O Último Dragão escrita por Mary


Capítulo 4
A Garota da Voz de Cristal


Notas iniciais do capítulo

Vou tentar manter por padrão umas 1.300 palavras por capítulo, as vezes mais as vezes menos dependendo da necessidade. Espero não fazer capítulos tão longos quanto o último novamente :3



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Era uma existência solitária aquela, porém bastante satisfatória. Eva adorava cantar e Gaia era um ótimo ouvinte – mas é claro que o fato de estar sempre dormindo ajudava. Quando Gaia dormia ela cantava outras músicas e mantinha conversas com o dragão como se fossem velhos amigos, mas as vezes ela se sentava em uma pedra e lia. Já faziam anos que ela pedia livros semanalmente para a rainha e até aquele momento nunca nenhum de seus pedidos foram ignorados; ela costumava devolver os livros depois de um tempo, mas haviam três que ela mantinha consigo.

O primeiro era O Menino e o Corvo, uma de suas histórias preferidas sobre um menino que recitava poesias para um corvo todas as noites. O segundo era Aquarela, sobre um homem com a habilidade de criar um mundo com suas tintas. E o último era o que ela mais gostava. A História da Aliança era mais um registro histórico do que um livro para se passar o tempo; falava sobre as guerras que aconteceram a muitos anos atrás e de como isso quase destruiu todo o continente, passando pelos anos de negociações repletas de tensão até falar como surgiu a aliança entre os sete reinos.

Ela levantou os olhos das páginas amareladas e observou a floresta logo abaixo. A caverna não era de difícil acesso mas exigia uma longa escalada pela encosta da montanha para ser encontrada então não era muito comum ver pessoas por perto, mesmo assim às vezes alguém passava na floresta à procura de frutas. E desta vez ela pôde ver um casal lá em baixo passeando com espadas nas mãos. Será que a rainha enviara dois guardas desta vez? Ela ficou bastante curiosa, porém o som de um grunhido baixo vindo do dragão a fez desviar sua atenção. E então suavemente ela se colocou a cantar.

 

 

(…)

 

 

Eles tinham se afastado mais do que pretendiam. A floresta não era assim tão grande, porém era completamente proibido se aproximar da montanha e ainda assim ali estavam eles caminhando sem rumo. Começou com uma simples caminhada para treinamento na floresta mas aos poucos a conversa se tornou tão interessante que eles não mais sabiam a quanto tempo estavam andando. Dan olhou em volta mais uma vez e, ao perceber que estavam em uma área mais aberta, fez com que Mei parasse.

— Você não acha que devíamos voltar?

— É seu dia de folga Dan, vamos ao menos andar já que sua preguiça não te deixa treinar.

— Eu treino todos os dias Mei me dá um tempo – Ele a empurrou de leve sorrindo – Mas é sério, estamos perto demais da montanha.

Só então Mei percebeu que de fato estavam muito perto. Eles não sabiam o motivo da proibição quanto àquele lugar mas como eram guardas treinados certamente não fariam a besteira de tentar desobedecer uma lei. Ambos se viraram para voltar para o castelo quando uma voz límpida como cristal encheu o ar com uma linda música. Mei se virou procurando a origem do som enquanto Dan permaneceu paralisado do jeito que estava. Aquela voz… Aquela linda voz de cristais ao vento… Dan se sentiu em casa pela primeira vez. Não, mais do que isso, se sentiu nostálgico, como se algo naquela voz o levasse de volta a um tempo em que as canções eram comuns.

Aquilo não fazia sentido para ele. Sem pensar demais Dan se virou e começou a correr na direção da montanha sendo atraído por aquela canção. Mei tentou segurá-lo mas o rapaz a pegou desprevenida e o segundo de hesitação que ela teve o deu uma dianteira. Não havia floresta para Dan, nem Mei, nem leis, só a canção. Ele sabia que tinha alguma coisa a mais naquela voz que poderia ser de um anjo, só não conseguia saber o que. Pela primeira vez em sua vida ele não conseguiu pensar em absolutamente nada, só a corrida importava. E então uma mão agarrou seu ombro e o jogou no chão.

— DAN?! O que aconteceu?

Mas ele não estava ouvindo. Deu um chute para cima e alcançou a espada, pronto para usá-la contra aquele que tentava separá-lo daquela voz, porém ao ver a expressão de terror de Mei o mundo de repente voltou ao seu lugar e ele se deu conta de que quase ferira sua própria irmã. Devagar e ainda sem acreditar no que ia fazer ele guardou a espada e respirou fundo várias vezes para tentar recobrar sua consciência.

— Desculpa Mei é que… essa voz… essa sensação…

Dan continuava o mesmo de sempre. Inconsequente, irritante e precipitado. Ao menos dessa vez Mei o impedira de quebrar uma lei real… Só a Deusa poderia dizer o que a rainha faria se soubesse daquilo. Mei respirou fundo e se levantou, esticou uma das mãos para seu irmão mais novo e o ajudou a se levantar.

— Dessa vez você seria decapitado, seu imbecil.

— Eu sei – Ele olhou para a montanha uma última vez enquanto a canção chegava ao seu final – Eu sei…

 

 

 

(…)

 

A canção terminava com uma nota estendida que Eva adorava florear. Gaia continuava dormindo como sempre e mais uma vez ela estava livre para voltar e ler mais um pouco, mas algo mudara enquanto ela cantava. Algo lhe puxava para a entrada da caverna e ela não conseguia compreender aquela urgência; ela lutara contra aquilo e continuara parada ao lado de Gaia embora todo o seu ser desejasse olhar novamente para a floresta, e agora que a canção terminara ela não tinha coragem de ir até lá. A moça colocou as mãos no colar em forma de clave de sol que tinha desde pequena e fez uma prece silenciosa pedindo proteção à Deusa. Ela não sabia bem o motivo mas sentia que uma grande tragédia estava para acontecer.

 

  (…)

 

Algo estava errado. Algo estava terrivelmente errado. A nova rainha não era acostumada a esperar para ter seus desejos atendidos e aquilo aparentemente levaria dias; ou meses! Era uma afronta! Ela tamborilava os dedos no braço da poltrona enquanto sua fiel escudeira lia em voz alta outro dos antigos livros sobre as maçantes regras do acordo de cooperação entre os reinos. Ela achava que tinha encontrado uma brecha neste acordo na primeira vez que o leu, mas Margareth lhe mostrou que não era tão simples assim e agora ambas trabalhavam juntas lendo e relendo aqueles documentos todos os dias.

A culpa era toda de sua bisavó, aquela inútil que não soube negociar. Todas as suas antepassadas pareciam não serem de sua família, não era possível que ela descendesse de uma linhagem de fracas como aquelas… Vidalia era o único reino que conseguira capturar um dragão ha mais de quinhentos anos atrás e em vez de usarem para sobrepujar as outras nações o que fizeram? O colocaram para dormir. Ela sabia que era bem provável que o acordo tenha sido feito exatamente por causa do perigo que Vidalia representava mas não conseguia entender como era possível que a rainha da época houvesse concordado com aquilo. Teria sido tão fácil… Tão fácil transformar Vidalia na maior nação do continente…

Mas ela não era idiota. Ela sabia do poder que tinha nas mãos e não o desperdiçaria como suas antepassadas fizeram. Agora ela tinha guerreiros fortes que lhe juraram lealdade e eles fariam qualquer coisa desde que ela dissesse as palavras certas. E é claro que ter a ajuda de Margareth ajudava muito.

— Deixe isso por hora Margareth… Temos que olhar por outro ângulo. Não adiantará de nada insistir nas leis do acordo, talvez se olharmos as leis dos sete reinos…

Margareth concordou e deixou o livro na mesa. Ela tinha se esforçado muito para tentar encontrar um meio de justificar uma guerra contra a aliança e mesmo assim nada até aquele dia. Assim como a rainha, Margareth acreditava ser um desperdício contentar-se em ser apenas mais um na multidão. Sua lealdade estava com Diana desde muito antes da antiga rainha morrer e agora enfim ela poderia ajudar a transformar Vidalia no reino que acreditava que devia ser.

— Deseja que eu procure as leis, minha rainha?

— Não – Ela se levantou e foi devagar até a cadeira onde Margareth estava sentada, então apoiou as mãos no encosto da cadeira e se curvou – Acho que já chega de burocracia por hoje, minha querida. Passemos a assuntos mais agradáveis.

Então Margareth se virou um pouco e deu um longo beijo na rainha.

 

 


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