Dúvidas da razão escrita por larissasalary


Capítulo 17
Capítulo 17


Notas iniciais do capítulo

O fato é que, enquanto eu não prendesse o Raio, eu não poderia confiar em ninguém. Eu estava sozinha.



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Comecei a escutar um barulho longe, que foi aumentando aos poucos. Era o meu telefone.

Olhei para a tela, mas a virei rapidamente sem ler pois o brilho estava extremamente alto. Não li o nome, apenas atendi.

—Alô?

—Luce! Você está bem? - uma voz que parecia sair sede um alto-falante estremeceu em meu ouvido e eu automaticamente afastei o aparelho para longe. Minha cabeça ia explodir, disso eu estava certa.

—Estou... Quem é?

—Rachel?! - ela parecia confusa.

—Rachel?... Ah sim - eu falei esfregando meus olhos e virando de costas na cama - desculpe - eu tentava soar simpática - por que está me ligando a essa hora?

—A essa hora? Como assim Luce? Estamos te esperando para a reunião!

—Que horas são? - eu perguntei incrédula.

—São 15:30.

—O quê? Merda! – cobri os olhos com a mão.

—Aconteceu alguma coisa?

—Não, a culpa é minha, peço mil desculpas... - eu me levantei rapidamente da cama, mas fiquei tonta e sentei de novo - ai!

—Luce, tem certeza que tá tudo bem? - ela parecia preocupada - nós entendemos de verdade se não quiser vir hoje...

—Não, não! Chego aí em meia hora. Pode apenas fazer um favor para mim?

—Claro que posso.

—Compre café e aspirina para mim, por favor.

—Deixa comigo! Tchau!

Eu desliguei o telefone.

Minha cabeça latejava. Eu não lembrava a noite passada, mas a garrafa vazia de vodka do lado da cama me trazia evidências do quanto eu havia bebido.

Fui para o chuveiro e um banho de água fria despertou meu corpo Eu procurei em minha mala por uma calça jeans e por uma blusa do trabalho. Ela era social, com um pequeno emblema da polícia no lado esquerdo. Coloquei meus sapatos e amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo alto.

A porta bateu e eu abri revelando uma funcionária do hotel, me trazendo um copo de suco que eu havia pedido, mas também torradas que eu não mencionara. Eu estava fraca, mas não estava com fome e suco de laranja é uma boa opção contra ressaca. Agradeci fechando a porta e comendo uma torrada, apenas para que ela não reclamasse muito quando fosse limpar meu quarto e, além disso, escondi a garrafa no meu armário, ela não precisava achar que eu era uma alcoólatra.

Fui dirigindo e esperava ansiosamente pelo café e aspirina para me livrar da terrível dor de cabeça. Tive que colocar meus óculos escuros, a claridade estava me matando.

 Depois de vinte e cinco minutos do telefonema de Rachel eu estava entrando na sala de reuniões. Assim que entrei todos se levantaram. Atravessei a sala até o seu centro.

Os agentes, detetives e policiais olhavam para mim com a expressão de pena que eu tanto odiava. Não tirei os óculos, não queria que ninguém visse que estavam inchados.

—Boa tarde. Peço perdão a todos pelo atraso.

—Entendemos perfeitamente capitã - um deles, cujo nome eu não sabia, falou.

—Obrigada. Então, todos já devem estar informados sobre os acontecimentos da noite passada. Na mesma noite, também descobrimos o agente que estava infiltrado e que estávamos procurando. Esse agente é o senhor Jess Baker.

Falar aquilo em voz alta era pior ainda, pois tornava algo concreto. Um burburinho tomou conta do ambiente. Muitos “impossível” e “duvido” ecoaram pela sala. Eu olhei sobre a mesa em minha frente e vi o café que Rachel havia comprado para mim e do seu lado duas aspirinas. Peguei ambas e engoli juntamente com o café.

—Com licença capitã - um homem se levantou do meio das fileiras de cadeiras - nós todos conhecemos Jess há muito tempo. Isso que a senhora está falando só pode estar errado.

—Me dá licença você, senhor...

—Gomes.

—Senhor Gomes. Ótimo. Antes de julgarem espero que me deixem dar o meu relato, e depois você decide quem é o mentiroso da história.

—Mas eu não disse que a senhora era...

—Basta! - eu falei alto e firmemente. Eu estava cercada de olhos assustados e rostos sérios. Eu não estava ali para ouvir besteira, muito menos insultos de quem não sabia o que eu havia passado. Eu usaria todo meu poder, no papel de capitã daquela delegacia, para impor ordem. Coleguismo já havia me custado demais.

—Desculpe capitã.

—Podem se sentar. - eles fizeram isso e eu prossegui. - na noite de ontem, eu estava jantando com Jess em minha casa. Ele estava estranho, sério demais, mas como estávamos em luto, eu imaginei que seria um estado normal de se estar. - dito isso eu ouvi um cochicho mínimo.

—Ele devia estar triste porque ontem não ia se deitar com ela - alguém que eu não sabia o nome falou, mas seu amigo viu que eu escutei e bateu nele com o cotovelo, mandando calar a boca. Tarde demais.

—Por favor, o senhor se levante. - ele olhou para mim assustado - vou ter que pedir duas vezes? Levante-se! - eu gritei, e ele deu um pulo se levantando. - Senhor...

—Gomes.

—Ótimo. Precisarei do seu nome para preencher sua ficha depois desta reunião. Agora, por favor, saia desta sala imediatamente antes que eu lhe prenda por desacato.

—Mas senhora...

—Sem mas, e para você é capitã! Você acha que pode fazer piada de alguém e sair impune? De um superior e sair impune?

Ele não reagia, apenas olhava para baixo.

—Responda! - eu estalei e todos estremeceram.

—Não capitã.

—Acertou, não pode mesmo, agora vá limpar sua mesa porque nessa unidade você não trabalha mais.

Ele saiu de cabeça baixa, abriu a porta e olhou para mim. Vendo que minha expressão continuava a mesma, ele apenas saiu e fechou a porta.

—Eu espero que todos aqui entendam as minhas razões para fazer isso. Foi uma medida dura? Foi. Mas o mínimo que posso exigir aqui é o respeito.

Todos continuavam em silêncio.

—Bem, eu... - eu olhei para Rachel e ela estava aflita - pausa de cinco minutos.

Todos se levantaram e saíram da sala. Que inferno que estava esse dia. Eu saí e fui em direção ao banheiro.

Assim que eu entrei, me dirigi às pias, tirei os óculos e lavei meu rosto, jogando freneticamente a água fria em mim. Eu ouvi a porta abrir e fechar em seguida.

—O quê deu em você Lucille? - Rachel me perguntou deixando suas mãos caírem batendo em suas coxas.

—O quê deu em mim? O cara faz uma piada de extremo mau gosto, faltado respeito para comigo, e você pergunta o que deu em mim? É isso? - eu virei e me encostei de costas na pia, olhando para Rachel. Ela se encostou do mesmo jeito nas pias do outro lado, me encarando e desta vez com os braços cruzados.

—Você não pode perder o controle - ela simplesmente disse, fechando os olhos por um momento - olhe para você. Você bebeu, não foi?

Eu não respondi.

—Não foi Luce?

—Talvez eu tenha bebido um pouco acima do limite na noite passada, mas isso não influencia no agora - eu disse, colocando meus óculos escuros novamente.

—Você não pode deixar que isso tome conta de você. Você está com raiva? Sim. Está magoada? Tem todos os motivos para estar, mas não descontar isso nos garotos, só será cada vez pior.

—Se está me pedindo para voltar atrás pode desistir. Que respeito eu iria impor se voltasse atrás?

—Este é o problema Luce. Ninguém impõe respeito, ou você tem, ou não tem.

Pensei nisso por um momento e em parte ela estava certa. Em parte.

—Hoje o policial Gomes será transferido, sem mais.

—Mas Luce...

—Por que você simplesmente não para de tentar fazer o meu papel? Quer ser capitã? Vá em frente. Mas enquanto isso eu tenho justificativas o suficiente para transferir o aquele babaca. Pare de cuidar da minha vida e vá cuidar da sua que é melhor.

Eu saí batendo a porta do banheiro. O tratamento para com os outros seria apenas profissional. Como saber se não havia mais pessoas infiltradas nesta delegacia? O fato é: enquanto eu não prendesse o Raio, eu não podia confiar em ninguém, eu estava sozinha.

Voltei para a sala e esperei que todos se sentassem em seus devidos lugares. O restante do tempo em que eu estava direcionando a reunião foi tranquilo, todos me escutando atentamente e pedindo detalhes de minhas informações.

Finalizando a reunião, pedi que determinadas pessoas investigassem fitas de segurança, sinais ultrapassados ou algo de anormal que tivesse acontecido no tempo em que estive apagada.

Rachel parecia indiferente quanto a mim. Não olhou em meu rosto durante todo o restante do tempo, assim como Bob. Bem, isso era o de menos naquele momento.

Fui a primeira a sair da sala. Eu passei pela porta e me encaminhei para me encontrar com Matt, o legista.

—Olá Luce, como vai? - ele me cumprimentou com um aperto de mão.

—Oi Matt. Estou tentando arrumar essa bagunça que se tornou minha vida.

—Entendo. Sinto muito pelo que você passou, deve ter sido horrível.

—Sim, foi. O que você descobriu aqui? - eu tirei o pano que cobria um dos cadáveres. Era a adolescente. Diferentemente da outra noite, agora eu podia ver seus olhos já que seus cabelos cor de mel estavam penteados para trás.

—Bom... - ele pigarreou - essa é a senhorita Olive Hudson, com apenas 16 anos.

—Espere... Hudson? Tipo, Os Hudsons?

—Sim, a família Hudson, dona do maior banco da cidade, está morta.

—Cristo - eu falei baixinho, sem conseguir esconder a surpresa em minha voz. Só de lembrar que eu já estive banhada com o sangue daquela gente eu já me arrepiava.

Eu andei até o outro lado da sala e descobri o segundo corpo. Era a mulher.

—Genevive Hudson, 34 anos.

—Ela está igual à outra.

—Sim, todos morreram da mesma forma, com um corte profundo no pescoço, assim como na primeira família morta por essa gente. Eu estive olhando os relatórios antigos e percebi que havia sempre uma diferença de aproximadamente 20 minutos da morte dos adultos para as crianças.

—Sim, isso é um fato.

—Então. Quando fiz a medida do tempo de morte, os dados apontaram que todos morreram no mesmo instante aproximadamente.

—Sério? - eu pensei durante um tempo - então no mínimo quatro pessoas. Isso d será útil mais tarde.

—Vai voltar lá hoje?

—Vou. É meu dever.

—Você não acha que está muito envolvida nesse caso? Sei lá... Talvez deva passar esse caso para outra pessoa.

Eu descobri outro corpo. Dessa vez era um menino pequeno. Eu fiquei por um tempo imóvel olhando para ele. Todos os três corpos que tinha visto até agora eram muito parecidos, cabelos da mesma cor, os mesmos traços.

—William Hudson, 7 anos.

—Não, isso jamais aconteceria. Não vê? - eu me virei e abri meus braços e minhas mãos - eu devo isso a todas essas pessoas.

Matt abriu a boca para falar alguma coisa mas desistiu. Bom garoto.

Eu descobri o último corpo. Levei uma surpresa ao vê-lo.

—Bruce Hudson, 40 anos.

—Por que está assim? - eu apontava para a boca dele.

—Isso eu também não sei. Ele chegou aqui e sua boca já estava costurada dessa maneira. Achei que você gostaria de ver antes de abrirmos.

—Fez muito bem, mas vamos abrir.

Tem outra coisa que você deveria saber - ele se posicionou do meu lado.

—Estou ouvindo.

—Bom, há uma abertura na caixa torácica de Bruce e seu coração não está aí.

—Cristo! - eu suspirei pesadamente - já descobriu o porquê?

—Esperava que você me respondesse isso capitã.

Ele pegou o bisturi e segurou nos cabelos pretos de Bruce, levantando sua cabeça. Depois ele passou o bisturi e uma a uma foi cortando as linhas que atravessavam sua boca. Matt olhou para mim, para que eu desse o próximo passo.

Fui até a mesa que estava ao lado do corpo de Bruce e coloquei luvas de borracha.

Olhei para Matt e dei um longo suspiro. Que nojo.

Abri a boca do defunto lentamente, e qual não foi minha surpresa ao ver o que havia dentro: um saco com um papel dentro. Eu tirei o saco e mostrei a ele.

—O quê é isso? - apontou com surpresa.

Eu abri cuidadosamente o saco e virei para Matt.

—O quê? - ele perguntou

—Tire você o papel. Não quero contaminá-lo com minhas luvas que já estão sujas.

Ele hesitou por um breve momento e em seguida retirou o papel branco que estava dobrado dentro do saco. Ele abriu e leu em voz alta.

—"Olá Luce! Imagino que já saiba quem é. Sim, sim! Seu doce e amado Jess" - Matt parou de ler e olhou para mim incrédulo.

—Continue! - eu não conseguia esconder a raiva que crescia em mim.

— "Resolver esse caso se tornou sua sina e deve ser muito frustrante saber que não vai conseguir. Você está no escuro, sozinha e com medo. Porém lembre-se que as respostas de todas as suas perguntas podem ser encontradas no escuro, basta seguir o coração”.

—O quê mais?

—Só está escrito isso.

—Mas isso não faz sentido algum! Eu estou cansada desses jogos! - eu disse dando um soco no corpo de Bruce. Matt olhou para mim e eu baixei o olhar - desculpe.

—Você não está em condições de trabalhar neste caso! - Matt estava realmente com raiva de mim.

—Quem sabe disso sou eu e estou em completas condições!

—Você é estupidamente teimosa!

Eu me aproximei dele e falei olhando em seus olhos. Seu rosto estava alarmado

—Cuidado Matt. Eu já transferi alguém hoje ao invés de prendê-lo. Escolha melhor suas palavras ou então você irá ver o Sol nascer quadrado em instantes.

Eu me afastei e joguei as luvas no lixo.

—Entregue à perícia. Essa caligrafia certamente é de Jess, mas preciso de provas, deve haver digitais também.

—Imediatamente capitã. - ele saiu, levando o papel embrulhado no saco em que chegou para a perícia.

Eu tirei meus óculos escuros e esfreguei minhas pálpebras.

Desde quando minha vida se transformou neste inferno?

Eu saí da sala e Vanessa vinha caminhando em direção a mim. Nós não estávamos nos falando, mas trabalho é trabalho e deveríamos ambas engolir isso.

—Capitã, uma onda de protestos está ocorrendo agora na frente do prédio do governo. Até agora tudo está pacífico, mas eu achei que seria melhor avisá-la.

—Fez bem. Qual a finalidade destes protestos?

—Bom, nós não temos um prefeito. Pessoas estão morrendo e os civis se sentem abandonados pelo sistema. Querem novas eleições, mas o fato é que não temos candidatos. Todos estão com medo de morrer.

— Eu não imaginava que isso fosse chegar a esse ponto. Se a população começar a ir contra nós tudo estará perdido.

—Eles também estão sendo influenciados pela transmissão que o Raio fez ao vivo, denunciando as corrupções. Muitos dizem estar na mesma situação que ele e algo deve ser feito.

—Eu não sei mais o que fazer – eu cobri meu rosto com as mãos.

—Está faltando esperança para essa gente. A esperança move as pessoas. Elas agirão bem se souberem que há um propósito para o amanhã.

—Mas como dar esperança para as pessoas?

—Bom, eu não sei muito sobre isso, mas a capitã, caso ela fizesse um discurso mostrando esperança e confiança nas pessoas poderia mudar muita coisa.

—Eu? Fazer um discurso? Mostrando isso tudo? Nem eu estou tendo esperança ou confiança.

—Sei que esperança é algo difícil de ter, mas confiança? Antes de confiar em alguém, deve confiar em si próprio. Sei que se você canalizar suas emoções em um discurso, as coisas começarão a se resolver.

Eu pensei no que ela disse. Por que ela estava me ajudando? Ela deveria estar com raiva de mim, mas felizmente existem pessoas que são diferentes de mim.

—Obrigada Vanessa, me ajudou muito. Pensarei em sua proposta.

Ela piscou para mim e saiu para sua mesa.

Entrei no meu carro e dirigi em direção à noite passada. Voltar naquele lugar seria o meu purgatório. A questão é: depois dele eu iria para o céu ou para o inferno?


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Notas finais do capítulo

Em momentos difíceis, basta seguir o coração.



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