Heart on Fire in Her Hands (Hiatus Indeterminado) escrita por Fernanda Redfield


Capítulo 12
Capítulo 11: Ficar


Notas iniciais do capítulo

Boa noite, pessoal?
Como vocês estão? Espero que tudo esteja bem :)

Novamente, peço desculpas pela demora. Eu realmente não sei mais como me explicar e nem sei se as explicações ajudam em algo... Eu sei que a ansiedade de vocês é grande e eu gostaria que o meu tempo e o meu emocional para escrever também fossem.

Enfim, decidi recompensá-los pela demora com um capítulo enorme, em que acontece muita coisa que esperamos e outras tantas que vocês e eu não imaginávamos que pudesse ocorrer. Por isso, eu peço que se segurem, fortes emoções os aguardam lá embaixo Hahahaha

Para essa experiência, eu indico que escutem duas músicas: "Take You Home" da Cassadee Pope e "Stay Awhile" do Ryan Star. Ambas estão na playlist da fanfic no Spotify ;)

Bem, é isso... Nos veremos lá embaixo depois de uma boa quantidade de palavras, boa leitura!

PS: Eu estava bem nostálgica quando escrevi esse capítulo e espero que gostem de duas quotes, em especial, que foram colocadas aqui.



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Quinn até tentou não sorrir tanto ou suspirar aleatoriamente durante a manhã dividida com Santana, Brittany e Kurt, dirigindo a esmo e parando no que os interessava, em Santa Monica. Mas, qualquer dissimulação parecia praticamente impossível de ser feita depois de tudo que vivera no dia anterior.

Ela não imaginava, em hipótese alguma, a intensidade de tudo que viveria com Rachel no tempo que dividiram juntas.

Era tanto que mal cabia dentro de si, de forma que extravasava por meio de seus sorrisos delicados, de seus suspiros acanhados e dos rubores em suas bochechas. E todas essas manifestações eram quentes, feitas do calor do sentimento que, agora, Quinn sabia existir e, principalmente, ser retribuído.

Rachel se entregara não por completo, - Quinn entendia que se conheciam há pouco tempo - mas, já era alguma coisa. O pouco que recebera já deixava claro que Rachel confiava nela de forma a se expor, revelando o que havia embaixo do sorriso radiante, dos quentes olhos castanhos e da postura sempre determinada. Quinn sentia como se segurasse algo dela, algo que os demais não possuíam e essa exclusividade a fazia sentir-se única, trazendo mais um sorriso delicado aos seus lábios toda vez que pensava isso.

A futura designer não se lembrava de sentir-se dessa forma com nenhum dos seus poucos namorados, aliás, Rachel também era exclusiva nesse aspecto. O que sentia com a morena superava, com folga, qualquer outra atração que imaginara ter ou que, de fato, tivesse sentido por alguém. Era algo fácil de sentir, mas, muito difícil de ser explicado.

Muito, do dia anterior, ainda se encaixava e se compreendia dentro de Quinn, grande parte de tudo era administrado pela sua cabeça e, ainda assim, a parte mais importante cabia ao seu coração. E este era mais competente ao lembrar-se, com exatidão, do tom amarronzado nos olhos de Rachel quando a olhava, assim como do sorriso acanhado que parecia carregar uma escuridão contida que era ainda mais bela do que a luminosidade que Rachel mostrava ao mundo. O seu coração lembrava-se de muitos detalhes e sempre que eles eram repassados em sua mente, Quinn sentia o órgão acelerar e ganhar vida própria, correndo por um campo que se estendia além de seu peito.

Contudo, uma lembrança, em particular, era capaz de tirá-la dos eixos. O “quase-beijo”, na praia, não parecia tão decepcionante como imaginara e sim, bastante encorajador. Tudo porque as palavras de Rachel pareciam certas, o primeiro beijo delas precisava ser mais do que um ao fim do dia. De alguma forma, o que acontecera mostrara que elas precisavam de mais e as palavras de Rachel, sobretudo, deixaram claro que Quinn deveria ter mais.

Rachel era a primeira pessoa que enxergara mais em Quinn do que a loira procurava expor. Durante muito tempo, Quinn fora educada para ser a melhor e ter tudo que a sua irmã mais velha tivera e mais um pouco. O objetivo dos Fabray sempre foi ter duas filhas de sucesso, bonitas, inteligentes, líderes de torcida e populares... Tanto Quinn quanto a sua irmã, Francine, deveriam refletir a perfeição da família católica e republicana que possuíam em casa.

Quinn jamais enxergou isso em si e agora, que entendia muito do que vivenciara durante todos aqueles anos, começava a crer que jamais enxergara aquele tipo de perfeição que os seus pais sempre quiseram que os outros vissem neles.

A pressão de ser a filha perfeita castigou os seus ombros por muito tempo e ela tentou, ferozmente, ser o que os seus pais queriam. Porém, o amor pela fotografia aconteceu assim como o jornal do colégio e, essencialmente, a sua amizade com Santana, Brittany e Kurt. Os três eram tudo o que os pais de Quinn consideravam imoral e errado, nesse momento, a loira enxergou que as pessoas que tanto lutara para agradar não eram nada além de hipócritas e intolerantes.

Quinn teve que lutar por seus amigos e essa batalha também a ensinou a lutar por si mesma - ela até desconfiava, silenciosamente, que se tivesse que enfrentar os pais por si, não conseguiria - a empatia e, essencialmente, a proteção eram coisas que exalavam naturalmente de Quinn. Portanto, ela não era a ovelha negra da Família Fabray, muito menos, a rebelde sem causa.  

E Rachel, de alguma forma, enxergou isso tudo. A morena viu a paixão de Quinn pela fotografia, motivada pela necessidade de entender as pessoas através de lentes porque, afinal, os seus pais não eram os melhores exemplos de seres humanos. Também apreendeu a insegurança da loira, outro resultado da série de censuras e sanções dos pais que não viam futuro naquilo que não rendia imediato ganho financeiro e nem viam nela o que esperavam em uma filha. E, principalmente, Rachel enxergou a essência realista de Quinn.

Sonhos não eram alimentados na residência dos Fabray e por isso, Quinn não procurava uma experiência e sim, uma realidade, mesmo naquele Verão.

O tempo era curto, mas, Quinn sentia que precisava do gosto do real antes de voltar para a sua vida de aparências. Ainda não sabia se seria capaz de voltar ao que tinha depois daquele Verão, mas, independente do que os dias ensolarados da Califórnia reservavam para ela e Rachel, a loira estava disposta a vivê-los, intensa e vivamente.

— Você não precisa fazer isso, estamos de férias. - A voz de Santana se fez escutar no apartamento silencioso, sobressaltando Quinn que, sem perceber, estivera arrumando as louças usadas no café-da-manhã de horas antes. Aqueles eram um dos poucos momentos em que o apartamento ficara silencioso, Kurt e Brittany tinham ido às compras e Quinn ficara de limpar a cozinha enquanto Santana, até então, estivera dormindo.

A loira virou-se para a amiga, os lábios ainda traziam resquício do sorriso que estivera ali. Os olhos esverdeados também estavam brilhantes, faróis que sinalizavam as águas pelas quais a sua mente navegava antes da interrupção. Eram os olhos e o sorriso de quem sentia algo inexplicável que, ainda assim, parecia fazer sentido. Se Quinn pudesse admitir para si, diria serem os olhos de uma pessoa apaixonada. Porém, a loira engoliu essas palavras e respondeu animada:

— Bom dia, S... E não acho que custe muito manter as coisas ajeitadas por aqui, por mais que não passemos muito tempo no apartamento.

— Se não incomoda você... - Santana resmungou impaciente, olhando pela cozinha à procura de algo que Quinn não pode discernir. A latina parecia incomodada e nervosa, coisas que não casavam muito bem com a sua personalidade despreocupada. A loira continuou a observá-la, apenas para vê-la dar voltas no pequeno aposento antes de se sentar em uma das cadeiras da pequena mesa de madeira, no centro. Quinn permaneceu em pé, encostando-se a pia, aguardando. Conhecia Santana por tempo o bastante para saber quando algo estava entalado em sua garganta... Como agora. - Kurt e Brittany saíram?

— Sim, os dois foram fazer compras, mas, prometeram pegar a gente daqui a pouco para o almoço. - Quinn respondeu tranqüila, enquanto olhava o relógio para confirmar o horário. De alguma forma, o comportamento de Santana não a incomodava, era como se estivesse em uma freqüência completamente diferente de sua amiga. Não sabia do que se tratava, mas, não tinha medo. Santana fechou os olhos e ao abri-los, os orbes escuros estavam intensos e preocupados. A latina pigarreou e perguntou:

— Como foi o seu encontro ontem?

— Foi bom... Melhor do que eu esperava. - Quinn mal havia terminado a sentença quando sentiu o calor em suas bochechas, não existiam dúvidas de que corara. Os olhos escuros de Santana parecem captar o seu rubor com bastante interesse e Quinn sentiu a necessidade de fazer valer a reação involuntária de seu corpo. O seu coração acelerou e a loira gostaria que Santana pudesse ouvi-lo para facilitar as coisas. - Rachel me levou para conhecer parte da Santa Monica escondida dos panfletos turísticos, foi bastante interessante... Eu fiquei ansiosa por mais.

— E vocês sairão hoje? - Santana perguntou inquisitiva, parecendo prestar pouca atenção na resposta completa dada por Quinn, a loira arqueou a sobrancelha para o comportamento da amiga e estava prestes a responder quando o toque de seu celular quebrou o silêncio entre elas.

Era a terceira vez, desde a noite de ontem.

Na tela desbloqueada do aparelho, o nome Russell Fabray aparentava ser um mau presságio. E pela terceira vez, Quinn ignorou a chamada de seu pai. O fato de ela tratá-lo pelo nome e não pelo vocativo familiar apenas acentuava a distância entre eles, Russell Fabray era um homem de pouco carinho e muitos julgamentos, alguém que Quinn desistira de ter em sua vida depois do que ouvira dele a respeito de seus amigos.

Agora, parecia que ela, inconscientemente, se afastara do pai porque também era aquilo que ele tanto abandonara.

Quinn não se sentia obrigada a tentar atender o seu pai, não naquele Verão em que prometera desvencilhar-se dele e de sua mãe. E, muito menos, agora que estava tão feliz fazendo, justamente, o que ele tanto abominava. De fato, a rebeldia naquele ato a incendiava, mas, não era só isso que a inflamava... O que deixava o seu coração em fogo era o que começara a sentir por Rachel, aquilo que esquentava o seu corpo diante da mera lembrança do que a morena era e representava.

Esse sentimento não podia ser contaminado por seu pai, ainda que ele não tivesse ideia do que ela estava fazendo.

Quinn precisava guardar mais daquilo, na realidade, precisava de tudo aquilo para ela. Nunca se sentira daquela forma, precisava daquilo como jamais imaginara.

O seu dedo não vacilou ao tocar a tela e ignorar o pai, mas, os seus olhos teimaram ao erguê-los para Santana. Diferentemente do pai, a opinião de Santana importava e ela sabia que a melhor amiga a observava. E agora, a freqüência entre elas era a mesma porque Santana a colocaria contra a parede e falaria as palavras que ela não queria, mas, precisava ouvir.

Afinal, Santana sempre a traria para terra quando passasse muito tempo nas nuvens.

— Você já os ignorou quantas vezes? - Santana perguntou de forma retórica e, diante da expressão alarmada de Quinn, sacudiu a cabeça, desaprovando-a. A latina suspirou e os olhos escuros, mesmo determinados, derreteram-se em preocupação. - Eu não estou dizendo que precisa ser agora, mas, você sabe que tem que enfrentá-los, Q... Os seus pais já fizeram muito estrago em você, eu não quero que eles terminem o que começaram.

As palavras de Santana pesaram entre elas, Quinn engoliu em seco, sentindo os olhos arderem. A vontade de chorar vinha da certeza de que perderia os pais caso resolvesse ser quem, de fato, sempre fora. Não a filha perfeita, muito menos, a mera defensora dos melhores amigos... E sim, alguém como eles. Uma garota que amava garotas e que, agora, via a chance de ficar com alguém que pudesse ser a sua única.

Pela primeira vez naquele dia, Quinn caiu de suas nuvens e atingiu o chão. Só que os braços fortes e calejados de Santana estavam ali para pegá-la e a latina a abraçava apertado, afagando-lhe os cabelos loiros e a ninando. Quinn agarrou-se a ela, suspirando de forma pesada e sôfrega. O celular, em seu bolso, voltava a vibrar e ela sabia que aquele era o golpe da realidade para nocauteá-la.

Ela estava atraída por uma garota e, pela primeira vez, chegara à conclusão de que, em algum momento, precisava contar aos seus pais.

Não porque devia uma satisfação a eles e sim, para si e, quem sabe, para Rachel. Para que os ocorridos naquele Verão se tornassem a sua realidade para os próximos anos, precisava ser sincera consigo e com aqueles que quisesse manter em sua vida.

E ela sabia que teria que escolher entre o que era e o pouco de amor que os seus pais ainda nutriam por ela.

— Eu s-sei q-que preciso c-contar a eles, San... - Quinn soluçou entre os braços de Santana, sentindo a amiga afastar-se dela para limpar os seus olhos que, mesmo a contragosto, choravam. A latina sorriu um sorriso delicado e encorajador, completamente diferente dos outros que tanto usava para pessoas que não a importavam. Em seguida, ela segurou as mãos de Quinn, mantendo-a firme. - E hoje, eu também sei que isso sempre esteve comigo, mesmo que eles quisessem sufocar ou calar... Só que, agora, eu também sei que devo viver algo que me privei por tanto tempo. Eu preciso disso, San.

— Eu sei e eu fico feliz por você admitir e não fugir dessa vez, Quinnie! - Santana reforçou com intensidade, o sorriso assumindo um ar orgulhoso e os olhos abrandando-se, ainda mais. Ela apertou as mãos de Quinn e foi a vez da loira sorrir entre as lágrimas, o vibrar do celular em seu bolso era somente um incômodo agora, algo sem importância. Santana colocou a mão sobre o coração de Quinn e suspirou. - Só que você precisa entender que você vai embora da Califórnia com Kurt e não sabemos se Rachel vai permanecer com você... Mas, isso que você tem aí dentro, ficará. Não adianta fugir, somos o que somos e você sabe que eu sei, muito bem, que não dá para fugir daquilo que sempre permaneceu dentro da gente.   

A notificação no celular veio mais discreta, daquela vez. O vibrar as interrompeu e Quinn apanhou o aparelho, visualizando a nova mensagem recebida. O aparelho foi apertado em sua mão e ela ergueu os olhos para amiga, Santana esperava por sua resposta, mas, não exigia. A latina jamais exigia algo de Quinn porque sabia que ela entregaria no momento mais tranqüilo.

Quinn olhou do aparelho para a amiga antes de respirar fundo, o sorriso em seus lábios evidenciava que, naquele momento, independente do que fosse aguardá-la depois do Verão, ela decidia ficar em paz com quem era e com o que viesse daquilo.

Ela ficaria com Rachel.

E Quinn não precisou dizer, Santana leu em seus olhos e em sua postura combativa. A latina voltou a sorrir, Quinn era e sempre fora mais corajosa do que ela. Com a loira, não existiriam tantos problemas ou surtos de covardia, Quinn era teimosa na mesma medida que poderia ser corajosa. Aqueles dois extremos a ajudariam a enfrentar o que existisse pela frente. E, caso os Fabray resolvessem causar problema, Santana sabia que a amiga era inteligente o bastante para viver sem eles.

Quinn era uma Fabray, afinal. E todos sabiam que, maior do que a teimosia dos Fabray, somente o orgulho.

E ela precisava se orgulhar, o bastante, para amar a si e, também, a qualquer outra garota que pudesse aparecer em sua vida.

# # # # #

É possível que a Califórnia pareça muito mais ensolarada do que o normal?

A resposta pode ser positiva se você estiver apaixonado. Ou se estiver, simplesmente, enxergando o mundo com outros olhos (o que, definitivamente, acontece com aqueles que se apaixonam). O fato era que Santa Monica parecia diferente naquele dia, Marley sentia os raios solares aquecerem a superfície de sua pele, enviando mais calor para o seu corpo já muito aquecido pelo sentimento que tinha dentro do peito.

Pelo retrovisor do jipe de Puck, ela também podia observar que Rachel sentia o mesmo ou, quem sabe, algo muito parecido. A felicidade latente de sua melhor amiga eram um dos motivos que impediram todos, inclusive Ruby, de contarem sobre o Festival de Música do Píer.  A forma como Rachel sorria não era a que todos conheciam, muito menos, o que o silêncio dela significava.

Antes, a ausência de palavras da parte da morena incomodava Marley. A nova-iorquina sentia-se incapaz, como se não pudesse ajudar porque não sabia o que Rachel escondia. Mas, o silêncio da morena em relação ao que ela vivera no dia anterior, longe de todos, dizia muito...

Porque era um silêncio que vinha com um sorriso caloroso e um olhar mais cálido. Também vinha cheio de delicadeza e de um relaxar de ombros que Marley não reconhecia. Era como se uma nova Rachel se desenhasse.

E ainda que Marley não soubesse o que tudo aquilo significava, ela sabia quem desencadeara todo aquele processo.

Rachel, assim como ela, estava permitindo-se viver algo que não cogitara para aquele Verão. As duas estavam em sintonia, apaixonadas não somente por duas garotas como, também, por tudo que a paixão - ou o amor? - trazia consigo. E nisso, estava incluído um brilho mais bonito do sol, um som mais aconchegante vindo das ondas e beijo mais carinhoso do vento... O que sentiam fazia o mundo diferente, mais acolhedor. E Marley sabia que a melhor amiga precisava ser acolhida ainda que estivesse rodeada por uma multidão.

Era certo que as coisas não estavam totalmente resolvidas entre elas. Rachel ainda não estava próxima como antes e Marley estava envergonhada o bastante para tentar alcançá-la, contudo, existia um silencioso entendimento de que elas estavam melhores do que há alguns dias.

Marley sabia que, em algum momento, tudo voltaria à normalidade. Só não sabia quando e não queria incomodar Rachel com aquilo, ela parecia bem como nunca estivera.

A fachada do “Jewelry of The Coast” desenhou-se no lado oposto da avenida na orla de Santa Monica e conforme se aproximavam do restaurante, o coração de Marley acelerava diante da iminência de mais um encontro com Ruby. Ela não queria pensar no fim daquele Verão, não com isso parecendo muito distante diante de tudo que vivia com a californiana.

Tudo que Marley queria era encontrá-la, deixar que aqueles braços bronzeados a envolvessem e que aquele cheiro de mar e sal se misturasse ao dela. Tudo que ela queria era o que pudesse ter de Ruby e depois do dia de ontem, ela sabia que não era pouco.

A nova-iorquina jamais tivera alguém na mesma página que ela até Ruby. Não sabia o que as aguardava, mas, parecia ser tão bonito quanto Ruby era.

Todo o grupo desceu do jipe. Sam e Finn ladeavam Rachel que ria das brincadeiras verbais dos dois. Em algum momento, os olhos dela encontraram Marley e a loira sorriu nervosa, sendo recebida com naturalidade, com aquele sorriso caloroso que fizera casa nos lábios cheios. Rachel acenou com a cabeça antes de voltar-se para o restaurante e Puck chegar até ela, Marley o olhou de esguelha e ele disse em um misto de orgulho e ironia:

— É bom que vocês estejam se resolvendo por meio de olhares e sorrisos. Palavras nunca foram necessárias, não é mesmo?    

— Dá um tempo, nós estamos tentando! - Marley respondeu de expressão fechada, antes de ser surpreendida pelas risadas roucas de Puck que acabaram arrancando algumas suas. O bad boy a abraçou nos ombros e a guiou, devagar, para a varanda do restaurante.

Marley não sabia por que, mas, sentia-se protegida por ele. Noah Puckerman era um rapaz estranho que, mesmo aparentando não ter juízo algum, inspirava proteção. Talvez, ele não parecesse uma pessoa ajuizada para aqueles que não tivessem relação alguma com ele, contudo, tratando-se dos seus, ele era um leão. A nova-iorquina jamais esqueceria a forma como ele avançara nos mauricinhos para defender Rachel e também não esqueceria a forma como ele a defendeu quando a própria Marley questionou as atitudes autodestrutivas da morena.

De certa forma, qualquer um gostaria de estar próximo a Noah, ele era bom em proteger ainda que fosse excelente em meter-se em confusão.

E, agora, com o braço musculoso do rapaz envolvendo os seus ombros, Marley sentia que podia contar com ele e que, definitivamente, fazia parte do grupo. Ele teria a retaguarda dela assim como tinha a de Rachel.

Marley aconchegou-se no meio abraço de Puck e os dois entraram na varanda do “Jewelry of The Coast”. Os olhos azuis da mais nova procuravam avidamente por olhos da mesma cor, ainda que a tonalidade deles fosse escura e apaixonante, tanto que não enxergou o próprio caminho e trombou em alguém que vinha na direção contrária.

Na mente de Marley, ela lembrou-se de Rachel trombando com Quinn no primeiro dia deles em Santa Monica. A lembrança trouxe um sorriso divertido em seus lábios, ainda que ela tivesse batido com força no peitoral de Puck. O rapaz a segurava pelos antebraços enquanto murmurava surpreso:

— Vamos com calma, Miss New York!

— Você está bem, Marley? - A voz de Jake Puckerman era bem parecida com a de Noah, ainda que, fisicamente, eles não se parecessem. O trio que ia à frente parou e voltou alguns passos para entenderem o que tinha acontecido. Marley engoliu em seco, voltando a procurar Ruby no restaurante lotado. A mais nova não precisava que a californiana visse tão próxima do rapaz que flertara com ela, dias antes. Puck pareceu ter apreendido a sua tensão e a puxou delicadamente para trás, colocando-a ao seu lado enquanto dizia cauteloso:

— Olhe por onde anda, irmãozinho!

— Eu não sei se deveria falar com você após perder todas as minhas oportunidades de emprego depois do que você e seus amigos fizeram naquela festa! - Jake tinha a expressão zangada e os olhos escuros frios a observarem o meio-irmão. Puck não se deixou amedrontar e permaneceu firme, com o braço protetor envolvendo Marley. Rachel e os demais aproximaram e a morena, aborrecida, disse:

— Ninguém o obrigou a nos deixar entrar, Jacob.

— Ninguém lhe chamou para a conversa também, Rachel. - A cada resposta, o tom de Jake tornava-se mais seco e impaciente. Os olhos dele abrandavam-se quando encontravam Marley, mas, pareciam enojados quando olhavam os demais. Marley observava aquelas mudanças de natureza nos olhares e na voz do rapaz com curiosidade, ele não lembrava, em nada, o rapaz que conhecera.

Era como se ele escondesse quem, de fato, era.

— Você pode até ser grosseiro comigo... Mas, não dê exemplos de sua má educação para Rae e os outros, pirralho! - A voz de Puck engrossara e ele tomara a frente, protegendo Marley e empurrando Jake de leve. O mais novo olhou com surpresa para onde as mãos do irmão o tocaram e até deu um passo a frente, mas, Finn o puxou para trás pela nuca e grunhiu impaciente:

— Mesmo sendo um idiota, eu acho que você é esperto o bastante para saber contar... Não há vantagem para o seu lado.

— Na realidade, eu bem que gostaria que nenhum de vocês arrumasse problema aqui. - A voz masculina madura e enérgica se fez escutar no meio daquele silêncio tenso que se instalara após as palavras de Finn. Os jovens se viraram e encontraram Dax Clearwood observando-os, os braços cruzados e a expressão analítica. O homem estava preocupado e, acima de tudo, curioso em relação àquela pequena confusão que se instalara na porta de seu estabelecimento.

Marley procurou Ruby pelo local, nervosa a respeito do que ela poderia ter pensado ao vê-la próxima a Jake e no meio de um embaraço como aqueles. Mas, a californiana não foi vista em lugar algum, deixando-a cabisbaixa e preocupada. Rachel aproximou-se dela e apertou-lhe a mão, passando-lhe conforto e segurança. Marley sorriu receosa para a amiga.

— Não há o que se preocupar, Sr. Clearwood. Eu já estava de saída. - Jake grunhiu o máximo de educação que pode, os olhos negros voltaram a vagar por todos os que o enfrentaram até então, pousando, por último, em Marley. A nova-iorquina engoliu em seco diante da raiva que encontrou no olhar dele e encolheu-se junto a Rachel. - Eu espero que arrume companhias melhores para o seu Verão, Marley...

— Idiota! - Puck resmungou enquanto observava o irmão caçula sair do restaurante e marchar pela calçada da avenida. Sam e Finn olhavam para o outro Puckerman com expressões ressentidas enquanto Rachel permanecia calada ao lado de uma Marley assustada com o quase conflito que acabara de presenciar.

O Jake Puckerman que acabara de sair do restaurante não parecia ser o mesmo que fora tão educado - ainda que insistente - ao chamá-la para dançar. Marley estava realmente surpresa pelo que acabara de ver e a sua expressão revelava tudo o que sentia, ao seu lado, Rachel sussurrou acanhada:

— Um dia, Noah contará tudo que acontece entre ele e Jake, você não precisa estragar o seu Verão com esse tipo de coisa...

A expressão de Marley franziu-se ofendida, estava cansada das pessoas escondendo-lhe coisas apenas para que ela pudesse ter algo relevante naquele Verão, ainda mais se tratando de pessoas que ela considerava bastante. Primeiro, foi Rachel com toda a sua bagagem emocional envolvendo Ruby e, agora, Puck com o irmão. Marley não queria que lhe escondessem as coisas, na verdade, era o contrário... Gostaria que todos eles confiassem nela.

Contudo, ela não teve tempo de manifestar verbalmente a sua frustração. Uma mão pesada e calejada pousou momentaneamente sobre seu ombro, chamando a sua atenção. Marley encontrou Dax Clearwood a observando com um sorriso de lado, tranqüilo mesmo diante da confusão que quase estourara em suas mãos. A nova-iorquina corou e abaixou a cabeça, ajeitando os óculos de grau antes de retribuir o sorriso. A risada de Rachel foi ouvida antes de deixá-la com o pai da garota com a qual estava envolvida, Marley engoliu em seco e Dax, divertindo-se com a situação, comentou:

— Os seus amigos não são nada sutis, nem para brigarem e, muito menos, para deixarem-na sozinha comigo...

— Eu sinto muito pela confusão, Sr. Clearwood. - Marley respondeu educadamente, sentindo realmente o que dizia. Ela não queria, em hipótese alguma, transmitir uma impressão ruim àquele homem. Não era como se quisesse agradá-lo e sim, como se quisesse deixar o melhor de si para que ele julgasse se ela valia ou não a pena para Ruby. Dax agitou a cabeça, depois, abraçou-a de lado de forma paternal e acalentadora antes de continuar:

— Vamos deixar de lado o uso de vocativos importantes, tudo bem? No mais, eu conheço Rachel e os meninos por tempo o bastante para saber como eles são... E, que fique entre nós, eu só intervi porque tenho certeza que a minha filha detestaria vê-la com Jake Puckerman e ela não está aqui para tomar alguma atitude.

A vergonha que preenchia Marley praticamente evaporou quando ela escutou que Ruby não estava no restaurante, momentaneamente, pensou nas piores hipóteses que pudessem ter levado a californiana a não estar ali, naquela manhã. E Dax pareceu perceber toda a sua preocupação porque, enquanto a guiava até o bar, parou e disse tranquilamente:

— Tivemos um problema com o Mustang pela manhã e como Ruby absolutamente ama aquele carro, eu deixei que ela cuidasse dele enquanto eu me viro com o restaurante.

— Ah sim... - Marley sempre deixara suas emoções muito claras em suas feições e, agora, o que elas passavam era decepção. Ela queria encontrar Ruby naquele dia, ainda mais depois de como passaram o dia de ontem juntas. Na verdade, Marley começava a acreditar que ela passaria todos os dias de seu Verão e muitos outros além deles, com Ruby.

Dax, por sua vez, não conseguiu conter o sorriso realizado ao ver os sentimentos de Marley por sua filha, tão impressos nas belas feições da nova-iorquina. Era evidente que ela estava desapontada e que, acima de tudo, sentia falta de Ruby. Os olhos do homem localizaram um dos jovens garçons que ficara encarregado de seu pedido e ele acenou para o garoto que, rapidamente, trouxe a embalagem, depositando-a sobre o balcão.

Marley estava distraída para perceber o embrulho e o delicioso cheiro que vinha de dentro da embalagem. Dax alcançou-lhe a mão, atraindo, novamente, sua atenção. Em seguida, piscou brincalhão para ela e aconselhou:

— Inclusive, eu estava prestes a levar um almoço para ela. Contudo, você sabe que o restaurante está cheio e que alguém precisa ficar para mandar nisso aqui... E, além disso, eu tenho certeza que ela prefere que o almoço chegue por suas mãos e não pelas minhas.

A nova-iorquina voltou a corar, mas, dessa vez, um sorriso gigantesco e genuíno iluminava o seu rosto e os seus olhos azuis claros. Dax sorriu para ela, acenando com a cabeça antes de assobiar, atraindo a atenção de Rachel e dos outros que estavam em uma mesa próxima, no interior do salão climatizado. A morena foi a primeira que chegou à mesa e olhou de um para o outro, a expressão risonha e curiosa. Dax apontou para Marley e disse:

— Se você levar a Srta. Rose para Ruby, o seu almoço e dos meninos é por conta da casa, Rach.

Rachel bateu continência antes de gritar pelas chaves do Jeep a Puck que, sem pestanejar, jogou-as para ela. Depois, Rachel apanhou a mão de Marley e a puxou para fora do restaurante, mal dando tempo para que ela apanhasse a embalagem com o almoço de Ruby.

As duas entraram no carro, ambas com sorrisos imensos nos lábios que praticamente eclipsavam qualquer aura de desentendimento que ainda pudesse existir entre elas. Rachel ligou o carro e o acelerou, Marley gargalhou para a atitude dela e elas se olhararam. A morena tinha um olhar orgulhoso e bastante emocionado, de forma que o castanho brilhava ao contemplar o azul claro. Elas só romperam o contato visual quando entraram na avenida quando Rachel segurou a mão livre da amiga e disse, com os olhos no tráfego:

— Eu estou muito feliz por vocês.

Marley olhou para Rachel quando ela não a olhava e sorriu. Um sorriso que denotava que tudo estava bem e, essencialmente, que ficaria bem.

Fosse o que tivesse existido entre elas, passara.

E tudo acabara de ficar bem.

Ruby escutou os sons do motor que parara na frente da casa, além da garagem onde trabalhava. Porém, ela não ergueu os olhos - muito menos, a cabeça - de dentro do motor do seu Ford Mustang 1968. Ela sabia que não era nenhum gênio da mecânica e também sabia que a presença do seu pai ajudaria e muito no conserto de mais um problema no carro que tanto amara...

Contudo, o seu pai decidira que ela precisava criar um vínculo ainda maior com o carro que estava na família há anos e era exatamente por isso que ela estava ali, em pleno dia de trabalho, suja de graxa até a altura dos cotovelos, tentando entender o motivo do Mustang ter deixado-a na mão, mais uma vez.

Ruby teria chutado o carro se ele não fosse tão importante para o seu avô, para o seu pai e para ela mesma.

A californiana tentou se focar na música que tocava através de um antigo rádio que ela e o pai mantinham na garagem, justamente para momentos como aquele em que precisavam resolver os problemas que o tão amado Ford Mustang 1968 insistia em dar. Era uma banda não muito nova, com uma música que não lhe era desconhecida. Ruby se viu remexendo-se ao som inconfundível das notas de uma guitarra, era mais um balançar de corpo do que uma dança, mas, ajudava a dispersar a frustração das últimas horas.

— Ainda não descobri o problema, papai! - Ruby gritou por cima do ombro, tocando as superfícies metálicas do motor, tateando a procura de alguma imperfeição enquanto escutava, por cima da música, os passos atrás de si. Uma sombra desenhou-se sobre o seu corpo, obscurecendo a visão do carro. A californiana alcançou a flanela de algodão para remover o excesso de graxa em mãos e virou-se, com os olhos ainda no motor. - Eu não consigo visualizar algo, superficialmente. Eu acho que é algo mais complicado, talvez, seja hora de levá-lo para um mecân...!

Quando os olhos azuis finalmente desviaram-se do motor, eles não encontraram Dax Clearwood atento as suas explicações e sim, Marley Rose olhando do carro para Ruby, as pupilas também azuis ligeiramente dilatadas e a expressão cômica, dividida entre surpresa e nervosismo.

Ruby sorriu, mais para si do que para Marley. Era evidente que a nova-iorquina estava deslocada, sem saber como reagir e a californiana amava ser capaz de causar esse tipo de efeito na outra. Geralmente, as pessoas se aproximavam dela por sua aparência e ficavam pela sua tranqüilidade e “deboísmo”. Ruby sabia atrair pessoas e sabia fazê-las ficar sem cobrar algo... Porém, com Marley, ela queria cobrar algo porque sabia que as duas poderiam ter algo maior do que tudo que tinha vivido até então.

E uma reação daquela era especial, porque evidenciava que elas ainda poderiam surpreender uma a outra. O encanto primário desaparecera, mas, elas estavam em um estado secundário que poderia marcá-las, intensamente, uma na outra. Ainda existia mais a esperar por elas.

— Desculpe, eu não queria atrapalhar... Mas, o seu pai pediu para que eu viesse aqui, trazer o seu almoço. - A voz era firme, mas, o rubor nas bochechas de Marley entregava o quanto aquele encontro mexia com ela. A nova-iorquina deu um passo inseguro para frente, ainda mantendo uma distância segura entre elas e estendeu o embrulho que tinha em mãos.

Ruby não se aproximou de imediato, sorriu grandemente e inclinou a cabeça, contemplando Marley.

Depois de segundos, de olhares intermináveis e significados passando através delas, Ruby finalmente se aproximou e apanhou o embrulho em mãos. Marley sorriu discretamente para a californiana enquanto essa se deixou segurar o embrulho enquanto, ao mesmo tempo, sentia o calor da nova-iorquina se propagar pelo toque delicado e passageiro entre os seus dedos e os dela. Naquele instante, Ruby experimentou as mais diversas sensações, da felicidade plena à paixão elétrica, todas elas gratificantes e extasiantes, todas elas provocadas unicamente pela presença surpresa de Marley naquele fim de manhã.

O silêncio entre elas perpetuou, sendo interrompido pelos passos de Ruby que se destinaram à mesa de madeira rústica da garagem, onde ela depositou o embrulho. Marley a observava, a californiana podia sentir os olhos azuis claros atentos aos seus movimentos e eles não incomodavam, Ruby sorria para a ideia de ser objeto de atenção de uma garota que a arrebatara por completo. A mais velha voltou a se aproximar do carro, mas, dessa vez, não dedicou sua atenção a ele.

As costas de Ruby encostaram-se à lataria, onde ela se apoiou para observar Marley que, agora, ajeitava os óculos e respirava profundamente. Os braços bronzeados da californiana cruzaram-se na altura dos seios, ela não estava na melhor de suas aparências, com a regata branca suja de graxa, assim como algumas partes de seus braços, sem contar os shorts jeans surrados e manchados de óleo e os cabelos mal presos. Na realidade, Ruby estaria envergonhada se fosse qualquer uma de suas conquistas de Verão... Mas, era Marley e essa era... Diferente.

— Você veio aqui só trazer o meu almoço? - Ruby perguntou interessada, arqueando a sobrancelha dourada para o rubor que tingiu as bochechas de Marley mesmo sem que ela terminasse a pergunta. A nova-iorquina sorriu mesmo assim e deu um passo à frente, o som do motor do jipe sendo ligado novamente e arrancando, na frente da casa, chegou aos ouvidos das duas. Elas se olharam, novamente, os significados voltaram a preencher os espaços entre elas.

Surpreendentemente, não foi somente o silêncio que se encaixou entre elas. Marley continuou a se aproximar, de cabeça baixa e ligeiramente ruborizada até que o seu corpo invadisse o espaço pessoal de Ruby. A californiana sentiu o cheiro, ao seu redor, mudar... Não era mais feito da acidez vinda da graxa, nem do enjoativo do óleo. Era o perfume doce de Marley, juntamente com um cheiro mentolado, vindo da expiração dela. Ruby sentiu-se envergonhada, sabia que transpirara e que não estava lá muito limpa, contudo, isso parecia não importar para Marley.

Próximas, Marley finalmente a alcançou. Os braços da nova-iorquina envolveram a delgada cintura de Ruby. A mais nova finalmente ergueu os olhos azuis que haviam escurecido e estavam cheios de coragem, elas estavam próximas e o sorriso fácil desaparecera dos lábios rachados de Ruby. A californiana estava surpresa com a atitude e, essencialmente, hipnotizada por aquele magnetismo desconhecido até então.

— Eu acho que você sabe a resposta para a própria perguntar, Clearwood. - Marley respondeu com um sorriso sedutor antes de se aproximar e tomar os lábios de Ruby nos seus. A californiana não teve tempo de pensar e somente, de reagir.

E ela não teve problema algum em reagir, a espontaneidade sempre fora o seu trunfo e, agora, parecia ser a melhor resposta.

# # # # #

O jipe percorria a avenida à beira da praia na velocidade em que o trânsito se arrastava, em qualquer outro dia - e talvez, em qualquer outro ano - Rachel estaria profundamente irritada com a morosidade do engarrafamento que começava a tomar conta da via... Porém, muitas coisas mudaram na morena desde o começo daquele Verão e, nesse ano, ela apreciava a lentidão de coisas porque essa trazia consigo a promessa de que aquelas férias poderiam durar mais tempo.

Rachel sabia que aquele pensamento era absurdo, ela sabia, mais do que ninguém, que o tempo era cruel com qualquer um, independente de quais fossem as suas ânsias e desejos. O tempo poderia passar em um segundo e levar tudo, exatamente como uma onda em uma furiosa tempestade tropical. A natureza do tempo era imutável, enquanto a forma como ele passava pudesse adquirir qualquer intensidade... Rachel só desejava que, daquela vez, o tempo fosse generoso e, principalmente, bondoso com ela.

A sua cota de tempos passados velozmente se esgotara e não gostaria de ser submetida à tempestade emocional que vinha junto com isso.

Por isso, mesmo com o jipe parando mais do que deveria, em momentos que sequer existiam sinaleiros para a pararem, Rachel permaneceu tranqüila. Os olhos castanhos, encobertos pelo Ray Ban Aviator escuro, observavam a praia quando o trânsito parava. Uma das mãos mantinha o volante em posição enquanto a outra flutuava no ar, repleto de maresia e fresco, ela brincava com as correntes preguiçosas dos ventos, deixando os seus dedos sentirem cada aspecto do que a cercava.

O Verão, por si só, era uma estação preguiçosa, mesmo em Santa Monica. Rachel conhecia o ritmo acelerado de New York e até gostava dele, mas, precisava daquela mansidão que só encontrava na Costa Leste do país. Santa Monica sempre seria o seu porto seguro, mesmo que o seu lar fosse do outro lado do país.

E quando ela pensava em segurança, ela já estava acostumada a relacionar a palavra - e a sensação - a Quinn. Poucos eram os dias que se conheciam, menos ainda eram as horas que passaram juntas, mas, muito era o que sentia quando estava ao lado da loira tímida, apaixonada por fotografia e que a encantava pelo otimismo com o qual encarava a vida.

Rachel costumava manter-se distante de garotas como Quinn porque elas significavam compromisso e a morena não pensava nisso quando estava de férias e buscava liberdade. Entretanto, era inútil lutar com algo que vinha de dentro, com algo que existira desde o primeiro momento, mesmo que elas tivessem começado na noite anterior. A morena sabia que não era capaz de resistir ao que sentia porque ele já se instalara e permanecera dentro de si. Ela não se lembrava de sentir-se daquela forma, não recentemente.

Poucas pessoas a amaram, depois do que acontecera. E, para ser sincera, a morena sabia que não merecera devido ao que se tornara... Ela tinha consciência da pessoa ruim em que se tornara depois que o tempo, rudemente, passou rápido demais e tirou muito dela. Porém, Rachel também não se esquecia das palavras dela.

O que aconteceu comigo não é uma espécie de punição, nem para mim e nem para você, estrelinha... A vida ainda lhe dará muito e eu espero que você esteja disposta a aceitar.

Ela não pensava naquelas palavras há muito tempo, tampouco lembrava as estrelas douradas que, por tanto tempo, guiaram as suas metáforas e os seus sonhos. Contudo, Quinn trouxera tudo de volta, relembrando como tudo aquilo era importante. Rachel voltou a olhar para o céu, em busca das estrelas enquanto reencontrava a felicidade com os pés fincados a terra.

A morena ainda se achava extremamente sortuda pelo que a vida estava lhe dando e não duvidava, não agora, que ela, onde estivesse, estava intervindo para que  voltasse a ser feliz.

Ela prometera ficar de olho, afinal.

Por debaixo das lentes escuras dos óculos de sol, os olhos castanhos brilharam sem perder a quentura que sempre carregaram. Quando o trânsito andou, sobressaltando Rachel de seus pensamentos saudosos, ela surpreendeu-se ao estar, novamente, em frente ao “Jewelry of The Coast”. As mãos no volante guiaram o jipe até o estacionamento e ela suspirou quando o automóvel parou de tremer debaixo do seu corpo, ela saltou para fora com um sorriso no rosto.

Feliz por estar ali, feliz pelo Verão, por Quinn e por Marley.

Com o coração cheio e quente, ela entrou no restaurante, sendo bem recepcionada pelo ambiente climatizado. Rachel retirou os óculos escuros, prendendo-os na gola da camisa enquanto procurava os rapazes no mar de cabeças no restaurante cheio. A primeira que encontrou foi a de Finn, mesmo sentado, ele conseguia se destacar de qualquer ser humano de altura normal. Ela rumou em direção aos rapazes, Puck, que estava sentado de frente para ela, foi o primeiro a vê-la. O bad boy tinha a boca cheia do que parecia ser batata frita e burritos, ela não precisou esperar para ver que a mesa dos rapazes era uma das mais cheias do local, repleta de quase tudo que existia no cardápio.

Dax sabia tratá-los bem, ainda que, nem sempre, eles merecessem.

Próxima o bastante, Rachel jogou a chave para Puck que, desajeitadamente, a apanhou no ar. Sam e Finn pareciam entretidos em alguma discussão, porque não perceberam que ela chegara e mesmo quando ela sentou-se ao lado de Puck, ela conseguiu escutar o grandalhão chiar, indignado:

— (...) Eu não sei se sou capaz de agüentar Jacob, de estresse, basta toda a confusão que a nossa participação no festival dará!

— Festival? - Rachel perguntou intrigada, finalmente, chamando a atenção para si. Puck, ao seu lado, abaixou a cabeça de uma forma que a morena teve certeza de que não gostaria da resposta que viria a seguir. Sam corou furiosamente e abriu a boca para dizer algo, as palavras perdendo-se antes que ele pudesse dizê-las. Finn engoliu em seco, olhando de Puck para Rachel antes de apanhar um imenso taco de frango com pimenta caiena, colocando-o inteiro na boca para mantê-la ocupada. - Tem algo que eu deva saber?

Nenhum deles respondeu de imediato, o que só aumentou a certeza de Rachel de que ela detestaria a resposta. A morena sentiu que parte do calor instalado em seu peito perdeu a intensidade, contudo, ela não o deixou esfriar ainda mais. De certa forma, Rachel gostava do que sentia agora e não queria que aquilo acabasse. Sam pigarreou e tomou o que restava de sua cerveja, ele ajeitou o chapéu que usava naquele dia, um Trilby, e respondeu desconfortável:

— Eu não sei nem por onde começar, Rach...

— Pois, eu sei! - Puck interrompeu de imediato, impaciente, ainda que o seu desconforto com a pergunta fosse tão evidente quanto o dos outros dois. Rachel o encarou, atitude que empalideceu o bad boy. Ele conhecia aquele olhar e agora, temia absurdamente diante de como a sua melhor amiga poderia reagir. Contudo, não havia saída. Os garotos sabiam que aquele momento ia chegar. - E, sobre o festival... Nós resolvemos participar e nos inscrevemos como uma banda.

— “Nós” não é, exatamente, a forma ideal de se referir a isso, Puckerman. - Sam bronqueou com um revirar de olhos, antes de apanhar uma batata frita e engoli-la, a seco. Finn continuava calado, lambuzando-se de guacamole para manter-se ocupado enquanto Puck encarava Rachel, tentando deduzir o que ela sentir a partir do que demonstrava. A morena não era uma pessoa fácil de ler, sobretudo, porque ela sabia dissimular as suas emoções e era isso que ela fazia agora.

Rachel não conseguia definir o que sentia. A sua expressão fechada também não ajudava. A primeira sensação que se fez presente era a da traição, os garotos a inscreveram em um festival de música sabendo muito bem o que aquilo significava para ela. Em seguida, veio à preocupação em relação a Marley. Será que a sua amiga sabia o que eles estavam aprontando? A mais nova não lidava muito bem com público e mesmo que cantasse muito bem, tinha medo da opinião dos outros. A morena estava imersa em seus sentimentos conflituosos até que foi trazida de volta pela voz culpada de Puck:

— Eu que inscrevi todos e não tive intenção de magoar alguém. Eu só queria ter algo que marcasse esse Verão e o diferenciasse de todos os que vivemos juntos. Poxa, nós ainda podemos ganhar com isso! Sempre fomos bons e com Marley podemos...!

— Marley? Ela concordou com isso?! - Rachel perguntou alarmada, sentindo a traição crescer em seu peito, esmagando o calor que ela lutava, bravamente, por manter. Ela não queria destruir as férias dos seus amigos, mas, Puck sabia, mais do que ninguém, o quanto custava a ela manter-se na música, ainda doía, por mais que já fizesse anos desde que a vida dela se transformara. A morena não sabia se estava pronta, não para algo daquele tamanho. Finn engoliu a imensa quantidade de comida que tinha na boca e tomou um gole de água antes de, enfim, intervir:

— Ela só entrará nessa roubada se você aceitar, Rach... Por mais idiota que Puckerman seja, ele não quis magoar vocês. Ele só foi o Puckerman idiota e impulsivo de sempre.

A expressão de Rachel amenizou-se diante das palavras de Finn, o grandalhão arriscou um sorrisinho de lado, culpado, que ela recebeu e retribuiu. Ela e Finn percorreram um longo caminho até, finalmente, chegarem à amizade e Rachel se dispusera a isso, sobretudo, porque ele era sincero e confiável. Finn não era capaz de fazer alguma maldade e ela acreditava nisso, de forma que acreditava nas palavras dele e na desaprovação nos olhos claros de Sam. Porém, o que mais lhe incomodava era, justamente, a impulsividade de Puck.

Nesse ponto, os dois eram bem parecidos e Rachel sabia que, provavelmente, seria capaz de fazer algo do tipo se estivesse no lugar dele. Ela também sabia que ele não fizera por mal, contudo, não deixava de incomodar ainda que não machucasse como ela esperava. Era mais um desconforto, algo que se assemelhava ao medo. Ela não estava com medo por levar a música a um patamar até então impensável, estava com medo de falhar nessa proposta. A morena suspirou e, olhando para Puck em especial, respondeu o mais neutra que pode:

— Eu não estou chateada com vocês, mas, preciso de um tempo para pensar nisso tudo... Um tempo sozinha. É muita loucura, mesmo para mim e vocês.

Ainda que os olhos castanhos estivessem distantes, Rachel conseguiu sorrir antes de se levantar e caminhar a esmo para fora do restaurante. Ela pode sentir os olhos dos rapazes em suas costas, podia discernir a preocupação de Finn e Sam assim como o arrependimento de Puck... Mas, não foi muito longe porque a ideia de levar o que sabia e lhe fora ensinado para outras pessoas a seduzia. Ela ficou na varanda do restaurante, sentada em uma mesa, sozinha, pensando em como aquela ideia era maluca e inconseqüente.

Ela ficaria feliz com aquilo, Rachel sabia disso.

E foi esse pensamento que se sobrepôs à suposta traição e confusão, a felicidade parecia ser a palavra de ordem naqueles últimos dias e Rachel escolhera ser feliz há muito tempo, naquele Verão.

Existe alguma razão plausível para que você não esteja atendendo aos nossos pais? Se sim, me diga, por favor. Eu já não aguento mais os dois me ligando para reclamar de você.

Essa era a primeira mensagem que Quinn lera naquele dia, ela ignorou todas as oito anteriores, vindas do seu pai e de sua mãe, em revezamento. Contudo, aquela era de Frannie e mesmo sabendo que o conteúdo era o mesmo dos anteriores, ela sentiu necessidade e obrigação de lê-la. Afinal, não eram os seus pais e sim... Frannie. A irmã mais velha que a ofuscara na maior parte da vida, mesmo que isso fosse mais culpa dos pais de ambas do que dela. O exemplo que Quinn tentou seguir, fracassando miseravelmente. A garota com quem a loira tinha uma estranha relação de “inimizade fraterna” e que, mesmo assim, ela confiava.

Frannie era diferente de Russell e Judy Fabray. Quinn ainda não colocara o amor da irmã à prova - ainda mais com tudo que enfrentara naquela manhã, na conversa com Santana - mas, não ousava postá-la no mesmo patamar dos pais. Se ela mesma, Quinn, não saíra alguém como os seus progenitores, ela esperava que a influência deles sobre Frannie também falhasse.

O celular nas mãos da loira tremia discretamente, ela procurava disfarçar os nervos porque estava no carro, juntamente dos seus amigos. Quinn não queria que eles se preocupassem, ela não queria que a angústia vista nos olhos escuros de Santana fosse refletida nos claros de Kurt e Brittany. Aquelas férias eram para ser especiais e ela não deixaria que seus pais, a mais de dois mil quilômetros de distância, estragassem tudo.

Sem mencionar que aquele era um problema somente seu, os seus amigos já fizeram o bastante ao respeitar o tempo dela e deixar que ela se encontrasse, mesmo sabendo onde ela, de fato, estava o tempo todo.

Por isso, Quinn voltou a bloquear a tela do celular enquanto pensava numa resposta. Os seus olhos verdes brilhavam debaixo das lentes escuras dos óculos, a cor deles, naquele dia, refletia a esmeralda, era sempre assim quando ela estava diante de algo que a estressava ou incomodava, era como se essas emoções negativas trouxessem a energia fria que ela tinha dentro de si, algo que deixava os seus olhos - naturalmente cálidos e levemente dourados - muito parecidos com os do seu pai.

Santana não podia ver através de lentes de óculos escuros, ainda mais pelo retrovisor do carro, contudo, Quinn sentiu os olhos da latina sobre si enquanto ela disfarçava orientar-se no trânsito para observá-la. A latina carregava, novamente, aquele tipo de preocupação que lembrava o que uma mãe poderia sentir. A conversa da manhã fora avassaladora, demolira barreiras e fragmentara certezas, porém, Quinn sentia que estava segura naquela terra desolada, ela só tinha que se acostumar... Não havia muito que quebrar quando, na verdade, não se possuía muito a ser quebrado.

Talvez, fosse prepotência culpar os pais das escolhas que tomara, mas, Quinn sentia-se daquela forma. Ela sufocara quem era com o que fizera por eles e nada daquilo valera à pena... Não quando a sua paixão não estava no que fazia e o que amava escondia-se na fachada que, por tanto tempo, construíra para eles.

Ela vivia para os pais e aquele Verão era a chance de viver somente para si... E, o mais importante: Rachel era a sua chance de viver algo, sem precisar esconder quem era.

O carro foi desligado e Quinn teve os seus devaneios atingidos pela onda da realidade, refrescante diante de pensamentos tão agressivos e sufocantes. Ela desceu do carro, sorrindo para a conversa de Kurt e Brittany sobre as compras feitas mais cedo, os dois simplesmente não pararam de falar sobre isso desde que chegaram. Ela caminhou atrás deles e Santana a esperou, juntando-se a ela. A latina simplesmente a abraçou de lado e apertou-a, a forma silenciosa e meio sem jeito de Santana Lopez dizer que se importava e estava ali.

Quinn, silenciosamente, agradeceu. Ela não sabia se poderia lidar com mais palavras naquele momento, não quando tinha uma mensagem para responder.

E foi justamente isso que ela fez, enquanto era levada para dentro do “Jewelry of The Coast” pela amiga, Quinn voltou a apanhar o celular no bolso traseiro da bermuda branca que usava. Naquele dia, era usava uma camisa por cima de uma regata, não estava frio, mas, ela gostava do resultado. Santana ainda a amarrara a barra, de forma que não parecesse com o que a Quinn de Yale usava. A loira sentia-se bem daquela forma, como vinha se sentindo em boa parte daquele Verão.

Eu não podia atendê-los quando ligaram, estou de férias... Quero aproveitar o máximo que puder, mas, diga que está tudo bem e que logo retornarei.

Quinn ficou satisfeita com o tom despreocupado adotado na mensagem, ela precisava mentir tão bem quanto mentira por boa parte da vida para si mesma. Portanto, quando finalmente voltou a erguer os olhos, ela já estava dentro do restaurante, suspirando aliviada para a climatização do local e seguindo os seus amigos que já se sentavam em uma mesa aos fundos.

— Vamos querer uma porção de tacos e sucos... Limão, laranja, morango e abacaxi, por favor. - Santana fazia os pedidos quando Quinn se sentou em frente a ela, do lado de Kurt. A latina e Brittany tinham uma visão da varanda enquanto os outros dois estavam voltados para a movimentação do restaurante, o bar no centro, especificamente. Os olhos claros de Kurt vasculharam o local e ele deu voz à indagação de todos na mesa:

— Vocês viram Ruby por aí?

— Não... E eu admito que o restaurante perdeu um pouco do charme sem ela aqui. - Brittany respondeu ligeiramente triste, por mais que ela tivesse ciúmes das atitudes da namorada perto da californiana, ela admitia que Ruby era uma boa pessoa. O carisma da dona do restaurante era enorme. Os olhos azuis claros semicerraram-se enquanto ela acompanhava a movimentação de um homem que vinha até a mesa. Santana, ao seu lado, fazia caretas para a varanda. Quinn não entendia a atitude das duas, muito menos, Kurt.

O homem chegou à mesa com um sorriso contagiante, o mesmo sorriso com o qual Ruby os receberia se estivesse ali. Era ele quem trazia a porção de tacos. Os quatro notaram ainda mais semelhanças entre ele e Ruby, nos olhos e na aura californiana que ele passava. A porção de tacos foi colocada no centro da mesa enquanto ele, educado e animado, dizia:

— Sejam bem-vindos ao “Jewelry of The Coast”! Sou Dax Clearwood e peço desculpas pela ausência da minha filha, mas, tivemos uma emergência familiar e ela precisou se ausentar para resolver!

— Filha? Você é o pai de Ruby Clearwood? - Santana desviou os olhos da varanda e perguntou abruptamente impressionada, ligeiramente boquiaberta. O homem era muito bonito e agora, era compreensível da onde vinha todo o magnetismo que Ruby exercia. A latina suspirou e Quinn soube que o comentário a seguir deixaria todos, possivelmente, envergonhados. Esse era um daqueles momentos em que Santana Lopez perdia o filtro. - Agora, eu entendo da onde vem tudo aquilo na Ruby...

— Santana! - Kurt chamou a atenção da amiga, ruborizando até o pescoço e levando a mão à testa em um gesto de reprovação, Brittany divertia-se, apanhando um taco e dando uma mordida entre risadinhas. Quinn também riu, bebericando um pouco do seu suco de morango. Dax não pareceu incomodado com o comentário desavergonhado, ele riu roucamente e acenou com a cabeça, antes de responder:

— Obrigada, senhorita. Eu deixarei que a minha filha saiba da sua observação só que não posso garantir-lhe nada porque ela está muito bem acompanhada nesse momento.

— Eu também, senhor... - Santana corava, contudo, sorriu agradecida antes de colocar o braço sobre o espaldar da cadeira de Brittany. Essa loira corou levemente antes de limpar a boca e beijar a bochecha oliva da latina. Quinn revirou os olhos para a fofura das duas enquanto Kurt simulava uma ânsia de vômito, Dax riu para o quarteto enquanto Santana se recompunha do que Brittany sempre lhe provocava, fosse com um beijo inocente como aquele ou com algo mais quente. - A sua filha é... Bem... Eu acho que o senhor sabe muito bem como ela é.

— Eu sei, acredite. Afinal, quem cuidava das conquistas amorosas dela, durante a fase quebradora de corações, fui eu. Eu sei muito bem o efeito que ela tem nas pessoas. - Dax tornou a responder bem humorado, arrancando sorrisos de todos na mesa. Em seguida, ele fez um sinal com o polegar para uma mesa atrás deles e os quatro acompanharam o seu gesto. Finn, Sam e Puck acenavam animados e eles cumprimentaram de volta. Um buraco tomou conta do estômago de Quinn quando ela viu que Rachel não estava entre eles, era como se algo tivesse sido arrancado de dentro dela. O celular voltou a vibrar e, para se distrair, Quinn o apanhou. - Eu só vim até aqui para cumprimentá-los porque os meninos me disseram que vocês são amigos de Ruby, se precisarem de algo, podem me chamar!

Quinn escutou Dax se afastar e, também, a movimentação de todos para bebericarem o suco e atacarem os tacos enquanto lia mais uma mensagem de Frannie.

Vou repassar o recado, mas, fale com eles, Quinnie... Eles são nossos pais, afinal.

Kurt falava sobre a simpatia dos californianos e a voz dele parecia distante das demais. Quinn ponderava as palavras da irmã, ela não tinha uma resposta para aquela mensagem. Por mais que os seus pais fossem os seus pais, eles não agiam daquela forma... Era mais como se ela fosse algo que eles geraram e que poderia trazer vantagem a eles, se fosse usado da forma certa. E levando em conta o envolvimento de seu pai com a política, era bem capaz que isso que sentia fosse real. Russell e Judy poderiam ter gerado Quinn, mas, ela sentia como se eles fossem tão distantes dela como a Califórnia era de Connecticut.

Mais uma vez, o celular deixou as mãos de Quinn sem uma resposta. Ela procurou se concentrar no presente já que, por mais que essa Quinn do Verão em Santa Monica permanecesse, ela só lidaria com isso e os pais no futuro. O que importava era o agora e ela estava pronta para enfrentar o olhar reprovador de Santana quando percebeu que a amiga ainda fazia caretas estranhas para a varanda, Quinn apanhou um dos tacos e virou-se para onde a amiga olhava, não encontrou algo que fosse digno de observação e, ao voltar-se para a latina, essa tinha uma cara entediada e revirava os olhos.

Quinn deu de ombros e abocanhou os tacos, enquanto, ao seu redor, Santana e os outros dois conversavam. Nenhum dos três preocupou-se em chamá-la para conversa porque, pela conexão que diviam, sabia que Quinn estava em um dia em que o silêncio era o seu melhor amigo. A loira tinha daqueles momentos, ainda mais depois de grandes acontecimentos e eles deduziam que o encontro com Rachel fora algo grande.

Assim como a ausência da morena no restaurante, naquele momento, também era algo enorme facilmente percebido. Nenhum dos três falaria sobre isso com Quinn, não agora.

Assim, eles almoçaram. Quinn, com um imenso buraco no estômago, provocado pela decepção por não encontrar Rachel e nem ter algum contato dela e, com uma discreta dor de cabeça pelas amarras de seus pais começarem a segurá-la ali, na California, não comeu muito. Ainda assim, ela estava prestes a aceitar a sobremesa que Santana praticamente enfiava em sua boca quando escutaram um pigarro seguido de uma voz com a qual Quinn se familiarizara no dia anterior e que ela esperava ouvir pela infinidade que poderia significar um Verão:

— Olá, pessoal... Peço desculpas por interromper o almoço de vocês.

— E eu digo: até que enfim! - Santana bronqueou de forma jocosa, sorrindo sarcasticamente para Rachel que a fuzilou com os olhos castanhos. Quinn já encarava a morena que, naquele dia, estava radiante com os cabelos presos. A expressão ofendida de Rachel desapareceu em um sorriso que ela dedicou a Kurt e Brittany, deixando Quinn por último. A loira de olhos verdes já estava corada naquela altura e Kurt a cutucava nas costelas, excitado. Quinn sorriu de volta, o buraco dentro de si preenchido por um calor escaldante, transbordando, desaparecendo com qualquer mal estar que ela pudesse sentir naquele momento. Rachel suspirou e disse charmosa:

— Como eu estava dizendo, desculpe interrompê-los... Mas, se estiverem terminado, eu gostaria de conversar com Quinn a sós.

— Ela terminou, na verdade, ela nem almoçou! - Kurt respondeu por Quinn, praticamente empurrando a amiga para fora da cadeira. A loira, atrapalhada, quase caiu e, novamente, foi segura pelos braços de Rachel que, mesmo sendo menor, sustentou o corpo pálido em meio a uma risada rouca. O perfume cítrico da morena, assim como o toque escaldante, trouxe a sensação de deja vu a Quinn que, dessa vez, relaxou nos braços morenos. Rachel, respeitosamente, afastou-se, mas, manteve uma das mãos no antebraço de Quinn ao perguntar:

— Ótimo... Na verdade, o que acha da nossa conversa ser acompanhada por um sorvete? Eu não me perdoaria por deixá-la sem sobremesa, Quinn...

— Eu tenho certeza que ela adoraria, Berry. Afinal, era para você ter feito isso antes se tivesse levado em conta os meus sinais para você. - Santana respondeu pela amiga, novamente. Kurt sufocou uma risada quando Rachel e a latina cruzaram olhares agressivos, na verdade, passivo-agressivos. Brittany olhava de um lado para o outro, divertindo-se com a situação antes de completar, gentilmente:

— Não a traga antes do fim do dia, Rach.

Rachel bateu continência com um sorriso de uma potência jamais vista, Quinn não pode deixar de observar que a morena realmente brilhava, como uma estrela quando sorria daquela forma. A loira foi conduzida para fora do restaurante e o silêncio entre elas era preenchido com muitas coisas que só vieram à tona quando os seus corpos encontraram o calor do lado de fora e a distância dos amigos que permaneciam lá dentro.

A ausência do toque formigava na pele de Quinn, ela queria aquela proximidade com Rachel de volta, mas, não sabia como pedir. Era tudo muito novo para ela, ainda que ela quisesse, com gana, tudo que pudesse ser seu naquele Verão. Rachel a observava enquanto elas caminhavam pelo calçadão, Quinn podia sentir os olhos castanhos removendo as camadas fundadas pelos seus pais que ela reerguera depois daquelas mensagens... Só que aquelas camadas pareciam tão mais frágeis agora. A vontade de ser alguém de verdade com Rachel veio à tona e terminou o trabalho que os olhos da morena começaram.

Era, novamente, a Quinn do dia anterior, ansiosa por saber mais sobre as constelações desenhadas na pele da estrela que tinha em mãos e curiosa para entender as palavras que pareciam decifrar o mistério que Rachel representava e a atraía. Por isso, Quinn sentiu as bochechas corarem quando, mesmo olhando para os seus pés, teve a coragem de dizer:

— Eu estou muito feliz, agora.

— Mesmo? Posso saber o motivo? - Rachel perguntou estranhamente tímida, por mais que as suas bochechas ainda escancarassem aquele sorriso avassalador que preenchia tudo que havia de vazio dentro de Quinn, a morena deu um leve empurrão no corpo pálido enquanto a loira procurava as palavras. Dessa vez, Quinn parou e ergueu os olhos para Rachel, enfrentando não somente a morena como, também, os seus próprios sentimentos. Era uma luta que Quinn não queria perder e, por isso, cheia de certeza, ela respondeu:

— Eu estou olhando diretamente para ele.

Dessa vez, foi Rachel quem corou e ficou sem resposta. O silêncio era, inevitavelmente, a melhor delas... Elas começavam a sentir muito para ser explicado em palavras.

# # # # #

Marley estava acomodada em um sofá velho que Ruby arrastara pelo local até deixá-lo posicionado de frente para a porta aberta da garagem, ela observava o movimento praticamente inexistente na rua da residência dos Clearwood. Ela podia escutar os sons das ondas devido à proximidade com a praia e fechara os olhos, aquele som começava a agradá-la, assim como muita coisa na California. Marley suspirava quando sentiu os lábios rachados de Ruby sobre os seus, sorriu em meio ao beijo e resmungou quando a mais velha se afastou.

De olhos abertos, Marley observou Ruby saltar o encosto do sofá antes de sentar-se ao seu lado e entregar-lhe um copo de suco. A nova iorquina aceitou de bom grado, o gosto refrescante da laranja aplacou a sua sede e um pouco do calor, ao seu lado, Ruby bebericava a segunda garrafa de cerveja, a primeira foi consumida no almoço. Agora, elas estavam numa pausa após a refeição.

Aquela era uma parte do dia com a nova-iorquina sempre tivera um problema, a sonolência pós-almoço era inevitável, ainda mais nas férias. Os olhos azuis claros voltaram a se fechar e Marley, preguiçosa, grunhiu:

— Por favor, converse comigo ou eu vou acabar dormindo aqui...

— Está insinuando que sou desinteressante, Rose? - Ruby perguntou brincalhona, antes de levar a garrafa aos lábios ao mesmo tempo em que Marley abria os olhos cheios de culpa. A californiana voltou a roubar um beijo dela para indicar que estava tudo bem antes de abraçá-la pelos ombros, Marley escutava as ondas, mas, cheirava à maresia que vinha naturalmente do corpo da californiana. - O que quer saber?

A mais nova afastou-se do abraço, procurando um assunto para falar com Ruby, sabendo que, provavelmente, queria saber tudo sobre ela e, por isso, estava sem saber o que perguntar. Os olhos azuis encontraram os contornos do Ford Mustang 1968 e ela voltou-se para Ruby, sentando-se sobre as pernas e de frente para ela, sorrindo excitada ao perguntar:

— Sobre o carro. Qual é a história dele contigo?

— Como assim? Uma garota não pode gostar de sujar as mãos de graxa de vez em quando? - Ruby estava particularmente espirituosa naquele dia e Marley gostava de pensar que, talvez, o motivo fosse a sua presença. Claro que não tinha confiança o bastante para ter certeza disso, mas, a forma como a californiana a olhava fazia com que acreditasse em qualquer coisa... Até em si mesma. Ruby deixou a garrafa de cerveja no chão ao lado do sofá e a ponta de seus dedos gelados tocou o rosto da mais nova, ajeitando uma mecha loira com carinho. - A história não é só minha, na verdade, é a história da minha família que está atrelada a esse carro.

A resposta de Ruby trouxe mais perguntas à mente de Marley além, obviamente, da admiração. Ela voltou a olhar o carro, observando a pintura preta bem polida e os cromados charmosos e bem cuidados perguntando-se o que todo aquele metal vivera através dos anos para se tornar parte de quem Ruby e sua família eram. Ao pensar na californiana, os olhos de Marley se voltaram a ela, as suas mãos alcançaram as mãos que agora, estavam limpas pela graxa e que, mesmo assim, seguravam aquele odor ácido da substância... Aquele carro era somente mais uma coisa que tornava Ruby irresistível e apaixonante.

— Esse Mustang chegou à família ainda em 1968 quando os meus avós paternos se casaram... Vovô Clearwood enrolara vovó Clearwood por uns bons anos até que ela engravidou e eles foram meio que obrigados a se casarem. - Ruby relembrou com saudade na voz, ela também olhava para o carro e Marley soube de alguma forma que ela conseguia enxergar os avós na lataria daquele carro. Mesmo com os olhos no carro, uma das mãos encontrou a cintura de Marley e a trouxe para perto, as mãos da nova-iorquina encontraram o pescoço bronzeado para massagearam a nuca, prestando atenção na interlocutora, ainda distraída pelas lembranças. - Mas, não pense que vovô Dominic não amava vovó Emerald... Meu avô só era surfista maluco nos anos 60 e minha avó, uma das filhas de um cara que enriqueceu durante a II Guerra e que acabara de chegar a California.

— Amor impossível. - Marley constatou com um sorriso provocado por tamanha intensidade da história que mal começara a ser contada. Ruby acenou de forma positiva para sua constatação e suspirou, inclinando à cabeça em direção ao toque de Marley que riu antes de beijá-la na testa. A californiana também estava incrivelmente carente naquele dia, já perdera as contas de quantas vezes se beijaram ou se abraçaram naquelas poucas horas de companhia. Ruby continuou:

— Vovó tinha um temperamento incrível e foi isso que manteve os dois juntos. Ela ameaçou fugir de casa e até fugiu outras tantas vezes... Nessas fugas, eles usavam o Ford Mustang 1964 do amigo do meu avô e o tempo que eles tinham era tão pouco que esse carro tornou-se o santuário deles. De forma que a primeira coisa a ser feita quando se casaram foi comprar um do mesmo modelo.           

Ruby parou para retomar o ar, a história mexia com ela, Marley percebia. A saudade preenchia os olhos azuis escuros e a nostalgia escorria por suas palavras, contudo, a californiana tinha um sorriso ao contar aquilo. Era um sorriso feito de orgulho pelo que os avós tinham feito para ficarem juntos. Marley esperou até que a outra se recompusesse:

— Uma das primeiras coisas que vovô Dominic me disse quando eu me encantei por um garoto no colegial foi que ele demorou tempo demais para entender que era tudo que vovó Emerald queria e que isso tirou um bom tempo deles, um tempo que ele não sentia falta, mas, que ele gostaria de ter vivido porque, depois de uma vida com vovó, ele queria mais dela. Essas palavras dele não foram passadas somente a mim como, também, ao meu pai. Tanto é que quando o jovem Dax conheceu Sapphire, minha mãe, ele praticamente a pediu em casamento no mesmo instante.

— Eu acho que consigo imaginar o seu pai completamente apaixonado e afobado, lembrando as palavras do seu avô e encurralando a sua mãe em um canto qualquer de Santa Monica. - Marley completou aos risos, tendo Ruby acompanhando-a logo depois e balançando a cabeça, apenas confirmando as suas palavras. Elas riram por alguns segundos até que a californiana retomou o ar e continuou:

— Mamãe também não era daqui, era de Nova York, como você e Rachel. Ela passava férias na California quando conheceu meu pai em Marina Del Rey, ela estava acompanhando uns amigos num passeio de lancha e ele era o mecânico responsável pela revisão do dia... O romance de verão acabou se tornando um relacionamento à distância, mamãe terminou a faculdade de Administração e veio para cá, definitivamente. Eles abriram o restaurante juntos, meses depois. E meu pai levou as palavras do meu avô tão a sério que, reza a lenda dos Clearwood, eu fui concebida no banco traseiro desse mesmo Mustang que hoje, eu conserto.

As gargalhadas voltaram a preencher a garagem, a história era fascinante e era interessante como uma coisa tão trivial quanto o modelo de um carro pudesse ter tanta importância na história de uma família. Marley pensava que, no seu caso, a música se encaixava dessa forma. A sua mãe escutava o rádio com freqüência quando o seu pai as deixara, era uma forma de preencher o silêncio da casa vazia e a música as unira, de forma que hoje, Marley vivia dela. Tanto ela como Ruby eram feitas de algo superior, algo que dava importância a um carro e a uma música...

Elas eram feitas de amor, não havia outra explicação.

— Mamãe adoraria você, provavelmente, ela planejaria nosso casamento quando visse a situação que eu fico quando estou perto de você... - Ruby sussurrou com pesar, Marley não ousou perguntar o que acontecera porque a expressão no rosto da californiana denotava a mesma dor que ela sentia quando se lembrava do pai que pouco conhecera. Contudo, Ruby a surpreendeu com um sorriso ao se aproximar e beijá-la, os lábios rachados tremiam ao fazer isso, como se ela segurasse o choro. - Ela foi embora cedo demais, mas, tem uma parte dela nesse carro, assim como tem muito dos meus avós e do meu pai. Cuidar do Mustang é como me aproximar deles, mesmo com eles tão distantes... Eu sei que parece loucura e besteira, mas...!

— Não é loucura, não é besteira! - Marley apressou-se a dizer, sustentando o rosto de Ruby em suas mãos e olhando fixamente para ela. A nova-iorquina sentia a umidade chegando aos seus olhos e inundando-os, mas, a californiana não precisava que ela chorasse agora. Por isso, Marley estava disposta a entregar a ela o que aprendera a cultivar naqueles anos de ausência do pai. Ela entregou a gentileza, o companheirismo, a compreensão e, sobretudo, uma parte enorme de si. A parte que deixava de ser apaixonada e começava a amar cada porção de Ruby. - Isso é parte de quem você é... E assim como tudo que eu conhecia até agora, é apaixonante e incrível. Você é impossível de não se apaixonar, Clearwood...

— Que bom, porque, assim como meu pai, eu não pretendo perder o tempo do qual meu avô sempre se arrependeu... Eu quero todo o tempo contigo que o mundo puder me dar. - Ruby respondeu com tamanha verdade e certeza que Marley não soube como responder, pelo menos, não com palavras.

A iniciativa daquele beijo veio dela. Era o jeito de Marley de dizer que elas teriam o tempo que fosse e se durasse mais de um Verão - o que ela, silenciosamente, queria - seria bem-vindo. Aquele beijo selava o compromisso de que o tempo reservado a elas seria inesquecível e especial.

E em mais um momento de importância, era o Mustang 1968 que estava presente. No momento, ele estava de capô aberto, mais morto do que vivo, mas, o carro ainda estava ali. A superfície espelhada da lataria refletia o contorno das duas sentadas no sofá da mesma forma que os olhos de avós e mães que partiram há algum tempo refletiriam o que as duas faziam. Era como se olhos invisíveis enxergassem que, mesmo sem dizer, elas acabavam de admitir que se amavam.

 

Os olhos esverdeados brilhavam ao observarem as opções de sorvete através da vitrine, Rachel sorriu para a expressão de ansiedade no rosto de Quinn enquanto esperavam na fila e suspirou para a felicidade que encontrou no sorriso da loira quando, finalmente, ela foi servida com a sua casquinha contendo uma bola sabor pistache e outra, morango.

Uma combinação estranha e surpreendente, Rachel era adepta dos sabores relacionados ao chocolate e, naquele dia, fora servida com flocos e napolitano. Aquela discrepância nos sabores de algo trivial como sorvete acentuava as diferenças entre elas, contudo, Rachel deixara de se importar com isso e tudo que pensava, enquanto seguia Quinn para os fundos da sorveteria e se acomodava numa das mesas, era de que por mais diferentes que fossem... Ainda existia o sentimento que dividiam e as aproximava.

Quinn já tinha uma colher de pistache a caminho da boca quando Rachel pigarreou, chamando-lhe a atenção. A loira corou e olhou, envergonhada, para a outra que a observava com um sorriso delicado, deliciando-se com o napolitano que apenas evidenciava a doçura daquele momento. Os olhos esverdeados semicerraram-se antes de ela, finalmente, continuar o trajeto natural da colher. A morena voltou os olhos para a própria casquinha e comentou divertida:

— Gostaria de elucidar a situação que eu observei ali na vitrine?

— Eu peço desculpas por isso, eu só sou apaixonada por sorvete. Mais do que deveria, mais do que os meus pais gostariam... - Quinn começou a resposta com um sorriso, mas, terminou-a com um revirar de olhos. Rachel logo captou que a razão do desagrado no final vinha, de novo, da relação dela com os pais. Aliás, esse era um assunto recorrente nas poucas interações que tiveram, Quinn incomodava-se com o que dividia com os pais, por mais que disfarçasse muito bem. A morena não sabia se já possuía o direito de se preocupar e, muito menos, de perguntar... Mas, assim o fez antes mesmo que percebesse, novamente, divagara:

— Os seus pais...?

— Eu tive um probleminha de peso quando era pequena, algo que nunca me incomodou e que só passou a incomodar quando a minha mãe começou a apontar, assim como o meu pai... Eles queriam mais uma atleta na família, uma futura líder de torcida, como a minha irmã... - Quinn respondeu rapidamente, de forma impessoal, em uma clara tentativa de afastar-se e defender-se de algo que ainda pairava como um fantasma em sua mente. Rachel sabia muito bem como esse tipo de reprovação marcava alguém, por mais que parecesse segura de si, ela tinha sérios problemas com a sua auto-estima, principalmente, tratando-se de seus traços judaicos. Quinn suspirou, levando mais uma colher de morango à boca. - E bem, eles tiveram uma atleta, ainda que por poucos meses. Eles me enviaram a um acampamento de Verão em que eu emagreci e aprendi a me controlar tratando-se de comida, eles continuaram a me controlar quando eu voltei e assim eu me mantive da forma que sou hoje. Eu realmente gostaria de dizer que resolvi mudar somente por mim, mas, essa é só mais uma coisa que eles gerenciaram na minha vida.

Os olhos verdes não encontraram os castanhos em nenhum momento daquela conversa, algo que fez Rachel sofrer mais do que deveria. Não pelo que fizeram com Quinn e sim, pelo que colocaram nela. Aquela insegurança... Uma garota como Quinn não deveria sentir-se insegura e Rachel gostaria que ela soubesse disso. Mas, a morena não sabia se lhe cabia dizer o quanto ela era incrível e o quanto era especial, Rachel não sabia se era a hora de dizer que Quinn a trouxera de volta para terra firme depois, de tanto tempo, navegar em mar aberto e revolto.

Rachel tinha muito a dizer, poderia monologar como fizera em muitas vezes no passado, mas, não sabia se deveria...

Então, os olhos verdes de Quinn finalmente encontraram os seus escuros. A loira sorriu de lado, um sorriso quebrado que apertou o peito de Rachel, porque tudo que queria era remontá-lo e fazê-lo inteiro novamente. E nessa ânsia de fazer aquela garota sentir o mínimo do que já explodia em seu peito, Rachel alcançou a mão pálida que repousava, ainda segurando a colher, na mesa circular de madeira. A morena soube de imediato que o toque gelado de seus dedos assustou Quinn, mas, não recuou. Pelo contrário, ela agarrou-se ao pouco de pele que lhe era permitido, atraindo os olhos de Quinn, agora dourados pelo sol que os tocava através da janela, para os seus. Rachel suspirou e, como se contasse um segredo, confessou:

Você é uma garota muito bonita, Quinn... A garota mais bonita que eu já conheci. Mas, você é muito mais do que isso e do que os seus pais quiseram que você acreditasse.

— Você não precisava dizer isso... - Quinn resmungou muito corada, tentando esconder a sua vergonha em um sorriso deslocado que só fez Rachel inclinar a cabeça e suspirar, afagando-lhe a mão novamente antes de afastar-se. A loira olhou, distraída, para a própria mão, provavelmente, sentindo falta do toque. Os dedos pálidos batucaram a madeira e Rachel ocupou-se de saborear o sorvete, talvez, Quinn precisasse de um tempo para digerir aquilo... A própria Rachel pensava sobre o que dissera, as palavras vieram fáceis a sua boca porque eram, simplesmente, verdade. - Muito obrigada, não são muitos que me disseram isso.

As bochechas morenas tomaram uma coloração rosada e Rachel se viu sem saber o que fazer em um dos raros momentos em que a sua autoconfiança foi embaralhada por alguém. Os olhos castanhos buscaram Quinn que sorria para o sorvete, mantendo o sorriso quando ergueu o olhar e a encontrou. As palavras faltaram e Rachel balançou a cabeça, desviando os olhos para a vitrine ao lado delas, observando a praia de Santa Monica do lado de fora, tão quente e cheia de luz quanto o que elas dividiam ali naquele canto da sorveteria.

Porém, mesmo que o silêncio parecesse confortável frente ao que elas enfrentaram para conquistá-lo, a mente de Rachel não parava de pensar nas outras coisas que gostaria de dizer a Quinn. Pequenas observações e poucas percepções que ela apreendera naquele pouco tempo em que se permitiram conhecer, tão frágeis que Rachel as mantinha protegidas em um lugar muito próximo ao seu coração que batia acelerado. Essas faziam parte de tudo que ela preservava, com carinho e proteção dentro de si, porque, diferentemente de todas as outras, ela não queria esquecer Quinn Fabray. Ela queria se lembrar, para sempre, daquela garota de Yale que parecia ser feita de gelo à primeira impressão e que se derretia em luz quando se aproximava.

Rachel não queria esquecer a garota apaixonada por fotografia, dona de olhos verdes inquietos e enérgicos, dona de uma beleza clássica e de uma inteligência ímpar. A morena queria ser capaz de dizer, por toda a sua vida, que conhecera uma garota como Quinn Fabray... Alguém que balançou o seu mundo e o trouxe de volta para a órbita normal justamente quando se afastava da estrela celeste.    

Ela não queria afogar-se nas palavras não ditas a Quinn, ainda mais quando o Verão parecia encurtar conforme elas se aproximavam...

— Uma hora, tudo isso que os seus pais valorizam passará e não valerá muito... - A voz de Rachel era carregada de sentimento, de tudo que ela sabia existir dentro de si e que não sabia demonstrar direito, porque era único e diferente, algo que ela ouvira falar e deixara de acreditar que existia. Por mais que ela não deixasse os seus pensamentos a respeito irem muito longe do seu controle, ela desconfiava que, provavelmente, amava Quinn como jamais amara alguém. - E você não precisa temer nada disso. Porque eu tenho certeza que as outras partes de si tornarão você inesquecível, porque foram justamente essas partes que me fizeram ficar e tentar... Seja o que for que eu esteja tentando nesse momento, com você.

Os olhos castanhos brilhavam e desviavam-se de Quinn, procurando-se focar em qualquer outra coisa porque era muito difícil manter-se sã quando o coração batia de encontro aos tímpanos de Rachel, fazendo-se ouvir em meio a qualquer razão. A morena não estava acostumada a usar as palavras daquela forma, geralmente, usava das cantadas feitas ou engenhosas. Ela escondia os seus sentimentos embaixo daquela fachada autoconfiante que fora destruída por Quinn no instante em que se esbarraram, pela primeira vez, no “Jewelry of The Coast”.

E era surpreendente que a demolição do que construíra desde os seus 13 anos não a machucasse e sim, curasse. Rachel reencontrava o seu passado - tão difícil e amargo, um tempo que praticamente definira quem ela era agora - para redefinir o seu futuro. O passado deveria ser deixado para trás, contudo, a morena o abraçava e tentava compreendê-lo como não fizera anteriormente.

Rachel sentiu vontade de chorar, algo que não lembrava ter sentido recentemente. Ela respirou fundo e levantou-se bruscamente, abandonando a casquinha numa lata de lixo antes de entrar no banheiro. Não sabia se Quinn viria atrás dela, não tinha muita noção do que acontecia ao seu redor porque a realidade parecia um eco distante no meio das suas lembranças que ressurgiram em sua superfície, puxando-a para baixo para enfrentá-las.

Você precisará ser muito forte, estrelinha... Eu não ficarei ao seu lado para sempre.

E de fato, ela não ficou. A sua mãe foi embora antes que ela pudesse se despedir, deixando um vazio enorme que ela preenchera com uma Rachel que, depois de agora, ela sabia não existir.

No frio do banheiro, Rachel deixou o seu corpo ser sustentado pela pia enquanto abraçava a si mesma. O calor parecia ter ficado do lado de fora porque tudo que sentia era frio, era o mesmo que sentira no dia em que sua mãe fora embora... O tipo de sensação que ela não queria sentir de novo.

Só que agora, a morena finalmente enfrentava o abandono, a solidão a atingiu em cheio, por mais que estivesse acompanhada até poucos minutos, por mais que estivesse em uma cidade que fervia no Verão... A solidão vinha de dentro, assim como o frio do abandono e a inquietude da saudade. Rachel procurou apertar a si mesma, tentando, ingenuamente, aproximar os pedaços de si que ela sentia espalharem-se aos seus pés.

Uma mão segurou a sua, puxando-a do torpor que a envolvia. A morena voltou à realidade, firmando-se nos olhos verdes para manter-se sã. Aqueles olhos brilhavam tanto quanto os seus, pareciam vívidos agora, feitos de um verde que não se encontrava em qualquer lugar. Rachel olhou para Quinn e reencontrou a segurança, a loira segurou-lhe a mão e remexeu-se incomodada.

Aparentemente, aquilo não bastava.

— Aqui, não fuja. - Quinn sussurrou baixinho, a voz ecoando frágil no banheiro antes de puxar o corpo menor para si, apertando-o junto ao seu. Os braços de Rachel permaneceram erguidos por alguns momentos antes de, finalmente, reagirem. A morena abraçou a segurança que não esperava encontrar naquele Verão e afogou-se na doçura que Quinn exalava, afastando toda a amargura que o passado lhe entregara. O rosto de Rachel encontrou um porto seguro no pescoço de Quinn que, mesmo sem jeito, afagava os cabelos castanhos. As mãos pálidas percorreram o corpo menor, trêmulo e uma delas pousou firmemente sobre a tatuagem, um pouco acima de sua cintura, na base esquerda de suas costas. Quinn queria que Rachel soubesse do que falaria a seguir. - Eu não sei o que aconteceu contigo e sei que eu vou saber quando merecer e quando for a hora... Assim como você sabe que existe mais de mim do que os meus pais enxergam, eu sei que você não pode mudar o seu passado. Mas, também sei que você pode deixá-lo ir para começar o seu futuro...

Rachel apertou-a ainda mais, deixando que uma ou duas lágrimas molhassem a camisa que Quinn usava. Ela não sabia o que viria a seguir e temia o que quer fosse. O seu corpo tremeu nos braços pálidos quando ousou se afastar e se sobressaltou quando a porta do banheiro se abriu.

Elas afastaram quando uma senhora entrou acompanhada da neta. Rachel limpou as lágrimas sob o olhar atento de Quinn, elas não voltaram a se falar. Era mais um daqueles silêncios inexplicáveis preenchidos com mais do que elas poderiam falar.

As duas saíram do banheiro da sorveteria para o sol de Santa Monica e, daquela vez, Rachel não perdeu tempo ao segurar a mão de Quinn. Até mesmo permitiu entrelaçar os dedos aos dela, porque isso tornava o aperto mais firme e a sua conexão ao chão mais real.

Rachel decidiu ficar com aquele presente, com tudo que ele poderia dar. E se isso envolvesse enfrentar o seu passado, ela enfrentaria porque Quinn retribuía o seu aperto... Quinn, diferente dos outros e outras, ficaria.

# # # # #

— O que você pensa que está fazendo? - A voz divertida de Marley provocou risos em Ruby que tentava, sem qualquer timidez, fazer algo mais do que orientá-la no conserto do motor. Em algum momento da tarde, as duas trocaram de lugar após Marley propor que poderia ajudar e agora, era a nova-iorquina quem estava em frente ao motor enquanto Ruby, atrás dela, supostamente guiava as suas ações. Só que a californiana parecia mais concentrada em mordiscar o pescoço da mais nova, além de beijá-lo. Marley encolheu-se ao receber mais uma mordida e virou-se bruscamente, ela tinha o rosto vermelho e ofegava enquanto Ruby lhe sorria, sem vergonha alguma. - Nós não deveríamos estar consertando esse carro tão importante para a sua família?

— Depois de tudo que eu contei a você, eu acho que não preciso explicar que esse carro tem o seu valor, independente de estar funcionando ou não. - Ruby respondeu rapidamente, colocando as mãos na lataria do Mustang, ao lado do corpo de Marley, aprisionando-a ali. A nova-iorquina cruzou os braços e assumiu uma expressão séria antes de sorrir divertida e sedutora, o sorriso que Ruby aprendera a temer no pouco tempo de convivência. Era o mesmo tipo de sorriso que lhe fora entregue quando fora massacrada na sinuca e perdera a aposta, Ruby começava a desconfiar que era o sorriso com o qual ela se entregava completamente àquela musicista com expressão angelical. Marley colocou as mãos nos ombros de Ruby, deslizando-as pelos braços bronzeados antes de firmarem-nas na cintura delgada e aproximar-se, perguntando:

— Quanto mais rápido apertarmos esses parafusos, mais rápido saberemos se funciona e mais tempo teremos para ficarmos juntas se isso se confirmar. Eu só vejo ganho na minha forma de pensar.

— Ou, podemos demorar a apertarmos esses parafusos, enrolarmos nessa garagem e passar muito mais tempo juntas, “consertando” esse Mustang velho e temperamental... - Ruby não estava disposta a perder aquele pequeno debate, por mais que soubesse estar em desvantagem porque não conseguia tirar os olhos da boca de Marley que, naquele momento, decidira arranhar a sua cintura para fazer valer o seu argumento. A californiana grunhiu quando sentiu os pelos de seu corpo se arrepiarem e riu quando a outra escapou de seus braços, posicionando-se atrás de si.

Não existia muita alternativa a não ser obedecer. Ruby amaldiçoava-se por estar tão apaixonada, ao mesmo tempo em que regojizava-se por ser tão sortuda. Ela poderia perder algumas discussões e engolir o orgulho outras vezes se tudo isso fizesse Marley ficar ao seu lado.

Com a chave de rosca em mãos, Ruby concentrou-se em apertar alguns parafusos enquanto checava tudo em que mexera desde então. Os braços pálidos de Marley circundaram a sua cintura quando ela deu todo o serviço por terminado e verificava, pela última vez, se tudo estava no seu lugar certo. A californiana inclinou a cabeça em direção ao rosto da nova-iorquina as suas costas e sussurrou charmosa:

— Eu achei que quisesse que eu terminasse isso logo.

— É apenas um encorajamento. - Marley respondeu rindo em seu pescoço e beijando-lhe a bochecha antes de soltá-la. Aquele era o momento, mais um na tarde, em que Ruby pediria para ela dar partida no carro enquanto torcia para que o Mustang não a deixasse na mão. Depois de tanto repetir aquela ação, Marley rumou diretamente para o banco do motorista e girou a chave na ignição.

O ronco do motor V8 preencheu a garagem e, daquela vez, não engasgou e nem morreu. Ruby arregalou os olhos para o carro, o motor voltava a funcionar diante dos seus olhos e ela sequer sabia o que havia feito para tal... Talvez, aquele carro realmente possuísse uma ligação especial com os Clearwood e seus amores. Os olhos da californiana procuraram e encontraram Marley vibrando, ainda no banco do motorista, como se tivesse ganhado um Grammy.

Ruby soltou a chave de rosca que tocou o chão com um arranhar metálico, praticamente inaudível diante do motor de oito cilindros. Marley saía do carro quando foi interceptada pelos braços bronzeados que a giraram na garagem cheirando a óleo, gasolina e graxa. As risadas das duas misturaram à vitalidade do motor, parecendo notas vitais naquela sinfonia confusa. O aperto firmou-se na cintura da mais nova e foi dela a iniciativa de puxar o rosto de Ruby para perto, as duas provavelmente não saberiam dizer quem iniciara o beijo.

Contudo, sabiam que ambas fariam de tudo para que esse não terminasse.

E o beijo durou tanto quanto os seus pulmões poderiam viver sem oxigênio. Elas ainda sorriam quando se afastaram para tomar ar, Ruby roubando diversos selinhos enquanto depositava Marley, com cuidado, no chão da garagem.

Desde que o motor funcionara, o sol começava a dar adeus a mais àquele dia em Santa Monica. No momento, elas eram apenas duas silhuetas de contornos difusos na garagem banhada pela luz difusa do fim da tarde. Ainda assim, elas permaneceram próximas, confundindo-se nas sombras que desenhavam, na verdade, elas pareciam uma só.

Ambas olharam para o carro antes de Ruby adiantar-se e bater o capô. Marley praticamente correu para o banco do carona enquanto Ruby deslizava lentamente para o lado do motorista. A californiana estava feliz e, essencialmente, emocionada pelo que conquistara ali. A devoção que possuía pelo Mustang já era enorme por toda simbologia dele em sua família, porém, agora, quando estava com a sua garota dentro dele... Algo mais se manifestava.

Seja o que for que aquele carro significava, era tão especial quanto o que dividia com Marley.

Ruby acelerou o carro para sair da janela e fechou os olhos para o vibrar do motor e o odor do escapamento, escutou Marley rir ao seu lado e fechou o portão eletrônico da garagem antes de acelerar em direção ao sol que se punha.

Sabia que jamais alcançaria o horizonte poente, mas, com aquele carro e Marley ao seu lado, Ruby seria feliz se o perseguisse pelo resto da vida.

 

O celular de Quinn vibrava em seu bolso, as pessoas passavam ao seu redor, contudo, ela só tinha consciência da proximidade de Rachel. A mão morena estava firmemente apertada junto a sua, contrastando em matiz de pele e tamanho. Uma mão tão pequena que segurava a sua com tanta força, uma pele morena que era tão frágil quanto uma rica porcelana branca... Quinn segurava aquela mão e gravitava em torno da dona dela, esquecendo completamente do que a aguardava do lado de fora daquilo.

As duas caminharam por horas na orla, parando nas lojas que as interessavam e assistindo aos artistas de rua que chamavam a atenção. Todo aquele caminhar foi feito em conjunto, de mãos dadas, com elas atentas uma à outra, de tal forma que os demais passantes eram desconhecidos que não significavam muita coisa.

O que elas dividiram na sorveteria, aquela cascata de eventos cheia de más lembranças, de cicatrizes de um passado ainda misterioso, de silêncios audíveis, de um abraço que fundira e segurara dois mundos... Tudo aquilo as trouxera até ali, tudo fortalecera aquela cumplicidade que, mesmo surpreendente para o tempo que, de fato, se conheciam, era real. Mais real do que qualquer coisa que Quinn tinha com os pais e mais intensa do que o que dividia com os seus amigos.

Era como se algo entre elas tivesse clicado e, finalmente, se encaixado. Não era como se fossem uma só e sim, como se tivesse se reencontrado depois de tanto procurarem uma à outra nas pessoas erradas que passaram por suas vidas...

Naquele momento, elas caminhavam contra o fluxo que abandonava a praia e ia para o calçadão. Já era noite, o que as esperava na areia era a escuridão e a mudança da maré, mas, isso parecia muito mais atraente do que a luminosidade e animação que tomava os bares e restaurantes à beira da praia. Ambas queriam mais do silêncio, da cumplicidade e do que tiveram na sorveteria e elas estavam ansiosas por mais.

Quinn parou para tirar os chinelos ao chegar à areia, ela os carregava na mão livre, assim como Rachel. A morena ia à frente, sem puxá-la e sim, guiando-a. Elas afundaram na areia e sentaram-se próximas ao local onde a maré alcançava os seus pés. As águas tradicionalmente mornas do Pacífico estavam mais frias pela noite que começava e Quinn encolheu os dedos dos pés quando estes foram batizados por elas.

Acima delas, a lua cheia já começara o seu espetáculo banhando-as assim como banhava as estrelas no céu limpo. As estrelas brilhavam, assim como as silhuetas de ambas na areia em meio à escuridão.

— Em noites como essa, eu me pergunto se Santa Monica realmente pertence ao mesmo planeta de New York... - Rachel comentou distraída, atraindo a atenção de Quinn presa, até então, na maré que ia e voltava entre os seus pés. Os olhos castanhos pareciam mais claros ao observarem as ondas, como se o brilho pálido da lua os abrandasse. A morena dobrou os joelhos, apoiando os braços sobre eles e trazendo um pouco da areia molhada para perto de seu corpo. - São cidades tão diferentes, com energias tão discrepantes... Nem eu me entendo por amar ambas.

— Corações podem estar se quebrando em New York enquanto outros se reconstroem, nessa noite, em Santa Monica. - Quinn respondeu com um sorriso, arrancando o mesmo de Rachel que ainda lhe deu um empurrão leve nos ombros, entendendo muito bem o que ela queria dizer. A loira não tinha muita experiência naquele tipo de jogo, mas, a sinceridade era uma das suas maiores características e usava-se dela para sobreviver em algo que a morena dominava tão bem.

O celular vibrava novamente em seu bolso, um chamado distante de uma realidade que, como Rachel pontuara, parecia não pertencer ao mesmo planeta daquilo que vivia agora. Irritada, Quinn tirou o smartphone do bolso, colocando-o o mais distante possível de si, com a tela virada para o material dos seus chinelos. Ela só queria aquela noite, aquela lua e aquela garota ao seu lado.

O Verão ficava mais curto a cada hora que passava e tudo que Quinn queria era aproveitar e viver, cada instante, naquele mundo onde as opiniões de seus pais eram tão importantes quanto os grãos de areia nos quais estava sentada. Ali, em Santa Monica, lhe era permitido ficar quando queria, sentir o que queria, viver o que queria... A liberdade que encontrara na California era viciante e a afastava, cada vez mais, das amarras de seus pais.

Quinn se permitiria feliz, ainda que essa felicidade durasse somente um Verão.

Distraída, não viu que Rachel estava em pé e que era ela quem tinha o celular em mãos. A morena dedilhava a tela com pressa até que, enfim, encontrou o que queria, dando um último toque e estendendo a mão para Quinn. A loira a aceitou enquanto ao fundo delas, em meio aos sons vindos do calçadão, uma música começava.

Clock’s marching at the double time

Every dollar become a dime

Hearts breaking at the speed of sound,

Falling down, all around 

Rachel permaneceu segurando a mão de Quinn, trazendo-a para porta, ainda não era o bastante para que o espaço pessoal dela se misturasse ao da loira, mas, já era muito. A futura designer inclinou a cabeça, confusa para as atitudes da pequena morena. O rosto de Rachel, banhado pela lua, lhe sorriu e ela flertou:

— O que você está esperando? Eu quero dançar com você.

— Essa não me parece uma música para dançarmos juntas, Rae... - Quinn usou o apelido pela primeira vez, tentando desviar-se do tema central que envolvia uma dança a duas. A loira não tinha uma vida social ativa a ponto de ser exímia naquele tipo de coisa e temia fazer algum papel do qual se arrependeria. Rachel, dessa vez, riu para ela conforme as batidas da música tornavam-se mais pesadas.

Era rock, aventureiro e espirituoso, liberto e audacioso, assim como a própria Rachel.

— Pois eu digo que essa é a música ideal para eu dançar com uma garota linda, sob a luz do luar e das estrelas. - A morena sentenciou de forma tão obstinada que Quinn pegou-se acreditando nas palavras dela antes mesmo que ela terminasse. Os braços morenos circundaram a cintura da loira enquanto os braços pálidos, trêmulos e inseguros, foram levados ao pescoço de Rachel. Quinn fechou e apertou os olhos, inquieta, sussurrou:

— Eu posso não saber o que estou fazendo.

— E eu posso saber, muito bem, por nós duas. - Rachel flertava, com direito a uma piscadinha que derreteu qualquer impedimento que Quinn pudesse elencar. A pequena voltou a se aproximar, invadindo o espaço da maior como uma onda feita de calor e de perfume cítrico.

Quinn voltou a fechar os olhos e sentiu o seu corpo movimentando-se no mesmo balançar de Rachel. Elas dançavam na areia, mas, pareciam flutuar junto às estrelas.

Bombs lighting up the eastern sky

The backroom deals and the bottom lines

The Earth’s shaking, but we don’t know why

A million fires, oceans rises 

Rachel girou o corpo de ambas e talvez, a terra tenha tremido abaixo delas porque Quinn se desequilibrou. Novamente, a morena a sustentou e sorriu mesmo quando o rubor tomou o rosto da loira e a vergonha obscureceu os olhos verdes. Rachel riu para toda aquela timidez e falta de jeito, mesmo tão insegura, Quinn sentiu seu peito encher-se de calor e inflamar-se ao som da risada da outra.

Era um som feito de liberdade e despreocupação. O som vindo de alguém que a enxergava de verdade e que não tinha medo do que via... Era o som que Quinn precisava sem saber, vindo de uma pessoa pela qual esperara tanto tempo.

Os olhos verdes voltaram a procurar e encontraram os castanhos pálidos pela luz da lua. A risada perdeu-se nas feições morenas que logo estavam sérias, os dedos da morena alcançaram os fios loiros soltos ao redor do rosto e os ajeitaram atrás da orelha, um sorriso pequeno foi dedicado a Quinn que, sentindo a pele tocada queimar, retribuiu.

A maré tocava os pés delas agora, talvez, acabara de mudar e, dentro delas, o fogo as inflamava de encontro uma a outra.

I leave it all when I feel you near

What I’m saying is I need you here

Even though love never seems to last

If you think we’ve got a chance

 

Stay awhile

Oh, you got to stay awhile

These days are wild

So baby, won’t you stay awhile?

Rachel se aproximou e daquela vez, ela ficou. Ela nem mesmo se afastou quando Quinn também se aproximou. As duas suspiraram ao mesmo tempo, no instante em que as suas frontes se tocaram.

O coração de Quinn acelerou e ela fechou os olhos, sentindo as mãos morenas desbravarem trilhas desconhecidas em suas costas, arrepiando a sua pele a cada polegada percorrida. A sua respiração acelerou-se diante da iminência do que ela sabia que aconteceria.

Quinn queria terminar com tudo aquilo, queria sentenciar e afirmar o que sentia por Rachel logo... Contudo, a morena parecia pensar diferente de si. Cada lento gesto da pequena evidenciava que ela queria ter certeza do que fazia, de que ela queria que fosse perfeito e especial como prometera.

As palavras faltavam agora, na garganta seca de Quinn, elas repousavam enquanto queriam dizer que estava tudo bem, que seria incrível de qualquer forma e que qualquer coisa que acontecesse seria especial porque viria de Rachel.

E isso bastava, porque era uma promessa cumprida. Uma das poucas que foram feitas e cumpridas para Quinn Fabray.

Drop the needle on the belle brigade

We slow dance ‘till the moonlight fades

Tell me now that you’ll never leave

Always stay, here with me

Os corpos movimentavam-se em um ritmo que não correspondia à urgência dos sons vindos da música. Quinn sentia-se guiada lentamente, numa freqüência diferente de tudo aquilo que as cercava. Era como se elas fossem diferente e ela se perguntava se, de fato, aquilo podia ser real.

A garota de Yale encontrara a de Julliard na California quando podia ter se esbarrado nos trens da estação Grand Central ou, até mesmo, na própria New York.

Infinitas eram as possibilidades e, ainda assim, elas foram se encontrar na California, em uma estação que tinha prazo para terminar. E ali estavam elas, contrariando qualquer urgência lógica para dançar sob a luz do luar como se elas tivessem todo o tempo do mundo, como se, jamais, fossem deixar uma a outra.

Mesmo na ausência de palavras, Quinn compreendeu que ela não seria deixada para trás assim como não deixaria Rachel. Elas ficariam juntas por quanto tempo aquele Verão fosse durar, fosse uma estação convencional ou algo além.

Keep me safe from the circus show

The bullshit and the blowing smoke

The knife hidden under every slave

Stab you back, watch you bleed

 

They’re gonna tell what you wanna hear

Like: I can make you a star next year

Well, if New York city’s light are so bright

How come so many people cry tonight?

Quinn apertou Rachel em seus braços, escondendo o seu rosto nos fios castanhos que, agora, estavam soltos. Encontrou um porto seguro ali que só foi reforçado pelo aperto em sua cintura e o ofegar quente da morena próximo a sua pele.

A segurança que encontrou ali parecia ser capaz de protegê-la de qualquer coisa que pudesse ameaçá-la, naquela realidade paralela, naquela cidade que parecia não pertencer a Terra, Quinn estava protegida. Não precisava temer julgamentos, preconceitos e ideais. Naquele abraço, naquela dança, o mundo se montava do jeito certo e girava sem se importar com o que ela poderia se tornar.

Rachel fazia tudo parecer mais fácil, mais seguro. A morena a libertava, ao mesmo tempo em que a trazia para perto. As amarras que tanto a apertaram durante aqueles anos se arrebentavam, ela se mostrava de peito aberto e Rachel, sem sombra de dúvida ou reprovação, aceitava.

Stay awhile

Oh, you got to stay awhile

These days are wild

So baby, won’t you stay awhile? 

Elas giraram mais uma vez e a maré mudara, de fato.

As ondas frias molhavam os seus pés e arrancavam calafrios das peles já sensíveis pela proximidade uma da outra. Quinn abriu os olhos e estes estavam vívidos, como esmeraldas recém-lapidadas. Rachel a observara nesse tempo todo, com os olhos castanhos quentes derretendo-se por um sentimento que a morena não ousava nomear e que a loira reconhecia porque se refletia nos seus.

Era amor, não tinha como não ser. Não com aquela proximidade debaixo do luar, muito menos com tamanha intensidade em seus olhares.

Quinn gostaria de ter sustentado aquela conexão por mais tempo, mas, falhou quando Rachel manteve-se firme ainda que os seus olhos clamassem para que ela fizesse algo. A loira abaixou a cabeça, frustrada e ensurdecida pelos batimentos acelerados de seu coração que tomavam qualquer razão que ela ainda pudesse ter.

Porém, uma das mãos que a segurava erguera o seu rosto. Rachel tinha os olhos escurecidos pela primeira vez naquela noite e, novamente, ajeitava os fios loiros. Na ponta dos pés, os lábios carnudos tomaram os lábios rosados.

E Quinn pode jurar que fogos de artifício estouravam em sua cabeça naquele momento.

Let your hair fall around your face

I would kill just to keep you safe

Put your body next to mine

Just let go and close your eyes

 

I shiver when I feel your skin

Like a sinner who’s been forgiven

Go on, baby, shine your light

Cause no one’s find us here tonight

Naquele beijo, elas se aproximaram mais do que deveriam, como se fossem capazes de fundir-se uma a outra. Quinn tentou sustentar o rosto de Rachel em suas mãos, mas, ela tremia nos braços dela. O êxtase que sentia a elevava às alturas e ela sentia que explodia com os fogos de artifício e brilhava junto às estrelas.

As respirações se mesclavam, assim como os ofegares. As bocas encontravam-se e se perdiam, mas, permaneciam juntas como se nada pudesse separá-las. Quinn sentia que tateava os contornos de Rachel às cegas, de mãos trêmulas diante do frenesi que invadia o seu corpo. Ela não seria capaz de abandonar aquela morena, não depois desse beijo.

O beijo lhe tirava a racionalidade, a fazia esquecer que um mundo existia além delas e de quem supostamente deveria ser... Tudo que importava era quem era quando estava com Rachel, quem a morena a fazia se sentir quando a segurava daquela forma e a mostrava que um beijo cumpria promessas feitas por palavras e reforçadas por silêncios.

As palavras de Santana não faziam sentido naquele momento porque ela não ousaria abandonar quem era, não agora que se encontrara no mesmo instante em que fora encontrada e requisitada.

Na falta de oxigênio, elas se separaram. As pegadas marcando a areia molhada, as águas frias do Pacífico à noite em seus pés, a lua brilhando poderosa acima delas e as estrelas abençoando a promessa selada na terra.

Stay awhile

Oh, you got to stay awhile

These days are wild

So baby, won’t you stay awhile?

Rachel esperou qualquer reação, mas, tudo que enxergava eram os lábios de Quinn ligeiramente inchados e os olhos dela que brilhavam mais do que normal, com milhares de estrelas douradas em meio à imensidão verde.

As estrelas que voltavam a dourar e a guiá-la. As estrelas que não desapareceram na noite escura, que voltaram a explodir diante de seus olhos quando Quinn voltou a se aproximar para beijá-la.

Essas estrelas que ficaram e permaneceram e que, aparentemente, permaneceriam por um bom tempo.

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Notas finais do capítulo

E o beijo Faberry finalmente aconteceu! *o*
O que acharam? A espera valeu a pena? Um fato interessante para essa passagem na história é que, inicialmente, a música do momento não era essa... Porém, eu não consigo imaginar as duas se beijando com outro som ao fundo Hahaha

Também conhecemos um pouco mais da Família Clearwood e eu espero que tenham gostado!

No próximo capítulo, voltaremos a observar a vida de todo o grupo... Aguardem!

E, para fechar essa nota... Gostaria de destacar que, recentemente, assisti ao filme "Call Me By Your Name" (Me Chame Pelo Seu Nome) e me surpreendi ao gostar tanto dele. Eu recomendo, sobretudo, porque alguma coisa nele deu o boost que eu precisava para voltar com a história.

Espero que tenham gostado, aguardo o feedback de vocês. Nos vemos na próxima!

Com carinho,
Fer Redfield (@redfieldfer)



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