Guardião escrita por Jafs


Capítulo 2
Capítulo 2




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“Não devemos contatar as autoridades?”

“Nariko... Eles não podem lidar com o sobrenatural.”

Com os olhos fechados, a menina não tinha certeza se o que havia vindo primeiro eram as vozes femininas daquela conversa ou o senso de seu corpo. Ela estava deitada em algo confortável e quente, mas havia dor também, mesmo se fazia um mero movimento.

“Eu acho que ela acordou.”

Ela lentamente abriu os olhos e se viu em uma sala com teto de madeira, cercado por portas de tecido, onde havia uma grande pintura da natureza e plantações de arroz, tudo iluminado por uma luz incandescente.

Próximo das portas haviam duas mulheres que a olhavam com expressões de preocupação. Uma delas era uma senhora de cabelos grisalhos.

A outra era uma sacerdotisa com olhos de azul vívido, que chamavam muita atenção. Seu longo e ondulado cabelo lilás terminava em uma ponta amarrada por um laço vermelho. Ela disse para a outra, com autoridade, “Vá para casa e não diga a ninguém o que houve. Eu cuidarei dela.”

A mulher mais velha acenou com a cabeça e sem dizer mais palavra alguma, se ausentou do recinto, abrindo e fechando as portas de correr.

A sacerdotisa esperou os passos se silenciarem antes de se aproximar. “Não tenha medo, você está a salvo agora.”

Aquele lugar estranho, aquela mulher estranha. Com a memória ainda nebulosa, a menina tinha motivos demais para ter medo. Ela tentou se levantar, mas uma terrível dor no peito lhe acometeu.

“Você não deve se mexer, você está muito machucada.” A sacerdotisa se ajoelhou ao lado do colchão.

A menina removeu a edredon que a cobria e descobriu que estava sem roupa. Do ombro, descendo pelo seu peito, havia um grande hematoma na forma de uma faixa.

“O cinto de segurança a salvou,” disse a sacerdotisa, “ele deve ter arrebentado com a força do impacto.”

Os olhos da menina cresceram, agora tudo estava ficando claro. A praia, a grande onda, aquela terrível... coisa. “Você... era você que estava lá.”

A sacerdotisa ficou em silêncio.

“Onde está os meus pais?” A menina olhou envolta, mas não podia se ver muito além daquela sala. “Onde...”

Então, a sacerdotisa desviou o olhar.  “Eu... não os encontrei.”

Ao ouvir isso, a menina ficou estática e, lentamente, boquiaberta. Demorou para que a sua voz saísse. “Por que...”

A sacerdotisa manteve uma expressão estóica, mas sua resposta saiu fraca de seus lábios. “Eu sinto muito.”

“Então por que...” A menina contraiu a face, seus olhos cintilaram com as primeiras lágrimas que se formavam. “Então por que você me salvou?”

A expressão se quebrou, erguendo as sobrancelhas e engolindo seco.

“POR QUE VOCÊ ME SALVOUUUuuuu...” Irrompendo em fúria, a menina jogou o edredon para o alto e começou a se debater, ignorando as dores do corpo. Agora, havia uma ainda maior. “Aaaahhh!”

“Pare!” A sacerdotisa abraçou ela com toda a força.

“NÃO! NÃÃÃÃAAAAAAAAAAAAHH!” A menina abriu um berreiro. “Eu QUERO MORRRREEEERRRR!”

Segurando aquele corpo desnudo que soluçava, a sacerdotisa tinha consciência que não havia muito mais o que fazer, apenas não podia fraquejar. O tempo abranda até o choro mais doloroso.

“Mãe... pai...” Suas lágrimas molhavam o quimono daquela mulher, aquela estranha que não os salvou, em uma crueldade que não fazia o menor sentido. “Por que aconteceu... o-o que aconteceuuuh...? Eu quero eles de volta... uuuhhh...” Talvez fosse realmente uma maldita ironia, um pesadelo com a forma de uma piada, pois até mesmo havia um bicho de pelúcia branco próximo dos seus pés. A menina se sentiu mesmerizada por aqueles olhos vermelhos.

Até que eles piscaram, acompanhado pelo movimento de sua cauda.

A menina, estranhando aquilo, fez uma careta.

O ‘bicho de pelúcia’ pendeu a cabeça para o lado e abanou seu par de orelhas pequenas. [Então você consegue me ver.]

A sacerdotisa arregalou os olhos e se virou para criatura, que já caminhava sobre o colchão.

A menina até havia parado de chorar, por tão estupefata que estava. “O... O que...”

[Desculpe por não ter me apresentado, mas eu não tinha certeza quanto ao seu potencial. Eu sou Kyuubey, um arauto da magia.]

“M-Magia?!” Agora a menina estava quase certa de que se tratava de um sonho.

“Kyuubey...” A sacerdotisa lentamente balançou a cabeça.

[Sim.] Kyuubey abriu um pouco suas longas orelhas. [Você pode fazer um contrato comigo. Por um desejo, você se tornará uma garota mágica.]

“Garota mágica?” A menina ficava cada vez mais confusa, mas uma palavra ela conseguiu entender muito bem. “Desejo? É magia, não é? E-Eu posso pedir que meu pai e mãe voltem?”

A voz da sacerdotisa saiu entre seus dentes rangidos. “Não...”

[Acredito que seja possível.] Respondeu Kyuubey.

Todo aquele desespero que estava dentro dela se convertia em esperança, bastava ela dizer. “Então...”

“NÃO!” Porém, a sacerdotisa a fez virar para que ela olhasse em seus olhos.

“Me larga!” A menina se debateu. “É tudo culpa sua! Sua...”

“ESTÚPIDA!” A sacerdotisa a chacoalhou até ela parar de lutar. Seu olhar era de cólera. “Por que acha que eu estava lá?”

A menina abaixou a cabeça, mas sem esconder seu rancor.

“Eu sou uma garota mágica,” disse a sacerdotisa, “você deve se lembrar. Você deve ter visto aquilo.” Ao dizer isso, sentiu aquele corpo que segurava estremecer, era tudo o que ela precisava como resposta. “Aquilo é uma bruxa. Garotas mágicas arriscam suas vidas lutando contra aquelas coisas.”

Kyuubey se sentou e começou a coçar uma de suas orelhas. [Eu iria chegar nesse ponto.]

“Eu sei,” respondeu a sacerdotisa, “mas as suas palavras não teriam o mesmo impacto.”

“Mas...” A menina balbuciou, “mas eu vi a sua magia. Toda aquela água se levantando.” Então suas palavras ganharam força. “Se isso é ser uma garota mágica, então eu posso lutar! Pelos meus-”

“Você é burra,” afirmou a sacerdotisa. “Você se tornaria uma garota mágica para o resto da sua vida. Caso seus pais voltem, como acha que vai esconder isso deles?”

“Por que eu esconderia?” a menina questionou. “Eu sei que eles ficariam muito agradecidos, eles... eles entenderiam... eles...”

A sacerdotisa revirou os olhos e deu um longo suspiro, antes de olhar para Kyuubey. “Eu estou desapontada contigo. Fazer contrato com essa garota... Ela não sobreviveria a primeira bruxa.”

[De fato. Apesar dela ter algum potencial, você tem razão.]

Então a sacerdotisa foi surpreendida pela menina, que se jogou sobre ela.

Ela implorou, “Então me ensine! Me treine! Para que eu possa estar pronta quando eu me tornar uma garota mágica.”

A sacerdotisa passou a mão naqueles curtos cabelos negros. “Você já sabe o suficiente e até seria melhor que esquecesse. Alguém vai cuidar de você.”

“Não! Não!” A menina agarrou-se ao quimono e rangeu os dentes. “Não importa como, eu vou fazer esse desejo!”

A sacerdotisa rapidamente ficou de pé, derrubando a menina. Seu corpo tenso, suas mãos cerradas. Seu olhar fuzilava sobre outra, que se protegia. Ela respirou fundo seguidas vezes. Por fim, ela novamente olhou para Kyuubey.

Ele fechou os olhos e acenou com a cabeça. [Eu esperarei.]

A menina voltara a chorar, mas em silêncio, temendo uma represália, mas o que veio foram mãos acalentadoras, que traziam o edredon para cobri-la.

“Eu sou Izumi Hamamoto, a sacerdotisa do santuário de Arashimura. Quem és tu?”

A menina respondeu com fraqueza, com a dor e cansaço que ainda residia dentro de si, mas com um sentimento de que ela teria uma chance. “Gin... Gin Nakayama.”

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SOMBRAS DO PARAÍSO

Kyouko, em seu uniforme de garota mágica, corria pela floresta. O breu da noite impedia ela de enxergar longe, muito menos de encontrar sua companheira. “Sayaka!”

A vegetação maltratava sua face com seus galhos e espinhos, o terreno era acidentado e úmido. Nada disso fazia ela diminuir sua velocidade. “Droga! SAYAKA!”

Mas veio um clarão, seguido por ensurdecedor estralo. “Ah!” Kyouko foi obrigada a parar quando as árvores em sua frente ficaram em chamas. Logo veio outro clarão e estralo e uma árvore tombou atrás dela. “Mas que diabos?!” Superando os seus instintos primitivos que ansiavam por proteção, ela pulou sobre o fogo que se alastrava.

Contudo, mais clarões ocorriam com uma freqüência assustadora ao longo da floresta. Novos focos de incêndio se formavam, restringido cada vez mais seu caminho. Não demorou para que as paredes de fogo a deixassem sem saída. Uma grossa fumaça se formava.

“Sayaka... cof! Cof!” Kyouko se ajoelhou. “S-Sem chance! Como isso aconteceu?” Sua memória falhava, alguma coisa estava errada.

Nisso a fumaça se dissipou e dois vultos entre as grandes labaredas a observavam.

Ao ver eles, ela juntou as mãos. Tudo estava claro agora. “Então é isso, vocês vieram me buscar...”

Quando a fogo veio em sua direção, seus olhos se abriram.

Kyouko se levantou do seu colchão, seu corpo ardia como brasa. Foram alguns momentos antes dela voltar a respirar. De repente veio uma grande sensação de frio que fez arrepiar sua pele. Ela se encolheu e esfregou suas mãos com força, foi então que notou que nas palmas delas havia um pouco de cinzas.

Ela arregalou os olhos e apressadamente usou o edredon para limpá-las. “Nossa...” Com os seus sentidos voltando a normalidade, ela se lembrou que haviam dormido em uma casa de antiga arquitetura. A luz de fora que atravessava os painéis de papel estava acompanhado do canto dos pássaros.

Sem olhar, Kyouko buscou com a mão pela garota que estava dormindo no colchão ao lado. “Ei... Sayaka...” Porém, a cabeça peluda que ela sentiu não parecia nem um pouco com os cabelos da sua amiga.

[Está tudo bem?] perguntou Kyuubey, com aquela mão sobre a sua testa.

“O quê?!” Tomada pela fúria, Kyouko tentou socar a criatura, mas ele fora mais ágil.

“Kyouko? Você acordou?” Sayaka abriu a porta e viu Kyuubey passar entre as suas pernas e correr pelos corredores. “Ei!”

Kyouko deixou o colchão, resmungando, “Maldito...”

“Por que ele estava no nosso quarto?” perguntou Sayaka.

“Vou saber.” Kyouko olhou em volta e uma terrível idéia veio em sua mente. “Nossas coisas!” Ela foi até as mochilas e começou revirar o que tinha lá dentro, de roupas a pacotes de guloseimas.

Sayaka ficou assustada. “Kyouko?”

“Parece que tudo tá aqui,” disse a ruiva, ainda tensa.

“Olha, Nakayama-san preparou um almoço para nós, por isso que vim acordá-la. Deixa isso para depois, ok?”

“Almoço?!”

Sayaka deu um leve sorriso. “É. Eu também acordei tarde. Essa rotina de viagem pode ser bem exaustiva, né?”

Kyouko suspirou.

Sayaka pressionou os lábios ao ver que sua amiga continuava cabisbaixa. Ela procurou dizer com uma voz mais mansa, “Então... é melhor você se arrumar.”

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A mesa baixa estava farta. As garotas e a sacerdotisa sentavam envolta, em almofadas.

Contudo, enquanto Sayaka e Gin estavam em uma postura mais formal, Kyouko estava de pernas abertas, com a cara emburrada.

Sayaka ficou preocupada a princípio, mas a anfitriã não se manifestava quanto aquilo. Ainda assim, aquele silêncio a estava incomodando. “Esse arroz até parece ter um gosto diferente, é ótimo.”

“Esse arroz veio de nossos campos, abençoado pelo deus desse santuário,” Gin respondeu educadamente.

Com a porta de correr entreaberta, Kyuubey entrou na sala e foi até a sacerdotisa.

“Ah... Você demorou para aparecer hoje.” Gin, com os seus palitos de madeira, pegou um pouco de arroz e ofereceu para a criatura, que consumiu avidamente. Enquanto isso, ela o acariciava.

Diante daquela cena, Sayaka olhou para Kyouko e viu como sua amiga estava com o fogo nos olhos. Com situação ficando cada vez mais tensa, era melhor tocar naquele assunto sensível o quanto antes. “Então Nakayama-san... Você é uma garota mágica...”

Gin parou o que estava fazendo. “Sim?”

“Hmm...” Sayaka procurou escolher bem as palavras, mas parecia não haver um jeito melhor de dizer aquilo. “Você sabia que nós éramos também? É por isso que você nos convidou para ficar em sua casa?”

“Sim, eu notei, mas eu as convidei como faria com qualquer viajante.” Gin estranhou aquelas questões, mas então lhe veio a realização. “Oh, vocês não sabiam que eu era uma?”

“Talvez porque nunca vimos uma garota mágica adulta,” respondeu Kyouko, ainda com uma expressão de poucos amigos. “Você deve ser bem experiente.”

“Está correta, mas...” Gin continuava confusa, balançado a cabeça. “Viajantes como vocês... nunca viram uma mesmo?”

“Eu na verdade vi muitas,” disse Sayaka.

“Hã?!” Kyouko se virou para ela.

A garota de olhos azuis permaneceu em silêncio, apenas sorriu.

Kyouko abaixou o olhar e acenou com a cabeça. “Ah... tá.”

[Kyouko Sakura.] Kyuubey fixava o seu olhar nela. [Eu não entendo, por que não haveria garotas mágicas com a idade da Gin?]

“É, você não entende...” Kyouko semicerrou os olhos. “Me diz aí, por que tu tá fazendo companhia a ela?”

Kyuubey ergueu as orelhas e piscou. [Isso não seria óbvio? Ela é uma garota mágica.]

“Sim, é uma pergunta muito estranha,” disse Gin, “por outro lado, agora que me dei conta que não havia um Kyuubey com vocês.”

“E por que teria?” Kyouko indagou de forma ríspida.

“Calma,” disse Sayaka. Depois ela falou com Gin, sorrindo. “Bem, ele não tem nos acompanhado. Muitas... coisas mudaram ultimamente.”

[Eu não estou ciente disso.] Kyuubey olhou para Gin. [Nada mudou na relação entre mim e as garotas mágicas.]

“Ah tá.” Kyouko sorriu sardonicamente. “Agora só falta dizer que não conhece a gente.”

[E eu deveria?]

As duas garotas ficaram surpresas.

Kyuubey continuou. [Eu nunca fiz um contrato com vocês. Essa é primeira vez que as vejo.]

“Como é?!” Kyouko rangeu os dentes. “Cê tá de brinca-” Ela sentiu uma mão segurar firmemente seu ombro. Era Sayaka, com uma expressão séria. Foi então que ela olhou para Gin, que estava tensa, com a sua mão direita sobre o anel.

“Perdão pela atitude da minha amiga,” Sayaka falou, acompanhado de um riso, “haha... Ela está assim porque, quando acordou, ela viu Kyuubey no quarto. Ela achou que ele queria roubar a comida que está nas nossas mochilas. Nós já fomos roubadas uma vez e ela está traumatizada.”

Gin olhou para Kyuubey, o questionando com um tom de autoridade. “É verdade que estava no quarto delas?”

[Sim, mas eu entrei lá porque eu vi ela se debatendo.]

“Hã?” Sayaka estava novamente surpresa. “Se debatendo?”

Kyouko abaixou a cabeça. “Eu tive... um sonho ruim.”

Gin relaxou sua postura. “Então fora uma infeliz seqüência de fatos. Peço desculpas pelo incidente.”

[Não Gin, eu que peço.] Kyuubey se dirigiu até uma saída. [Eu vou me ausentar por ora.]

Um embaraçoso silêncio tomou conta do recinto, nenhuma das três tinha coragem de olhar nos olhos da outra.

Até que a sacerdotisa pegou os palitos. “Certo, vamos terminar de comer. Vocês devem estar com fome ainda.”

Sayaka voltou para o seu lugar. “Sim.”

Kyouko permaneceu quieta, mas pegou os palitos.

“Vocês também devem estar com pressa de ir embora,” disse Gin, “ainda mais que hoje temos um dia ensolarado.”

“Que bom.” Sayaka acenou com a cabeça, sem olhar para a sacerdotisa. “M-Mas nós gostaríamos de conhecer a vila.”

“Sério? Não há muito que eu possa mostrar.” Gin ergueu as sobrancelhas. “Mas posso ser seu guia.”

“Obrigada.”

O almoço seguiu-se em silêncio. Quando terminaram, Gin começou a tirar as coisas da mesa. “Eu tenho algumas coisas para fazer no santuário. Depois eu mostro o lugar para vocês.”

“Não quer ajuda?” Sayaka juntou algumas vasilhas.

“Por favor.” Gin gesticulou para parar. “Não se dêem ao trabalho.”

“Ah...” Sayaka se levantou. “Então nós vamos estar no nosso quarto.”

Kyouko também. “É...”

As duas foram até lá. Logo ao entrar, Sayaka fechou a porta e foi até mochilas para pegar a pasta e escova de dentes. Enquanto fazia isso, ela cochichou. “Kyouko, sobre o que você fez.”

Kyouko se manifestou, movida pela raiva. “Como acha que eu ia reagir?! Kyuu-”

Sayaka se virou para ela com um olhar de repreensão.

Kyouko voltou a dizer, em voz mais baixa, “Kyuubey está mentindo na nossa cara!”

“Eu sei, também estou achando isso estranho,” Sayaka concordou. “Mas você não pode agir assim. Viu como ela trata ele? Ela deve o considerar como um amigo. Se quisermos a confiança dela, não podemos ameaçá-lo.”

Kyouko virou a cara, ainda enfezada. “Tá. Tá. Eu peguei a idéia.”

“E sobre seu sonho ruim.”

A ruiva abriu mais os olhos. “O que tem ele?”

“Não vai me falar sobre?”

“Não. Eu tô bem.” Kyouko então recebeu uma escova da Sayaka.

“Certo.” Ela estava ainda preocupada. “Então vamos ao banheiro, quero ver você escovando, hein?”

“Sim...” Kyouko resmungou.

/人 ‿‿ 人\

As duas caminhavam pela calçada de pedra. As folhas das árvores apresentavam suas cores vibrantes com a luz do dia, mas não se podia realmente dizer que era um dia ensolarado, pois havia muitas nuvens no céu.

“Eu gosto de dias assim,” disse Sayaka, “nem muito frio, nem muito quente.”

Kyouko notou que sua colega estava com certa pressa. “Pois é.”

Logo chegaram no santuário, cercado pelo seu belíssimo jardim.

“Incrível...” Sayaka se aproximou de algumas flores. “Eu consigo sentir o perfume daqui!”

“Eita!” Com uma careta, Kyouko disse, “Eu já tinha ficado surpresa quando você me mostrou aquele kit de corte e costura, mas flores?”

“Eu não sou muito disso.” Ela tocava delicadamente em algumas lavandas. “Mas você tem que admitir que isso é lindo.”

Kyouko examinou o tamanho do jardim, que não era nada modesto. “Cuidar disso deve dar muito trabalho.”

“Com certeza,” Sayaka concordou, “isso deve ser algo feito todo dia.”

“E todos eles com muito prazer.”

As garotas viram Gin saindo do santuário e caminhando pelo jardim até elas.

“Essa é uma maneira que Nariko encontrou para agradecer as boas colheitas.”

“Hmm...” Sayaka abaixou o olhar. “Desculpe, não éramos nossa intenção interromper o que você estava fazendo.”

Gin franziu a testa. “Mas não queriam conhecer a vila? Eu já terminei aqui.”

Kyouko ficou surpresa. “Sério?”

“Não, eu estou brincando.” Gin sorriu. “Na verdade eu ainda tenho dez horas de oração.”

As duas ficaram em silêncio, um pouco boquiabertas e nem sequer piscavam.

Gin então segurou um riso.

“Ah... Hahaha!” Sayaka ficou passando a mão na cabeça. “Isso era uma brincadeira também, não é?”

Gin acenou com cabeça, confirmando a pergunta da outra. “Vamos passear um pouco e aproveitar esse sol.”

Elas desceram a escadaria de pedra junto com a sacerdotisa.

“Talvez vocês já saibam, mas o nome desse vilarejo é Arashimura,” disse Gin.

Sayaka e Kyouko olhavam envolta durante a caminhada. A vila estava mais movimentada em relação ao dia anterior, mas não muito. Pessoas com chapéu trabalhavam nas lavouras de arroz, algumas paravam o que estavam fazendo e ficavam olhando para elas com uma aparente curiosidade. Debaixo de cada chapéu sempre se revelava a face de alguém com muita idade.

Gin continuava, “As pessoas daqui vivem do arroz e da pesca principalmente.”

“Pesca?” Kyouko interrompeu. “Naquele riozinho?”

Gin parou. “Você deve se referir ao rio do qual atravessaram para chegar no nosso vilarejo, mas há aquele ali também.”

De fato, as garotas viram que havia um córrego cortando o vilarejo. Detalhe que o anoitecer e a pressa de ontem as haviam cegado.

“Ambos fazem parte do mesmo rio.”

Kyouko ficou confusa. “Como é?”

“Ele se bifurca. Apenas uma parte entra no nosso pequeno vale. Aqui onde nós estamos era um pântano.” Então Gin apontou para o fim do vale. “Os colonizadores dessa região construíram uma barragem lá. Quando as águas daqui baixaram, o solo se mostrou muito fértil.”

“É lá que eles pescam então. Legal.” Kyouko deu um sorrisinho de lado.

“Bem... Quando a modernidade chegou aqui, também foi construído uma micro hidroelétrica.”

“Vocês produzem a própria eletricidade...” Sayaka ficou impressionada. “Então esse lugar é auto-suficiente.”

“Heh. Só se eles fabricam o próprio óleo e peças sobressalentes,” replicou Kyouko.

Gin sorriu. “Sim, não é tão simples, mas as máquinas têm resistido ao tempo.”

Elas voltaram a caminhar pelo vilarejo, mas como já se sabia, não havia muito o que mostrar além de casas, campos e pessoas velhas.

“Tem mais alguma coisa interessante pra contar?” Kyouko quebrou o silêncio.

“Talvez,” a sacerdotisa falou. “Essa região tem um pouco de atividade geotermal...”

“Opa!” Kyouko abriu um largo sorriso. “Eu sei onde você quer chegar.”

“Sim, nós temos fontes de águas termais.”

Sayaka comentou, “Nossa! Faz tempo que não me banho em um.”

Gin virou a cabeça para as garotas que a seguiam, balançando seu longo cabelo. “Vocês é que devem ter algo interessante para contar. Eu nunca ouvi falar de garotas mágicas viajantes.”

“Ah...” Sayaka ficou um pouco sem jeito. “A gente está só começando.”

“Kazamino era o território de vocês?”

“Pode se dizer que era,” afirmou Kyouko, “só que eu decidi ir embora e Sayaka veio junto.”

Gin acenou com a cabeça e voltou a olhar para frente. “E vocês não se preocupam por cruzar territórios de outras garotas mágicas? Eu nem consigo imaginar como vocês conseguem caçar bruxas.”

“A gente se vira.” Kyouko alongou um pouco seus braços. “Você também deve viajar um pouco para encontrar uma.”

“Como?” Gin indagou.

Kyouko continuou, “Bruxas buscam lugares onde há desespero, stress, sofrimento... não há muito disso aqui. Esse lugar é muito pacato.”

A sacerdotisa levemente abaixou a cabeça. “Vocês parecem entender bastante de bruxas, as garotas mágicas da cidade são todas assim?”

“Isso eu não sei, haha.” Sayaka deu riso sem graça. “Na verdade não sabemos de tudo, mas o que a minha amiga disse é verdade.”

“Eu não tenho problemas de encontrar bruxas.” A resposta de Gin foi súbita e um silêncio se seguiu, do qual ela mesmo se dispôs a quebrar. “Claro, eu só consigo o suficiente para mim.”

As duas que a seguiam se entreolharam, quando então a luz e o calor esmaeceram.

As três pararam.

“Mas que dia ‘ensolarado’, hein?” Kyouko olhou para o céu completamente nublado.

Gin se virou. “Essa uma região muito úmida.”

“Deu pra notar.”

Sayaka olhava para as nuvens mais escuras. “Parece que vem chuva. Acho que não vai ser uma boa hora para irmos embora.” Então ela olhou para sacerdotisa. “Eu sei que estamos pedindo muito, mas... poderíamos ficar mais um dia?”

Surpresa, Gin lentamente abriu a boca para falar.

Kyouko socou o ar. “Legal! A gente podia ver as fontes termais.”

Ela suspirou e sorriu gentilmente. “Claro. Aliás, tem uma justamente atrás da minha casa.”

“Sério? Você realmente devia ter nos contado antes...” Os olhos vermelhos da garota foram atraídos por algo que lhe havia atiçado a curiosidade anteriormente. “Ei! E aquele galpão ali? Por acaso era um hotel ou algo assim?”

A sacerdotisa respondeu, com certo pesar, “Não, era uma escola.”

“Escola...” Sayaka olhou para aquela construção que caía aos pedaços.

“Ela já estava desativada quando vim morar aqui,” afirmou Gin, “ela é usada como depósito.”

Kyouko mordiscou os lábios. “É, eu notei que só tem gente velha aqui.”

Gin franziu a testa. “Essa ‘gente velha’ formaram famílias, suas crianças cresceram e deixaram esse lugar em busca de oportunidades e outro estilo de vida.”

Sayaka ficou estarrecida. “E-E ninguém voltou nem para visitar?”

“Alguns vieram visitar, sim, mas depois...” Gin deu um sorriso irônico. “Hoje eu posso afirmar que sou a moradora mais jovem desse lugar.”

“Em outras palavras.” Kyouko compartilhou o sorriso. “Esse lugar tá morrendo.”

“Kyouko!” Sayaka a repreendeu. “Nakayama-san, peço perdão novamente pela minha amiga.”

“Eu já me acostumei com ela e também não posso negar o que ela afirma,” disse Gin, “mas digo que não estamos mortos ainda.”

Os primeiros pingos vieram, umedecendo o quimono da sacerdotisa.

“Sayaka tava certa.” Kyouko olhou para as pessoas que estavam nos arrozais, que agora pareciam agitadas. Um homem que estava mais próximo olhava na direção delas.

Gin falou em voz alta, “Hotta-san, avise os outros que está tudo bem.”

Atiçando a curiosidade da ruiva. “Ué? Por acaso eles tem medo da chuva?”

“Quando se tem a idade deles, é preciso tomar um maior cuidado,” disse Gin, enquanto observava o movimento no vilarejo. “Nariko!”

Coma exclamação da sacerdotisa, as garotas olharam para mesma direção. Ao longe, Nariko estava subindo a escadaria para o templo.

“Essa mulher... Ela deve estar me procurando, mas os degraus ficam escorregadios com a chuva.” Gin se apressou. “Vamos.”

“Pode ir,” disse Sayaka, “não precisa esperar por nós.”

“É, a gente não tem problema com chuva,” Kyouko complementou.

Gin parou e olhou para trás. “Certo, mas procurem não se molhar.” Depois seguiu caminho.

Quando ela já estava distante, Sayaka comentou, “Ela me parece uma boa pessoa.”

“Ela está sendo cautelosa, nos agradando assim...,” afirmou Kyouko. “E então? Quando vamos contar a ela?”

Pensativa, Sayaka levou a mão ao queixo. “Por causa do Kyuubey, acho melhor nós ficarmos só observando por enquanto.”

“Por isso que usou essa chuva como desculpa pra pedir mais um dia, né?”

Sayaka sorriu.

Kyouko socou levemente o braço da outra garota. “Tá ficando menos idiota, hein?”

“Ah! Para com isso!” Sayaka empurrou a ruiva e contemplou a chuva que ficava mais forte. “Eu ia pedir de qualquer jeito. Eu ainda não tenho nenhuma suspeita, mas precisamos descobrir se ele não está tramando alguma coisa.”


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