Dúvidas da razão escrita por larissasalary


Capítulo 16
Capítulo 16


Notas iniciais do capítulo

A dor é tão necessária como a morte



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Foram longos 10 minutos até que a polícia chegasse até esse massacre. O telefone, com o qual liguei para a central estava repleto do sangue devido minhas mãos, que estavam vermelhas de ponta a ponta.

Eu estava em estado de choque. Fui escorregando aos poucos contra a parede. Ao sentar no chão frio, abracei forte meus dois joelhos e esperei.

Uma coisa é você investigar casos com mortes de famílias. Outra é você acordar em meio a todo aquele sangue, todo aquele terror e ainda descobrir que seu melhor amigo, seu parceiro de trabalho e o cara com quem você estava dividindo a cama é a pessoa responsável por tudo isso.

Ouvi várias sirenes, mas elas estavam longe. Eu ouvia batidas na porta que pareciam estar a metros de distância e palavras que eu não conseguia distinguir. Tudo que eu fazia era olhar fixamente para aqueles corpos em minha frente.

A porta foi arrombada e homens de preto com armas em posição entraram rapidamente, se espalhando pelo cômodo. Alguém parou em minha frente e se abaixou, me olhando nos olhos. Era Rachel.

—Luce, Meu Deus! - ela falava com seus olhos castanhos assustados para mim. Seus cabelos loiros estavam bagunçados e combinavam com seu semblante de terror. - Vamos, vou te tirar daqui.

Eu não falava nada, não conseguia. Ela me chamou várias vezes até que Bob veio e me ergueu, me apoiando até a porta da frente.

Assim que saí, vários enfermeiros vieram de encontro a mim, me cobrindo com panos, me analisando e perguntando se aquele sangue era meu. Após um deles me dar um copo d’água, me sentei em uma viatura ouvindo perguntas vindas de Bob e Rachel, mas eu não respondia.

—Ela não está em condições Bob! - Rachel reclamava com ele.

—Mas como vamos conseguir resolver essa bagunça se ela não responder? - Bob falava alto, olhando para mim e para Rachel.

—Você é sempre assim! Insensível e indelicado! - ela gritava com ele.

—Não vamos levar isso para o lado pessoal! - ele explodiu.

—E-Eu estou bem, já chega! - eu falei, batendo com as mãos em minhas coxas. Eu era um borrão vermelho e eles estavam brigando na minha frente por qualquer motivo que não fosse eu - só preciso sair daqui e ir para algum lugar.

—Quer que eu te leve até sua casa? - Rachel perguntou docemente.

—Não, eu não posso voltar lá agora.

—Por que não? - Bob perguntou e olhou para Rachel, ambos confusos.

—Eu fui dopada lá. O meu vinho tinha sonífero e eu apaguei. Quando eu acordei estava aqui coberta de sangue.

—Cristo Luce! - Rachel falou tampando sua boca. Bob tinha seus olhos arregalados e assustados - o que você quer que façamos?

—Preciso de um lugar para me limpar e descansar.

—Você pode ficar na minha casa - Rachel me ofereceu.

—Obrigada, mas agora eu preciso ficar sozinha. - eu falei olhando para o chão. Eu não iria querer alguém me ajudando tão cedo.

—Vamos achar um hotel para você. Um carro da polícia ficará com você durante a noite. - Bob sugeriu.

—Ótimo. Quero uma reunião com todos amanhã à tarde. Marque três e não aceitarei atrasos.

Eles apenas confirmaram com a cabeça. Eu fechei a porta do carro e esperei os dois se sentarem na parte da frente. Bob dirigiu em silêncio até o quarto quarteirão. Ele então olhou para mim pelo espelho retrovisor.

—Luce, você disse que havia sonífero em seu vinho. Suspeita de alguém que possa o ter colocado lá?

—Suspeitar não, eu sei quem foi.

Ele olhou para mim surpreso e Rachel virou para trás para poder olhar em meus olhos. Eles aguardaram ansiosos para que eu falasse.

—Jess.

Rachel arregalou os olhos, chocada. Ela olha para mim como se tivessem nascido dois chifres em mim. Com Bob não foi diferente, mas ele me olhava pelo retrovisor do carro.

—Ah, com certeza foi ele, afinal Jess é o espião que procurávamos não é? - Falou Rachel, dando uma risada nervosa. Ela continuou olhando para mim e quando eu não mudei minha expressão séria ela percebeu.

—Não pode ser! - Bob agarrou o volante com força, os nós dos seus dedos brancos.

—Wow. Mas, como? - perguntou Rachel sem cair a fixa ainda.

—Teremos uma reunião amanhã onde esclarecerei tudo.

Rachel virou para frente e Bob voltou seu olhar totalmente para a estrada. Acho que eles entenderam que eu não queria falar agora.

Eles me levaram para um hotel no centro da cidade. The Golden Hotel não ficava muito longe da cena dos crimes, mas eu estava desesperada para ficar somente comigo mesma, em meus pensamentos.

—Eu liguei para uma policial e ela pegou tudo que você pode precisar e deixou aqui no hotel em uma mala.

—Obrigada Ray.

—O agente Cross vai ficar aqui durante toda a noite, mas, qualquer coisa, a mínima que for, nos ligue.

—Obrigada Bob. - eu os abracei, mas antes que Bob virasse falei em seu ouvido - eu não sei o que aconteceu entre vocês e não é da minha conta, mas não a deixe escapar. É difícil achar alguém certo, e tenho certeza que para você ela é esse alguém - Bob olhou para mim assustado e apenas assentiu.

Um dos funcionários trouxe minha mala e eu subi o elevador, ansiosa pelo quarto.

Um clic abriu a porta quando passei o cartão e eu liguei a luz. Joguei a mala de lado e me deitei na cama, o cansaço caindo em minhas costas como uma pedra caindo de um prédio.

Estava abafado, e eu fui abrir a janela, para deixar uma corrente de ar entrar. Quando abri, observei que Bob e Rachel conversavam intensamente. Não sei ao certo se eles estavam discutindo ou fazendo as pazes. Bob se aproximou de Rachel, a pegou em seus braços e plantou um beijo em sua boca. Ela correspondeu. Minha boca subiu em um meio sorriso.

—Ao menos alguém se deu bem hoje.

Eu deitei na cama e abracei meus joelhos, ficando na posição de um feto e deixei as lágrimas caírem. Eu observei o lençol branco encharcando em baixo do meu rosto.

O amor é um grito no vácuo. Uma bala no cérebro. Mesmo assim nós nos arriscamos na busca por pequenos momentos que signifiquem muito. Na busca por aquele frio na barriga, um sorriso e um bem estar. Mas se envolver com uma pessoa requer muito mais, principalmente confiança, e confiar na pessoa errada pode ser uma faca no coração, e eu estava sentindo-a perfurar meus órgãos neste exato momento.

Amar é uma palavra muito forte.

Se eu amava o Jess? Não sei, nunca amei ninguém, mas gostar eu não nego. Ele era o meu apoio, e quando se foi, eu caí. Caí feio, de cara no chão e coração em uma estaca.

Exagero? Penso que talvez. Quem sabe eu o amasse mesmo, mas o que importa agora? Esse sentimento havia sido substituído por mágoa, raiva e rancor. Deus como eu daria tudo para voltar no tempo e poder ver os sinais, ver quem realmente era Jess. Agora tudo fazia sentido, estava explicado o fácil acesso que o Raio tinha a mim.

Como fui tola.

Eu me levantei e abri o freezer. Eu não estava com fome, somente sede.

Peguei a garrafa de água e virei metade em minha boca. Quando fui guardá-la, observei que havia uma garrafa de vinho dentro do freezer. Uma sede de algo mais forte e que me anestesiasse surgiu em minha garganta.

Resolvi abrir a maça para procurar minha carteira.

Ela estava bem completa, com tudo que eu precisava, inclusive minha arma. Tirei tudo que precisava e deixei em cima da cama, me encaminhando para o banheiro.

Joguei minhas roupas no cesto de lixo e fui para debaixo do chuveiro. No instante em que liguei o chuveiro, um mar vermelho se formou em meus pés. Minhas lagrimas se misturavam com a agua que caía sobre minha cabeça e meu corpo estava inflamado.

Eu sentei no chão e apenas deixei que a água descesse sobre mim. Nesse momento eu queria que lavasse minha alma.

Meu ódio pelo Raio era tão grande que eu duvidava que conseguiria prendê-lo ao invés de coloco uma bala em seu crânio. Bastava um tiro certeiro e tudo estaria resolvido.

Me levantei depois de não sei quanto tempo, me esfregando com força, para que nenhum vestígio ficasse em mim.

Fui para o quarto e me troquei, colocando uma calça moletom e uma blusa também de moletom com capuz, que tampava boa parte do meu rosto.

Olhei para o freezer.

Beber vinho tinha acabado mal na última vez, e pelo trauma, resolvi não abrir aquela garrafa. Peguei as chaves, minha carteira e saí.

Joguei meu cabelo totalmente para trás e abaixei minha cabeça ao sair pela porta da frente. O policial, que estava distraído tentando não cair no sono, não percebeu minha saída.

Eu vi um homem andar em minha direção e pressionei a arma que estava em minha cintura. Estava prestes a sacá-la quando ele passou diretamente, e eu instantaneamente relaxei. Eu estava realmente louca.

Estava andando rapidamente nas ruas, esperando não encontrar ninguém conhecido. E admito, eu também estava meio paranoica, achava que sempre alguém estava me perseguindo, que o Raio estava sempre me observando.

Entrei em uma loja de bebidas e não demorei muito para encontrar o que eu procurava: vodka. Paguei q bebida e em menos de dez minutos depois eu já estava sentindo o líquido descer pela minha garganta e queimar o meu interior.

A anestesia que isso me causava era extremamente confortante e preocupante, pois beber para esquecer os problemas não resolve nada, só os adiam e geralmente aumentam sua intensidade. Mas eu precisava fugir e fingir que nada estava acontecendo e o álcool é o melhor piloto de fuga.

Eu escorreguei minhas costas pela parede e sentei no chão frio de frente para a cama. Eu sentia a vodka descer pelo meu corpo me aquecendo e sentia também as lágrimas quentes em minhas bochechas.

As pessoas falam para você não chorar, mas acho que tudo deve ser aproveitado. Não adianta você guardar suas lágrimas para si, porque vai existir um momento em que o recipiente enche, e o seu transbordamento pode não ser tão pacífico.

Por isso, é importante curtir a dor. Ela deve ser sentida. É importante sentir uma traição, um luto, uma despedida. É importante ter o tempo que precisar para sentir a dor e depois seguir adiante, não deixando aquela dor te seguir para toda a vida. Então, devemos sempre sentir a dor no momento certo.

Eu olhei para a garrafa e metade dela estava vazia, não sei como isso aconteceu tão rápido.

Eu fui para a cama e deitei abraçando meus joelhos, com a garrafa ao meu lado em cima da mesa, do lado do abajur, e deixei que tudo fosse desaparecendo.

Aos poucos.


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Notas finais do capítulo

Algumas coisas simplesmente não voltam mais.



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