ficaria sozinha.

“— O que você quer dizer quando diz que eu deveria agir como dama? – Questionei minha melhor amiga, Brooke, certo dia. Ela arqueou uma sobrancelha loira pra mim e forçou um sorriso.

— Como você pode ser princesa com alma de plebeia? – Ela tentou esconder, mas estava aborrecida por dentro. Enquanto eu lia quadrinhos, ela pintava as enormes unhas. Soltei um bocejo e voltei a encará-la.

— Eu não sou uma princesa. Meus pais são ricos, eu não.

— Della, você tem dezesseis anos ainda. Então tudo o que é deles, é seu. Você nem é loira pra ser burra assim.

— Você sabe que está ofendendo sua própria raça quando diz isso, não é? – Ela revirou os olhos e eu dei de ombros. Seus longos cabelos loiros estavam escondidos sob uma toca de hidratação.”

Brooke e eu nos conhecíamos desde pequenas. Era uma daquelas amizades obrigatórias que você tem quando seus pais são muito amigos dos pais de outra criança, mas diferente do que eu imaginei, nós nos dávamos bem apesar das diferenças. A minha vida era uma farsa, já a de Brooke não. Ela sempre tinha sido o projeto de modelo Victoria’s Secret que era agora, pra mim ela nunca havia sido diferente.

Eu era um ano mais nova que Brooke e, ao conversar comigo, ela tentava se mostrar conhecedora da vida e do sofrimento, mas na verdade ela nunca fora. Os pais eram tão superprotetores que ela não podia sair de casa sem estar acompanhada, mesmo já tendo quase dezoito. Por outro lado, eu saíra de casa ao completar dezessete e nunca mais tinha voltado. Trabalhava em uma cafeteria local e os poucos trocados que eu tinha me davam uma vida tranquila, longe de toda a bagunça que era a vida dos meus pais.

Meu interior sabia que, ao sair da casa dos meus pais, eu não estava fugindo deles, como eu deixei transparecer. Eu saí com a intenção de deixar para trás os meus fantasmas, aqueles que sempre me lembravam que eu tinha feito tudo o que os meus pais queriam, mas que por dentro estava infeliz e me sentia reprimida pela intensa vontade de deixá-los satisfeitos comigo.

Certo. Eu tinha uma irmã mais velha perfeita. Novidade. Ela não fazia esforços para agradar os meus pais, porque dama era o que ela sabia ser com mais perfeição. Aos vinte e quatro anos já estava casada e com uma linda filha que, seguindo a linha de sucessão, também parecia uma princesa vestida pela Disney. A vida de Kareen era o que os meus pais usavam como exemplo para tentarem me fazer entender que, uma moça de família rica como a nossa, seguia aquela linha. Encontrar alguém. Amar. Casar. E só então ter filhos.

Então eu encontrei alguém. E eles não aprovaram.

“— Della, nós mandamos você encontrar um HOMEM para namorar. Não um moleque. – Meu pai respondeu, com desprezo, ao descobrir que o meu pretendente era três anos mais novo que eu.

— Ele não é moleque, pai. Ele tem uma cabeça muito boa, um tanto evoluída. É SÉRIO. – Resmunguei. – Você precisa conhecê-lo antes de dizer alguma coisa.

— Você tem dezesseis anos, Dell. O garoto tem TREZE. Isso soa comum pra você? – Dei de ombros.”  Essa conversa acabou assim. Então, aos dezessete, eu saí de casa.

Eu não saí de casa apenas por mim. Eu saí por Nathan também. A gente se dava bem, nós nos entendíamos. Não era como se eu encontrasse alguém mais novo que me entendesse como ele fazia. Eu sempre soube que seria estranho, que todos me olhariam com uma expressão de julgamento. Todos diriam que eu não precisava me submeter a namorar “qualquer um”. Eu era linda. Rica. Inteligente. Qualquer carinha iria me querer. Óbvio, por isso que eu passei dezessete anos sozinha. Porque eu era mesmo muito interessante.

Ainda hoje, acho que as pessoas perderam um pouco da noção do que é amor de verdade. Não todas, é claro. Ainda existem aquelas que acreditam que o amor existe, mas são raras. O julgamento começa quando a garota é magra e o cara gordo. Ou ele é rico e feio e ela é bonita demais. Ou ele é branco e ela negra. Esqueceram que quando se ama, apenas se ama. Não existe essa coisa de raça e afins, apenas se sente. Eu não culpo os meus pais por não aceitarem meu namoro. Nathan também não culpa os dele. Mas a gente decidiu que tentaríamos algo mesmo assim. A companhia um do outro bastava, sempre bastou.

 

(...)

 

Abri os olhos e o sol me deixou cega por um instante. A brisa batia fraca e o dia estava silencioso. Algumas pessoas andavam de skate ou bicicleta na pista, enquanto eu esperava o meu magnifico namorado deixar de dar atenção para aquela madeira com rodas e decidir conversar comigo. Eu não me importava de ir à pista às vezes, mas de domingo sempre era cheia demais para o meu espírito antissocial.

Algumas outras garotas também estavam sentadas na pequena arquibancada cimentada feita pela prefeitura. Eu pude notar que elas me observavam e cochichavam, encarando Nate também. Óbvio que deviam estar se perguntando o que fazíamos juntos, como um casal. Eu era três anos mais velha que ele, eu vinha de família rica, ele não. Bufei e olhei em volta, procurando-o. Acenei com a mão quando ele me viu, chamando-o para mais perto.

Ele correu até mim e sentou-se ao meu lado, dando-me um beijo simples na testa. Suas costas nuas escorriam gotas de suor e seu cabelo escuro estava úmido pelas horas se exercitando naquela coisa. Seu peito subia e descia em uma alta frequência, devido ao seu cansaço.

— Não acha que está na hora de irmos? – Questionei, sem demonstrar meu mau humor. – Você está aí há horas e eu tô faminta!

— Tudo bem! – Ele sorriu. – Acho que já andei demais por hoje, mesmo. O sol está muito quente para ficar aqui sem me hidratar... – Ele concluiu e pegou sua camisa preta da minha mão, secando a testa.

— Eca! – Fiz careta. – Limpa o suor na roupa porque não é você quem lava, né? – Ele deu risada e levantou-se, esticando a mão para que eu pegasse.

Caminhamos até a nossa casa, a rua estava silenciosa e tranquila. A região ficava assim todos os domingos, quando todos estavam passeando ou cansados demais para dar as caras na rua. Nossa rotina era sempre a mesma. De segunda à sábado eu estudava e trabalhava, ele estudava de segunda à sexta, aos sábados ia ver os pais e de domingo, íamos à algum parque ou pista para ele treinar um pouco.

Nate era novo, comparado a mim. Ele precisava de um tempo para colocar todos os pensamentos no lugar, apear de ter uma maturidade admirável para uma criança. Às vezes eu me sentia muito mais infantil que ele, com todas as minhas paranoias e loucuras sobre a vida, mas ele entendia. Ou pelo menos ele se esforçava para entender que a minha vida não tinha sido fácil com todas aquelas cobranças desde pequena. Ele brincava que, qualquer dia, eu enlouqueceria. Eu me perguntava se isso já não tinha acontecido. Nem sempre eu encontrava sanidade em mim.

Subimos a escada de mármore que dava no corredor, onde cinco casas exatamente iguais tinham sido construídas. Seguimos até a segunda casa e paramos em frente a porta branca de madeira. Dei um passo para trás, Nate abriu a porta e o ar gelado nos atingiu, fazendo-me sorrir. A pequena casa de três cômodos era arrumada e aconchegante no modo Della.

— Eu vou tomar um banho. – Nate disse, quebrando o silêncio e dando-me um beijo carinhoso na bochecha. Eu sorri.

— O que você quer comer?

— Pede pizza! – Ele sorriu, alegremente. Eu assenti com a cabeça e olhei o relógio, concluindo que ainda não havia uma pizzaria aberta.

Segui para o quarto e ele para o banheiro. Segundos depois, eu pude ouvir o barulho do chuveiro sendo ligado e da água caindo. Deitei-me no enorme colchão e respirei fundo, deixando o ar entrar pela janela entreaberta. Essas eram as horas que eu mais sentia falta de uma televisão, apesar de eu não gostar delas. Ao decidirmos morar juntos, Nate e eu chegamos à conclusão de que apenas gastaríamos dinheiro com o que era necessário, por isso, optamos por pagar o Netflix mensalmente, ao em vez de comprar uma televisão que não iríamos usar.

Mantive meus olhos fechados, sendo alcançada por um estado vegetativo. Nos últimos dias, eu vinha sentindo uma tontura desprezível até mesmo quando eu estava deitada ou sentada. Abri os olhos e tentei respirar fundo, sentindo um calafrio na coluna. Uma dor incômoda, mais comparada aos sintomas de ansiedade, atingiu-me, fazendo com que eu levasse as mãos à boca como instinto. Então percebi que iria vomitar e corri para o banheiro, jogando-me ao lado do vaso sanitário na mesma hora que tudo saiu.

Quando eu consegui parar, encostei uma mão à barriga e apoiei as costas na parede, levantando a cabeça para encarar Nate que, assustado, olhava pra mim sem piscar os olhos. Sorri fraco pra ele e dei de ombros. Ele me ajudou a levantar e seguiu para o quarto, enquanto eu ficava no banheiro para escovar os dentes e colocar a cabeça no lugar.

Havia apenas duas coisas que podiam ser: ou eu tinha comido algo que não havia me feito bem ou, na pior das hipóteses, eu estava grávida. Estremeci com a ideia e joguei uma água no rosto, como se aquilo pudesse afastar os meus pensamentos. Voltei para o quarto com a expressão confusa, mas forçando um sorriso que não enganou Nathan.

— O que foi aquilo, Dell? – Ele questionou, preocupado. – Está tudo bem?

— Sim! Eu devo ter comido algo estranho, que não me fez bem!

— Não deve ter sido isso, você não comeu nada fora do seu costume. – Ele disse, erguendo uma sobrancelha pra mim. – Não vai me dizer que... – Eu olhei pra ele, como uma confirmação do que ele estava perguntando. – Você está grávida?!

— Eu não sei. – Fui sincera. – Eu tenho sentido umas tonturas fora do comum, mas não senti nenhum outro sintoma de gravidez.

— Você está regulada?

— Sim, estou menstruando normalmente! – Falei, tentando acalmá-lo. – Calma, Nathan. Vamos esperar mais alguns dias. Se for gravidez, eu saberei. Não se preocupe, não vai ser. – A esse ponto, estava tentando convencer mais eu mesma do que qualquer outra pessoa. – Eu tomo anticoncepcional, isso não poderia acontecer. Não tem nem como...

— Você sabe que tem uma porcentagem de erro...

— De um por cento! – Quase gritei, sentindo minhas mãos tremerem de nervoso. – Eu não posso ser tão azarada assim! Uma a cada cem mulheres por ano e vai ser logo eu?

— Você sabe que essas coisas não interferem nos planos de Deus e... – Nesse momento eu já tinha soltado um grito de desespero.

Se tinha algo que causava intriga entre Nathan e eu, essa coisa era religião. Ele tinha nascido em berço protestante, eu tinha nascido em uma casa que não impunha religião alguma. E depois de ter frequentando algumas delas, eu cheguei à conclusão de que não acreditava em nada e me senti mais confortável concluindo que religião foi uma coisa criada pelo homem, demonstrando que somos imponentes o suficiente para precisarmos nos apegar em algo. Algo que possa provar que as coisas acontecem mesmo que nos esforcemos para que não aconteçam.

Encarei ele com uma expressão de revolta. Graças à minha falta de crença, eu não gostava que as pessoas dissessem pra mim que Deus tinha decidido tal coisa sobre a minha vida. Os erros são humanos, não de um deus. Eu queria muito que as pessoas entendessem isso. É muito mais fácil culpar alguém que, na minha concepção, nem existe do que culpar você mesmo.

— Não foi Deus! — Falei com desprezo. – Você sabe bem disso.

— E foi quem, então?

— Nós?! – Deixei óbvio que era assim que eu pensava. – Não vamos conversar sobre isso agora, nós nem sabemos se é sinal de gravidez.

— Faça um teste de farmácia. – Ele disse, conclusivo. – Estão quase sempre certos. – Neguei com a cabeça e sentei-me na cama.

— Não. Eu vou ao médico amanhã. Farei exame lá. – Disse, fechando os olhos e virando-me de costas. – Estou cansada demais agora. – E deixei-me vagar pela minha mente.

Minha mãe costumava dizer que uma mulher sabe muito bem o que está acontecendo com o seu corpo, e agora eu acreditava nela. O psicológico é capaz de criar coisas se você ficasse o tempo todo pensando nisso, mas eu não estava preocupada com o fato de estar grávida, então os sintomas não tinham sido criados pela minha mente. Eu sabia que a ciência, às vezes, falhava. Nada era cem por cento garantido, a bula do remédio deixava isso bem claro. Mas não era possível que eu era a escolhida para engravidar entre cem mulheres por ano.

Fiquei por horas virada de costas para o quarto e de olhos fechados para a parede enquanto imaginava o porquê de eu ter sido escolhida pelo destino. Voltei atrás em todos as minhas ações, para ver se eu merecia ficar grávida aos dezessete anos de uma criança de quatorze. Tantas pessoas piores no mundo e logo eu?! Respirei fundo e abri os olhos, dando de cara com a escuridão. Virei de barriga para cima e fui acolhida pelos braços quentes de Nathan. Seus lábios depositaram um beijo no meu ombro.

— Não se preocupe, amor. – Ele disse, com uma voz calma e cheia de sentimento. – Nós vamos fazer dar certo. Estamos fazendo dar certo até agora. – Virei-me de frente para ele, encarando seus olhos castanhos abertos no escuro. Eles brilhavam pra mim de uma forma como nunca antes.

— Como daremos um jeito nisso? – Sussurrei, acariciando minha barriga.

— Eu não sei, mas daremos. Confie em mim! – Ele pediu, com um meio sorriso. – Você sabe até onde eu iria por você, não sabe? – Eu assenti com a cabeça, deixando uma lágrima brotar nos meus olhos. – As coisas vão ficar difíceis, você sabe disso. Mas eu não vou desistir de você. – Ele apoiou a mão na minha barriga. – Ou melhor, de vocês. – E me abraçou como forma de selar a promessa.

— Obrigada! – Eu disse, e afundei meu rosto em seus cabelos, tendo a certeza que, dali pra frente, eu não estaria mais sozinha mesmo que quisesse.


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