Guardião escrita por Jafs


Capítulo 3
Capítulo 3




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Ajoelhada sobre o chão de esteiras da casa, Gin se sentia ainda menor dentro daquele quimono, onde as mangas eram bem mais compridas que seus braços. Contudo, o tecido rosa claro com flores pintadas era muito bonito.

A expressão de Nariko, que estava de pé próximo da porta, parecia concordar com isso. “Izumi era um pouco mais velha quando usou esse vestido, mas sei que logo logo você vai crescer.”

Gin tentou sorrir pela gentileza daquela mulher, mas seu coração estava cheio de pesar.

“Terminou, Nariko?” Izumi entrou na sala.

“Sim, ainda bem que eu tinha essa roupa guardada.” O sorriso de Nariko deu lugar a preocupação. “Você acha certo que ela fique contigo?”

Izumi respondeu, “Haveriam perguntas e nós teríamos que mentir demais. Além disso, ela me disse que não tem mais ninguém que possa olhar por ela.”

Nariko pressionou seus olhos e lábios ouvindo aquilo, ela retornou sua atenção para a menina. “Minha criança, eu conhecia sua vó e seus pais. Pessoas tão boas... o que aconteceu é horrível.”

Gin contorceu a face e lágrimas caíram.

“Nós vamos cuidar de você,” Nariko continuou, “como uma família.”

“O-Obrigada...” A voz de Gin saiu chorosa e ela respirou fundo.

“Vá,” Izumi ordenou, “caso perguntem por ela, diga que os pais dela deixaram sob meus cuidados por estarem com dificuldades.”

“Sim.” Nariko olhou uma última vez para a menina antes de sair.

Izumi fechou as portas de correr, então ficou parada aonde estava antes de falar. “Mas é uma mentira, não é?”

Gin estava secando as lágrimas com o quimono. “O quê...”

Izumi se virou. “Você deve ter mais parentes, eles irão procurar por vocês.”

“Eles não moram na mesma cidade que meus pais,” respondeu Gin, “e ninguém sabe que nós viríamos para cá. Acho que ninguém nunca visitou esse lugar.”

Izumi falou em um tom mais sério, “Alguém vai notar a ausência de vocês. Se aparecerem aqui para procurar, eu terei que escondê-la. Você entendeu?”

“Sim.” Gin afirmou, convicta.

“Bom.” Izumi caminhou até ficar de frente para a menina.

Kyuubey, que estava na sala, mas não se havia manifestado anteriormente, se aproximou da sacerdotisa. [Vai mostrar alguma coisa?]

“Não vejo o porquê de continuar escondendo.” Izumi estendeu sua mão esquerda. “Gin-san, eu serei rápida e direta, então preste atenção.”

“Sim! Hama-”

“Izumi-sensei.”

“Izumi-sensei...” A menina abaixou a cabeça, embaraçada.

“Olhe!”

Gin obedeceu prontamente a ordem de Izumi e viu que, a partir do anel da mão esquerda daquela mulher, uma luz azul surgira e ganhava forma. Quando a luz se foi, ali jazia uma jóia de azul profundo em forma de ovo, com um anel dourado em seu topo.

“Isso é uma gema da alma,” disse Izumi, “é onde se encontra a fonte da magia e o que define você como uma garota mágica.”

[Você obterá uma também.] Kyuubey complementou.

Izumi olhou para a criatura pelo canto do olho e enfatizou, “Se ela fazer o contrato.”

[Claro.]

“E-Ela é bem bonita, mas...” Gin balbuciou, “ela parece ser frágil.”

“Ah! Talvez você não seja tão burra afinal de contas.” Izumi sorriu. “Está correta, ela é tão frágil quanto sua vida.”

“Eh?” Os olhos de Gin arregalaram-se.

“Eu disse que a gema da alma define você. Se ela quebra, você também.”

Gin ficou ainda mais assustada.

A gema da alma de Izumi brilhou. “Acho que já podemos passar para a próxima lição.” Logo seu corpo foi envolto por uma grande luz azul.

“Oh...” De assustada para estupefata, Gin testemunhou as novas vestimentas que estavam surgindo por detrás daquela luz. Agora ela se lembrava: aquelas eram as roupas que a sua salvadora estava usando naquela noite, eram similares as de uma sacerdotisa, mas a saia vermelha deu lugar para a azul. Além disso, uma faixa de tecido azulado e fino, levemente transparente, estava amarrado em cada braço da Izumi. O tecido flutuava e formava um arco atrás dela, um pouco acima da cabeça. Assim como as antigas roupas, o laço vermelho que prendia seu cabelo também havia desaparecido. Seus cabelos agora se moviam em pequenas ondas, como os de um lago tranqüilo.

“Nessa forma facilita seu acesso a sua magia.” Uma luz azul se materializou na mão esquerda da Izumi e logo ela estava segurando um longo cajado de madeira, com um grande anel de superfície azul e polida, em pé na sua ponta.

A magia existia. Mesmo que já soubesse, o coração de Gin disparou diante dessa nova realidade, mas um detalhe não lhe escapou. “Onde está a sua gema?”

“Aqui.” Izumi mostrou o anel na mão que segurava o cajado.

Gin examinou. Não era mais aquele anel metálico que ela já tinha notado anteriormente, mas uma gema azul escuro com o mesmo formato. Algo realmente único.

“Vamos continuar...” Izumi apontou o cajado em direção a menina.

De repente, uma bolha de água se materializou na frente da Gin. Ela enxergava o outro lado perfeitamente através daquele líquido cristalino. “V-Você consegue criar do nada?”

“Não,” respondeu Izumi, “eu concentrei a umidade da sala nesse ponto, como eu desejei. É com a sua vontade que se comanda a magia.”

Gin sentiu em sua garganta como ar estava mais seco.

“Talvez eu até possa criar água do nada, mas isso deve requerer mais magia.”

“Mais magia?” A menina tentou tocar a bolha, mas ela se desfez em pequenas gotículas que rapidamente evaporaram.

“Até a magia tem limites.” Izumi voltou segurar o cajado em pé. “Mas isso será uma lição para depois.”

De maravilhada, Gin passou para a excitação. “Se eu me tornar uma garota mágica, vou poder fazer o mesmo?”

Izumi abaixou o olhar. “Eu duvido.”

“Hã?”

[A magia inata de uma garota mágica pode adquirir muitas formas.] Disse Kyuubey. [É difícil saber exatamente como ela será, mas tem relação com o desejo feito no contrato.]

“Com o desejo?” Gin olhou bem nos olhos de Izumi.

Ela sorriu. “Sabe, eu estava usando seu quimono quando me tornei uma garota mágica. Era uma noite tempestuosa.”

A menina ficou ouvindo atentamente.

“Há uma barragem próximo ao vilarejo e ele estava a vias de se romper.” Izumi fechou os olhos e lentamente balançou a cabeça. “Nós todos fomos para o santuário, onde era mais alto e ficaríamos seguros. Contudo, a água levaria tudo que havia sido levantando por tantas mãos.” Então ela olhou para Kyuubey. “Foi aí que ele apareceu.”

“Você... salvou esse lugar,” Gin pensou alto.

“Sim, um desejo que eu não me arrependo.” Izumi alisou o grande anel do cajado. “As pessoas creditaram o milagre para as preces que fizeram no santuário. Nessa época, eu achei certo seguir o caminho da religião portanto.”

Gin ficou confusa. “M-Mas eles sabem que você é uma garota mágica, não é? Nariko-”

“Não, não sabem. Nem mesmo Nariko,” respondeu Izumi, “apesar que ela acredita que estou lidando com forças além da compreensão.”

Kyuubey retornou a falar. [Nariko Terada não é capaz de me ver ou ouvir, assim como todas as pessoas que não tem potencial.]

Gin franziu a testa. “Ah é?”

O uniforme de Izumi e o cajado começaram a brilhar e evaporar, rapidamente dando lugar as suas antigas vestimentas. “Bem... acho que isso basta por hoje.”

“Mas já?!” Gin exclamou. “N-Nós não temos muito tempo ainda?”

Izumi olhou para ela com uma expressão séria. “Pelas faces que você fazia, é muita informação para absorver. Nesse meio tempo, irei lhe ensinar os costumes dessa vila e do santuário.”

“O quê...” Gin ficou surpresa. “V-Você vai me tornar em uma sacerdotisa?”

Izumi levantou uma sobrancelha. “Sacerdotisa? Só se você se esforçar muito... ou acha que um dia de treino bastaria?”

Gin abaixou cabeça rapidamente. “Não! Não! Izumi-... sensei.”

A mulher respirou fundo e disse a Kyuubey, “Eu irei levar ela para o santuário.”

[Entendo, voltarei outra hora.] Balançando a cauda, Kyuubey caminhou calmamente até a saída mais próxima.

Izumi esperou ele sumir de vista para então se aproximar da menina. “Vamos”

Gin se levantou e caminhou com a sacerdotisa até uma porta de correr, mas com dificuldade, pois o quimono era muito comprido e ela pisava nele com freqüência. “E-Esse Kyu... Kyuubey, não é? Ele é estranho.”

Izumi semicerrou o olhar. “Você acha?”

“É, parece que a boca dele não se mexe quando ele fala. É-” Gin sentiu seu quimono sendo violentamente puxado.

Izumi estava agora de frente para ela, com um olhar fulgurante. A sacerdotisa olhou para o lado, por onde Kyuubey havia ido, e então se aproximou mais para falar. “Se quer se tornar uma garota mágica, deve ter isso em mente.”

Com aquela mão forte torcendo seu vestido, Gin estava de respiração presa.

“Kyuubey é uma entidade sobrenatural e, como tais, são caprichosos. Ele pode ser um aliado útil, mas nunca será seu amigo. Você me ouviu?”

Gin apenas assentiu com a cabeça, assustada.

Izumi lentamente liberou a menina e depois abriu a porta.

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A HEROÍNA

Sayaka abriu a porta de correr e olhou pela sala. “Hmm... Ela não está aqui também.” Enrolada em uma toalha de banho branca, ela caminhou pelos corredores. “Kyouko, onde você se meteu?”

Até que ouviu alguém cantar.

Seguindo a origem, ela encontrou Gin sentada na varanda, alisando seu cabelo e o laço vermelho que o prendia. A letra da canção não parecia fazer sentido, mas dava para notar a melancolia na melodia.

Então a sacerdotisa parou e olhou para trás.

Sentido-se flagrada, Sayaka ergueu um pouco mais a sua toalha e procurou sorrir. “Oi, você canta muito bem.”

“Eu fui bem ensinada.” Gin sorriu. “Procurando pela fonte?”

“Hã? Não, eu me lembro onde fica,” disse Sayaka, “na verdade eu estou procurando a minha amiga. Eu ia convidá-la para o banho. Você a viu? Ela sumiu depois do horário do almoço.”

“Não, não a vi.”

Uma idéia perturbadora passou pela mente da Sayaka. “E... por acaso viu Kyuubey?”

Gin ponderou por um momento antes de dizer, “É, hoje ele não apareceu ainda.” Ela retornou a olhar para o lado de fora. “Parece que sua amiga conseguiu assustá-lo.”

“Será? Hehe...” Sayaka ficou sem graça. “Eu... Eu acho que vou sem ela. Em outra hora ela deve aparecer.”

Gin continuou em silêncio.

Sem mais dar palavras, Sayaka saiu dali com pressa. Novamente nos corredores da casa, ela rangeu os dentes. “Ah Kyouko! Se eu descobrir que você está perseguindo Kyuubey, eu... eu...” Ela socou a própria coxa e suspirou. “Vamos ver se com esse banho eu relaxo.”

Ela chegou aos painéis que davam para parte de trás da casa. Ao abrir a porta de correr, avistou o extenso deck de madeira, que chegava até as pedras que rodeavam a fonte de água termal, que ficava aos pés de um barranco. Em pé, em meio ao vapor, Kyouko estava tomando banho pelada.

Kyouko.

Tomando banho.

Pelada.

“Ah, você finalmente veio! Ei! Olha só!” Kyouko puxou uma corda que estava em um aqueduto de madeira que vinha do barranco, erguendo uma tampa do mesmo e fazendo que água quente jorra-se sobre os longos cabelos soltos da ruiva.

“L-Legal...” Sayaka virou a cara.

“O que foi?” Kyouko pulou da fonte para o deck e correu em direção a outra.

Sayaka olhou para aquilo pelo canto e dos olhos e eles cresceram. “Nada! Nada... é só que eu... esqueci... a-algo... e...”

“O que disse?!”

“Isso não vai colar...” Sayaka fechou os olhos, cochichando para si mesma. Então ela se virou para outra e abriu um grande sorriso. “Eu disse que eu esqueci como era bom uma fonte de água termal. Hahaha...”

“Ah tá.” Kyouko puxou a toalha da magia. “Então vem logo!”

“Espera!”

Já era tarde, a ruiva viu que ela estava usando sutiã e calcinha. “Ué?! Pra que isso?”

Sayaka corou. “N-Nós não temos roupas de banho, então...”

A reação de Kyouko foi de ficar boquiaberta, seguida de uma careta. “Garota, você é desse mundo?”

“Bem...” Sayaka desviou o olhar.

Kyouko balançou a cabeça, irritada. “Ah! Esquece!” Coçando a testa, ela se recompôs. “Ok. Ok... Você disse que fazia tempo que não tomava banho em um. Quantos anos você tinha?”

Sayaka ficou olhando para cima e começou a contar nos dedos.

Vendo aquilo, Kyouko esfregou a cara.

“Cinco anos, ou quatro. Minha mãe me levou para um desses lugares.” Buscando se lembrar, Sayaka fechou um olho. “Pelo que eu... me lembro, eu estava usando roupa de banho... eu acho...”

“Uhum...” Kyouko cruzou os braços. “Tira.”

Relutante, Sayaka se virou de costas e lentamente se desfez da sua lingerie. Quando terminou, usava seus braços para esconder suas partes íntimas. “Está bom assi-O QUÊ?!”

Em um rápido movimento, Kyouko tinha sua amiga em seus braços. “Heh. Vai ficar quando você ficar molhada!”

Vendo sua amiga correr em direção a fonte, Sayaka se desesperou. “Não! Espera! Para! PARA! PARAAAHHHH!” Sendo logo arremessada nas águas quentes, formando uma grande ondulação com o impacto.

“BWAHAHAHA!”

Botando a cabeça para fora da água, Sayaka exclamou, “Sua idiota! Eu não tinha me lavado ainda!”

“Nem eu.” Kyouko pulou na água e se recostou nas pedras.

Ainda ranzinza, a garota de cabelos azuis nadou até o lado dela. “E agora a toalha está super longe.”

“Ela não vai fugir.” Kyouko veio com um olhar inquisitivo. “E por que tanta vergonha em tirar a roupa? Eu me lembro que a gente fazia isso no vestiário da escola.”

“I-Isso é diferente!” respondeu Sayaka, enquanto buscava uma posição confortável entre as pedras. “Lá todas estão fazendo e até que é rápido. Não é como aqui, nesse lugar isolado, onde só está eu e... você...”

“Sério que é isso?” Com um olhar um tanto confuso, a ruiva sorriu e ergueu seu braço para dar um tapa no bíceps. “Se aparecer um pervertido, eu boto ele pra correr. Faço isso pelada até!”

“Ai não!” Sayaka escondeu o rosto. “Você entendeu errado!”

“Qual é!” disse Kyouko, bem mais irritada, “então explica direito!”

“Kyouko...” Ela suspirou antes de continuar, “Você sempre foi assim?”

“Assim como?”

“Você parece não se importar de ficar... pelada na frente de outra pessoa.” Sayaka desviou o olhar e sentiu um calor subir sua face, do qual ela tinha certeza que não era por causa da fonte termal. “Ao menos... na frente de outra garota...”

Kyouko arregalou os olhos, estupefata, e não conseguiu se conter. “Heh! HAHAHAaa... Mami disse a mesma coisa.”

Agora foi a vez da outra em arregalar os olhos. “M-Mami-san?!”

“Bem... mais ou menos.” Kyouko deu uma boa mordida em seu lábio, procurando se lembrar. “Eu estava uns quatro dias sem me lavar. Havia muitos demônios e a gente ficava fora a noite toda.”

“E isso é desculpa?” comentou Sayaka, “aposto que Mami tomava banho mesmo assim.”

“Tch. Vai policiar meu passado, é? Deixa eu continuar...” Disse Kyouko, “Sim, Mami tomava banho porque ela tinha escola. Era para eu ir depois, mas eu acabava dormindo. Até que ela descobriu e já veio falando.” Ela cruzou braços para valorizar seu busto e começou a falar com uma voz mais pausada e séria. “‘Kyouko! Como quer que eu lave a sua roupa se você está suja?’”

Sayaka franziu a testa e sorriu diante da performance da outra.

“Aí eu fui né. Me limpei e tal. Só que veio a voz do outro lado da porta.” Kyouko levantou o queixo. “‘Lavou bem esse cabelo?’”

“Aw...” Sayaka fingiu uma expressão de dor. “Deve ser horrível lavar isso. Por isso que eu deixo o meu sempre curto.”

Ela puxou uma de suas longas mechas ruiva, deixando que a água escorresse. “Eu gosto dele grande assim. É bonito, faz parecer que é uma capa...”

“Que nem de um herói?” a outra indagou.

Kyouko deixou a mecha cair. “Ok... Deixa eu terminar. Então, eu teria lavado ele, mas tinha esquecido. Eu até já estava me secando. Eu fiquei chateada, então falei ‘Vem lavar pra mim, a porta tá destrancada.’”

“Você disse isso?!” Sayaka ficou espantada. “E o que Mami-san respondeu?”

“Nem me lembro direito, acho que ela ficou gaguejando meu nome. Eu só sei que ela não me incomodou mais. Heh.” Kyouko ergueu uma de suas pernas acima da linha da água. “Naquela época achei isso estranho, mas agora vendo você meio que fazendo mesmo, acho que entendi. Vocês duas têm algo em comum.”

“O que seria?”

“Vocês são filhas únicas.”

Aquela afirmação deixou Sayaka estática.

“Sabe, no inverno sempre era pior, porque tínhamos pouco acesso a água quente.” Kyouko pegou um punhado de água e deixou-a escorrer pelo seu rosto. “Então a minha família dividia mesma tina. Algumas vezes só tinha o suficiente pra mim e minha irmãzinha.”

Sayaka balbuciou, “Sua irmã...”

“É! Eu ajudava ela a se limpar.” A face de Kyouko iluminou-se. “Você tinha que ver as orelhas dela! Não sei como era possível, mas sempre tinha sujeira atrás.”

Ela continuou apenas a ouvir, compartilhando o sorriso.

Kyouko ergueu seus braços. “Eu pegava ela assim e...” Porém seus gestos pararam, assim como seu sorriso, que esmaeceu no mesmo ritmo que seu olhar baixou. “É...”

Preocupada, Sayaka interveio. “Desculpa, acabei fazendo você se lem-”

“Nah!” Kyouko balançou a cabeça e suspirou. “Eu que fui idiota. Heh... Eu queria fugir disso, mas como escapar de mim mesma?”

“Você anda sonhando sobre isso?”

“Eu tô bem! Eu tô bem...” Kyouko deu uma ombrada e uma piscadela para sua amiga, recobrando o sorriso. “Você é que tá tensa aí.” Ela então começou a fazer movimentos suaves na água com os braços e as pernas.

Sayaka não disse mais nada. Mesmo que sua expressão era de preocupação, buscou imitar a companheira.

“Bom,” Kyouko disse enquanto deitava a cabeça sobre as pedras, “temos que aproveitar esse momento. Nada desse mundo vai me impedir de eu relaxar.” Ao olhar para o céu, porém, não conseguiu enxergá-lo, pois um grande focinho bloqueava a vista. “Eh?! GAAAAH!”

Com sua amiga pulando de susto, Sayaka olhou para trás e viu o cavalo. “Como ela veio até aqui?”

O animal pulou na fonte sem fazer cerimônias, jogando água para tudo quanto é lado.

Kyouko levou as mãos à cabeça. “Oh não! O que ela está fazendo?!”

Com as ondas, Sayaka se viu forçada a ficar de pé. “Eu acho que ela quer tomar banho conosco.”

Kyouko ficou olhando para o cavalo, que ficou de lado na frente dela. “Não brinca.”

“Achou que ela iria ficar contente só tomando banho de chuva? Haha.”

“Eu disse pra não brincar...” A ruiva olhou para o aqueduto e teve uma idéia. Logo ela tentava empurrar o animal. “Olha, eu não tenho muito jeito pra coisa, então vê se colabora aí.”

O cavalo se abaixou, mergulhando nas águas.

Sayaka colocou as mãos atrás da cabeça, sorrindo. “Está indo muito bem!”

“Vem ajudar!” Kyouko exclamou, furiosa.

O cavalo se levantou e começou chacoalhar seu corpo e cauda.

Para desespero da Kyouko que recebia os respingos. “Ah! Assim eu vou ficar com o seu cheiro!”

E para a alegria da Sayaka. “Hahahaha!”

“O QUE É ISSO?! UM CAVALO!”

As garotas se viraram em um salto para sacerdotisa que estava no deck.

Atrás dela, Kyuubey apareceu. [Isso é um cavalo? Que curioso...]

Os olhos do animal se arregalaram e ele empinou, relinchando.

“Wow!” Kyouko se afastou diante daquela reação.

Então o cavalo saltou da fonte e saiu galopando, desaparecendo na floresta.

Gin estava completamente estupefata. “Como ele veio parar aqui?”

Sayaka vendo que estava mostrando tudo para a sacerdotisa, tratou de entrar na água. “N-Nós não sabemos também, ela é nossa e-”

“Ela é de vocês?” Gin ficou boquiaberta.

“Ela quis dizer que ela nos acompanha,” respondeu Kyouko, “ela apareceu um dia e é assim desde então.”

“Ela é uma égua,” Sayaka complementou.

Gin olhou para as roupas íntimas e a toalha jogadas sobre o deck. “Uma égua...”

[Vocês realmente são de uma cidade grande? Eu não vejo garotas da sua idade nesses lugares andando a cavalo livremente.]

Kyouko disse em tom sarcástico para Kyuubey. “Sempre há exceções, não é?”

“Creio que sim...” Gin colocou as roupas e toalha dobradas próximo da fonte. “Vocês deviam ter prendido essa... égua.”

Sayaka desviou olhar, “Nós sabemos, mas ela vive fugindo.”

Enquanto Kyouko novamente mergulhava nas águas. “Ela pode ser muito arisca, como você mesmo viu.”

Gin acenou com a cabeça e se virou, indo em direção a casa. “Mas é melhor a encontrarem ou vão acabar ficando mais um dia aqui.”

“Claro. Obrigado pela sua paciência, Nakayama-san,” disse Sayaka.

Kyuubey olhou uma última vez para as garotas antes de entrar na casa junto com a sacerdotisa.

A garota de cabelos azuis abaixou cabeça, ponderando, “Isso não é bom...” Mas então mãos puxaram seus ombros. “Hã?”

“Ei! Levanta! Você ainda não puxou a corda.” Kyouko apontou para o aqueduto.

Sayaka suspirou e sorriu. “Ok... Vamos tentar.”

/人 ‿‿ 人\

O banho fora longo, tanto que Sayaka tinha certa dificuldade em abrir a porta do quarto delas devido aos seus dedos murchos.

Kyouko vinha logo atrás dela, ainda enrolada em uma toalha. “Ei Sayaka, você viu que a sacerdotisa nem deu bola de olhar pra gente pelada?”

“Eu percebi.” Sayaka foi até as mochilas. “Mas eu acho que ela estava muito assustada com o nosso cavalo estragando a fonte. Estamos com um baita problema agora.”

Kyouko continuava a secar seu longo cabelo. “É... Mas não vamos encontrá-la de jeito nenhum. Ela é um animal... Então deve dar de atrair ela com comida?”

“Você sabe do que ela gosta?” Sayaka jogou para trás um sutiã e uma calcinha.

Que Kyouko prontamente pegou. “Sei lá. Cavalo come capim, que é verde e estamos cercadas de coisa verde... droga.”

“Então vamos tentar chamar ela com magia.” Sayaka já estava vestindo uma calça e camisa. “Temos que ter ela antes do anoitecer.”

De repente, um estrondo distante reverberou a madeira da casa.

“Ou antes da chuva. Heh.”

Sayaka se virou e jogou as roupas para Kyouko, enquanto terminava de vestir uma jaqueta. “Vamos ter que correr.” Contudo, uma dúvida lhe veio à mente. “Aliás, onde você estava depois do almoço? Foi direto para a fonte?”

Kyouko jogou a toalha de qualquer jeito sobre as mochilas e foi colocando a calça. “Banheiro.”

“Hã? Depois que escovamos os dentes, você foi de novo?”

Kyouko pôs a mão na barriga. “Uhum! Sofrimento puro...”

Ela não precisava disso, sim, Sayaka sabia que ela não precisava disso. “Kyouko... isso é o que acontece por ficar comendo essas baboseiras fora de hora.”

“Desde que não me mate...” Kyouko vestiu seu moletom. “E como é que vocês fazem lá na Lei dos Ciclos?”

“Fazer o quê?”

“Banheiro.”

Sayaka virou a cara. “Ah...”

Kyouko deu de ombros. “Ué? Isso é normal, né?”

“Não precisamos, pois não comemos,” ela respondeu. “Você deve saber que uma garota mágica pode sustentar seu corpo apenas com magia.”

“Vocês não comem?! Que inferno é esse?!” Kyouko ficou abismada. “Até dá pra enganar a fome com magia, mas não dá pra fazer isso pra sempre.”

Sayaka olhou de relance para a outra.

“O-Ou agora dá?”

“Nós não temos realmente gemas da alma.” Sayaka olhou para a gema azul em seu anel. “Não quer dizer que não haja limites. Assim como manipulamos a magia, ela também pode nos manipular. Se usar demais, você perde o controle.”

Kyouko olhou para as suas próprias mãos. “E como posso saber se estou usando demais?”

“Não dá,” Sayaka respondeu secamente, “quando você descobre que passou do limite, já é tarde demais.”

Kyouko abaixou a cabeça e rangeu os dentes. “E você só me conta isso agora?” Então sentiu um tapinha no ombro.

Sayaka estava com um leve sorriso estampado no rosto acompanhado de uma piscadela. “Você já é bem cautelosa com a sua magia, então não senti a necessidade. Continue assim.” Depois ela se dirigiu a saída do quarto.

“Ok...” Kyouko fechou as mãos e respirou fundo, mas então suas memórias a alertaram. “Ei! Pera aí! Mas a gente comeu lá, a Mami fez chá e bolos...”

“E onde acha que ela arranjou os ingredientes?” Sayaka já estava no corredor. “Eu disse que nós nos sustentamos com magia.”

Kyouko correu para alcançá-la. “Qual é! A gente caga arco-íris ou o quê?”

Sayaka parou de súbito. “A casa parece... vazia.”

A madeira vibrou com o novo estrondo.

“Essa tempestade vai ser das grandes,” comentou Kyuoko. “Gin deve tá no santuário.”

“Vamos. Temos que resolver essa questão sobre o cavalo.”

As duas vestiram seus calçados na entrada da casa e saíram. Lá fora era ameaçador: as árvores pareciam que iam se dobrar ao forte vento e a noite parecia ter vindo mais cedo devido as nuvens escuras. Estalos anunciavam que a tempestade estava cada vez mais próxima.

“Mas que droga!” Kyouko protegeu a face diante das folhas e galhos carregados pelo vento. “Está pior do que eu pensava!”

“Isso mudou muito rápido...” Sayaka correu pela calçada de pedra. “Vamos! Temos que ver se está tudo bem!”

Chegando ao santuário, se depararam com uma multidão. As pessoas do vilarejo se abrigavam no local, muitas ainda subiam as escadas, carregando-as consigo até mesmo pequenos animais, de cachorros a galinhas.

Dentre elas, havia um rosto conhecido.

“Nariko!” Sayaka se aproximou. “O que está acontecendo?”

“Oh! Ela disse que vocês estavam na casa dela,” disse Nariko com um sorriso, “está tudo bem, é só uma precaução. Não se preocupem.”

Kyouko alcançou elas. “Onde está Gin?”

“Ela está no vilarejo,” respondeu Nariko. “Isso é um ritual que ela faz para que nenhuma entidade maligna possa se aproveitar dessa tempestade para causar algum mal. Ela sabe o que faz, não se preocupem.”

“Você já disse isso,” afirmou Kyouko.

O sorriso de Nariko fraquejou.

“Obrigada!” Sayaka disse em tom mais alegre, “nós vamos voltar para casa dela e esperar essa tempestade passar.” Então puxou Kyouko.

“Façam isso.” Nariko acenou. “E se cuidem!”

“Vocês também!”

Logo que as duas retornaram a casa, Kyouko falou. “Sayaka... Você tá pensando o mesmo que eu tô pensando?”

“Sim.” Sayaka levou sua mão esquerda ao peito. “Vale a pena dar uma olhada.”

Dois flashes de luz se seguiram e as duas agora estavam com os seus uniformes de garota mágica. Elas adentraram na mata fechada e desceram um barranco, até se encontrarem na beira de uma das ruas do vilarejo.

Elas correram e se esconderam atrás de um muro de rochas que cercava uma das plantações. Espiando por cima do muro, Kyouko disse. “Parece que a barra tá limpa.”

Então um violento flash de luz a cegou. “Nossa!” Seguido por um terrível estalo.

“Esse me assustou também,” comentou Sayaka.

“Droga... mas isso já era de se esperar.” Kyouko apontou. “Que nem aquilo aí ó.”

Sayaka viu o que parecia uma gigantesca cortina chegar até elas. A chuva grossa as molhou completamente quase de imediato. “Ai! Que frio...”

“Bwahaha! Nem sei porque a gente se secou.” Com o barulho da chuva, Kyouko se viu obrigada a levantar a voz. “Agora vai ser difícil alguém nos ver. Bora!”

Elas foram até a rua principal, com seus postes de luz já acesos. Realmente não havia nenhum indício de que alguém estivesse dentro das casas.

Logo Sayaka parou. “Você sentiu isso?”

“Sim!” Kyouko apontou com a cabeça. “Tem uma fonte de magia no final da rua, antes da floresta.”

“Deve ser a Nakayama-san,” concluiu Sayaka. “E você sentiu a presença de alguma bruxa?”

A ruiva tirava o cabelo molhado da sua face. “Nada.”

Elas continuaram até a floresta estar bem visível diante delas.

Sayaka ficou olhando de um lado para o outro. “Onde ela está?”

“Olha lá!”

A garota seguiu a indicação da Kyouko até o topo de uma das casas. Ali se encontrava alguém com capuz e capa. Aos pés daquela pessoa, uma cauda denunciava a presença de Kyuubey.

As duas garotas chegaram atrás dela em um salto e puderam ver com mais detalhes aquelas vestimentas. Era completamente negra e a água da chuva escorria pela sua superfície impermeável. A capa era estampada por um grande e oco triângulo invertido amarelo.

Diante daquela presença intimidadora, Sayaka hesitou antes de indagar. “Nakayama-san... é você?”

A pessoa virou a cabeça. Sua fisionomia era coberta por um pano negro até a altura do nariz, mas os olhos amarelos que se destacavam sob a sombra do capuz não deixavam dúvidas. “Então esses são os uniformes de vocês.”

Kyouko sorriu. “E o seu é bem conveniente para esse tempinho.”

Gin desviou o olhar. “Voltem. Eu não preciso de ajuda.”

“Então realmente apareceu uma bruxa aqui?” questionou Sayaka. “Olhe, pelo fato de termos ficado sob seu teto. Nós podemos contri-”

“Sayaka! Se tem uma coisa que sei muito bem, é que alguém que é dona do território por tanto tempo decide como vai caçar,” Kyouko a interrompeu, “mas você não se importaria de a gente ficar aqui e assistir, ou estou errada?”

Gin abaixou o olhar e ficou assim por um bom tempo, mas enfim acenou com a cabeça e voltou a olhar para a frente. “Fiquem exatamente aqui. É seguro.”

“Hã?” Sayaka ficou curiosa.

Kyuubey olhava fixamente para a floresta. [Gin, vai começar.]

“Eu sei...”

Entre as árvores surgiu uma torrente de lama que carregava tudo pelo caminho. Ela começou a se concentrar em um ponto, formando um morro onde brotava braços e pernas também feitos de lama.

Sayaka ficou impressionada com o tamanho que aquela coisa estava ganhando. “Essa é a... bruxa?”

Mas Kyouko estava bem mais impressionada. “Uma bruxa fora de uma barreira?!”

“Sim!” Sayaka se deu conta com a afirmação da amiga. “I-Isso significa que ela deve ser muito forte.”

Gin abriu sua capa. Ela ergueu um braço para o alto e o outro em direção a bruxa, para logo escondê-las novamente debaixo do manto.

Fora um movimento rápido, Kyouko só pode notar que ela usava grossas luvas de borracha preta e que não havia usado nenhuma arma.

Então veio um flash de luz e um estalo ensurdecedor, não dava para dizer o que tinha vindo primeiro.

“AAAHH!” As duas garotas se abaixaram, instintivamente procurando por proteção.

Mais flashes e estrondos seguiam-se.

“MERDA!” Kyouko tapou os ouvidos e mal conseguia enxergar algo. Estava ciente que Sayaka devia estar passando pela mesma situação.

Tão de repente como começou, a luz cedeu e o som agora era apenas a da chuva, que lavava a lama aonde antes havia uma bruxa.

Sayaka tirou as mãos dos ouvidos. “Ela... Ela controla raios. Incrível...”

[Excelente trabalho como sempre.] Kyuubey afirmou.

“Obrigada.” Gin pulou da casa até onde estava a bruxa.

Kyouko e Sayaka fizeram o mesmo. Havia muitos galhos no local, que ainda exalavam um característico cheiro de queimado. A ruiva notou que a garota mágica negra havia pegado a semente da aflição, onde em seu globo haviam vários anéis metálicos justapostos.

Sem se virar para elas, Gin declarou, “Eu disse para vocês ficarem lá.”

“Mas por quê?” Kyouko olhou envolta. “Você já destruiu a bruxa. Foi até ridículo, você é muito forte.”

A mulher nada respondeu, apenas arremessou a semente, que Kyuubey recebeu pelo buraco que abria em suas costas.

Kyouko franziu a testa. “Ei! Você nem tinha usado ela!”

Gin se virou para uma direção. “Eu só vou precisar de uma.”

“O que você quer... dizer... com... isso...” Olhando para a direção que a outra havia se virado, Kyouko viu novas torrentes de lama surgindo da floresta e se concentrando.

“Fiquem atrás de mim.” Gin novamente erguia um braço para o alto e o outro na direção das monstruosidades que se formavam.

Sayaka testemunhava aquilo boquiaberta.

Somente Kyouko se manifestou, antes que os estrondos abafassem. “Não pode ser...”


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