Cataflor - OneShot escrita por Cupcake de Brigadeiro


Capítulo 1
Coisa Linda - Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Feliz dia dos namorados, mesmo para os noivos, casados, que vocês aproveitem, não no sentido duplo, mas para presentear com um beijo, um buquê de flores, um jantar, um passeio. Não se esqueçam de dizer que se importa, e muito mais do que isso, demonstrar, dar um abraço apertado, um sorriso largo e sincero. Todo mundo no mundo precisa de um pouco disso.
E para os solteiros, antes de amarem outra pessoa e se compartilharem, entrando em um relacionamento, presenteiem-se, usem uma roupa bonita, sorria e tire uma foto, pois a primeira pessoa que a gente tem que namorar somos nós mesmos.
Bom, é isso, espero que aproveitem a leitura, embora seja com bem mais ênfase na amizade do que drama e romance, como estou habituada (minha mãe me proibiu de ler/escrever qualquer coisa com romance/drama demais, então precisei filtrar mais caso quisesse postar), mas eu estou, sinceramente, feliz com o resultado. Não vou pedir comentários, mas adoraria saber o que acharam depois, mas fica no critério de cada um *Sorriso, abraçando vocês* Fui! *jogando um monte de papéis vermelhos no alto, então eu sumo*
Obs.: Aconselho ouvirem essa Playlist do Tiago Iorc, atentando-se as músicas mencionadas de mesmo nome, para se ambientarem um pouco mais, talvez, mas músicas de outros artistas serão citados, como Caetano Veloso, por exemplo, Tom Jobim e Projota.
https://www.youtube.com/watch?v=YnXtAbU2dXI&list=PLq6hafsxa662-z4YhUtrtcCrjuPeCMFnj



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Cataflor — OneShot

Especialmente para o Dia dos Namorados

— Você vai aonde? — Peeta perguntou, entrando na nossa grande cozinha, esfregando os olhos, já vestido para ir trabalhar, arrumando a boina na cabeça. Como eu amo quando ele põe essa boina.

Mas você está de greve, não se esqueça. Fique forte. Foram longos meses de desprezo para você jogar fora assim tão facilmente!

— Vou correr — respondi evasiva, dando de ombros. Peguei meu headfone plugando no iPod de tecnologia mais recente. — Vai me buscar na faculdade hoje, não vai? — perguntei, porém de certo modo eu afirmava. Não estou disposta a voltar de táxi, simplesmente.

— Claro. Sai que horas hoje? — Nem se deu o trabalho de olhar para mim, pegando sua xícara de café depois de por água para esquentar.

— Às oito. Não se atrase.

— Nunca me atrasei para isso — respondeu, mal-humorado, assim como eu. — Tchau, né, Katniss. Boa corrida.

— Tchau.

E saí.

Comecei a me alongar, logo que cheguei na frente do condomínio que moro com meu amado marido na Gávea.

— Bom dia — desejei aos seguranças, com um sorriso. Eles me desejaram da mesma forma. Talvez seja porque sou uma das poucas que os deseja bom dia e paga sempre adiantado. Peeta, na verdade, com seu salário exorbitante de piloto de avião, e eu, uma mera professora de Literatura da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e UVA (Universidade Vega de Almeida), mas venho em nome dele pagar, já que sua chatice não permite que faça essas coisas. Não que ele seja machista. O problema é a convivência com outras pessoas mesmo. Ele tem um certo problema de resolver essas coisas, e quando digo isso, é no quesito de não saber lidar com outros seres humanos.

Mas o que esperar de uma pessoa totalmente de exatas, piloto de avião? Agir em harmonia com outras pessoas pode ser facilmente descartado.

Fiz minha habitual corrida de 5k, passeando por diversos lugares que já me conheciam, apreciando o vento que passava próximo da lagoa Rodrigo de Freitas. Mas eu tinha uma raiva muito grande no meu coração por causa de Peeta. Na verdade, ele é sempre o motivo dos meus desgostos e gostos, com exceções de alguns alunos que pareciam ser apaixonados por encher minha paciência.

Comprei pão para tomar café, voltando com passos calmos, relaxando com a voz de Tom Jobim cantando Águas de Março. Encontrei com duas moradoras do prédio, trocamos aquelas frases bobas de sempre como "essa cidade está cada dia mais insuportável, culpa do Eduardo Paes e Pezão", "meu neto entrou na UERJ para cursar Medicina, acredita?" "Marilía está com saudades suas, quando aparecerá lá para tomar um café conosco?".

Ao abrir a porta de casa, ofegante, não me surpreendi em não encontrar ninguém além do vazio. Hoje Peeta iria para o Maranhão, mas eu sei que chegaria bem a tempo de me buscar no trabalho, afinal, são 07h da manhã.

Muitas grávidas no primeiro trimestre da gravidez sentem fortes cólicas, enjoos e desejos, no entanto, a única coisa que eu fazia com frequência era apalpar meus seios.

Acho que pareço uma vaca — murmurei, incomodada com uma leve pressão na ponta da mama, mas minha ginecologista disse que é extremamente normal. Espero que seja mesmo.

Como o pão ainda estava morno, e era o suíço, não o simples francês, apenas peguei um copo de suco de caju, jogando-me no sofá caríssimo e ridiculamente desconfortável, mas foi aqui, pelo que eu me lembre, que houve um simples descuido para tomar meus remédios, então bum! Meu sonho desde que me casei com Peeta tornou-se realidade.

Já estava na hora mesmo, ainda mais que já tenho quase 35 anos. Nem acredito nisso. Em novembro farei trinta e cinco anos, droga, e no meu aniversário estarei completando sete meses de gestação. E Peeta nem faz ideia.

Também, como faria se eu não conto e estou levemente acima do peso a um tempo, por causa da semana de provas que sempre me estressa.

Sorri de mim mesma, mexendo em meus cabelos curtos na altura dos ombros, castanhos e em ondas, sem tocar na barriga — apenas quando descobri na semana passada, para ver se eu já tinha ganho algum peso além do que eu já estava —. Em uma semana é aniversário do meu marido de 35 anos, e ele estará em casa, e por obra do destino — ou nem tanto —, seu aniversário é exatamente no dia 12 de junho, ou seja, dia dos namorados, que completará exatamente 18 anos que ele me pediu em namoro, quando fez 17 anos.

A gente precisa comemorar.

Quem é de fora não entende, e nos acha muito distante, o que não é mentira, mas existe algo tão forte entre a gente que é inexplicável. Acredito que seja um amor maltratado. No entanto, é claro que não ligamos para isso. Faremos 14 anos de casados em julho.

Ultimamente não temos nos falado muito bem por uma única razão: ele não querer ser pai. Motivo: não acha estar preparado.

Tivemos uma discussão muito séria onde eu sai de casa por dois dias, indo para a casa da minha mãe no Leblon, pois quando perguntado sobre quando estaria pronto, respondeu que nunca estaria, que eu preciso aceitar isso.

O problema é que essa discussão já fazem cinco anos, e ainda não voltamos a ser o que éramos antes, ainda mais depois dos 30. Eu estou começando a ficar preocupada com nosso casamento, amizade, tudo. Será que aguentaríamos mais cinco anos dessa forma? E depois que a Carolina ou Bernardo — já escolhi os nomes, basta saber o sexo para eu começar a apelidar desde o começo —, nascer?

Eu sou mulher, decido se terei ou não filhos, mas quando casada, temos que entrar em um acordo, mas o engraçadinho não pensou duas vezes antes de comprimir nossos corpos no sofá da sala sem quaisquer preocupação, apenas no momento dois meses atrás depois de três dias fora, mas um período de sete meses de greve total. Às vezes sou bem radical.

Mas a verdade é que nesses sete meses eu realmente não queria um envolvimento assim com ele, que também não demonstrava qualquer vontade, e quando fazíamos, por qualquer motivo, era muito automático e esquisito, como se nenhum dos dois quisesse realmente estar ali. É horrível.

Foi um excelente momento, não posso mentir. Até arrepia e um sorriso vem no meu rosto quando me lembro, mas agora ele vai ter nove meses pela frente para se preparar para ser pai. E se não aprender, vai ser assim mesmo, dane-se. Não fiz esse filho sozinha, e me divorciar? Ah, eu me recuso! Não me casei virgem por nada, e nem depositei todo o meu amor de amante nele por nada! Mas de alguns para cá temos estado estão frios, tão instáveis... Muitas vezes, sozinha no nosso quarto, fico pensando se ainda nos amamos, se vale mesmo a pena estarmos juntos.

A questão é: como ele vai reagir ao saber que estou grávida, ainda mais que o único contato que temos é íntimo? Tenho agido com ignorância para ver se consigo dele algum presente especial, um "eu amo você", ou uma semana de férias para ficar comigo, já que tanto tem acumulada. Só sinto falta de como era nos primeiros meses de namoro, onde eu era adorada em tudo o que ele fazia e de longe sabiam que nos amávamos. Hoje não passamos das cinzas em um cinzeiro, e se não tratarmos logo disso, podemos nos apagar totalmente. Espero apenas que esse bebê não seja o copo com água gelada para a gente se perder na imensidão do descaso para sempre.

*_*

— Eu não sei, Marvel. Ela anda muito estranha — falei, preocupado, depois de deixar o avião no piloto automático, mas sem sair do meu posto principal.

Só que, assim como as mulheres, homens adoram conversar, ainda mais com os melhores amigos, e Marcelo era o meu melhor amigo. Nos conhecemos na IME (Instituto Militar de Engenharia), e como estávamos na mesma turma, as idas ao laboratório de física da Rural era mais engraçadas, pois enquanto ele era bom nos cálculos, eu era muito melhor em geografia, e se tem uma coisa que você aprende na faculdade é que toda a ajuda é necessária. Seu nome é Marcelo, mas quando foi trolado por ser calouro, assim como eu e dezenas de estudantes, ele estava de pijama de super-herói da Marvel. Impossível não gastar. Eu particularmente tiro sarro da cara dele até hoje, onze anos depois de termos terminado a faculdade.

— Cara, você não para em casa pra conversar com ela, já parou para pensar nisso? Seu salário está em mais de 20 mil de tanto que você trabalha! E nem gasta esse dinheiro! Se tem uma coisa que eu aprendi nesses cinco anos de casado... — suspirou, tirando o cinto, ficando mais confortável na cadeira. — Mulher quer se sentir desejada, amada, e posta em um pedestal. Elas querem ser donas do mundo, e são, de fato, mas sabe como é. Querem ter a certeza, embora as principais decisões devam ser tomadas pelos maridos, no entanto, quem apresenta tudo o que deve ser lidado são elas.

— Eu sei! Estou casado há 13 anos se você não sabe, idiota — resmunguei, bufando, cruzando os braços. — Acho que ela ainda está bolada por causa do que eu falei uns anos atrás. Aquele negócio de não querer ser pai, etc. Parece que estamos brigados. De novo.

Brigas entre eu e minha querida. Céus, como eu amo ela. O problema é que eu não faço muito o tipo afetivo, não consigo abraçar — até porque odeio abraços —, beijos na bochecha me deixam nervoso, e coisas assim. Eu só queria que ela soubesse o quanto a amo.

— Já sou pai, e sabe que é a melhor profissão do mundo. Melissa é a melhor coisa que já me aconteceu. Você mesmo fica super feliz quando ver ela, e Glimmer pode dormir em paz, porque Mel e Katniss se amam perdidamente.

Suspirei, esfregando os olhos. Era um assunto puxado para mim, porque eu acho que é muita responsabilidade, muito mais do que deixar um avião no ar e a vida de aproximadamente 250 pessoas. Era... era uma extensão minha com a pessoa que eu mais amo e prezo nessa vida. Meus pais morreram em um acidente de carro, minha tia que me criou disse que a família é nossa prioridade, mas sei lá... Sou de uma família bem grande, Katniss também, mas droga... É muita responsabilidade. Nunca acho que estarei preparado para isso, ser pai.

— Sim, mas... Tem alguma coisa de estranho.

— Você por acaso tem uma vida sexual ativa? — Fiquei boquiaberto, olhando para Marvel, que estava sério.

— Marcelo! — riu, descontraindo. — Olha como fala sobre o que envolve minha esposa!

— O que foi?! Só estou perguntando! Talvez seja a falta disso. Mas ao julgar pela sua aparência cansada, não é o que vem acontecendo.

Fiquei quieto, me lembrando com clareza dos suspiros e ranger do sofá dois meses atrás, no entanto, não durmo porque quando tento algum diálogo com ela, nada flui. Aparentemente, está de greve. É um pouco desesperador, mas não que eu ligue muito para isso. Amo ela demais, a ponto de fazer qualquer coisa com a minha vida em troca do oxigênio para ela sem nem piscar.

Só que tem algo acontecendo, ela está mudada. E quando se trata de Katniss Everdeen, minha esposa, ah... É tão relativo quanto um referencial.

E eu sei das coisas quando se trata de física.

Mas nunca quando se trata do amor, mesmo 13 anos de casados e 18 de...

— AI MEU DEUS, MARVEL! — gritei, ficando boquiaberto, fazendo-o levar um susto.

— O que foi, cara? Que susto! — exclamou, com uma mão no peito. — Retardado. Está na hora de sair do piloto automático.

Suspirei, balançando a cabeça. Pus as mãos no volante, tirando de fato do piloto automático, faltando quinze minutos para chegarmos no Maranhão.

— O que foi? — perguntou.

— Eu e Katniss faremos 18 anos de namoro dia 12 agora, no meu aniversário, cara. É muita coisa. Nem tinha me lembrado! É na semana que vem!

— Tinha que ser você mesmo, não? — ironizou, revirando os olhos. — Já disse para ela o quanto se importa ou algo assim?

Suspirei, negando. Era como se baseava nossa relação: suspiros cansados e exaustos.

— Quanto tempo isso? — perguntou, auxiliando-me a controlar o avião. Era relaxante trabalhar e ter toda essa responsabilidade.

— Não faço ideia... — admiti, humilhado. Ultimamente éramos apenas amigos em redes sociais, consumando o nosso casamento, mas nos esquecendo de dizermos coisas bem simples, como "eu amo você" ou "me importo com a gente", "vamos jantar fora?". Estávamos tão desgastados… uma garoa poderia destruir com tudo de vez, e isso me assustava de modo incomum.

— Eita, Peeta, e ainda pergunta a razão da Kat não estar dando bola pra você?!

— Ah, cara! Eu só vivo saindo de casa pra trabalhe e ela também! A gente esquece!

— E daí?! Lembra, oras! Que idiotice! — brigou, tomando um pouco de fanta uva. — Você tem que dizer que ama, demonstrar. Você comprou flores para ela?

— Um buquê no dia das mães. Ela sempre fica triste em maio — respondi, mordendo os lábios. Essas conversas sobre casamento sempre me deixam pra baixo.

— Você vai comprar o maior buquê de flores, compra algo que ela gosta.

— Mas vamos desembarcar às seis e meia no Santos Dumont. Preciso buscá-la no trabalho. Não sei se vai dar tempo.

— Você vai desembarcar em um aeroporto e diz que não vai ter tempo para comprar um buquê e o doce favorito dela?

— Marvel, você é um gênio — eu disse, sorrindo, animando-me. — Pode falar que já estaremos aterrissando?

Revirou os olhos, bufando.

— Claro que sou um gênio! Não sei o que estou fazendo morando no Brasil enquanto poderia estar na Alemanha, Rússia, fazendo dinheiro com meus pensamentos incríveis! — ri, assentindo.

— Obviamente. Você é 100% exatas. Não é de humanas — sorriu, pegando o rádio comunicador, primeiramente falando em português, depois em inglês. — Muito obrigado.

— Não, nada disso! Sem palavrinhas de agradecimento! Eu quero meu almoço pago!

— Só pode até cinquenta reais. Lembra que na semana passada paguei todas as suas refeições? — Lembrei, jogando na cara dele. Abusado, só fica me extorquindo!

— Seu salário é três mil mais que o meu, Peeta, e fazemos quase a mesma coisa! — Dei de ombros, rindo.

— Benfeito, seu otário. O que eu mandei? Faça mais um curso, você fez? Ai, eu ganho mais, e você basicamente faz partes do meu trabalho.

— Quero ver quando eu fizer meu curso, quero ver! Você vai ser o meu escravo! — sorri, puxando a alavanca que preparava as rodas para pouso. Com muito cuidado, aterrissamos no aeroporto internacional de São Luís.

— Mas hoje você paga meu almoço.

/.

Já eram 20h30min, e nada de Peeta aparecer. Eu já estava começando a me irritar. Idiota, babaca, deixando uma grávida esperando sozinha na porta da universidade.

— Katniss, não quer uma carona? Posso te deixar em casa — Annie perguntou, preocupada, ao lado do marido, que estava dentro da Range Rover vermelha deles. Ela é professora de História e ele de Matemática. Só Deus sabe como eles tem tempo para conversar. Sempre a vejo com um livro e ele com uma calculadora. Mas sempre um ao lado do outro, abraçados.

Como eu queria que meu casamento fosse assim...

— Não, muito obrigada. Peeta nunca se atrasa, então ele deve estar chegando já — tranquilizei. — Estou ligando para ele, mas já que não tem atendido, deve estar dirigindo mesmo.

Ela sorriu.

— Tudo bem, mas qualquer coisa entra. Está muito perigoso, ainda mais com a UERJ em greve, os assaltantes estão mais por aqui e aos arredores da UFRJ.

— Ah, é verdade... Valeu, Annie. Boa noite.

E entrou no carro, partindo.

Dez minutos depois, quando eu estava quase chorando de pura raiva e descaso, Peeta chegou.

— Meu Deus, me desculpe, o trânsito estava péssimo, amor, eu sinto muito — disse, logo que abri a porta do seu Jepp verde escuro.

— Eu não acredito nisso! Seu voo pousou no Santos Dumont às 15:39! SÃO QUINZE PARA AS NOVE! — gritei no final, antes que ele desse partida no carro. — Você sabia que eu estou... — cortei minha frase. Por mais raiva que estivesse, era passageira. Não poderia contar agora sobre a minha gravidez.

— Está o que? — perguntou, tirando as mãos do volante, ficando um pouco de lado no assento, olhando para mim com seus olhos azuis perfeitos. O que mais me incomoda nesses olhos é que arrancam de mim qualquer coisa.

— Estou nervosa! Com frio! Com puro ódio de você! — exclamei, empurrando seus ombros. — Você está com o seu blazer quentinho, mas e eu? Olha o frio que está fazendo! 18ºC! E eu estou com essa blusinha de nada, seu perturbado!

Estava sério, pensativo, aceitando minhas ofensas. Dois segundos depois, começou a tirar o blazer, passando para mim, que puxei de forma agressiva de suas mãos. Pelo menos a educação não havia perdido totalmente.

— Vamos para casa então, deixa — disse, suspirando cansado, ligando o carro novamente.

O caminho do trabalho até nossa casa dura apenas meia hora, mas depois de cinco minutos parecia que de algum modo nós tínhamos percorrido uma eternidade de silêncio, com as músicas gostosas da rádio Paradiso no meio, mas ainda sim, a falta de diálogo era quase sufocante.

— Me desculpe, sério, Katniss — falou, em um tom de desabafo, basicamente. — Eu amo você. Não queria te deixar esperando, mas eu estava comprando passagens suas e minhas para Salvador para o nosso aniversário de 18 anos juntos, mas ai desisti, porque é chato ficar com um monte de pessoas olhando pra você por causa da roupa de piloto, mas por você eu passo por isso. Mas já eram quase seis horas, e havia mais de cinquenta pessoas na fila. Fui na floricultura comprar suas rosas favoritas, deixei em casa, porque queria te fazer uma surpresa... Mas olha esse engarrafamento. Eu ia te chamar agora para irmos para um restaurante, mas já que está de mal-humor, esquece, quero nem saber.

E suspirou, decepcionado consigo mesmo.

Eu nem sabia por onde poderia começar. Ele disse que me ama. Fazem uns três, quatro anos que eu não escuto isso, e nem ele.

Continuei em silêncio, arrasada, olhando pela janela aberta do carro. Não quero nem imaginar como vai ser em Agosto que com as Olimpíadas. Lembro-me que na Copa foi um caos total. Por sorte, o governo decretou férias nesse período.

Quando chegamos, Peeta foi o primeiro a sair do carro também, batendo a porta do mesmo. Bati a porta na mesma força. Ele caminhava na frente e eu atrás, cada um com seus pensamentos.

Eu particularmente estou pensando na música do Caetano Veloso, Você Não Me Ensinou A Te Esquecer, que se aplica exatamente em nossa vida atual.

— Cozinhei sua comida favorita — falei, na ponta oposta a dele no elevador. Vê-lo com as roupas do trabalho era absurdamente sexy e provocativo. Eu me sentia na obrigação de tirar tudo aquilo.

— Eu vi. Pensei que já estávamos bem de novo, mas pelo visto não — suspirei, fechando os olhos. Então essa era a tão falada crise depois dos trinta, e que a cada dia fica pior.

Sai primeiro, para não visse as lágrimas nos meus olhos. Abri a porta de casa, encontrando tudo normal, assim como a cozinha. Com certeza o nosso quarto estava todo cheio de flores e coisas assim. Agora eu não posso ir lá, e por essa razão, entrei no banheiro para hóspedes.

— Peeta, pode por favor pegar para mim uma roupa? — pedi, sem tirar as roupas ainda. Doía todo meu corpo por estarmos tão mal assim.

Sem responder, dois minutos depois ouvi ele bater na porta com minhas roupas.

— Obrigada... — agradeci, corada, mesmo que não estivesse vendo meu rosto.

Tomei meu banho sem pressa, apenas deixando toda a água escorregar por todo o corpo, e pensei que talvez esse bebê possa nos ajudar a melhorar, e voltemos, dessa forma, a agir como um casal de verdade. Não podemos agir apenas com desejos sexuais o tempo todo. A quanto tempo nós não fazemos amor ou saímos por aí de mãos dadas?

Ao sair do banheiro, com minha bermuda jeans favorita para ficar em casa e regata rosa, que também era minha favorita, Peeta saiu do nosso quarto, com bermuda e blusa branca. Seus cabelos loiros claros estavam molhados, mas penteados.

Parece que ele faz de propósito. Como continuar de cara fechada com ele assim?

— Eu durmo na sala hoje — ele disse, suspirando.

Suspirei também, assentindo, indo para o quarto.

— Vai trabalhar amanhã? — perguntei.

— Não, mas já vou ligar e pedir para me escalarem para alguma cosia.

— Ah, não faça isso. Já fui no banco pagar no mês passado, amanhã você faz isso. E as compras. Vou no Norte Shopping de tarde, você vai querer ir também?

Deixou os travesseiros no sofá, virando-se para mim, analisando-me.

— E o que eu faria? Sabe que eu só fico na Saraiva quando vou lá.

— A Riachuelo é do lado, ou se esqueceu? — Sorriu, e eu também. — Não vou fazer o almoço. Dê seu jeito.

E entrei no quarto.

O aroma de flores estava no ar, ainda mais que fechei a porta para o ar gelado não fugir.

Quando vi o buquê na lixeira, todo amassado, fazendo lágrimas virem aos meus olhos. Eram rosas brancas, as minhas favoritas. Agachei-me, pegando o bilhete, que não era para estar ali, provavelmente, mas eu já estou no fundo do poço.

Me desculpe, e eu ainda amo você.

— Peeta

Era tudo o que estava escrito, mas exatamente o que eu sentia falta.

Peguei o bilhete e coloquei na minha agenda, que sabia que ele não via, mas todos os pequenos detalhes eram tão válidos e especiais.

Me deitei na cama com uma mão na barriga, que está lisa e normal, mas ainda sim, eu sinto que tem algo se movendo dentro de mim, uma coisa além do que posso explicar.

— Em que mundo eu vou te colocar, hein? — sussurrei, acariciando o quase nada, amando incondicionalmente essa coisinha dentro de mim. Dormi antes que pudesse pensar em outra coisa a não ser que essa situação entre eu e Peeta precisa acabar.

*_*

— Obrigado — falei, com um breve sorriso para a moça da lotérica, pagando a maldita última conta das doze que Katniss me entregou. Misericórdia, desde quando temos tanta coisa para pagar? Mais um pouco e só saio do Santander sem meus rins por causa do cartão de crédito dela.

Nós somos casados, e eu ganho mais do que ela, porém, não tem essa de "meu dinheiro, faço o que quero com ele", nunca teve isso, desde o começo do nosso namoro, deste modo, o limite do cartão de cada um é oito mil reais.

Mas é óbvio que a cada quatro ou cinco meses ela arranja um jeito de estourar esse limite e ainda usar o meu, pois não tem senha entre nós.

Entrei no carro suspirando, mas com a sensação de dever cumprido, já que estava tudo pago e eu poderia assistir ao Brasileirão sem grandes preocupações, pois paguei a Sky, e Katniss seus programas esquisitos do Discovery Home & Health.

As ruas não estão muito movimentadas, mesmo que seja um sábado, e graças a Deus por isso, pois mesmo com as janelas fechadas, é possível escutar gritaria do lado de fora, incomodando a voz do Projota.

Cantei totalmente desafinado algumas músicas, sentindo vontade de quebrar o rádio com a música Cobertor, onde um trecho diz:

Porque só tinha conhecido gente louca

Tinha medo de um "eu te amo" sair da minha boca

Até que um dia ele saiu

E eu gelei, e te olhei, você disse: eu também, e sorriu

Maluco o suficiente pra gostar de mim

Corajoso o suficiente pra ir até o fim

Se eu tivesse te desenhado e te encomendado

Teria feito exatamente assim

Quando eu disse o primeiro "eu te amo", lembro que tínhamos acabado de sair do colégio, morávamos em Niterói, no nosso sexto mês de namoro, último dia de estudantes, com o boletim azul, mas estudávamos pra caramba.

Ela ficou vermelha, e eu pálido, porque soltou da minha mão, mas o abraço que ela me deu depois, sussurrando que também me amava... Com certeza compensou tudo.

Fazia tanto tempo que eu não ouvia isso que nem sei mais qual o som da frase em sua voz.

Ontem ela mandou eu sumir com o buquê de flores que comprei. Não por ter sido o maior e o mais caro da loja, mas por ela nem sequer ter visto! Joguei na lixeira do nosso quarto e pisei em cima diversas vezes mesmo, irritado. O que eu havia feito de errado?! Ela não é meu objeto sexual, mas parece que se eu quero tirar algo dela tem que ser chegando com todo o desejo do mundo! Sinto falta das vezes que passávamos a noite toda acordados e entre beijos, sussurros, fazendo amor, ou assistindo a algum filme de desenho animado, desde que ela sorrisse no final. Sinto falta do começo do nosso relacionamento, quando nós íamos ao Jardim Botânico e depois dividíamos o lanche.

Vida de casado, se você não tiver atenção, vai ficando pior a cada dia.

Tiago Iorc? — murmurei, franzindo o cenho para um outdoor. E no segundo seguinte, a rádio anunciou o nome dele e a música Amei Te Ver, que por coincidência Katniss tem ouvido muito.

Tirei uma foto do anúncio no prédio, sorrindo, pois o show seria pertinho, no Citybank Hall, assim como a venda de ingressos. Mudei minha rota, apreciando o som do violão.

O coração dispara

Tropeça, quase para

Me encaixo no teu cheiro

E ali me deixo inteiro

Eu amei te ver

Eu amei te ver

Eu amei te ver

Eu amei te ver

Eu amei te ver

Eu amei te ver

Ah, ah

Quase ninguém vê

Quanto mais aumenta a graça

Mais o tempo passa por você

Ah

E sai sem eu dizer

O tanto que eu gosto

Me desmancho quando encosto em você

Gostei da letra. Mesmo depois de 18 anos como namorado e 13 como marido, todas as vezes que eu chego de uma viagem longa meu coração dispara quando vejo Katniss. Já passei por cada turbulência e situação no avião que só Deus para explicar. Foram incontáveis as vezes que pensei que não conseguiria chegar em casa, e o desespero era sempre maior quando eu tinha saído e deixado ela triste ou com raiva.

Estacionei em frente o local para a compra dos ingressos, enfrentando uma fila pequena — meu Deus, como eu odeio filas —, mas logo era minha vez.

— Dois ingressos no melhor lugar, por favor. Tiago Iorc.

— Pista Premium, senhor? — A jovem perguntou, para ter certeza.

— Pode ser. Por favor — sorriu, assentindo, falando logo em seguida o valor dos ingressos, que paguei de bom grado. — Boa tarde.

E peguei os ingressos, saindo da bilheteria, dando uma rápida analisada nos dois papéis que garantiam nossa entrada, e bem no meu aniversário.

Peguei o celular, ligando para minha esposa, que logo atendeu.

Fala — mandou, já na agressividade. Quero saber onde está a feminilidade da minha esposa que todo mundo diz que há. Eu sou o saco de pancadas dela.

— Comprei dois ingressos para um show sexta-feira que vem, e como já são onze e meia da manhã, vou passar agora em casa, te busco e já vamos para o shopping almoçar.

Uhum, só vou trocar de roupa. Te espero na portaria. Não demore.

— Ok, tchau.

E desligou.

Isso tudo era extremamente frustrante, no entanto, eu quero salvar o nosso casamento.

E vou conseguir.

Só não sei como ainda. Digo isso a mim mesmo fazem cinco anos, e até agora nada.

/.

Coloquei um brinco discreto, vestindo um vestido mediano, sem decote, apenas com babado, pois era mais um dia do outono onde mais parecia inverno, mas depois fazia calor de verão, só Deus para explicar uma coisa dessas. Calcei uma sapatilha e deixei o cabelo solto, indo em passos calmos para a portaria do condomínio, cumprimentando apenas com um sorriso torto outros moradores.

Todos falsos, ricos e fofoqueiros. Se esse condomínio não ficasse tão bem localizado da Vega de Almeida e PUC, com certeza eu não moraria mais aqui, e nem Peeta.

Sempre tivemos um alto padrão de vida, desde que nascemos, tanto que nos conhecemos no primeiro ano do Ensino Médio no Colégio de São Bento, no Centro do Rio, voltando com um grupo de amigos que moravam em Niterói.

Eu morava próximo ao Plaza Shopping, e ele no bairro de Boa Viagem, com o segundo metro quadrado mais valorizado de Niterói, porém, a gente nunca foi a favor de ficar em rodinha de pessoas inúteis e fúteis, mesmo que todo ano eu viajasse três vezes para a Disney, com dois intercâmbios para os Estados Unidos e um para a Espanha antes dos 18 anos, e ele com o passaporte carimbado em doze Estados dos Estados Unidos, assim como um intercâmbio de seis meses no México, também antes dos 18. Hoje, precisamos fazer o pedido de um novo passaporte a cada dois anos por causa de tantas viagens — mas o meu está empoeirado há uns quatro anos, devido a alguns problemas no casamento e o Doutorado em Letras —, e esse condomínio é realmente estratégico para o local de trabalho de cada um.

Sua jornada intercala entre Galeão e Santos Dumont, dependendo da escala, então é melhor ficarmos por aqui mesmo.

Ouvi a buzina, sabendo que era ele. Vi mais uma vez como estava o batom vermelho em meus lábios, então entrei.

— Não vai dar aula sexta que vem, certo? — perguntou, antes pisar no acelerador, ainda em frente a portaria do condomínio.

— Não, só na semana do dia 19. Em qual show iremos? Lembre-se que precisamos subir a serra ainda no dia 12. Reservei um hotel para a gente em Petrópolis, próximo ao Museu Imperial. Foi uma fortuna e eu não vou sozinha.

— Pensei que fôssemos para Niterói. Minha tia disse que ia fazer churrasco.

Eu odeio a tia dele, e toda sua família.

— Peeta, nós não vamos ver a sua família. Eles são completamente alienados, irônicos e maldosos comigo, odeiam a gente junto, e você quer ir vê-los — Os Mellark's são de origem alemã, mas com a morte dos pais de Peeta quando ele ainda era criança, foram para o sul do Brasil – um grande mistério, eu não viria para o Brasil sendo da Alemanha –, no entanto, aos sete anos do meu marido, se mudaram para o Rio de Janeiro, e não se adaptando com a cidade, foram  para Niterói.

Eu sei, só foi regredindo. Mas possuem um império de hospitais particulares da melhor qualidade.

— Como se eu adorasse os seus pais, né, mas lá vai o trouxa te fazer companhia! — respondeu, irritado.

— A tá! Que lindo, Peeta! Você foi na minha casa de bermuda e regata, depois de ter ido na praia quando eu marquei com os meus pais para te conhecerem, e se não fosse pelo Marvel, só Deus sabe o que teria sido do nosso casamento, e você me deixou SOZINHA no natal para ir para a casa da sua família lá na casa do cace... — parei para respirar, pois era uma palavra muito hostil e arrogante. — Lá na casa do caramba, em Niterói, no nosso aniversário de cinco anos. Como esperava que minha mãe e pai reagissem, hein?! E eles não sabem alemão, mas sabem muito bem que você chamou meus primos de porcos!

— Você riu quando eu disse! — revirei os olhos, mordendo os lábios na intenção de rir novamente, pois meus primos são realmente porcos imundos – como Peeta os chamou em alemão. — Sua família não sabe comer churrasco!

— E a sua não sabe que o melhor acompanhamento para um é coca-cola e não chumarrão!

— Você diz isso porque é alérgica a chá verde. E nossa lua-de-mel foi no Sul, se você não se lembra.

Bufei, irritada. Muito irritada.

— Eu queria Campos do Jordão, mas meu pai inventou o Sul e lá fui eu, feito uma esquimó.

— Nossa, amor, como se Campos do Jordão fosse o diabo tentando ceifar nossos corpos, já que não pode ser as nossas almas aqui no Rio de Janeiro, né? E você amou a viagem!

— Sim, mas bem longe daquela coisa que você tem como família. Abusados. Os outros gaúchos de decência alemã não são assim!

— Ah, cale a boca.

Bufou, dando partida, sem encontrar dificuldades no trânsito para pegarmos a linha amarela. Eu estava furiosa.

— Vocês mulheres são muito ingratas, sabiam? A gente faz de tudo por vocês, aí chega no nosso aniversário e vocês quem fazem a porcaria de escolha!

— Sim, seu idiota! A gente é mulher, e faz muuuito mais coisa que vocês! Eu lavo, passo e cozinho! Isso sem contar a nossa relação, meu emprego e estudos!

— Que seja, problema é seu, tenho nada haver com isso, já mandei contratar alguém pra fazer isso, mas o que você falou?! Nãããoooo, Peeta, eu consigo! Vai, feminista.

Senti minhas bochechas ficarem vermelhas de raiva.

— Eu NÃO sou feminista! Não estou mandando você fazer o trabalho, isso é a minha obrigação de esposa, seu idiota!

— E eu com isso? Quero saber por qual razão eu nunca posso escolher nada.

— Você me escolheu, e eu escolho as coisas, meu bem — falei, convencida, ligando o rádio, onde tocava Anitta. — Ah, que saco, tira da Paradiso, Peeta.

— Não. Tira você. Não estou insatisfeito.

Fiquei boquiaberta, com os olhos semicerrados. Não acredito que eles está brincando comigo desse jeito. Não acredito! Ele me mandou calar a boca, agiu com ignorância e sarcasmo de uma única vez! Em menos de uma hora!

É proibido falar nesse tom comigo em dias separados, quem dirá de uma vez só!

— O que você disse? — perguntei, desafiadora. Não sei mexer nesse rádio do carro dele, que já é embutido.

— Tira você da rádio, trouxa. Fica ai discutindo à toa comigo, ai. Vai. Muda a estação — e deu um sorrisinho cínico para mim, do tipo "faz sozinha, sua idiota", como se tivéssemos 17 anos novamente.

Cretino.

Só te raiva, aumentei o som, por mais que eu odiasse a música Show das Poderosas.

— Ué, gosta dessa música agora, amor? — perguntou, segurando o sorriso.

— Claro, queridinho. Não está vendo que está no máximo? — Pus os pés no painel, endireitando melhor meu óculos aviador nos olhos. Ele tem o coração nesse carro, e sei que é tremendamente infantil, mas lentamente vamos quebrando o gelo assim.

— Katniss Everdeen, tira o pé daí agora! — exclamou.

— Não. Tira você. Não estou insatisfeita.

Parece que o jogo virou, não é mesmo?

— Você não presta... — murmurou. — Vai ver só, vai ter volta. Não vou pagar seu cartão de crédito. Vou reduzir o limite e eu quero ver — fui obrigada a rir sinceramente, relaxada, realmente satisfeita com a posição dos meus pés no painel, reclinando um pouco o banco, abrindo a janela. Vi que estávamos próximos a uma Blitz, mas continuei na mesma, pois usava o cinto.

A policial federal riu, fazendo sinal para passarmos, e fez também um sinal positivo com o polegar para mim. Ah, o poder de irritar o marido e receber aprovação de outros...! Impagavelmente delicioso.

— Vamos almoçar no Outback? Por favor — pedi, pegando o celular, jogando Subway Sufers.

— Pode ser. Mas quero ir na Saraiva primeiro. Aliás, os ingressos... — tirou algo do bolso, passando para mim, sem tirar os olhos da pista, mudando o lado.

Peguei, cantarolando Chico Buarque, mas parei por um instante.

— Ai meu Deus... É para o show do Tiago Iorc?! — perguntei, boquiaberta, sorrindo para a folha de papel. Senti ele sorrir. A quanto tempo não sorriamos sinceramente na presença um do outro assim?

— Sim. Vi o anúncio enquanto voltava pra casa. É por isso que não deu tempo de chegar em casa e fazer o almoço. Você iria me morder antes que a comida ficasse pronta.

Sorri, olhando para ele agora, que olhava para mim.

— Mas não vou te agradecer. É sua obrigação me deixar feliz! Ainda mais que colocou o seu nome em um monte de escalas. Vamos na Saraiva primeiro, sim, mas depois do show, vamos subir a serra e irmos para Petrópolis.

— Posso ao menos pedir um chimarrão?

— NÃO! — exclamei com intensidade, ficando séria de novo, cruzando os braços. — Não quero nada que me lembre da sua família! Nada! Chega! E nem pense em pedir um Brathend'l, peguei nojo!

Ele riu demais, mesmo que eu estivesse falando isso de sua família. Ele também falava coisas muito sujas da minha, então é válido. Quando eu expresso toda essa minha raiva, há quem pense que eu odeio todos os gaúchos, mas não é verdade. Eu odeio a família do Peeta. Que infelizmente vem de lá, mas eu amo o Sul, as comidas, embora não seja tão fã das danças, é uma região adorável. Não vejo tantas coisas para fazer como há aqui no Rio, porém é diversão e aprendizado de uma cultura quase totalmente diferente é garantido.

Ah, e sem contar o chocolate quente... Maravilhoso.

— Tudo bem, vou pedir apenas o que você pedir. Mas posso pelo menos dormir no nosso quarto hoje? Estou com dor nas costas, Katniss. Aquele sofá não é legal pra dormir.

— Então compre um melhor e acostume-se.

Olhou para mim, procurando algo sinônimo de brincadeira ou algo do gênero, mas encontrou apenas uma seriedade. Falsa, mas eu estava séria.

— Para de fazer isso, Katniss, pelo amor de Deus, eu não te dou trabalho nenhum! Só deixa eu dormir na nossa cama! Ainda não entendi o que aconteceu!

— Ah, fica quieto, fica? Aqui, oh, Tiago Iorc! — fiz um gesto para ele se calar, aumentando a música Coisa Linda. — Você só tem o direito de calar a boca quando ele está cantando.

*_*

Enquanto tomava Milkshake do Bob’s - como se eu comprasse em outro lugar -, próximo ao chafariz do Norte Shopping, mexia distraído no WhatsApp, rindo da cara dos meus sobrinhos, que agora já estavam com nove anos. Os filhos da tia Suzy – que é como uma mãe e pai emendados para mim –, tratam-me como irmão, então os filhos deles são meus sobrinhos. Me pergunto diversas vezes se esse pessoal do grupo da família trabalha, porque toda hora tem alguma notificação.

— Comprei os ingressos para assistirmos Mad Max. Não estou disposta para assistir Os Vingadores. Me dá um pouco do seu Milkshake? Estou com sede — Katniss disse, e por um instante, senti vontade de dar toda a minha latinha, mas eu não me esqueci do que ela disse sobre eu dormir no sofá.

— Posso voltar a dormir na nossa cama? — perguntei, voltando os olhos para o celular, bebericando propositalmente.

— Não.

— Então vai comprar a sua, oras. Se você não divide a nossa cama, como posso dividir meu copo de Milkshake, e do Bob’s, ainda por cima? Vai comprar o seu. E caso esteja interessada, está bem misturado e uma maravilha. Ovomaltine, seu favorito.

Eu sabia que ela estava ficando vermelha.

— Tá! Que seja! Agora me dá o copo? — Sorri vitorioso, passando o Milkshake para ela. Como a raiva lhe caía bem...

— De nada, esposa.

— Fez nada além da sua obrigação. Agora vamos logo na porcaria da Saraiva, essa droga, gastar dinheiro com coisas idiotas e insignificantes.

Comecei a rir, andando ao seu lado.

— Vou contar para os seus alunos, professora de língua portuguesa — provoquei, cruzando os braços. Estou animado que estamos dialogando tanto assim em um longo período de tempo. Geralmente, até em nossos melhores dias, não trocamos mais que dez frases, juro.

— Pode contar. Cansei de ler gibis e HQ's de super-heróis.

— Não são qualquer super-heroís. É Batman versus Super Homem!

— Ah, vá se ferrar... Vou comprar roupas. Você tem trinta minutos — disse, começando a caminhar na direção da loja que vendia o que procurava, mas segurei sua mão, sentindo um arrepio gostoso, já que não nos tocávamos a quase dois meses. Quase dois meses sem qualquer toque corporal. Deus, isso é coisa pra caramba.

— Espere. Não vou ganhar nem um beijo? Te comprei ingressos para o show do Tiago Iorc, Katniss! E te dei meu copo de Milkshake! — reclamei, querendo tirar algum proveito da situação, é claro, até ela se lembrar que entrou em greve. Nunca ficamos tanto tempo brigados assim, e isso está me preocupando. Não quero nunca voltar a ser o que éramos duas horas atrás. Eu preciso dela aqui comigo, como minha amiga, minha esposa, o meu Amor.

Nossos olhos ficaram na mesma direção, mesclando-se intensamente, o azul no cinza, e ninguém no mundo olhava para nós dois, já que estávamos a pouco menos de dois braços de distância um do outro.

— Acho que podemos repensar sobre algumas coisas... — disse, dando um passo a frente, depositando um beijo no canto da minha boca, que valeu mais do que qualquer coisa que eu poderia imaginar – pelo menos em público –. Sorri, querendo mais, mas não podia pedir. Soltei sua mão, e eu mesmo me virei primeiro, indo em passos bem mais confiantes para a livraria.

12/06/2016, Citybank Hall

— Que droga, que droga! — resmunguei, vendo que a calça jeans vermelha não queria fechar, coisa que aconteceu com muita dificuldade em casa, mas agora no banheiro químico não queria fechar.

O que esperar também de um pandemônio de hambúrguer? Esse é o sério problema de vir com Peeta! Ele sempre compra alguma coisa que eu não consigo resistir, e embora eu mentalmente tenha declarado fim à greve, já que ele tirou todos os voos que estava escalado durante duas semanas apenas para ficarmos juntos, não rolou nem um beijo de verdade além de uns selares de lábios antes de dormir.

Mas hoje é nosso aniversário de namoro de 18 anos, aniversário dele de 35 e contagem regressiva para os 14 anos de casamento. Claro que eu tenho algo preparado para nossa noite em Petrópolis, e nada pode estragar a noite, exceto se meus seios não pararem de doer e a calça não fechar!

Puxei ar com toda a força, por mais anti-higiênico que fosse, mas consegui! Enfim consegui! Mas deixei a postura ereta, controlando a saída do ar, mesmo que eu fosse ficar com um pouco de cólica depois.

— Nossa, que demora! Ele já vai entrar! — Peeta disse, logo que saí. A calça jeans lhe caía sempre tão bem quanto a calça social que usava para trabalhar, e a blusa quadrangular que usava... Nossa, e ainda 3/4, pois por baixo vestia uma blusa branca.

— Cala a boca! — Empurrei-o um pouco, sorrindo. — Vamos logo.

*

As músicas que ele cantou foram as que eu já conhecia, eu já conhecia todas elas, e já as amava imensamente. Adorei a música de abertura, que foi What A Wonderful World, que me fez conhecê-lo por causa da novela, e Peeta parecia se divertir bastante ao meu lado, e eu também.

Em algum momento, Peeta me abraçou pelos ombros, o que no instante me assustou, pois não éramos habituados a toques como esse, apenas quando namorávamos, andávamos muito de mãos dadas e abraçados, rindo, passeando por muito tempo na praia, fazendo passeios para o Pão-de-Açúcar, Cristo Redentor, duas idas à Pedra da Gávea — que foi difícil pra caramba, onde passamos 4 horas na trilha, depois de termos nos perdido do grupo e eu torcido o tornozelo —, e eu sentia falta de tudo isso, mas não me lembrava até reviver um momento tão especial como esse depois de tanto tempo de desgaste entre nós.

— Ai meu Deus, eu amo essa música! É a música Cataflor! — exclamei, deixando-me ser abraçada, fechando os olhos, sentindo vontade de chorar. Eu tinha a sensação de que tudo estava finalmente em seu devido lugar.

Saio por aí juntando flor por flor

Só pra te mostrar

O que a vida fez com todo o amor

Só pra ti, só pra ti, só pra ti

Saio por aí juntando flor por flor

Só pra te lembrar

Do que a natureza tentou imitar

Quando olhou pra ti, só pra ti, só pra ti

Peeta cantou junto, baixinho no meu ouvido, enquanto todos prestavam atenção no canto, eu só sentia meu coração palpitar aceleradíssimo no peito. Nossas vozes não eram de cantores, bem longe disso, mas quando cantaroladas ao pé do ouvido, não há nada melhor, nada.

Rodeei a cintura do meu marido com meus braços, sorrindo torto, deixando nossos corpos se moverem lentamente ao som da música, que infelizmente era a penúltima.

Ando pelo vento, junto flor por flor

Só pra te enfeitar em cada esquina

Em que você passar

Vou sorrir, só pra ti, só pra ti

E se eu quiser dizer que o universo

É feito pra você, só pra você

E se eu quiser dizer que o universo inteiro

Mora em você, só pra você

Assim como eu

Comecei a chorar silenciosamente, suspirando apaixonada. Estava quente, embora a noite fosse fria, o ambiente estava cheio, com três mil pessoas — embora a capacidade era para o dobro —, nem parecia. As pessoas estavam totalmente relaxadas, envoltas de suas bolhas particulares, mas nos ligávamos por apreciar o cantor.

O Universo mora em você, todas as coisas boas que existem nele — sussurrou, enquanto a música ainda era tocada.

Sem pensar duas vezes, separei-me um pouco dele, rodeei meus braços ao redor do pescoço e beijei seus lábios com carinho, paixão, tudo o que eu sentia, sendo retribuído. Eu sentia muita falta desse beijo, muita. Prolonguei ao máximo que podia, sentindo uma de suas mãos vagar em minhas costas e outra trazia meu corpo para mais junto ao dele, segurando minha cintura.

— Ainda bem que está na última música, porque eu não vejo a hora de ficarmos sozinhos — sussurrou, um pouco ofegante, fazendo eu rir, ficando ao seu lado, sem abraço dessa vez.

A última música que tocou foi Alexandria, já que antes de Cataflor, veio Amei Te Ver — que eu cantei com todos os pulmões —, mas honestamente, Alexandria é a melhor música dele, e animou o pessoal.

Uma alta salva de palmas foram dadas, e diversos papéis vermelhos de coração foram jogados em cima de nós.

Saímos rindo, um abraçado no outro, digo, eu e Peeta, sentindo um frio de arrepiar no estacionamento a céu aberto, mas assim que eu sentei no banco do carona, seu corpo ficou sobre mim, beijando-me, e eu gargalhei, divertida, assim como ele, que distribuía em meu corpo beijos sonoros, batendo a porta do carro com força desnecessária, sem se preocupar se tinha alguém vendo pois o vidro era preto.

— Para com isso e vamos logo para Petrópolis! — ralhei, sorrindo, encarando seus olhos azuis-marinhos. — O que foi? — perguntei baixo, sentindo nossas respirações se fundarem, seus olhos escorregarem para meu rosto, e seu polegar em meu queixo, fazendo carinho, como se eu fosse uma escultura de uma deusa.

— Você é tão linda — disse, sorrindo, voltando a olhar em meus olhos. — Eu poderia te olhar todo o dia. 18 anos namorando você é como 18 segundos ou milésimos. Foram os melhores anos da minha vida.

Senti meus olhos marejarem. Ah, hormônios...

— Peeta... — murmurei, balançando quase imperceptível. — Acabou.

A-a-a-acabou? — perguntou, ficando pálido, gaguejando. Comecei a rir, inclinando-me um pouco, apenas, beijando sua boca rapidamente.

— Sim, acabou a crise. Vamos logo para casa, vamos — e o sorriso que abriu poderia ser o Sol mais gostoso no Inverno quando ficamos simplesmente cansados de tanto frio, mas não queremos o Verão ou Primavera.

Em poucos instantes, ele estava no banco do motorista novamente, pondo o cinto, assim como eu, partindo logo para a estrada habitual para Petrópolis. Sua mão quase não saiu da minha coxa, e houveram muitos beijos roubados quando o sinal ficava vermelho, nos fazendo rir das buzinas furiosas atrás de nós. O rádio só tocava músicas boas e antigas, como por exemplo, Kid Abelha, Chimarrutts, não podendo deixar o a noite ainda mais jovem.

Mais uma vez, desceu o meu banco do carro logo que estacionamos, desafivelando meu cinto. Era quase meia-noite quando chegamos, pois a pista estava realmente boa e o show começou às 19:30, terminando 21:10.

— Reserva no nome de Katniss Everdeen — falei, um pouco ofegante, segurando na mão de Peeta, que com a outra segurava sua mala para o final de semana e eu a minha.

— Aqui. Aproveitem a noite do Dia dos Namorados — a senhorinha disse, risonha. Peeta riu, me puxando.

— Com certeza a gente vai, senhora! — Dei um tapa nele, escutando a gargalhada da recepcionista, cobrindo o rosto, murmurando um "esses jovens".

— Mas a gente vai! — exclamou, quando entramos no elevador. O clima aqui já era totalmente diferente, bem frio, mas o calor da combustão dos nossos corpos era intensa demais. Larguei a mala, assim como ele, que já me pressionou meu corpo na parede do elevador e minhas mãos mergulharam em seus fios loiros claros tão perfeitos como o Sol. Era exatamente na mesma tonalidade.

Não sei como chegamos, mas quando vimos, estávamos na cobertura do Hotel, como eu reservei, puxando nossas malas, rindo, em meio aos beijos. Eu queria fazer isso antes de dar meia-noite.

A primeira coisa que fiz ao entrarmos no nosso quarto, aos tropeços, quase, foi puxar sua blusa para longe, depois puxar a minha para cima, apressada, deixando que ele me impulsionasse para cima e eu rodeasse as pernas ao redor de sua cintura.

— Não te dei nenhum presente de aniversário — murmurei, sentindo seus beijos apressados no meu pescoço enquanto procurava o feiche do meu sutiã.

— Você é o meu presente de aniversário todos os anos, Katniss. Eu amo você — sussurrou, deslizando a ponta dos dedos nas minhas costas, escorregando minha peça de roupa superior para a frente do meu corpo.

— Eu amo você também — sussurrei, fazendo carinho em seu ombro, e ele subiu os olhos dos meus seios para meu rosto. Senti meu corpo se arrepiar com esse olhar, cheio de tantos sentimentos.

— Esse é o melhor presente que você poderia me dar — sorri, fechando os olhos logo em seguida, sentindo seu beijo mais você em meus lábios. — Tão linda, meu Deus.

Eu ficava um pouco sem graça com esses elogios – depois de tanto tempo sem ouvi-los –, mas aumentava o meu ego, com certeza. Ah, juntamente com toda a sincera autoestima.

Quando ele me deitou na cama, cobrindo meu corpo com o seu, beijando todas as áreas que não estavam cobertas, eu nem me importava realmente com a temperatura baixa que fazia. Eu queria e precisava dele.

Ajudei-o a tirar nossas roupas que faltavam, e... com certeza virão reclamar dos sons que saíram da minha boca e da dele, sem sombra de dúvidas. Mas eu não podia controlar.

A cama batia frenética, nossos pulmões buscavam oxigênio, mas o corpo queria mais, muito mais, sentindo frio, os pés formigavam como a ponta dos dedos, não sabia-se onde um terminava e outro começava. Éramos um só, como a muito tempo não éramos. Uma das vantagens depois de tanto tempo em crise é essa, acredito. A sintonia que entramos logo em seguida.

Nosso casamento chegou a um ponto tão automático que nenhum dos dois sentia quaisquer prazer ou vontade para isso, mas fazíamos por comodidade, talvez, até um médio momento, ficando em meio a um silêncio extremamente constrangedor.

— Toda vez que eu faço amor com você parece a nossa noite de núpcias — Peeta sussurrou, enquanto com uma mão segurava o meu cabelo com cuidado para um lado, a outra sustentava o seu corpo, sua boca beijava a minha e o meu pescoço, enquanto ainda continuávamos como um só, nos movendo, querendo ainda mais.

Suas costas vão ficar vermelhas amanhã de manhã, sem qualquer sobre de dúvida, e o meu pescoço arroxeado, como se eu tivesse passado tinta. Abri mais um sorriso entre os suspiros, com os olhos fechados, escondendo o rosto na curva do seu pescoço. Embora nossos corpos estivessem extremamente suados, eu ainda podia sentir o seu perfume da Ferrari se misturar com o meu da Shakira, como a massa de um bolo na batedeira.

— Ótimo saber que você sente o mesmo que eu — respondi, um pouco rouca, apertando os olhos, escondendo mais o rosto na curva do seu pescoço, aproveitando cada segundo.

Depois de não sei quanto tempo, realmente exaustos — mas reconhecendo que pela manhã repetiremos tudo de novo em qualquer lugar do quarto que ainda nem reparamos como é —, me levantei ainda nua, rindo, um pouco nervosa, porque precisava contar de uma vez por todas.

— Sei que não te desejei exatamente um feliz aniversário, e todas as formalidades que você faz por mim, mas... — O entreguei uma foto. Ele acendeu a luz do abajur, que iluminou um pouco seu rosto – Céus, ele é o tipo de homem que o tempo só lhe faz bem –, então, franziu o cenho, talvez não entendendo. — Dentro de mim tem dois corações agora que batem por você.

Eu tinha planejado dizer aquilo com outras roupas, não o lençol da cama, com meu cabelo com certeza bagunçado pra caramba, mas eu o fiz.

Eram quatro e meia da manhã do dia 13 de junho, mas era o aniversário dele ainda. Sou muito boa com números, e me lembro que sua tia chata me contou que ele nasceu à tarde, então, não deu as 24 horas de seu aniversário.

— Eu sei que você não está preparado, que não queria e... — comecei a ficar ansiosa, nervosa, por não ter nenhuma reação, o que era esperado, mas eu não queria que fosse assim, nenhuma mulher quer que seja dessa forma.

— Claro, não acho que estou pronto, mas quem é que está, não é mesmo? — E abriu um sorriso enorme, que lhe trouxe ainda mais brilho para seus olhos azuis, que ainda estão enegrecidos. Puxou-me pela cintura, inclinando seu corpo um pouco para a frente, deixando nossos rostos na mesma altura.

— Eu só tenho um coração que bate por vocês dois, mas todas as batidas são de vocês — sussurrou. — Você é a melhor esposa que eu poderia desejar, e vai ser para sempre a minha namorada. Agora, a mãe de um filho meu. Você é perfeita, Katniss.

Realmente, fazia muito tempo que eu não ouvia uma coisa dessas. Comecei a chorar, abraçando-o apertado, por mais que meu corpo pedisse desesperadamente por dormir para mais emoções amanhã, e eu ainda estivesse nua, assim como ele, com apenas um lençol cobrindo nossas cinturas, pude sentir o quão sincero era seu abraço, o quão puro.

— Eu amo tanto você, tanto, tanto — falei, fechando meus olhos, suspirando. — Me perdoe. Eu poderia ter sido muito melhor, não quero que esses últimos anos se repitam.

— Não vão, porque eu poderia e deveria ter sido melhor, amor. Não vou deixar que aconteça tudo de novo, e vou ser o melhor pai que você poderia imaginar para esse bebê.

— Eu sei que vai — sussurrei, como um modo de impedir as lágrimas. — Eu sei.

Me deitou melhor na cama, ainda abraçado a mim, e nos cobriu com um edredom que caiu no chão, por causa do que fizemos – deixando minhas bochechas vermelhas, agora, já que fazia tanto tempo que não dividíamos o mesmo sentimento, e não nos procurávamos por uma necessidade carnal.

Aconcheguei-me em seus braços fortes, que eu sabia que sempre estariam para me segurar caso eu caísse.

— Foi o melhor dia dos namorados, comemoração de aniversário de namoro, embora sejamos casados, e o melhor aniversário de todos os tempos — disse, fazendo carinho em minhas costas. Ele sabia exatamente onde me tocar para me fazer derreter e amá-lo ainda mais.

— Embora não seja meu aniversário, aceito compartilhar de todos os seus sentimentos agora — ele riu, beijando o alto da minha cabeça.

— Eu amo você — ele disse. — E a música Coisa Linda não foi escrita para a ex-namorada do Tiago Iorc, não. Foi totalmente inspirada em você. Você é uma Coisa Linda, e eu sempre irei para onde você está, sem precisar me chamar.

Meus olhos marejaram mais uma vez.

— Eu amo você, amo, amo, amo — falei, dando vários beijos nele, que riu, fechando os olhos, e eu também, aconchegando-me em seu peito, beijando o mesmo, aproveitando o frio para curtir seu corpo quente, aproveitando de suas mãos quentes em minhas costas e o fiz fazer um carinho na minha coluna, porque eu gosto que ele faça isso.

— Esse é o melhor aniversário da minha vida, sabia? — sorri, corando um pouco, tamanha era a sinceridade em sua voz.

— Fico feliz que tenha gostado. Digamos que saiu um pouco dos meus planos.

— Ah, continue fazendo o que fez hoje e todo dia vai ser meu aniversário! — ri, subindo um pouco mais meu corpo, beijando-o mais uma vez, só que dessa vez, deixei meu rosto na curva de seu pescoço, nua por cima do seu corpo, mas sem nada de maldade ou segundas intenções. Não para essa madrugada, talvez pela manhã.

Talvez nada, certeza absoluta. Nada melhor do que amar, apenas fazer amor.

Antes de dormir, apenas pensei em outra música do Tiago Iorc, chamada Mil Razões, e é exatamente tudo o que acontece comigo e Peeta.

Posso lhe dar mais mil razões pra te querer

Coisas que eu já nem sei o nome

Posso compor mais cem canções de amor

Pra quê?

Se quando eu canto você some

Os tantos ui ui uis

Os cantos doidos e doídos

Que pra cada céu que é seu eu já compus

E nunca, em todos esses anos de casada e namorada de Peeta, dormi tão bem, tão feliz e tão completamente cheia de amor e alegria. Essa crise depois dos trinta não existe mais em nosso conhecimento, e o que me faz ter a certeza de tudo isso é poder sentir tão próximo ao meu ouvido as batidas do coração de Peeta, um tanto descompassadas, assim como as minhas, é apenas mais uma das mil razões que temos para continuarmos assim. Juntos. Para sempre.


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Notas finais do capítulo

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.
— 1Cor. 13