Tears in Heaven escrita por Maria Lua


Capítulo 12
7 Years


Notas iniciais do capítulo

Olá! Mil desculpas pela demora. Além de bloqueio criativo eu tive doenças e muitas provas, além de dramas familiares clássicos. A música do capítulo é 7 years, de Lukas Graham. Espero que gostem!



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A noite se apoderou do carro e dos dois amigos ainda mais rápido do que o sono tomou conta de Olívia. Foi a primeira vez desde que acordara do coma que tinha dormido verdadeiramente tranquila. Sentia-se feliz, leve, viva. Estava enfim fora do hospital, sem injeções, sem obrigações, coisas para ver, para tocar, para sentir, e com o seu melhor amigo. Sua testa nunca esteve tão esticada e macia, sem nenhuma preocupação. A sua criança interior surgiu, ignorando as regras e leis quebradas, tal como a sua mãe e irmã magoadas e preocupadas. Porém ela foi a única que parou no tempo, o que transferiu todos os esses problemas para Matt, o adulto responsável.  

Ele olhou para ela no banco ao lado, vivendo um sonho. Estava tão próxima, com seus olhos fechados e suavizados, tal como a menina que já foi um dia. Ele enxergava ali a sua melhor amiga, alegre, divertida, bonita. A menina que brincava com ele quando ninguém mais queria. E ela estava lá, viva. 

Matt mal conseguia contar quantas vezes teve pesadelos com seu caixão sendo enterrado, ele como culpado. Sequer tinha esperança de vê-la viva novamente. Mas ela estava ali. Algum milagre, ou, talvez, o destino a tenha acordado, e isso ele tinha que reconhecer a agradecer. Só Deus sabe quantas religiões ele procurou para se sentir em paz consigo mesmo – coisa que só conseguia quando estava pintando. Ela estava ali. Não sabe se foi redenção divina, uma nova chance, sorte ou punição, mas quando todos os diagnósticos apontavam para as máquinas desligadas, ela acordou. Mesmo de longe Matt sempre acompanhou o processo, sempre com medo de algo acontecer. Afinal, era sim culpa dele. 

Ele não conseguia acreditar na situação em que se encontrava. Estava entrando em Petersburg, chegando perto de seu bairro, e Olívia dormia silenciosamente desde que entrou no carro, o que o fez ficar pensativo. Havia pouco tempo desde que sua amiga acordou, e ele lembra de ter visto na televisão alguns casos de pessoas que acordaram de dois anos em coma e passaram meses ou até anos em uma maca até voltar a andar e falar. Oli já fazia tudo isso, corria, agia como se tivesse apenas cochilado. Sua busca por religião nunca foi muito certeira, então não se convence com a ideia de milagre. Para ele isso aprecia estar bem errado, ainda mais vendo-a assim, jogada na cadeira de forma exausta. Se não visse o ar de sua respiração embaçar o vidro, certamente acharia que estava morta. 

Assim que estacionou na frente de seu prédio teve que carregar a enferma, tendo medo de machucá-la ou acordá-la. Ao chegar no apartamento sequer pensou, colocando-a na cama. Forrou-a com o edredom e guardou sua bolsa em um armário. Estava linda. Seus cabelos, sempre muito finos, caiam sobre o rosto como uma obra renascentista. Ele sentia que podia ficar horas observando-a sem parar mas precisava dormir. 

Olhando em volta percebeu o caos que era a sua vida e, consequentemente, casa. Tudo estava bagunçado, empurrado aos cantos, entupindo o próprio chão. Havia tinta respingada em toda parte, tal como telas, estejam elas acabadas ou não. Rapidamente guardou suas roupas, tubos de tinta, pincéis. Quadros guardados atrás do cavalete, é claro. Depois dessa geral acabou por enfrentar um problema não cogitado antes: onde dormiria se nem Azeitona, a sua gata, tinha cama? Era provável que Olívia não se importasse ao acordar e vê-lo deitado na mesma cama que ela, mas não queria arriscar. Não sabe como ela é atualmente. É uma cama de casal que vai estar bastante vazia nessa noite. Sua casa é, basicamente, um grande salão onde tudo está incluso: mesa de jantar, escrivaninha, cavalete, cama, armário, televisão, poltrona. Tudo amontoado, com apenas uma passagem para uma minúscula cozinha e um banheiro menor ainda.  

Sentou na pontrola acolchoada, herdada da casa dos pais, e reclinou-a ao empurrar a cabeça para trás. Isso foi um erro, porque ao acordar no dia seguinte já sentiu as fortes dores na coluna e pescoço antes mesmo de abrir os olhos. E, quando abriu, viu uma das cenas mais encantadoras que já tinha visto – ele não sabia, mas viraria um de seus quadros mais famosos no futuro. 

A sua Oliver estava parada de costas para ele vestindo uma de suas camisetas manchadas de tinta por cima da calça jeans. Seus cabelos estavam soltos e bagunçados, um emaranhado loiro e longo despencando pelas costas com muito movimento, o que trouce um charme impressionante para a imagem em si. Ela observava, enquanto devorava um iogurte de morango furtado da geladeira da casa, cada quadro do Matt, o que o fez corar de imediato. Eram todos sobre ela! Com exceção daquele onde pintou um gato. E o gato sim tem relação a ela. 

"Ah, bom dia!", ela o cumprimentou, sentando no braço da poltrona. 

"Bom dia. Acordou faz muito tempo?", ele perguntou ao esfregar aos olhos, entre bocejos. 

"Tem um tempo... Ei, fiquei chateada por você ter dormido aí. Parece ruim. Ah, e eu conheci a Azeitona! Acho que não preciso nem mencionar o quanto nos demos bem. E sinto dizer mas estou com a impressão de que ela é macho", disse entre risadas. "Você tem algo de comer? Eu estou morta de fome. O iogurte só fez tirar o bafo de quando acordamos. Acredita que quando eu acordei, sabe, acordei mesmo, não tive bafo? Eles devem cuidar da higiene dos pacientes em coma, mas não quero nem imaginar as pessoas trocando meus absorventes..." 

Matt riu ao levantar-se. Aquele sorriso se manteve o resto do dia inteiro enquanto ele voltava a ser apenas o gordinho de cabelo militar junto a ela. "Vou fazer uns sanduíches para a gente. Pode ligar a televisão, o rádio, o notebook... Faça o que quiser enquanto isso. Eu vou estar aqui do lado. Aliás, quer ir ao banheiro, alguma coisa?", perguntou, um pouco tímido. Ele já havia levado garotas para sua casa antes, mas com certeza é uma situação diferente. Ela não era uma mulher. Era a Oli. 

"Não, obrigada", ela jogou-se na poltrona e ligou a televisão. O rapaz foi para a cozinha e começou a fazer o típico sanduíche que lembra ser o favorito dela. "Ei, é a doutora Bárbara!", ele a ouviu gritar de longe. Não associou no momento, mas quando percebeu que era alguém do hospital correu para assistir. 

Já pegou a metade da matéria, mas o entendido foi que uma sociedade científica estava sendo investigada, ou criticada, talvez, pelos demais profissionais por uso impróprio de medicamento. E, pelo visto, a Dra. Bárbara, médica que cuidou de Oliver nos últimos anos, estava envolvida. Ele olhou diretamente para ela, que permanecia silenciosa e sorridente. Notava-se que era aquela criancinha ali, o que o transformou na mesma hora em babá ou tutor. Ilegalmente. E foi assim que ele ficou mais preocupado do que antes, o que o fez planejar fazer pesquisas sobre esse grupo cientista.  

Olívia, por outro lado, divertia-se. Mudou de canal até encontrar desenhos animados e ali ficou. Enquanto Matt fazia sanduíches e montava uma mesa de café da manhã ela aproveitou para observar o máximo que conseguiu. Não havia nada de familiar naquele local, o que confirma o fato de que Matt mudou muito, tornando-se um adulto bem largado e, provavelmente, insano. 

Ela reconhecia a poltrona, sabia que ele era fã de camas de dorcel, via que as roupas largadas eram do tipo que ele usaria quando jovem, mas não sabia de onde tinha vindo toda aquela arte. Tinha, também, fotos presas na parede. Ela tinha que admitir... Ele estava lindo. Seus cabelos bagunçados traziam charme para a sua pele perfeita, fora uma cicatriz perto da orelha que ela mesma causou. Seu rosto, mais fino desde a pré-adolescência, segundo as fotos, estava magro, expressivo. Era como se ele estivesse triste em todas as fotos.  

Apesar de saber que isso é errado, ela se sentia mal por ele ter passado todos esses anos com essa mágoa guardada. Ela viu os quadros! Todos tinham traços que lembravam dela. Seja uma garota loira, um marinheiro, azeitonas, carecas, tudo! Tudo a remetia. Até a camisa que havia vestido ao acordar tinha algo dela. Era, basicamente, uma camisa bem folgada do Rei Leão, filme favorito de Olívia desde sempre e que Matt nunca gostou ou entendeu direito, mas adorava ouvi-la falar a respeito. "Em upendi", era seu lema.  

Quando Matt a chamou para a mesa para tomar café da manhã ela foi rapidamente para a mesa. Com sua rotineira mania de infância, pôs o pé em cima da cadeira para comer, o que demonstrou que ela estava de fato com muita fome. Matt, descontraído, pegou o celular dele para checar. 

"Como isso funciona?", ela quis saber. 

"O quê?" 

"Esse celular. O seu é maior que o de Amélia, só tem lugar pra passar o dedo. Não faz sentido." 

"Ah, não sei. Pra falar a verdade ele é novidade para mim também. Até pouco tempo eu usava um típico tijolão... Que você provavelmente não sabe qual é. Mas, enfim." 

"Ah, que ótimo! Vamos descobrir juntos mais tarde. Mas, depois de comer, claro, eu quero sair. Que dia é hoje? Quinta? Você tem aula?" 

"Ter, tenho. Mas posso faltar sem problemas. Também quero sair, mas mais que tudo eu quero que a gente tenha tempo para conversar.", pediu. 

"E vamos. Na rua. Termine logo e vá se arrumar. Quero que me apresente a todos os seus lugares favoritos. Eu estou tão animada!", ela vibrou, sorridente. Comeu mais rapidamente quando, de repente, o telefone tocou ao som de uma banda de rock pesado, assustando-a. "Atende rápido! Que toque mais horrível é esse? Não podia botar som de passarinho?" 

Ele riu, mas travou imediatamente ao atender a ligação. 

"Matt, é o Sebastian". Seus olhos reviraram-se.


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