Heart on Fire in Her Hands (Hiatus Indeterminado) escrita por Fernanda Redfield


Capítulo 10
Capítulo 9: Estrelas douradas


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal da madrugaaada!

Eu sei... Eu sei! Mais um capítulo atualizado em um péssimo horário depois de dias sem dar sinal de vida. Posso me desculpar em relação à segunda parte, mas, quanto à primeira, eu realmente não sei o que fazer com surtos de inspiração de madrugada :( Bem, como disse, me desculpem pela demora... Os dias têm sido muito corridos, sem contar os vários problemas que resolveram fazer casa na minha vida.

Enfim, creio que estão ansiosos em relação a esse capítulo! E eu adianto que foi um dos mais divertidos de escrever. Assim como temos muito da bagunça que é Heart, também teremos um pouquinho da Rach e da Quinn. Faberry está acontecendo, galera... Depois de toda essa espera, rezo para não decepcionar vocês!

Indico duas músicas para leitura: "Urgent" da banda Foreigner e "Sober" da Little Big Town. Ambas encontram-se na playlist da fanfic feita no Spotify.

Boa leitura!



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A manhã estendia-se preguiçosa para todos aqueles que madrugaram na praia, o sol ainda não estava no auge de sua força, mas, as ondas já envolviam as areias em seu hipnótico vai-e-vem em direção ao mar. Não existiam muitas pessoas na praia, próxima ao “Jewelry of The Coast”, o silêncio só era interrompido por alguns carros e outros passantes. Naquele horário, a praia era dos madrugadores e dos surfistas.

Sam e Marley pertenciam ao primeiro grupo, estavam sentados na areia, deixando que a brisa marítima tocasse os seus rostos e os despertassem, efetivamente, para aquele dia. O dia anterior fora complicado, com direito a sumiços inexplicáveis de Rachel e Finn e pedidos de desculpas desajeitados por parte da morena e tudo que Sam e Marley queriam era um momento distante de toda a agitação que, posteriormente, se instalara na casa de Puck.

Aparentemente, existia uma festa a ser invadida naquela noite.

A dupla sentada na praia se assemelhava em muito, essencialmente, na tranqüilidade que buscavam e na timidez que, inconscientemente, exalavam. Por isso, ambos queriam descanso antes de tudo virar, mais uma vez, de cabeça para baixo. Marley, particularmente, precisava de um tempo distante de Rachel para pensar e entender toda aquela confusão que a morena criara e a dragara. Contudo, não havia muito no que pensar depois do que fizera...

Ela beijara Ruby Clearwood e depois, fugira. Não existia o que compreender na atitude, mas, muito a entender no que viera depois. Marley perguntava-se porque fugira ao mesmo tempo em que também se questionava sobre o que Rachel pretendia ao feri-la na noite em que desaparecera.

Era muito que pensar e não conseguia fazer isso com Finn, Puck e Rachel planejando invadir uma festa naquela noite, ela precisava do silêncio e, sobretudo, do companheirismo de Sam. Certamente, Rachel continuava a ser a sua melhor amiga - por mais que ainda estivesse chateada e irritada com o infantil comportamento bêbado dela - mas, Sam convertera-se numa espécie de confidente silencioso, alguém que parecia compartilhar o que sentia... Toda aquela agitação que paralisava o seu corpo, aquela intensidade que tirava o eixo de seu pensamento e aquele sentimento que queimava o seu interior tanto quanto o sol de Santa Monica queimava a sua pele.

A mera lembrança do beijo na dispensa do “Jewelry of The Coast” era capaz de fazer as bochechas de Marley se avermelharem e os pelos de seu corpo se arrepiarem. Tudo porque as mãos de Ruby apertando o seu corpo e as unhas dela arranhando a sua pele ainda eram sentidas depois de todo aquele tempo. O rachado dos lábios californianos pareciam impressos em sua própria boca e o perfume de maresia e liberdade continuava a entorpecer o seu olfato, nublando o pouco que ainda restava de sua consciência. E Marley jamais esqueceria as pupilas azuis dilatadas e escuras que a aprisionaram no instante em que Ruby abriu os olhos.

Marley estava em completo torpor em relação californiana e precisava de um pouco de sobriedade para entender o que estava acontecendo.

Por isso, o silêncio e a calmaria eram bem-vindos e Marley os abraçava, na esperança de que eles entregassem as respostas que ela perdera entre os beijos e os olhares trocados com Ruby.

um boné vermelho que acentuava o tom claro de seus cabelos e de seus olhos. Ele estava atento, observando algo e Marley tentava ignorá-lo, de olhos fechados, enquanto sentia os ventos californianos agitarem os fios soltos de seu cabelo. O rapaz pigarreou e suspirou, atraindo a atenção de Marley, ela o olhava, curiosa e ele sussurrou desconcertado:

— Se você buscava um pouco de paz, perdeu qualquer chance de possuí-la, Rose.      

Marley franziu a testa para a observação dele e, também, virar o corpo em direção à entrada da areia. O seu corpo pareceu responder muito antes de seu cérebro quando os seus olhos azuis encontraram um corpo que conhecia bem, afinal, já o tocara e, principalmente, o abraçara junto de si.

Ruby Clearwood atravessara o tráfego leve de carros da manhã e acabara de chegar à areia. A californiana usava um short branco folgado e uma wetsuit escura aberta sobre a parte superior de um biquíni azul. Ela carregava a prancha e, pela primeira vez, Marley a viu fora da capa que a protegia. A nova-iorquina suspirou pesadamente ao se recordar da ida à loja de Jake e de tudo que acontecera naquele dia, um sorriso quase se desenhou em seus lábios, mas, ela o conteve, atenta aos movimentos de Ruby, o bastante para ser incapaz de fazer qualquer outra coisa.

A prancha era negra, trazendo a arte em flores vermelhas que variavam de tulipas às flores de lis. Existiam flores de outra cor, mas, o vermelho era predominante, fazendo relação à cor também presente em seu nome. Ruby tinha um sorriso nos lábios enquanto observava o mar, os olhos azuis estavam brilhantes e ela tinha a expressão de uma criança na véspera de Natal. Marley nunca a vira daquela forma, Marley nunca a vira tão bonita...

Aparentemente, Ruby se perdia quando fitava o mar em posse de uma prancha. A californiana tampouco reconheceu Marley e Sam sentados a certa distância. Ela continuou o seu trajeto, agachando-se na areia, colocando a prancha parcialmente sobre suas coxas enquanto procurava em sua mochila por algo. De dentro, ela retirou a parafina e começou a espalhá-la sobre a superfície da prancha, em movimentos circulares e firmes.

Marley não podia ver os músculos trabalhando, mas, sabia que estes estavam tensos e delineados. Também não podia ver muito da pele de Ruby, contudo, recordava-se perfeitamente da textura perolada bronzeada e, por breves segundos, os seus pensamentos foram aos arranhões que vira no dia do jogo. A preocupação tomou a sua mente e, por breves segundos, ela viu-se dividida em continuar contemplando ou, enfim, puxar uma conversa.

Porém, o tempo foi curto para a ansiedade gigante de Ruby em relação às ondas. Marley piscara e a californiana estava novamente em pé, no alto de suas pernas longilíneas pelas quais, agora, deslizava o short branco, revelando a parte de baixo vermelha com padrões de mandalas brancos do biquíni. A nova-iorquina sentiu os grãos de areia aprisionados em seus punhos e engoliu em seco. Ruby fechara o zíper da wetsuit e, com um sorriso nos lábios, prendera o leash no tornozelo, apanhara a prancha e correra para as ondas.

— Precisa de um babador? - A voz de Sam, brincalhona e cheia de riso, soou distante aos ouvidos de Marley, quase como se estivesse em outra dimensão, sobretudo, porque a nova-iorquina só conseguia escutar os batimentos de seu coração em seus ouvidos, ensurdecendo-a de tudo ao seu redor e evidenciando que o que sentia por Ruby não era qualquer coisa.

Como podia pensar quando havia tanto para sentir?    

— E-eu... Eu não sei do que você está falando, Evans. - Marley respondeu na defensiva, libertando os grãos de areia aprisionados em suas mãos e dando de ombros. A gargalhada rouca de Sam a fez ranger os dentes, a loira respirou profundamente e os seus olhos, auxiliados pelos óculos de grau, semicerraram ao olhar o mar a sua frente. Ruby desaparecera por alguns minutos, mas, logo Marley a encontrou.

Aparentemente, Ruby pertencia às ondas assim como pertencia à areia. Em cima da prancha, ela deslizou elegantemente pela onda, apenas caindo quando a mesma quebrou próxima à praia. Marley não entendia muito de surf, mas, pelo que via, podia até arriscar dizer que a californiana era boa. Contudo, isso não era o mais importante.

Marley precisava pensar a respeito da forma como Ruby ficava em cima de uma prancha. Forte o bastante para se manter em pé diante da força das ondas e habilidosa a ponto de não escorregar. Enquanto surfava, Ruby parecia ser feita de extremos que não se encaixavam e, ainda assim, se pertenciam. Era uma garota da Califórnia lutando contra as ondas do Oceano Pacífico. Com tanta demonstração de força e habilidade, Marley entendeu perfeitamente como estava tão entregue a ela.

Não havia como existir àqueles braços que remavam tão incessantemente contra as ondas e, que a agarravam tão possessivamente quando estavam sozinhas. Tampouco existia forma de resistir àqueles olhos azuis escuros atentos que buscavam as ondas assim como buscavam os seus de forma tão faminta quando se encontravam. E não havia como, em hipótese alguma, resistir àquela mulher que dominava as ondas com a mesma perícia que dominava os seus pensamentos e os seus sentimentos.

Só que, diferentemente de Ruby, Marley se deixava afogar em seu oceano particular... O seu oceano que, agora, domava aquele que pertencia a todos.   

Aquela primeira onda pareceu ser um aquecimento para Ruby, ela parecia disposta a mais e Marley observou aflita enquanto ela remava para longe da praia. A nova-iorquina ficou em pé e colocou a mão sobre a testa, lutando contra o sol matinal à procura de Ruby nas areias do mar. Tão preocupada e determinada em sua observação, não percebeu que outra pessoa se juntara a ela e a Sam. Tanto é que a voz de Rachel, suave e calma, assustou-a ao dizer:

— Fique tranqüila, Marls... Ruby sabe o que está fazendo, ela conhece essas águas como nós conhecemos Manhattan.

Rachel fora um indesejado chamado para a realidade, com a chegada da morena, parte do que vira, até agora, em Ruby, se perdera. Marley voltou a se sentar na areia, em silêncio e observou, desolada, quando Sam as deixou - propositalmente - sozinhas. O silêncio permaneceu com elas, até mesmo quando Ruby enfrentou uma onda relativamente alta que a jogou próxima a algumas pedras. Marley mordeu o lábio, preocupada e Rachel, observando-a de lado com um sorriso divertido no rosto, encorajou:

— Você pode se manifestar vocalmente, eu garanto que ela ficará extasiada em saber que você se preocupa.

Marley continuou calada, ela bem que gostaria de responder, mas, alguma coisa parecia ter se perdido desde o que presenciara entre Ruby e Rachel nos fundos do “Jewelry of The Coast”. A atração por Ruby ainda permanecia, escaldante e inquietante, e a consideração por Rachel, paciente e esperançosa, também. Todavia, o que lhe dera coragem para beijar Ruby - e depois fugir, assustada com a sua própria atitude - era o mesmo que, naquele momento, a mantinha quieta ainda que quisesse dizer muitas verdades a Rachel. Ela esperava por mais quando se tratava de Ruby, assim como também queria o mesmo da melhor amiga que a acolhera naquele Verão.

Pelo canto dos olhos azuis, Marley percebeu com certa agonia que o sorriso que Rachel carregava desaparecera, assim como a diversão em seus gestos. Mais uma vez, a tristeza e a melancolia nublaram os olhos castanhos que, tantas vezes, a loira viu serem preenchidos pelo contrário. Seja o que fosse que Rachel carregasse, parecia pesado demais e transbordava em seus olhos.

As duas permaneceram com o silêncio pesando entre elas. Marley observava Ruby nas ondas, ainda encantada pela forma como ela parecia pertencer ao mar, contudo, estava plenamente ciente de Rachel ao seu lado. Não conseguia discernir do que a sua amiga era feita, naquele momento, mas, sabia que ela sentia muito pelo que acontecera... Porém, Marley estava cansada de ser deixada do lado de fora. Ela queria ser capaz de fazer por Rachel o que a morena, tantas vezes, fizera por ela. Marley gostaria de protegê-la e defendê-la.

— Eu sei que não estou em uma posição que possa permitir que eu aconselhe você... - Rachel tinha uma insegurança na voz que Marley jamais vira, a nova-iorquina desviou os olhos do mar e eles finalmente enxergaram a morena em sua totalidade, quebrada e cheia de falhas, envergonhada pelos seus erros durante a bebedeira e tentando remediá-los sóbria. Os olhos castanhos também se desviaram do mar, eles arrastaram-se de encontro aos azuis, tímidos e recatados. Rachel sorriu pequeno quando percebeu que Marley prestava atenção no que falava. Ela mexeu nos cabelos castanhos, jogando-os para trás, lutando contra o vento que teimava em bagunçar os fios. - Mas, insista nela... Ruby é especial e merece alguém como você assim como você merece alguém como ela. Eu a conheço bem o bastante para perceber que você não é qualquer uma e, principalmente, para ter a certeza de que você não sou eu.

Marley não conseguiu encontrar mentiras nas verdades que Rachel dizia. Aquele era um dos poucos momentos em que a fragilidade da morena vinha à superfície, entregando uma sinceridade que ela não estava disposta a libertar. A loira não sabia como reagir, a atitude de Rachel a surpreendera. A sua melhor amiga não lhe entregara um pedido de perdão e sim, bem mais do que isso. Rachel não era uma pessoa que pedia de desculpas, mas, revelara-se uma pessoa que dizia aquilo que precisava ser dito.

De alguma forma, aquela Rachel contida e melancólica era muito mais real do que a Rachel radiante com a qual estava acostumada. Todos tinham altos e baixos e Rachel, aparentemente, também.

O sorriso, primeiro, veio de Rachel. Não era um dos seus sorrisos de alta voltagem, mas, sim, um pequeno - e sincero - sorriso. Era um daqueles sorrisos em que cabia o mundo e que entregava, justamente, o que precisava ser entregue. E, mediante a isso, Marley percebeu-se abrandando a expressão e abaixando as suas defesas.

Se o sentimento e a atitude a levaram, de volta, para Ruby, Marley deixaria que eles tomassem conta de sua situação com Rachel.

A morena desviou os olhos quando estes pareceram brilhar demais, ela parecia estar no limite entre a emoção e a autodefesa. Marley a respeito e mesmo que momentaneamente, existiu um ar de compreensão nos orbes castanhos. Contudo, ele logo desapareceu porque Rachel colocara os óculos escuros e sorrira, o sorriso de 1000 watts estava de volta, assim como a leveza em seus gestos. Ela apontou sobre os ombros de Marley, provavelmente, da onde Ruby saíra do mar. Em seguida, a pequena deu um murro de brincadeira na amiga e encorajou animada:

— Vá pegar a sua garota da Califórnia!

Marley riu e virou o corpo, contudo, o que viu desapareceu com a risada do seu rosto. Ruby vinha - no auge de sua beleza - molhada e carregando a prancha, entretanto, ao seu lado, caminhavam dois rapazes que Marley conhecia bem. Eram os mesmos que jogaram vôlei contra a californiana e Puckerman, dias atrás. Eles ladeavam Ruby, sorrindo e conversando e a mais velha, surpreendentemente, os respondia e, também, ria para eles.

O ciúme tomou conta do corpo da nova-iorquina. Ela jamais experimentara algo daquela forma - e, provavelmente, não admitiria que estava possuída por esse sentimento se lhe perguntassem - o que sentia a cegava e ela era incapaz de ver ou perceber o que fazia. Por isso, surpreendeu-se ao notar que estava próxima ao trio, tão próxima que eles quase trombaram nela. Os rapazes deram um passo para trás, mas, Ruby não.

A californiana parou imediatamente, os olhos azuis escuros ajustaram-se à presença de Marley, dilatando as pupilas. O sorriso não desapareceu dos lábios rachados, mas, tomou uma natureza predatória. Os músculos não tencionaram e sim, relaxaram. Ruby abriu, propositalmente, o zíper da wetsuit— como se Marley precisasse de mais algum incentivo para sair do controle - e os olhos azuis claros da nova-iorquina imediatamente fixaram-se no colo e no abdômen descoberto. A pele bronzeada tinha finas gotículas de água do mar escorrendo por ela, Marley lambeu os lábios diante do que os seus olhos viam e os rapazes que ladeavam Ruby também olharam o que fora exposto. Marley fechou os olhos e os apertou, bufou para retomar a calma - sem sucesso - e grunhiu com um sorriso falso:

— Algum problema por aqui?

— Não, claro que não! Os rapazes estavam convidando a mim e a Puck para outra partida qualquer dia desses e eu apenas dizia a eles que, caso isso ocorresse, seria mais uma derrota para eles... - Ruby respondeu de forma inocente, como se não houvesse maldade alguma em seus atos prévios e como se os seus olhos não refletissem toda a sedução que ela dedicava somente a Marley. Os olhos da nova-iorquina semicerraram-se acusatórios e Ruby deu de ombros, de forma despreocupada, enquanto sorria de lado, sedutora. Ela olhou de um rapaz para o outro. - Eu preciso falar com Puck, mas, entro em contato com vocês depois ou vocês me liguem, caso eu demore demais.

Os rapazes pareceram satisfeitos com a resposta, ambos beijaram a face molhada de Ruby e acenaram para Marley antes de caminharem para longe delas. A mais nova os observou partirem de cenho franzido e, depois, voltou-se para Ruby. Contudo, a californiana passara por ela e caminhava de encontro aos pertences depositados na areia. Marley marchou atrás dela, insuflada pela fúria ciumenta que movia os seus músculos. Ruby retirou a wetsuit e, diante de mais pele bronzeada exposta, Marley gaguejou acusatória:

— A-agora, a-aqueles dois têm o seu número? Quando isso aconteceu?

— Eles não têm meu número. - Ruby respondeu com uma risada rouca e Marley fez beicinho para a resposta dela, aquela californiana pensava que ela era boba? Ninguém mandava alguém entrar em contato sem um número de telefone. Ruby amarrou as mangas da wetsuit na cintura e fincou a prancha na areia, depois, apanhou a mochila e a jogou sobre o ombro, virando-se para Marley. A nova-iorquina, mesmo furiosa com tudo que presenciara, não pode deixar de notar que a californiana ficava bem de cabelo molhado. De alguma forma, tudo relativo ao mar casava muito bem com Ruby Clearwood. - Aqueles dois podem muito bem me procurar no restaurante. Você ainda continua com vantagem, Rose.

Já era difícil estabelecer uma conversa sensata com Ruby Clearwood, sobretudo, porque ela falava através de entrelinhas em um jogo de sedução com o qual Marley não estava acostumada e, somado a isso, naquele momento, Marley ainda tinha muita pele bronzeada exposta para contemplar e um ciúme animalesco martelando sua razão. Não estava no melhor dos seus dias e não entendia o que Ruby acabara de dizer, afinal, ela também não tinha o número da californiana.

Ruby divertiu-se com a confusão que provocara, ela deu um passo à frente, invadindo o espaço pessoal de Marley. A mais nova se viu engolindo em seco, arfando por um oxigênio que só cheirava a mar e sol. O sorriso nos lábios de Ruby atraiu os seus olhos e a outra sorriu deliciada ao sussurrar baixinho:

— Ao menos, dessa vez, você não fugiu...

— S-sobre aquilo, eu...! - Marley começou a falar as palavras que não pensara e sequer, ensaiara. Mais uma vez, ela deixaria os seus sentimentos falarem por si. Porém, eles foram bruscamente interrompidos pelos lábios de Ruby que beijaram o seu rosto em um local extremamente próximo a sua boca. Marley suspirou pesado e Ruby ofegou realizada, a californiana afastou alguns milímetros e colocou uma mecha loira desprendida atrás da orelha de Marley. Em seguida, com os olhos azuis escuros afogando os claros da mesma cor, ela murmurou maliciosa:

— Eu gosto quando vem atrás de mim, garota de New York.

Talvez, Marley estivesse muito envolvida pela umidade morna da pele e dos lábios de Ruby sobre si, mas, ela não viu quando Ruby apanhou a prancha da areia. Entretanto, sentiu quando a californiana se afastou e, principalmente, viu os quadris dela balançarem para longe de si nas areias da praia. Marley suspirou, ela jamais seria capaz de resistir àquilo. Totalmente envolvida na bagunça de ciúme, desejo, paixão e calor na qual se instalara, ela não viu quando Sam reaproximou-se.

— Você realmente precisa de um babador. - A voz grossa dele chegou aos seus ouvidos e, no mesmo instante, as mãos dela estapearam-lhe os ombros. Sam riu enquanto a pegava no colo, jogando-a em seus ombros. Enquanto ria e, de cabeça para baixo, Marley voltou a enxergar Rachel.

A sua melhor amiga olhava para si e Sam e ria, uma de suas risadas contagiantes, acompanhada por Puck ao seu lado que, naquela manhã, tinha um olhar mais brando e uma postura mais relaxada. E, mesmo na bagunça que Ruby Clearwood deixara a sua vida, ela conseguira reencontrar algumas porções importantes.

Era bom a sua Rachel de volta.

 

A manhã daquele dia não lembrava, nem de longe, tudo o que ocorrera no dia anterior. Rachel não seria capaz de imaginar que pudesse consertar alguns de seus erros, ainda mais, levando em conta onde amanhecera na manhã de ontem. Era assustador saber que Cassandra July a levara até ali, mas, também era assustador pensar que, em algum dia, a sua amizade com Marley fosse estar por um fio.

Rachel sabia que a culpa não era do seu surto bêbado nos fundos do restaurante de Ruby e sim, da série de coisas que escondia de Marley porque não queria se mostrar frágil diante dela. Não era como se não confiasse na amiga e sim, como um automático mecanismo de defesa que se instalara em si desde que tudo acontecera. Aquilo que escondia de Marley - e de muitos outros - eram os momentos de maior dor e, também, de maior arrependimento que ela havia vivido. Eram porções de si que revelavam as suas fragilidades e os seus defeitos. Aquelas partes a definiam e, ao mesmo tempo, contradiziam tudo que ela reconstruíra e se esforçava para ser.

Naquele local escondido não cabiam os seus sorrisos, ou as suas piadas prontas, muito menos, a sua boa conversa e a sua animação. Porém, era justamente a razão de ser quem era hoje. E essa verdade, de depender tanto de tamanha dor, era dolorida. Já era difícil se encontrar, porém, se encontrar mediante a uma ferida daquela proporção era oferecer-se, todos os dias, para enfrentar as piores partes de si e também, as maiores dores de seu coração.

Rachel não sabia quem seria se aquilo não tivesse ocorrido. Talvez, fosse mais feliz... Mas, provavelmente, não teria nenhuma daquelas pessoas em sua vida. E era difícil pesar a importância de todos seus amigos e os seus pais diante dela.

— Eu estou começando a desconfiar que Sam está apaixonado... Ontem, eu o peguei com um sorriso macabro naquela boca medonha e, agora, ele está se comportando feito um bobo com a Rose que é outra que está amarrada. - A voz de Puck tinha um ar jocoso e Rachel o conhecia muito bem para saber que ele sorria maldosamente para Sam e Marley que brincavam na alheia. Não encontrou algo diferente quando olhou para o melhor amigo, o brilho de maldade saudável nos olhos dele também a fez sorrir.

Era muito mais fácil sorrir agora, com um peso a menos em seu coração. Mas, ela sabia que havia outro. Um que ela só poderia remover à noite e que era tão, ou mais importante, do que aquele relacionado a Marley. Rachel não sabia o que esperar disso já que não se lembrava de ter se sentido dessa forma. Era tudo novo, mas, a paixão não assustava... Nem aquilo que pudesse vir dela.

— E veja só, você também está com um sorriso macabro nessa boca carnuda linda, Rae! - Puck caçoou antes de abraçar os pequenos ombros morenos, puxando-a para perto. Rachel poderia simular uma careta emburrada, mas, parecia um esforço descomunal lutar contra o sorriso em seus lábios. Era como se tivesse descoberto a sorrir, talvez, tivesse, de fato. Talvez, Quinn Fabray estava lhe ensinando, novamente, o significado de muitas coisas. Contudo, Rachel não podia perder a pose. Ter certeza do que sentia era uma coisa, mas, agüentar as piadinhas de Puckerman era outra bem diferente. Por isso, ela o empurrou de leve e respondeu tranquilamente:

— Digamos que eu estou feliz com o que pode acontecer hoje à noite.

— Você não está feliz, e sim ansiosa por invadir a festa dos mauricinhos, nós dois sabemos disso assim como sabemos que você precisará de uma retaguarda e todos nós estaremos por lá. - Puck sentenciou sério, um tom que se assemelhava a alguém que parecia ser o dono da verdade. Rachel revirou os olhos para o melhor amigo, contudo, ele a ignorou e bagunçou os cabelos castanhos com uma risada rouca. - Jamais pensei que fosse ver Rachel Berry apaixonada! É um milagre!

— Você é um idiota, Puckerman! - Rachel resmungou desconfortável, esmurrando o braço musculoso do amigo apenas para amaldiçoar a dor nos dedos que sentiu após esse feito. Puck continuava a rir dela, o som rouco das gargalhadas dele era irritante, mas, não conseguia diminuir a quentura em seu peito, nem o brilho em seus olhos castanhos.

Ela sequer vira Quinn desde a Marina, porém, somente pensar na loira já trazia algo inexplicável para si.

O reconhecimento de sua paixão por Quinn datava de apenas um dia, mas, já era capaz de trazer sorrisos bobos aleatórios aos seus lábios e de provocar o aceleramento desenfreado de seu coração. Sensações clichês que ela não planejara sentir naquele Verão e que, mesmo assim, fizeram moradia em seu corpo desde o momento que encontrara a loira de olhos verdes em Santa Monica.

Rachel não fazia relacionamentos funcionarem, tampouco, podia prever o futuro para saber o que as aguardava no fim daquele Verão... Mas, as palavras de Cassandra aliadas as suas próprias descobertas bêbadas a motivaram a fazer tudo o que fizera no dia anterior. Assim como impulsionava todo o planejamento de seu dia.

Estava decidida a ir atrás de Quinn, onde ela estivesse. E essa decisão incluía invadir uma festa de mauricinhos entediante em Santa Monica Boulevard. Era arriscado, perigoso e, levando em conta a forma pela qual foi tratada no dia anterior, podia acabar mal... Rachel não era conhecida por ter um senso de perigo apontado para o norte em dias normais, não seria agora, apaixonada, que isso mudaria.

A pequena não estava acostumada a desejar tanto alguém, muito menos, tinha conhecimento de que podia desejar ter uma pessoa próxima de si depois de perder tanto durante a vida. A ideia de ter alguém que queria tanto era assustadora, porque a intensidade do querer se equiparava ao tamanho do temor. Querer alguém significava administrar e, sobretudo, cuidar para que, jamais, pudesse perdê-lo por qualquer coisa. E Rachel sabia que a agonia da perda era dolorosa e, infelizmente, incurável. Os anos vinham, a ferida cicatrizava, mas, a cicatriz latejava com certa intensidade e em determinados momentos. No caso de Rachel, a sua cicatriz se abria diante de uma determinada música e de certa voz. Isso jamais mudaria, mas, ainda assim, ela realmente estava determinada a querer Quinn daquela vez.

Não sabia da onde vinha aquela necessidade e tinha conhecimento de que aquilo poderia terminar mal - era o Verão, a estação da diversão e da ausência de compromisso, em que romances podiam não durar - ainda assim, algo dentro de si a motivava a tentar. As palavras de Cassandra poderiam ser o estopim, mas, aquela vontade estivera dentro de si - confundindo as suas atitudes, bagunçando os seus sentimentos - desde que conhecera Quinn. Talvez, ela estivesse, de alguma forma, tentando provar que Rachel ainda podia ser feliz.

E, depois de tanto tempo, Rachel não queria decepcioná-la. 

— Mais surpreendente do que vê-la apaixonada é, enfim, vê-la se entregar a isso. - Puck voltou a comentar e, dessa vez, existia certo orgulho e muito alívio em sua voz. O bad boy não olhava para a amiga e sim, para as ondas. Rachel se virou para o rapaz, apenas para acompanhar o olhar dele. Puck respirou fundo, ele sorriu abertamente feliz, parecendo tão bobo quanto Marley ou Sam. - O que aquela garota tem que Ruby não teve, Rae?

Rachel não soube respondê-lo de imediato, sobretudo, porque o que sentia vinha do coração e não de sua mente, cheia de respostas diretas e palavras hábeis. Não havia muito que explicar porque ela não entendera muito do que sentia. Quinn era diferente, na verdade, o oposto do que Ruby fora. E isso poderia ser um motivo, se Rachel não estivesse acostumada a se envolver com garotas que mais se pareciam com Ruby do que Quinn.

Garotas tímidas, introvertidas e difíceis não eram o tipo de Rachel e, talvez, esse fosse o motivo pelo qual se atraíra por Quinn. Porém, não era justo, a morena sabia que havia mais, muito mais.

Existia algo na forma como os olhos esverdeados de Quinn refletiam dourados ao serem tocados pelo sol. Era especial observá-la apreendendo momentos com a sua câmera enquanto vidas se desenrolavam ao seu redor, ela parecia realizada com apenas um momento enquanto muitos procuravam a vida toda por algo. Era desafiador conversar com ela, porque ela sempre tinha uma resposta inteligente na ponta da língua, palavras que poderiam aumentar ou destruir as chances de Rachel em questões de minutos. A timidez que ela vestia tão bem era encorajadora, porque Rachel queria saber o que existia por trás daqueles olhos, porque queria ouvir o que aquela boca podia dizer e, principalmente, porque gostaria de sentir o que ela poderia lhe provocar.

Mesmo diante de tantas observações, Rachel ainda possuía mais perguntas em relação a Quinn e uma delas era, especialmente, essa que Puck lhe fizera. Por isso, ela sorriu deliciada para o acelerar de seu coração e, enquanto o melhor amigo esperava ansioso por sua resposta, ela simplesmente respondeu:

— Eu sei tanto quanto você, Noah...

Puck voltou a rir antes de abraçá-la pelos ombros e apertá-la junto de si. Rachel se afundou nos braços dele e deixou que ele bagunçasse os seus cabelos... Ela não sabia o que Quinn tinha, mas, estava disposta a descobrir. E começaria naquela noite, naquela festa.

# # # # #

Quinn tinha uma festa para ir, entretanto, a sua cabeça não estava concentrada no que deveria vestir ou calçar. A loira estava muito longe, caminhando entre as recordações inquietantes do que vivera no dia anterior. Biff a esperava, mas, Quinn só conseguia pensar em Rachel. Mais uma vez, a morena lhe escaldava e queimava, sem feri-la e sim, inflamando-a. Existiam milhares de avisos em sua cabeça dizendo que aquilo chegara em um ponto perigoso, mas, nenhum deles a assustava. Tudo que Quinn queria era jogar-se naquele perigo, enfrentá-lo e vencê-lo. Ela sabia que existia mais além das aparências.

Depois de ontem, ela acreditava que não era a única que sentia algo em toda aquela tensão que as envolvera desde que se esbarraram no “Jewelry of The Coast”.

Os quilômetros que a separavam de casa eram muitos e a realidade que vivia não se assemelhava, em nada, com a sua faculdade. Ali, em Santa Monica, ela se sentia livre o bastante para ser quem quisesse ser, ou melhor, quem era. Não existiam amarras que justificassem a sua timidez, nem julgamentos que podiam impedi-la de encontrar-se com uma parte de si que sempre escapara por entre os seus dedos. A Califórnia era ensolarada e cheia de vida, diferente da truculência de Ohio ou da frieza metódica de New Heaven. Ali, ela poderia, enfim, sonhar... Fosse com um Verão especial ou com um romance inesquecível. E Rachel, depois de ontem, parecia ser a sua chance. Era um Verão, um momento, mas, eles poderiam definir o que teria de melhor em sua vida.

Era uma oportunidade que não poderia ser perdida e um sentimento - uma atração quase incontrolável que resistira a erros, decepções e desencontros - que provara que não podia ser desperdiçado. Ainda assim, Quinn gaguejou uma resposta que não podia perder e, agora, amargava a espera por um contato de Rachel que ela sequer sabia se poderia vir.

Rachel escapara por entre os seus dedos e Quinn sentia que, de certa forma, escapara de si mesma ao deixá-la ir.

— Pelo tanto de vezes que tive que perguntar a você sobre essas duas camisas, eu tenho certeza de que você não prestou atenção em nada do que eu disse. - O tom de voz elevado e indignado de Kurt trouxe Quinn, bruscamente, para terra. O fluxo de seus pensamentos perdeu-se no susto de serem interrompidos e ela virou-se rapidamente, na cadeira em que estava sentada, para o amigo. Quinn tinha os cabelos molhados e uma roupa qualquer no corpo, já era hora de se trocar, mas, ela não tinha vontade alguma. - Na verdade, eu acho que você não está pensando nem na roupa que deve usar na festa em que você foi chamada e nos levará de convidados.

— Desculpa, K... Eu realmente não sei onde estou com a cabeça. - Quinn respondeu culpada e as suas bochechas também lhe entregaram, ao corarem-se. Kurt sorriu gentilmente para ela e Quinn sentiu-se acolhida por ele, muito da amizade dos dois era feita de olhares compreensivos e silêncio enquanto as suas respectivas com Santana eram feitas de piadinhas, risadas e eventuais gritos. Eram amizades diferentes, mas, não se diminuíam. No fim, eram amizades, de qualquer forma. Kurt inclinou a cabeça, aceitando as desculpas e depositando, sobre a cama, as duas camisas que o deixavam indeciso. Uma era preta e a outra, xadrez azul. - O que você dizia, exatamente?

— Qualquer outra coisa que não era tão importante quanto isso que está martelando em sua cabecinha loira. Aconteceu algo, ontem? Biff voltou a tentar? - Kurt perguntou preocupado e com o ar protetor presente em seus olhos claros e em seus punhos fechados. Quando Quinn se envolvera com Biff, Kurt ainda estava enrolado com Blaine e não acompanhara muito do relacionamento, porém, ele não parecia aprová-lo. Na verdade, nenhum dos seus amigos parecia aprová-lo, nem mesmo Brittany. Quinn agitou a cabeça cheia de dúvidas, sorriu para a probabilidade de Biff ser o seu único problema, mas, ele era o menor deles. A loira suspirou e, abriu a sua mala enquanto dizia envergonhada:

— Aconteceu algo ontem e não envolveu Biff.

— Não me diga que Rachel foi atrás de você em Marina Del Rey?! - Kurt perguntou eufórico e em um tom alto demais. Quinn não precisou deduzir que Santana e Brittany ouviram, porque os passos das duas soaram no corredor do apartamento e, logo, ambas abriam a porta do quarto. Santana tinha a expressão inquisitiva enquanto Brittany só estava curiosa. Quinn revirou os olhos e suspirou dramaticamente, tinha que se preparar para o que viria a seguir. Kurt continuava ansioso e Quinn, ignorando o casal recém-chegado à conversa, grunhiu em resposta:

— Eu não precisava que toda Santa Monica soubesse disso, K.

— Mas, precisava que as suas melhores amigas lésbicas... - Santana se intrometeu na conversa, visivelmente chateada por ter sido mantida de fora de todo aquele acontecimento. Porém, antes que pudesse continuar, Brittany a cutucou nas costelas e ela revirou os olhos, chateada. - Ok, você não precisava que toda Santa Monica soubesse. Mas, as suas melhores amigas, sendo uma lésbica e outra bissexual, além do seu melhor amigo gay, precisavam saber. Em que momento pensava em nos contar isso? Antes ou depois da festa? Aliás, por que nós ainda vamos nisso se você gosta da oitava anã da Branca de Neve e...!

— B, beije a sua mulher! Não precisamos de devaneios agora! - Kurt interrompeu a latina com um tom autoritário e Brittany o obedeceu de pronto, sorridente e feliz. O rapaz deixou escapar um pequeno sorriso para o casal enquanto as observava se acomodar na outra cama do quarto, a sua, no caso. Em seguida, a sua atenção voltou para Quinn que estava vermelha, revirando a mala bagunçada a esmo. - Você não vai escapar de nos contar os detalhes só porque estamos às vésperas de irmos à festa do seu ex.

Era uma ordem e não um pedido, Quinn podia sentir todos os olhares ansiosos sobre si. Ela não sabia por que não contara, contudo, existia a possibilidade de não ter contato porque aquela atitude de Rachel - de ir atrás dela, tanto pelo mar, quanto por terra - era especial e ela queria mantê-la só para si. Assim como existia a hipótese de estar tão confusa que sequer se lembrara de pedir ajuda aos seus amigos. O ato de não contar só provara que Quinn estava totalmente perdida em relação a Rachel Berry.

A morena estava tirando-a do eixo e fazendo-a perder o norte de várias porções de sua vida.

— Bem... - Quinn começou, lutando contra o sorriso bobo que teimava em se fazer presente em seus lábios e suspirando mais profundamente do que deveria. Ambas as atitudes não passara despercebidas por seus amigos. Kurt sorriu de lado, numa mistura de alívio e orgulho enquanto Brittany batia palmas, eufórica e Santana, ao seu lado, bufava entediada. - Ela e Finn, o amigo grandalhão dela, foram atrás de mim numa lancha quando eu ainda estava no mar com Biff. Nós não conseguimos terminar a nossa conversa porque ele nos interrompeu, mas, ela esperou por mim na Marina e quando atracamos, ela estava lá... Simplesmente, me esperando.              

Quinn até tentou, mas, o sorriso bobo finalmente venceu as suas tentativas de pará-lo e chegou aos seus lábios no fim da frase. O seu coração também acelerou e ela se viu ruborizando ainda mais, chacoalhou a cabeça, mas, nada do que fizesse seria capaz de eliminar o calor que Rachel exalava e que agora, parecia ter se instalado em seu peito. Kurt ria e Santana fazia uma expressão de nojo até que Brittany a empurrou carinhosamente e perguntou sonhadora:

— E vocês conversaram sobre o que? O que ela queria?

— Ela queria que eu saísse com ela. Especificamente, no mar, ela queria que eu fugisse com ela. - Quinn respondeu o mais calma que pode, contudo, o seu corpo não a ajudava. A sua cabeça recordava-se dos olhos castanhos intensos e do sorriso acalentador enquanto o seu coração respondia a eles, acelerando a ponto de ela escutar os batimentos em seus ouvidos, ecoando dentro de si, preenchendo-a daquele sentimento desconhecido que bombeavam. Quinn voltou a sorrir, na verdade, ela parecia ser incapaz de parar de sorrir. - Depois, em terra, ela voltou pela minha resposta.

— E você respondeu o que? - Kurt não conseguiu se conter e atropelou-a com uma pergunta, ele segurava as mãos de Brittany, ambos afoitos, enquanto Santana, no meio deles, revirava os olhos e simulava ânsias de vômitos. Quinn riu para o trio, por mais que estivesse chateada ao recordar-se dessa parte do dia de ontem. O sorriso minguou em seus lábios e ela abaixou a cabeça, a introspecção voltou a se manifestar e ela respirou fundo. Deveria ter respondido a Rachel enquanto podia. Quinn soltou o ar e respondeu ligeiramente amargurada:

— Eu não tive tempo, Biff apareceu e ela foi embora, dizendo que voltaria a me encontrar.

— Eu sabia que essa melosidade não ia nos levar a lugar algum! - Santana exasperou-se irritadiça, separando as mãos de Kurt e Brittany que estavam muito chocados para protestarem. A latina saiu da cama que estava e pulou para a de Quinn, sentando-se em frente à amiga com os olhos escuros semicerrados e julgadores. Foi a vez de a loira revirar os olhos, afinal, Santana não era o melhor exemplo de coragem quando se tratava de primeiros relacionamentos lésbicos. Quinn estava prestes a protestar contra o sermão que ela sabia que viria, mas, Santana foi mais rápida. - Você é frouxa, branquela! Será que eu vou ter que te dar uns tapas pra ver se entra no tranco? E não me olhe ofendida, você sabe que comeu barriga aqui! Deveria ter mandado Biff de volta para aquele buraco fresco de onde ele saiu... Não é a sósia do Frodo que você quer?

Quinn tinha a resposta na ponta da língua. Claro que era Rachel quem queria, mas, ela não esperava que a morena fosse tomar uma atitude como aquela, ainda mais depois do que vira na saída do “Jewelry of The Coast”. Não sabia o que acontecera naquela noite, só tinha conhecimento de suas suposições... Por isso a insegurança a deixou gaguejar as respostas que não dera. Por mais que, lentamente, se despisse de todos os seus medos, eles falaram mais alto diante de tanta surpresa. Ela queria Rachel, agora, sabia que queria... E também percebera que a queria da forma que fosse, com todos os “defeitos” que ela possuía e com todos os defeitos que ela carregava.

A dupla que, até então, estava chocada, finalmente se manifestou. Kurt puxou Santana da cama, forçando-a a sentar do lado de uma Brittany indignada. Ele mesmo se sentou em frente a Quinn e sorriu compreensivo ao apanhar uma das mãos pálidas entre as suas e afagá-las. Brittany olhou de lado para a namorada, visivelmente reprovando a explosão dela, antes de perguntar gentil a Quinn:

— Se você quer a Rach, por que vamos à festa do Biff, Q?

— Porque será em Santa Monica Boulevard, com comida e bebida boa de graça. E, também, porque estamos quase prontos e não temos nada para fazer nessa noite. - Santana foi, novamente, rápida em sua resposta. Não eram as suas palavras, mas, de certa forma, descreviam o que Quinn poderia responder. Não estava indo àquela festa para alegrar Biff ou os seus amigos deslumbrados e sim, para fugir um pouco da rotina e, também, para averiguar se Rachel viria mesmo atrás dela. Kurt olhou para Quinn, esperando que ela contradissesse aquilo que Santana falara, mas, surpreendeu-se ao vê-la acenando para a latina. Santana sorriu vitoriosa e apanhou a mão de Brittany, colocando-a em pé. - E fique tranqüila, pequena gafanhoto... Do jeito que a sua morena é insuportável, eu não me surpreenderia se ela invadisse aquela festa para te ver.

Mais uma vez, Quinn não conseguiu conter os sentimentos que transbordaram dentro de si. Ela se viu preenchida daquilo que jamais saturava o seu corpo quando se tratava de Rachel, novamente, ela se sentiu acolhida pelo calor e pela intensidade. O coração se acelerou e, foi com um sorriso animado que ela voltou a se arrumar.

Rachel a procurara para se retratar e prometera voltar... Talvez, não fosse loucura imaginar que ela poderia muito bem surpreendê-la, de novo, naquela noite.

 

— Eu já disse que isso é uma péssima ideia? - Finn voltou a repetir pela quinta ou sexta vez desde que deixaram a casa de Puck. Eles estavam no jipe do bad boy que já lançara um olhar enviesado para o grandalhão sentado no banco de trás com Marley e Sam. Rachel, no banco do motorista, revirou os olhos. Aquilo era o melhor que podia fazer diante de tanto nervosismo. As suas mãos tremiam levemente e a sua respiração estava descompassa de forma que nenhum exercício para tal pudesse melhorar.

Finn não estava ajudando e se ela não estivesse tão imersa em seus sentimentos conturbados em relação a Quinn, ela ficaria satisfeita em bater nele.

Porém, Sam a poupou de tal atitude. O loiro se esticou o braço através de Marley - sentada entre ele e Finn - e deu um tapa na nuca do gigante. Finn levou a mão à nuca, indignado. Puck riu roucamente enquanto guiava e Rachel se permitiu sorrir para aquela interação.

Os olhos castanhos apreenderam Marley que parecia distraída o bastante para não perceber o que se passara. Na verdade, Marley não estava com os pés no chão desde que voltaram da praia e do almoço em Venice Beach. Rachel alisou o tecido rendado do vestido vermelho que usava - ele ia até as suas coxas - e arrumou os fios castanhos que estavam soltos e levemente enrolados nas pontas, em seguida, comentou descontraída para a amiga:

— Ruby não poderia vir mesmo que a convidasse, o restaurante exige muito dela, Marls...

— R-ruby? O que...! - Marley murmurou sem fazer qualquer sentido, ajeitando os óculos e dando completa vazão ao seu nervosismo. Sam sorriu para o comportamento dela, desviando os olhos para a praia pela qual passavam velozmente na avenida, Finn permaneceu massageando a nuca e Puck sorrira maldoso, mas, felizmente, resolvera não comentar. A iluminação não era das melhores no jipe, mas, Rachel tinha certeza que a amiga corara. Marley ajeitou as mangas da camisa jeans que usava por cima da blusa estampada e, depois, brincou com as costuras de seus shorts. Distrair-se com as suas roupas era mais um sinal de que Marley Rose estava envergonhada. As duas trocaram olhares através do retrovisor do carro. - Eu não sei do que está falando, Rachel.

— Tudo bem, então, não há nada a ser dito! - Rachel deu o assunto como encerrado, mas, o seu tom de voz ainda detinha um pouco da maldade e da brincadeira. Sam riu ao notá-lo e Marley bagunçou os seus fios loiros em reprimenda. Rachel sorriu, observando-os e Puck, ao seu lado, girou o volante, fazendo uma curva para esquerda.

O jipe agora se encontrava em uma avenida larga e bem iluminada, de duas mãos, ora ladeada pelas palmeiras tradicionais na Califórnia e ora por construções modernas e requintadas. Aquela era uma região que destoava completamente da simplicidade praiana de Santa Monica, primeiro porque estavam em Los Angeles e, em segundo lugar, porque estavam em uma região rica e abastada da Califórnia. Rachel conhecia aquela região, mas, não gostava dela mesmo que possuísse dinheiro o suficiente para freqüentá-la. Todo aquele luxo não casava bem com a sua personalidade liberta e despreocupada, e, tratando-se de requinte e aparências, já bastava o que tinha que agüentar em Julliard.

Puck guiou o jipe por alguns quarteirões até que um movimento de carros à frente - mais precisamente, uma fila indiana - lhe chamou a atenção. O foco da movimentação ficava à frente e ele passou por ela, do lado direito da avenida, no mesmo sentido que guiavam. Rachel vislumbrou a entrada de uma casa branca, de caráter moderno e espaçoso, com um imenso jardim na fachada. Não existiam entradas para carros, o que justificava a fila que estava ali apenas para deixar os seus ocupantes. O som também lhe chamou atenção, a música estava alta, assim como os risos e as conversas. Contudo, o que mais a incomodou foi a presença de seguranças, existiam dois no portão. Puck pareceu perceber as suas observações e assegurou tranqüilo:

— Não há o que se preocupar, entraremos pelos fundos. Tenho um conhecido que está fazendo um bico como garçom hoje à noite.

Rachel se segurou nas palavras dele para continuar a acreditar na loucura que estava prestes a fazer. A tensão pareceu se propagar para os outros ocupantes do carro, porque eles também ficaram em silêncio conforme Puck virava à direita no próximo cruzamento. A construção ocupava praticamente um quarteirão e, quando eles estacionaram na rua tranqüila, ainda escutavam os sons da festa. Puck os guiou pela escuridão, caminhando calmo até encontrarem os portões do fundo. Ali, os sons mais evidentes eram as ordens entre os garçons.

Enquanto esperavam, no escuro, olhando ansiosos de um lado para o outro na rua, Rachel se perguntava, mais uma vez, se aquilo valia à pena. E, mais uma vez, o acelerar de seu coração era a sua melhor resposta. Mesmo que fosse loucura, era Quinn quem estava naquela festa e não podia permitir que aquele mauricinho fizesse mais um movimento em relação a ela.

Mais certa de sua decisão, mas, não menos nervosa, Rachel viu Puck sacar o telefone e fazer uma chamada. A porta imediatamente se abriu, revelando o rosto risonho de Jake Puckerman. Marley tentou se esconder atrás de Sam, mas, era tarde. Os olhos escuros do rapaz a focalizaram e, Marley teve que sorrir um pouco incomodada e acenar em reconhecimento. Jake estendeu a mão para Puck que a apertou efusivamente, em seguida, o mais novo disse eufórico:

— Se você me dissesse que Marley vinha, teria me convencido em nossa primeira conversa.

Rachel se virou para rir para a amiga e Marley encolheu os ombros. Puck revirou os olhos para o comportamento do irmão e entrou, carregando Sam e Finn junto. Marley foi logo depois de conseguir se desvencilhar de Jake e Rachel foi a última.

Eles atravessaram a cozinha e o reduto dos garçons até chegarem aos imensos jardins da propriedade. Muitas pessoas estavam espalhadas em grupos que conversavam e casais que se beijavam. A pista de dança era um tablado de madeira branca no meio do gramado, uma piscina estava desocupada, no centro da propriedade e algumas pessoas circulavam da casa para os jardins. A casa tinha uma enorme parede de vidro, através da qual era possível ver a sala de estar em que outros também ocupavam.

Muitas pessoas, muito movimento e, especialmente, muitos seguranças.

Porém, Rachel se apegou às batidas de seu coração e à certeza de que ele seria capaz de reconhecer Quinn em qualquer lugar.

# # # # #

Quinn não era fã de bebida alcoólica, mas, logo compreendeu que precisaria do álcool para agüentar aquela noite que prometia ser infinita. Ela esperava que ideias como aquela não voltassem a se passar em sua cabeça e, caso passassem, que seus amigos se encarregassem de trazê-la de volta ao juízo. Não valia a pena se vender por boa bebida, ótima comida e tédio. Nada comprava estar em um local em que odiava.

E era exatamente assim que Quinn se sentia. Primeiro, porque não conhecia ninguém ali - e ninguém parecia preocupado em conhecê-la ou conhecer os seus amigos, ou seja, estavam completamente deslocados - e, em segundo lugar, Biff e os seus companheiros de veleiro estavam bastante envolvidos, circulando pelo local. O mauricinho apenas a cumprimentara para, depois, se desculpar dizendo que precisava ver outras pessoas.

Que tipo de pessoa convidava outra para uma festa e não a acompanhava? Pessoas como Biff ou, talvez, pessoas que tenham se sentidos ofendidas como ele, aparentemente, se sentira diante de seu comportamento acompanhado a Rachel.

Os garçons serviam bebidas caras e elaboradas, a chapagne era à vontade e Quinn realmente agradecia por não ser uma bebida mais forte, se fosse, estaria embriagada e não responderia por seus atos. Por isso, estava na terceira ou quarta taça, sentada em uma das cadeiras junto à piscina, observando Santana e Brittany comerem acompanhadas por Kurt. Ela os invejava, nem a comida queria descer naquela festa.

Existia um buraco em seu estômago aberto pela ansiedade e pelo medo. Quinn estava curiosa para saber como a sua relação com Rachel se desenrolaria, ao mesmo tempo em que temia pelo que pudesse vir. Ainda assim, Quinn queria que Rachel aparecesse, fosse como fosse.

A loira finalizou a taça de champagne e colocou-a no chão, junto aos seus pés que, naquela noite, usavam um par de sandálias pretas com detalhes em prata. O vestido com estampa floral, sobretudo em verde - ressaltando a cor de seus olhos - marcava a sua cintura para, depois, cair solto até os seus joelhos, o cinto preto completava o visual. Os cabelos loiros estavam presos em um dos coques que Brittany inventara. Ela sentia-se estranhamente bonita naquela noite. E se viu ruborizando ao pensar que gostaria que Rachel a visse agora.

Com as bochechas ainda rosadas, ela procurou por um garçom, mas, ela parecia ter se isolado da festa. Talvez, não tivesse feito isso de forma inconsciente porque, antes de caminhar até a beira da piscina, estava bastante cansada dos homens que a abordavam.

Ela não queria homens, não naquele Verão.

Por isso, quando sentiu o calor de outro corpo em suas costas, entrou na defensiva. E pretendia permanecer daquela forma, ainda mais diante da taça de espumante que lhe era estendida através do lado esquerdo de seu corpo. Quinn estava pronta para dar qualquer desculpa educada ou qualquer negação fria - dependendo do comportamento de quem a cortejava - quando foi surpreendida. A voz que chegou aos seus ouvidos não era masculina, nem desconhecida. Era o extremo oposto e o seu coração acelerou ao ouvir o gracejo:

— Aparentemente, eu tenho o timing perfeito quando se trata de você.

O corpo de Quinn respondeu antes mesmo que ela pudesse pensar no que fazia e nas possibilidades de ocorrer, exatamente, o que Santana dissera antes de deixarem o apartamento. A loira se virou, inclinando o corpo levemente para trás, apoiando-se na cadeira com uma das mãos enquanto apanhava a taça com a outra. Quando, enfim, conseguiu se firmar, os seus olhos verdes procuraram e encontraram os castanhos intensos dos quais sentia tanta falta.

Rachel Berry - ela não sabia como - estava sentada de lado, olhando-a pelo canto dos olhos. Naquela noite, os olhos castanhos brilhavam como estrelas em um céu escuro, o sorriso caloroso que incendiava todo o seu interior era misterioso enquanto Rachel levava o próprio copo aos lábios. A morena piscou divertida e charmosa antes de engolir o uísque de seu copo. Quinn engoliu em seco, estava com dificuldades para falar porque todos os estímulos de seu corpo pareciam dispostos a manifestarem a sua realização por meio de um sorriso límpido e verdadeiro.

Os seus pensamentos prévios antes de Rachel aparecer lhe vieram à mente, a morena realmente a via naquela noite. Na verdade, pela forma como Rachel a olhava, parecia ser a única que a enxergava. Quinn pode sentir o rosto esquentar e sabia que estava bastante corada ao perguntar extasiada:

— Como foi que você chegou aqui?    

— Ah, digamos que eu também não fico atrás quando se trata de ter conhecidos em Santa Monica. Não da alta roda e sim, bons amigos que podem me colocar em festas como essas. - Rachel respondeu divertida, gargalhando aquela risada contagiante que fez o coração de Quinn se aquecer. Já reparara mais de uma vez que a morena ficava incrível quando ria, até mesmo apreendera um daqueles momentos. Contudo, estando tão perto dela, era impossível não reparar na forma especial como os olhos de Rachel quase se fechavam quando ela cedia ao riso, também era difícil não reparar na forma como o peito dela se agitava enquanto dividia-se entre buscar oxigênio e dar vazão ao riso e, principalmente, era complicado não reparar nos lábios carnudos que permaneciam entreabertos quando a risada minguava. Quinn observava e Rachel, também. Os olhares se encontraram e se prenderam com tal magnetismo que fariam inveja a relação entre as fases da lua e as marés. - Especialmente, se eu quiser invadir uma festa para perguntar, mais uma vez, a certa garota se ela gostaria de sair comigo.

As palavras não eram as melhores amigas de Quinn naquela noite, não que precisasse delas para manifestar o que sentia quando os seus olhos brilhavam extasiados para o que Rachel dizia. O tom dourado brigava com o verde, deixando o olhar mais verdadeiro e inquieto, as bochechas ainda estavam coradas e existia um sorriso pequeno, mas, realizado, nos lábios de Quinn. A loira não sabia o que fazer com as suas mãos e soube ainda menos quando percebeu que Rachel se aproximava.

Quinn abaixou o rosto, não soube por que, e os seus olhos visualizaram as pernas morenas cobertas pelo tecido vermelho do vestido que Rachel usava. Ela perdeu-se no contraste das texturas e cores, estava disposta a permanecer ali até que sentiu o toque carinhoso de Rachel em seu queixo. O indicador da morena erguera o belo rosto pálido, as duas voltaram a se olhar e Quinn ofegou.

Os olhos castanhos estavam quase negros, uma escuridão misteriosa em que Quinn estava disposta a mergulhar e se afogar. O ponto em sua pele onde Rachel tocara estava quente e enviava todo aquele calor para o resto de seu corpo, ela sentia-se feita de fogo ainda que, há minutos atrás, fosse feita de vazio. O buraco em si se preencheu de Rachel e de tudo que ela representava... A liberdade, a descoberta, o mistério e o clamor.

Quinn inclinou-se para frente, o bastante para sentir outro sentido seu perder-se em Rachel quando o seu olfato apreendeu as notas âmbares do perfume da morena. Próximas, Rachel lhe sorriu cúmplice e Quinn a retribuiu como se somente elas soubessem o que dividiam naquele momento. Na verdade, nenhuma das duas sabia e, estavam dispostas a descobrirem juntas... Apenas mais um incentivo e elas se encontrariam.

— O que está acontecendo aqui?! - A voz de Biff soou mais estridente do que Quinn se lembrava. Foi o bastante para as duas se afastarem, Quinn levantou-se assustada enquanto Rachel permanecia estranhamente calma. O rapaz observava as duas, impassível, contudo, a loira apreendeu o lampejo de julgamento nos olhos dele. Biff avançava, em um misto de fúria e desconforto até que Rachel contornou a cadeira, postando-se ao lado de Quinn como se fosse capaz de defendê-la, fazendo-o parar.  

Os amigos e amigas de Biff logo se aproximaram, cercando-as por todos os lados. Biff até conseguia disfarçar o que compreendia, mas, a maioria dos seus, não. Em torno delas, olhares de nojo e excitação se faziam presentes. Quinn se viu encolhendo-se de encontro ao buraco em seu estômago, como se ele fosse capaz de engoli-la. O amargo chegou a sua boca e ela teria corrido se não tivesse sentido a pequena mão de Rachel envolver, corajosamente, o seu pulso.

Então, o redor delas não era feito somente daqueles que acompanhavam Biff. Inexplicavelmente, Santana e Brittany estavam ladeando-as, feito guarda-costas. Marley estava atrás delas, acompanhada por Kurt. E os três rapazes de Rachel - Puck, Sam e Finn - tinham se posicionado em frente as duas, com posturas enrijecidas e soberanas. Quinn sentiu o buraco em seu estômago diminuir, sobretudo, porque estava se sentido segura. Aquelas pessoas, os seus amigos e os amigos de Rachel, eram aqueles com os quais podia ser quem era.

— Eu acho que o que está acontecendo aqui não tem nada a ver com você ou com os seus amigos, cara. - Puck soava apaziguador, mas, existia uma ameaça nas entrelinhas de suas palavras. Finn e Sam acenaram diante das palavras e Quinn se sentiu puxada para trás por Marley e Kurt. Eles tentavam fazer o mesmo com Rachel, mas, a morena mantinha-se estóica, encarando Biff de igual para igual, mesmo que tivesse os amigos a sua frente e uns bons centímetros a menos do que ele. Biff então sorriu irônico. Quatro dos seus amigos o flanquearam e ele, sarcástico, respondeu:

— Eu não me lembro de ter convidado gente como vocês para essa festa.

— Provavelmente, não nos convidou porque sabe muito bem o que pessoas como nós fazemos em festas como essa... - Rachel ameaçou corajosa, desvencilhando-se de Marley que, nesse momento, levou as mãos à cabeça, desesperada. Kurt arregalou os olhos e Santana abriu um sorriso surpreso e excitado. A pequena morena passou pela barreira de homens que a protegia e se postou em frente a Biff, com as mãos na cintura. Ele a olhou de cima, depreciativo. E Rachel não se deixou amedrontar. - Pessoas como nós sempre causam confusão, não é mesmo? Aliás, ao se referir a nós dessa forma, pretende ofender quem? Não fui eu quem deixei a ralé entrar e, muito menos, fui eu quem perdi a garota nessa noite...

Já não existia muito som naquele agrupamento, porém, foi nesse instante que os demais convidados começaram a reparar no que acontecia e o silêncio se estendeu para além do confronto. Biff fechou as mãos em punho, totalmente furioso e Rachel sorriu debochada para ele, foi ali que ele percebeu que não atingiria a pequena e a sua percepção tornou-se ainda mais evidente quando, entre os meninos que flanqueavam a morena, ele viu Quinn sorrir extasiada. Biff olhou de uma para a outra e sussurrou venenoso para a loira:

— Você já cogitou o tamanho da decepção dos seus pais ao saberem da sua aventura de Verão, Quinnie?

Ninguém soube se foi o apelido carinhoso dito de forma tão nojenta, ou o conteúdo das palavras de Biff, ou a expressão amedrontada de Quinn que Rachel enxergou, mas, algo ou tudo isso foi capaz de provocar uma reação avassaladora na morena. Ela se virou rapidamente para Biff, tão rápida que alguns de seus ossos estalaram, as saias de seu vestido farfalharam como ondas de fúria vermelhas. Em seguida, ela avançou para ele, empurrando-o. Biff caiu de costas e ela marchou sobre ele, apontou o dedo para o rosto que a encarava surpreso e vociferou:

— Você a ameaçou, é isso mesmo? É bom pensar bem antes de falar, dependendo da sua resposta, você se arrependerá de ter aberto a boca!

Rachel era uma mulher pequena, por isso, nem Biff e nem seus amigos a levaram a sério. As gargalhadas deles fizeram Puck, Sam e Finn olharem-se com incômodo e indignação, o desprezo que aquele grupo manifestara em relação a Rachel era algo que o trio não toleraria. Puck adiantou-se e puxou a amiga consigo, trazendo-a para o seu lado. Enquanto isso, Biff se levantou e a olhou de cima embaixo, depois, voltou a procurar Quinn na redoma da proteção que a envolvia e disse maldoso:

— Faça bom aproveito da merda em que você se afundou, Fabray!

E tudo aconteceu muito rápido. Dessa vez, Puck não conseguiu segurar Rachel que avançou para Biff. Ela não conseguiu machucá-lo, mas, a confusão se instalara. Os empurrões começaram entre os garotos e Quinn se viu puxada para trás antes de conseguir tirar Rachel da bagunça de corpos e xingamentos. Era Marley quem a carregava para longe, Santana vinha logo atrás, apertando a mão de Brittany e falando rapidamente no telefone.

Quinn não conseguia apreender nada, nem os demais convidados reprovando o comportamento do grupo, nem os seguranças correndo para separar a briga. Porém, ela viu muito bem e, em câmera lenta, o que aconteceu com Rachel. Puck acertara um soco em Biff, Sam brigava com um dos amigos dele e Finn empurrava um na piscina antes de partir para cima de outro. Porém, Sam também foi empurrado e o seu corpo atingiu o de seu agressor que, por sua vez, deslocou Biff que já iniciara o movimento de soco em Puck. Com esse deslocamento, o soco tomou um novo rumo e atingiu outra pessoa.

A pequena morena caiu debilmente e, imediatamente, Puck debruçou-se sobre ela, protegendo-a enquanto gritava com Sam e Finn e os dois terminavam de esmurrar os que restavam. Os grupos estavam separados quando os seguranças chegaram e ainda assim, foram levados para fora pelos fundos. Quinn sentiu-se ser puxada mais rudemente e se surpreendeu ao perceber que tanto ela, como Marley, Kurt, Santana e Brittany, eram guiados na mesma direção por um trio de seguranças.

Ela jamais fora expulsa de uma festa, mas, estava preocupada demais para reparar nisso ou para discernir os sons das sirenes de polícia. Tudo que conseguia pensar era em Rachel.

 

Ruby estava servindo uma mesa quando o Chefe Schuester chegou acompanhado da Chefe Adjunta Sylvester. A dupla de policiais era a mais bizarra que podia existir,

O policial era calmo e ponderado, sempre gentil e, de certa forma, charmoso. Ele era conhecido por prezar pelo bom senso e pela conversa, muitos o julgavam fraco por isso, mas, Chefe Schuester sempre procurava pela melhor solução. Já a sua companheira era ativa e exagerada em suas atitudes, sempre vociferando ordens mesmo quando não estava de plantão e se Schuester era o coração, a Chefe Adjunta Sylvester era a razão e, por vezes, a falta dela. Era conhecida por suas punições e por certos abusos cometidos, ela não brincava em serviço.

Os dois policiais eram experientes e, mesmo sendo tão diferentes, eram muito respeitados na região. Tamanho respeito os fazia serem atendidos pela dona do estabelecimento.

Por isso, Ruby adiantou-se para servi-los com o seu melhor sorriso de boas vindas. Os dois policiais a cumprimentaram com acenos de cabeça, Schuester até mesmo deu um sorriso enquanto Sylvester se prestou a manter-se séria e sisuda. O policial olhou ao redor e, visivelmente surpreso com o movimento do restaurante, comentou simpático:

— Eu jamais imaginei que o “Jewelry of The Coast” pudesse se tornar um point na noite de Santa Monica. Você fez um bom trabalho, Ruby.

— Qualquer coisa surpreende você, Schuester. Além do mais, não sei se gosto do que o restaurante se tornou... - Sylvester comentou rudemente, amarelando o sorriso de seu colega de trabalho e apenas aumentando o de Ruby. A californiana sabia muito bem que a implicância era a forma da policial demonstrar aprovação em relação a algo, o seu pai a orientara bem em relação a isso. Ruby olhou ao seu redor, orgulhosa de si mesma em relação ao empreendimento pelo qual tanto trabalhara e perguntou aos policiais:

— Então, o que eu posso fazer por vocês hoje...?

Ruby não conseguiu terminar a sua pergunta, na qual ofereceria os especiais da casa. Nesse momento, o rádio de ambos policiais chiou em seus ombros, alertando para um chamado. Ambos inclinaram a cabeça para escutarem do que se tratava e, mesmo no barulho do restaurante, Ruby conseguiu aprender algumas palavras:

Confusão em Santa Monica Boulevard... Festa...! Briga e agressão...! Dois grupos de garotos e uma garota baixinha...! 

A californiana engoliu em seco. Ela conhecia um grupo de garotos e uma garota baixinha, assim como sabia de uma festa em Santa Monica Boulevard. E, na última vez que olhara as suas redes sociais em seu celular, Puck dera check-in naquela região, em uma foto com Sam e Finn, bebendo um uísque caro que nenhum deles podia pagar. Ruby não precisou pensar muito para juntar as peças.

Puck, Finn, Sam e Rachel invadiram mais uma festa e seriam pegos, de novo, por Schuester e Sylvester.

Ruby esperou pela reação dos policiais, Schuester sorriu, desculpando-se e Sylvester revirou os olhos. A dupla caminhou até a viatura, ligou a sirene e desapareceu pela avenida da orla da praia. Mal eles tinham deixado o restaurante, Ruby já estava vociferando ordens para os seus funcionários, fazendo pedidos de refeições e dizendo que se ausentaria por algum tempo.

Provavelmente, seriam horas, mas, eles não precisavam saber disso.

Estava furiosa com Rachel pelo show bêbado que ela dera, mas, não podia deixar a amiga na mão. Na verdade, não podia deixar que Marley se metesse em confusão só porque tinha um bando de amigos sem juízo. Quando os seus pedidos para viagem ficaram prontos, ela correu até o seu Mustang e ligou o motor.

Não chegaria antes dos policiais, sabia disso, porém, trazia algo que talvez pudesse convencê-los a não pegarem pesado com Rachel e os outros. Ela sabia o que tinha que fazer, o seu pai lhe ensinara em todas as noites passadas com ele, trabalhando no restaurante. Se não podia inocentar os seus amigos - porque sabia muito bem que, com certeza, eles provavelmente brigaram mesmo naquela festa - teria que negociar com os dois chefes de polícia. E não havia barganha com policiais que não envolvesse comida, ainda mais, os especiais do “Jewelry of The Coast”.

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Marley começava a se arrepender por desejar um Verão cheio de surpresas e aventuras. Claro que estava perfeitamente feliz por Ruby Clearwood ter surgido em sua estação, só que não precisava de uma confusão daquelas. Enquanto aplicava gelo no olho de uma Rachel irritadiça, ela se perguntava como foi que chegaram ali.

Ela sabia que Rachel não tinha juízo, mas, depois dos acontecimentos dos últimos dias, ela começara a acreditar que a morena era maluca. Marley deveria ter desconfiado quando Rachel veio com a proposta de invadirem uma festa da alta sociedade de Santa Monica por pura diversão e também deveria ter percebido, ao reencontrarem Quinn Fabray, que tudo aquilo era por causa dessa garota.

E, principalmente, Marley deveria ter segurado Rachel melhor e não ter deixado-a pensar que poderia bater em um monte de garotos pela honra de uma garota.

Rachel fora estúpida e mesmo estando possessa de raiva da melhor amiga, foi incrível vê-la se impor daquela forma, tão corajosa e apaixonada. Marley estava - no fundo, embaixo de toda a irritação e revolta que sentia - orgulhosa pela amiga mesmo que quisesse deixar o outro olho dela roxo, no momento.

A cena era a seguinte: as garotas envolvidas na confusão - e nesse grupo se incluíam Marley, Rachel, Quinn, Brittany e Santana - estavam próximas à viatura da polícia. O modelo era um SUV que estava com o porta-malas aberto. Ninguém as vigiava porque os dois policiais que receberam o chamado estavam ocupados, interrogando os garotos que estavam sentados no meio fio da rua. Kurt parecia totalmente deslocado dos demais, perfeitamente alinhado, enquanto os outros tinham os cabelos bagunçados, hematomas e até mesmo, sangue em suas roupas.  

Rachel estava sentada enquanto Marley, de pé, segurava o gelo em seu olho direito. A morena parecia bastante satisfeita consigo mesma - ainda que estivesse, há minutos, levemente desorientada - o seu sorriso aumentava e se potencializava quando encontrava o olhar de Quinn que estava à frente, ladeada por suas amigas. Marley bufou para o comportamento dela e bronqueou indignada:

— Eu acho que você já está bem apta para segurar o seu próprio gelo!

— Eu também, mas, eu posso fingir estar desorientada por mais alguns minutos desde que Quinn venha até aqui, segurar esse gelo para mim... - Rachel respondeu maliciosa, piscando o olho sadio para a amiga. Marley retrucou, apertando o gelo de encontro ao ferimento, fazendo a morena grunhir de dor para, depois, segurá-lo derrotada. - O que ela está fazendo parada lá? Ela deveria estar aqui, comigo.

— Talvez, ela esteja assustada com tudo que aconteceu. Você sabe ser bastante intensa quando quer e parecia disposta a matar um lá dentro. - Marley sentenciou sabiamente, cruzando os braços na altura dos seios, enquanto encostava às costas no SUV, contemplando o tráfego de carros na Santa Monica Boulevard movimentada.

A festa não parara com a confusão e a música era audível no local onde estavam. Nem Rachel e nem os meninos pareciam preocupados, mas, Marley estava bastante nervosa. Jamais passara por algo semelhante àquilo e não tinha a menor ideia de como eles se sairiam dessa já que não tinha acompanhantes para defendê-los. Estavam ferrados, então, por que todo mundo parecia tranqüilo?

Quer dizer, o seu grupo estava tranqüilo enquanto os mauricinhos surtavam.

O garoto que acertara o soco em Rachel já esbravejara, depois chorara e agora, estava calado, de cabeça baixa, enquanto o policial recolhia e analisava a identidade de cada um dos garotos envolvidos. Marley não o conhecia pessoalmente, mas, ele não parecia ser uma boa pessoa depois do que presenciara. Na verdade, ele lembrava os alunos de Julliard que insistiam em incomodá-la. Garotos que pareciam ter tudo e, ainda assim, não possuíam o essencial.

Kurt logo foi liberado pela policial e veio se juntar às meninas, ele ficou entre Rachel e Marley e o outro trio. Ele estava visivelmente exausto e muito chateado, olhou reprovador para Rachel que, debochada, lhe fez um sinal de positivo. Marley conteve uma risada diante daquela interação e Kurt revirou os olhos, ignorando Rachel com um ar blasé, antes de dizer:

— Eu gostaria de saber quem chamou a polícia. Poderíamos ter desaparecido se eles não tivessem aparecido!

Não houve qualquer manifestação verbal, porque a pergunta parecia retórica. Contudo, Quinn e Brittany olharam acusadoramente para Santana que deu de ombros e fingiu olhar para qualquer outro ponto que não fosse Kurt, tentando parecer inocente e obtendo o efeito contrário. O moreno compreendeu de imediato o que o comportamento da latina significava e, indignado, perguntou:

— Por que você chamou a polícia, Lopez?!

— Eu fiquei medo que a confusão piorasse. - Santana respondeu na defensiva, voltando os olhos escuros para Kurt que permanecia em surto, incrédulo pela atitude dela. A desculpa não funcionara porque, afinal, Satan Lopez não era conhecida por perder uma briga ou fugir de confusão.  - Além do mais, eu estudo as leis, queria que eu ficasse parada enquanto os outros se matavam, Hummel?

— Você quebrou as leis mais do que qualquer um aqui enquanto estávamos em Lima, Lopez! - Kurt esbravejou dramático, atraindo a atenção da policial que, desconfiada, abandonou a supervisão dos rapazes e caminhou lentamente para onde as meninas e ele estavam.

Durante toda essa interação, Rachel e Quinn trocaram olhares tímidos. A morena sorria o tempo todo, mesmo que essa atitude provocasse um incômodo em sua testa e olho machucados. Jamais pensara que levar um soco aleatório em uma confusão fosse valer tanto à pena. Quinn a olhava como se ela fosse mais do que, verdadeiramente, era. E Rachel se viu necessitada daquele olhar... Porque esse tipo de olhar, de esperança, a fazia acreditar que realmente podia ser uma pessoa melhor para Quinn.

As duas sequer começaram direito, mas, Rachel sentia-se diferente. Os seus outros relacionamentos traziam porções de si diferentes e aleatórias, por vezes boas e, em outras, ruins. Com Quinn parecia que seria diferente, assim como tudo que vinha sentindo em relação àquela tímida garota apaixonada por fotografia. Quinn trazia o bom e, principalmente, o até então desconhecido para Rachel. Era impressionante a intensidade do que dividiam, intenso a ponto de ela até arrumara um caos homérico por causa de algumas ofensas de um cara que não importava.

Rachel pensou, aos risos, que se aquilo não era amor, ela não saberia dizer o que era.

Os pensamentos da pequena se perderam porque, entre os sons do tráfego, ela reconheceu o som sôfrego do motor do Mustang 1968 de Ruby, a policial parara e se virara em direção ao. Os olhos castanhos encontraram a amiga descendo do carro estacionado logo atrás do jipe de Puck e mesmo àquela distância, era possível discernir os contornos da embalagem de papel pardo que ela trazia em mãos. Rachel sorriu vitoriosa, estavam salvos.

A morena também percebeu a mudança na postura de Marley. A loira endireitou o corpo, ajeitando as mangas da camisa jeans e jogando os fios loiros para trás enquanto endireitava os óculos. Rachel riu baixinho do nervosismo dela e, mais uma vez, os seus olhos encontraram Quinn. A outra loira tinha um sorriso pequeno nos lábios quando, receosa, abandonou Santana e Kurt que ainda discutiam para caminhar em sua direção.

As duas não se falaram quando, enfim, se encontraram. Quinn tomou a bolsa de gelo de suas mãos e afastou-a para verificar o estado de seu olho ferido. Pelo reflexo dourado-esverdeado dos olhos dela, Rachel enxergou que, talvez, estivesse inchado e levemente avermelhado... Mas, não importava, não quando Quinn a olhava daquela forma. Tão atenciosa e tão preocupada.

Depois de minutos de observação, Quinn voltou o gelo para o local e suspirou. Existia cansaço em suas feições e ações e tudo que Rachel queria era ser capaz de levá-la para descansar.

Por cima do ombro dela, Rachel viu Ruby fazer a sua mágica. O Chefe Schuester aceitou a sua parte de bom grado, mas, a Chefe Sylvester exigiu um pouco mais da lábia da californiana. Por fim, Ruby terminou o que fazia e Schuester liberou os garotos que praticamente correram desesperados para o jipe. Os protestos dos mauricinhos eram audíveis e provocaram um sorriso maldoso nos lábios de Ruby conforme ela caminhava em direção às meninas e Kurt.

Quando a californiana os alcançou, Rachel a olhou agradecida e Ruby acenou com a cabeça. A cumplicidade entre elas dispensava palavras e, por isso, mesmo no silêncio, Rachel sabia que estava tudo bem... Por agora. Ela precisaria conversar com Ruby e aquele não era o local, nem o momento. Devido a isso, Rachel deixou-se invadir pela onda morna que vinha da proximidade com Quinn e perguntou curiosa:

— O que isso tudo lhe custou?

— Um dos especiais do “Jewelry of The Coast” para cada e um ano de almoços grátis nos plantões dos dois... - Ruby respondeu satisfeita com a barganha, ainda que a sua cabeça fizesse contas diante do prejuízo que ela provavelmente levaria por causa da irresponsabilidade de seus amigos. Marley adiantou-se e sem jeito, sussurrou:

— Obrigada, ficamos lhe devendo essa.

— Ah, você me deve várias outras coisas além do que se passou aqui... - Ruby sussurrou charmosa, piscando um dos olhos azuis para Marley que corou da cabeça aos pés. Santana parecia hipnotizada pelo que via entre as duas e Brittany a beliscou mais de uma vez para que ela voltasse a focar os seus olhos em um local que não fosse Ruby. Kurt abraçou o casal de amigas pelos ombros e Quinn enrijeceu diante da presença da californiana, contudo, Rachel segurou a mão livre dela levemente e ela logo relaxou, fazendo um beicinho envergonhado. - Por isso, você volta comigo e os outros que se ajeitem.

Ruby nem esperou que Marley lhe respondesse, simplesmente a segurou pelo pulso e as duas caminharam de mãos dadas até o Mustang. Rachel suspirou satisfeita para o que viu pensando que, em um acesso de loucura e teimosia sem precedentes, ela quase destruíra o que as duas construíam. Depois de vê-las partir, a morena procurou o jipe de Puck, o seu amigo a largara ali, afinal, Noah Puckerman e polícia ainda eram constituíam uma relação de distância e desespero. Por isso, a morena pigarreou para chamar a atenção do grupo em que ficara e, sem graça, sussurrou:

— Eu acho que terei que voltar com vocês.

— Ótimo. Que Quinn banque a Branca de Neve e leve a anã para o carro! - Santana anunciou levemente irritada, dando às costas ao resto do grupo e carregando Brittany consigo. Kurt foi logo atrás e Quinn ficou para ajudá-la a descer do porta-malas do SUV. Rachel pensou em retrucar, porém, sentir Quinn próxima a si, mais uma vez, era essencial comparado a tirar a motorista de sua carona do sério.  

Ao descer, uma leve vertigem fez Rachel desequilibrar. Dessa vez, foi Quinn quem segurou. Os braços pálidos da mais alta envolveram a delgada cintura morena e elas se olharam, próximas e íntimas. Rachel sorriu para o arrepio que percorreu o seu corpo quando a mão de Quinn, gelada, tocou o tecido leve de seu vestido. A loira corou, sem saber o que fazer com as mãos ou onde colocá-las. Rachel parecia saber o que fazer pelas duas e se aproximou, decidida, daquela vez. Uma de suas mãos manteve a de Quinn em sua cintura e a outra, no mesmo movimento, buscava alcançar o rosto de Quinn. Contudo, não pode terminar o que fazia porque, dessa vez, quem gritou foi Kurt:

— Andem logo, essa noite já deu o que tinha que dar!

Nenhuma das duas concordava com o que ele dissera e, frustradas, caminharam em direção ao carro... Para ambas, aquela noite podia durar uma vida inteira.

 

O restaurante foi o ponto de encontro de todos os carros. Chegaram quase todos em sequência, primeiro o jipe de Puck, em seguida, o Mustang de Ruby e, por último, o Old Beetle de Santana. O grupo de Quinn não fez menção de descer e Santana estava intratável no volante, visivelmente cansada e decidida a ir para o apartamento, dormir. Por isso, Rachel tratou de saltar para fora do carro. Para a sua surpresa, Quinn a acompanhou enquanto ela caminhava até a varanda, agora vazia, do “Jewelry of The Coast”.

Rachel foi atraída para os sons dos meninos, dentro do salão. Eles já estavam sentados, pedindo por água e bebida, feridos e discutindo, aos gritos, os melhores momentos da briga. A morena sorria para a alegria deles quando mãos trêmulas envolveram o seu rosto, requisitando a sua atenção e puxando-a para embriagar-se, mais uma vez, no dourado esverdeado, naquela noite.

Quinn suspirou de encontro à pele morena antes de beijar o ponto entre a testa e o olho que estava levemente inchado. O beijo provocou um arrepio de dor na pequena e ela se encolheu de encontro ao corpo esguio e mais alto. Rachel percebeu que poderia se encaixar, perfeitamente, naqueles braços. Mas, não teve a oportunidade de se afogar neles porque Quinn afastou-se delicadamente com um sorriso charmoso e, olhando-a nos olhos, envolvendo-a no dourado, sussurrou:

— Parar sarar e dar sorte.

— Isso quer dizer que a minha sorte sorriu para mim e você aceitará sair comigo qualquer dia desses? - Rachel perguntou extasiada, ainda sobre os efeitos daquela proximidade que, diferentemente de todas as outras, apaziguava os seus demônios e a fazia esquecer as grandes certezas que julgava possuir em relação às pessoas de sua vida. Rachel queria mais e não conseguia controlar as suas palavras, não havia espaço para réplicas inteligentes ou cantadas baratas, era o seu sentimento que falava. Quinn assentiu para ela e o coração da morena quase explodiu dentro do pequeno peito e, como se não bastasse, a loira completou:

— Não qualquer dia e sim, amanhã.

Dessa vez, Rachel foi deixada para trás e não houve qualquer dor frente a isso. Pelo contrário, ela não se despedaçou e sim, se reconstruiu. Tudo porque, depois de tanto tempo e de tantas pessoas, ela voltou a acreditar. Nos silêncios tímidos e olhares envergonhados de Quinn, existiam promessas firmes e determinadas. Rachel, de alguma forma, sabia que a loira não desistiria... Nem dela, nem do que começavam a sentir.

Jamais saberia explicar como uma noite infernal como aquela poderia acabar daquela forma. Também não conseguia entender como não sentia a dor em seu olho, mesmo diante do golpe que levara. Rachel não tinha noção do que estava acontecendo, mas, existia uma razão para aquela noite ter existido.

Existia uma razão para ter esbarrado em Quinn no seu primeiro dia em Santa Monica, naquele Verão. E, essencialmente, existia uma razão para que elas existissem, em meio a toda bagunça nos desencontros.

Os últimos dias foram infernais, mas, o Verão preparava algo para elas.

Quinn entrou no Old Beetle e partiu. Rachel a observou ir embora acenando antes de, pela primeira vez, depois de muitos anos, olhar para as estrelas... Acima dela, as estrelas brilhavam o seu tradicional brilho prateado que formava constelações no limpo céu de Santa Monica.

Contudo, tudo que lhe vinha à mente eram as estrelas douradas, as metáforas de sua infância e adolescência que ela, dolorosamente, abandonara. Os seus olhos castanhos procuraram e encontraram Cygnus brilhando docilmente, Rachel levou à mão à base das costas do lado esquerdo, dedilhando a tatuagem que conhecia tão bem e sorrindo para o que sentiu.

Não foi um aperto em seu peito e sim, um libertar.

Com os olhos ainda nas estrelas, Rachel se lembrou porque as metáforas eram importantes. Metáforas traduziam o que parecia exacerbado sentir... As estrelas douradas eram a metáfora que traduziam o que Rachel amava e desejava ser. E, na época em que a perdera, Rachel estava imersa no vazio de um céu escuro que a privava de amar, ser e acreditar.

Agora, quando voltava a acreditar nas estrelas douradas que regiam a sua vida, era justamente quando sentia algo que ainda não tinha definição e que era igualmente ou mais forte do que a perda que, um dia, quase tirou tudo de si. Algo que a fazia querer ser alguém melhor e que, principalmente, a fazia acreditar em tudo que duvidara.

Metáforas eram esquecidas e, também, amadureciam.

Naquela noite, o dourado lhe lembrava o tom dos olhos de Quinn na maior parte da noite e as estrelas recordavam-lhe a voz que calara durante todo aquele tempo.

Cygnus, em sua lenda, fora nomeada a partir de um resgate mediado pela música. E, sozinha, em pé na varanda de um restaurante vazio, Rachel sentia que estava sendo resgatada do local onde estivera, prisioneira de sua própria destruição... Estivera perdida dentro de si, de seus próprios erros e privações, contudo, agora, ela decidira que Quinn podia ficar... Ela decidira que poderia ser, enfim, salva.  

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Notas finais do capítulo

O que acharam? Deixem as suas críticas, pedidos, dúvidas e broncas nos comentários...

E antes de nos despedir, algumas observações: não é porque a fanfic é AU que eu deixaria de mostrar um pouco da Rach da série. E eu acho que esse capítulo tem muito da intensidade da Rach da série... Além, é claro, das metáforas e das estrelas douradas. Eu demorei a abordar essa parte porque ela é de suma importância nesse passado misterioso da nossa morena. E o mesmo cabe para Quinn, como puderam perceber, a timidez dela vem do que a família dela é (o que não diverge muito da série).

Enfim, espero que tenham gostado, aguardo as percepções de vocês!

Beijos e até a próxima,
Fernanda Redfield (@redfieldfer)



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