Dúvidas da razão escrita por larissasalary


Capítulo 8
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Um pedaço de pano em minha cozinha



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A polícia chegou rápido. A área foi cercada e demos nosso depoimento. Era a parte mais chata de tudo.

As palavras do Raio ficaram em minha mente. Eu tentava a todo custo imaginar outra coisa, mas sempre vinha aquela voz grossa dizendo "você mudou muito desde a última vez que te vi". Isso era um pesadelo. Como ele me conhecia? Não me lembro de suas feições de forma alguma. Eu estava com medo.

A perícia iria investigar o local atrás de pistas e o corpo do suicida foi mandado para o legista. Foi decretado um estado de alerta e todas as pessoas que trabalham de forma política e econômica no governo tiveram a sua segurança dobrada. O prefeito havia sido colocado em uma casa diferente, juntamente com sua família, para que todos ficassem em segurança. O sigilo sobre seu endereço foi exigido e pouquíssimas pessoas sabiam onde ele estava.

Não tínhamos mais o que fazer ali, então o capitão nos liberou para irmos para casa. Estávamos cansados e sobre tudo, assustados com o que ocorrera está noite.

—Boa noite Jess! Até amanhã! - digo a ele, que estava do outro lado do meu carro. Quando então entro no veículo, Jess entra logo em seguida.

—O que você está fazendo? - eu pergunto completamente confusa.

—Você ainda pergunta? Acha mesmo que vou deixar você andando por aí sozinha com um assassino terrível à solta e que conhece você? Não, não vou mesmo.

—Mas Jess...

—Nem me venha com isso. Eu vou para a sua casa. Nem que eu tenha que dormir no chão, eu vou ficar lá hoje.

—Ok senhor fodão. Bom que se tudo der errado você poderá ser segurança particular. - falo completamente derrotada. Não deveria tentar contrariá-lo. Ligo o carro e saímos dali em direção à minha casa. Nos quinze minutos que separam o galpão da casa, Jess conseguiu dormir. O sono dele era sereno, calmo, como o de um bebê. Nem parece que esse bebê acabara de estar em um tiroteio.

Sua respiração está tranquila quando paro o carro e o desligo. Eu não quero acorda-lo. É uma cena bonita. Ele estava em paz. E eu queria estar também. Como eu queria.

—Ei Jess, acorde. - eu falo baixinho, o balançando um pouquinho. Ele reclama e vira para o outro lado. Era só o que me faltava, ter que bancar a babá. Estava cogitando deixar ele dentro do carro, não estava com paciência para isso, mas seria muita maldade da minha parte. Eu levanto no meu assento para alcança-lo. Balanço ele com mais força.

—Jess, acorda!

Ele então acorda e da um lindo sorriso sonolento para mim. Eu retribuo.

—Vamos entrar porque estou exausta.

Saímos da garagem e entramos. Ele me ajuda a olhar os cômodos e vemos que não há ninguém lá. Bom, agora era hora de tomar um banho. Diferentemente do Jess, meu banheiro para visitas era organizado e limpinho. Pego umas toalhas, sabote e shampoo para ele. Mas faltava alguma coisa...

—Mas Jess, e sua roupa? Eu não tenho roupa masculina aqui.

—Também, seria estranho se tivesse né Luce! - ele debocha de mim - mas não tem problema, eu peguei umas peças íntimas no armário da delegacia.

—Mas minhas blusas não servem em você, ou shorts...

—Então eu fico sem eles!

Ele olha para mim com uma cara maliciosa que só ele conseguia fazer. O sorriso dele é um sorriso sapeca, ou melhor, safado. Eu estou muito cansada para esses joguinhos agora, desculpa, mas não vai rolar.

—Faça como quiser - ao dizer isso, me viro e vou para meu quarto. Fecho a porta e dessa vez a tranco, pois não tinha boas experiências ao tomar banho junto a Jess. Digo, ao mesmo tempo.

Deixo as roupas espalhadas pelo banheiro mesmo e vou para debaixo do chuveiro. Água quente! Era disso que eu estava precisando. Uma água morna que relaxe meu corpo, que vivia tão cansado e tenso.

Todos dizem que não aproveito a vida corretamente. Que eu deveria viajar conhecer o mundo e novos amores, diferentes sabores e culturas. E quando respondo que trabalho muito, eles me dizem para que eu o esquecesse por um segundo, porque a vida é muito curta e devemos aproveita-la ao máximo. Eu até tento, mas eles não entendem que o trabalho é minha vida.

Só que às vezes ele cobra mais do que posso oferecer. Bem mais.

Saio do chuveiro depois de uns 20 minutos. Queria dormir, mas estava morrendo de fome e teria que procurar algo para comer. Me arrumo rapidamente. Eu coloco meu pijama mesmo. Se Jess que não mora aqui vai ficar de cueca, porque eu deveria me importar em ficar de pijama?

Saio do quarto e vou para a cozinha, há movimento lá. Coisas batendo. Será que era alguém do Raio? Será que eu nunca mais teria paz? Abro a gaveta de uma mesinha que existe no meu quarto e pego uma arma. Vou andando vagarosamente pelo corredor até que chego à porta da cozinha. Estou com a arma apontada, pronta para atirar. Dou um pequeno salto e fico parada na porta, mas tudo que vejo é um homem de cueca preparando ovos mexidos.

Rapidamente escondo a arma na mesa mais próxima e volto para a porta. Que cena! Belos músculos se movendo para lá e para cá na minha cozinha, cobertos apenas por um pequeno pedaço de pano. Pequeno em comparação ao resto, porque o que ele estava tampado na parte de trás, bom, não era nada pequeno. Eu poderia me acostumar com isso. Com certeza poderia. Mas não ia rolar.

Jess era atrevido. Ele estava fazendo aquilo para me provocar, mas eu não ia dar essa satisfação a ele. Entro na cozinha tranquilamente e finjo que não há nada de anormal. Ele me vê e ri da situação. Ele sabe que é bonito e esse é o problema, além de também saber que eu estou o evitando.

—Tomei liberdade de fazer algo para comermos. É simples, foi o que deu para fazer rápido porque sei que assim como eu, você está morrendo de fome.

—Nossa Jess, só de eu não ter que ir para o fogão já está ótimo. Não é muita minha praia sabe...

—Minha mãe que me ensinou a cozinhar, e quando fui morar sozinho aperfeiçoei, já que tenho que me virar.

—Pois é, mas eu não tive uma mãe para fazer isso por mim - quando percebo já falei isso e vejo uma pontada de culpa no rosto de Jess - não, não se preocupe, eu não sofro mais com isso. Sério, você não me magoou. É porque como fui adotada pelo Lucas e ele não sabia cozinhar, comíamos sempre em restaurantes e lanchonetes, então não aprendi a cozinhar com alguém me ajudando e não peguei gosto pela coisa.

—Ah, aposto que não é tão ruim!

—Um dia eu te provo, sou uma negação para cozinhar.

—Que nada, você é perfeita! E se não souber cozinhar não tem problema, enquanto eu estiver por perto, você não vai passar fome.

Minhas bochechas coram. Como eu o adorava! Jess era sem dúvidas o melhor amigo que alguém poderia ter.

—Muito obrigada - sorrio para ele - é bom saber que tenho um chefe de cozinha por perto. Agora vamos comer que o cheiro está muito bom.

E o gosto também! Eu não sabia que Jess cozinhava tão bem! Do contrário, já teria explorado mais seus dons culinários. Comemos um de frente para o outro, ele só de cueca e eu de pijama, que cena!

Hora de arrumar a pia. Eu falei que arrumaria sozinha, mas ele não deixou. Então, eu fui lavando e ele secando a louça. Parecia uma cena cotidiana, ou deveria ser, não me lembro muito de quando meus pais eram vivos e faziam esse tipo de coisa.

—Bons sonhos Jess - digo, guardando a última panela.

—Onde vou dormir? - ele pergunta esperançoso

—O sofá é todo seu - eu falo e ele abaixa a cabeça decepcionado. Estava sendo muito rude com ele?

—Por favor, eu preciso de uma cama para descansar. Você nem vai lembrar que estou ao seu lado.

—Não Jess, preciso de privacidade.

—Você terá, só te peço que me deixe dormir na cama.

—Aí que saco! Tudo bem, mas se encostar um dedo em mim eu te chuto pra fora!

—E por que eu encostaria? Eu em - ele diz e ri para mim. Que cara de pau!!

Escovamos o os dentes e fomos para a cama.

—Boa noite Luce! - ele se vira, ficando de costas para mim.

—Boa noite Jess. - e então caímos em um sono profundo.

O Raio está me olhando. "você mudou muito desde a última vez que a vi" ele me diz, com um sorriso arrepiante no rosto. De repente estamos na minha antiga casa. Eu sou uma garotinha de 5 anos que estava brincando na sala. Escuto os gritos da minha mãe que partem da cozinha. Eu então corro para lá, mas vejo um homem de costas para mim, todo tatuado. É ele. Pego uma faca e a cravo em suas costas. Ele grita de dor. Ele se vira.

Ele é Michel.

 Michel no corpo do Raio. Ele salta em cima de mim e me agarra com seus braços fortes me apertando, deixando eles ao meu redor. Começo a me debater sem parar.

Aos poucos esses braços vão tomando outra forma e quando abro os olhos, os braços de Jess estão em volta de mim. Ele tenta me acalmar, me abraçando forte e balançando de um lado para o outro, como se eu fosse uma criança.

—Calma Luce, foi só um pesadelo... - ele diz e beija minha testa.

—O quê aconteceu?

—Eu que pergunto! Acordei com você dizendo "não" por várias vezes. Quando você começou a se debater resolvi te segurar. Com o que estava sonhando? Está melhor?

—Já é a segunda vez que sonho que Michel está me atacando e...

—Espera! – ele diz me interrompendo - aquele Michel? Aquele com quem você não está saindo, mas está?

—Esse mesmo. Sempre tem algo a ver com o Raio, eu não sei. Acho que devido aos dois entrarem na minha vida praticamente no mesmo instante, minha cabeça tá misturando tudo.

—Ou esse Michel não é bom mesmo – ele diz mostrando desprezo.

—Nem comece! Vamos voltar a dormir.

—De nada Luce, de nada! – ele se vira para o outro lado e depois de alguns minutos, o sono chega até mim.

Acordo no outro dia com meu celular tocando. Sem abrir os olhos o atendo.

—Alô! Thomas? Ah sim, capitão. Desculpe-me. Claro, em meia hora estarei aí.

Levanto-me, escovo os dentes e vou comer alguma coisa. Quando entro na cozinha, há um bilhete no balcão que dizia:

Bom dia dorminhoca! Fui até a minha casa para pegar algumas coisas que vou precisar. Seu café da manhã está dentro do forno! Te vejo na delegacia! Beijos

                         Jess

Eu poderia me acostumar com esse mimo. Tomo o café da manhã que por sinal estava excelente e vou trocar de roupa. O capitão queria uma reunião comigo. O que será que ele queria? Alguma pista nova? Estava muito curiosa.

Em 20 minutos chego e vou direto para a sala do capitão. Bato na porta e coloco só a cabeça para dentro.

—Com licença capitão, queria falar comigo?

—Sim Luce, entre e se sente, por favor.

Entro naquela sala imensa. Há quadros pelas paredes e um porta retrato em sua mesa que está virado para ele. Queria saber qual foto estaria ali. Ele estava sentado em sua cadeira, e quando me sento em frente a ele, ele começa a falar.

—Bom Luce, há uns cinco meses eu fiz um teste para avançar para o cargo de promotor. Passei de primeira.

—Meus parabéns senhor. - isso era bem novo para mim.

—Obrigado. Mas por Kate estar ocupando o cargo, não tive como tomar posse do mesmo. Mas devido aos tristes acontecimentos, fui chamado para substituí-la. - ele agora se levanta e vai para frente de sua mesa, encostando-se nela e ficando próximo a mim - Luce sempre admirei seu trabalho e sua competência.

—Fico agradecida senhor.

—Agora que irei sair, a delegacia precisa de um novo capitão. Nesse caso, será uma nova capitã. Quero que me substitua aqui Luce. O que me diz?

Eu fico sem palavras... Eu? Capitã? Nunca imaginei chegar a isso. Pelo menos não tão cedo... E se eu não estiver pronta? É uma enorme responsabilidade!

—Capitão, agradeço muito, mas sinto que ainda não estou pronta, e estou no meio de uma investigação a qual faço questão de acompanhar de perto.

—Luce, você está mais do que pronta! E quanto ao caso, poderá acompanhar da forma como quiser. Esse caso se tornou tão grande que o acompanhamento de perto é importante. Um capitão tem como dever cuidar de coisas mais importantes, igualmente este caso, não, por exemplo, um 602.

—Então, quer dizer que posso continuar cuidando de casos?

—De casos com grandes proporções como este, sim. Mas não uma simples invasão, homicídio ou roubo. Entende?

—Sim, eu entendo. - eu então me levanto e bato continência para ele - agradeço muito pela oportunidade senhor, espero não decepciona-lo.

—Tenho certeza que não vai capitã!

Saio da sala ainda sem acreditar no que aconteceu. Capitã Luce. Até que soava bem. Quem diria. Vou andando e esbarro em Jess que vem trazendo dois cafés.

—Bom dia flor do dia! Conseguiu dormir bem de novo? – ele me entrega um.

—consegui, e, aliás, obrigada!

—Estou às ordens. Tá vindo da sala do capitão? O que ele queria?

—Ex-capitão. Ele será promovido a promotor.

—Sério? Que coisa... E quem vai entrar no lugar dele?

—Eu!


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Notas finais do capítulo

Grandes mudanças remetem grandes responsabilidades



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