Tears in Heaven escrita por Maria Lua


Capítulo 11
Bad boys


Notas iniciais do capítulo

Olá! Demorei mas cheguei! Esse é o maior capítulo que fiz até agora, e espero que gostem! A música é Bad Boys, de Bob Marley. Boa leitura!



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Passaram cerca de dois, três minutos em silêncio dentro do armário de vassouras. Matt, mais alto que Olívia, embaçou os óculos da menina com a sua respiração semi ofegante. Logo a mesma percebeu que não precisava mais dos óculos, então os tirou e pendurou na blusa. Aos poucos, com a visão ajustada no escuro, ela conseguiu olhar bem para os traços do rapaz em sua frente. 

Por mais sombreado que todo o seu rosto estivesse, ela reconheceu todos os traços. Seus olhos grandes e puxados para o canto, seu nariz cheio de curvas, bochechas rasas e bem avermelhadas em comparação ao geral, lábios desenhados perfeitamente. É claro que, para ela, ele estava muito mais magro e, olha só, ele tinha cabelo! Não era mais um gordinho com corte de cabelo de exército, para honrar o pai. Agora suas mechas negras caiam sobre a testa formando lindas curvas. Matt também analisava a amiga, fazendo-a sorrir e lhe devolvendo o sorriso de volta. Ela notou que seus dentes estavam diferentes, também. Seu sorriso estava encantador. 

Para ela era engraçado vê-lo dessa forma, tão bonito, adulto, alto. O tempo lhe fez bem, ela pensou, e provavelmente ele esteja pensando o mesmo. Isso alargou o sorriso da menina, que agora estava um pouco envergonhada por terem se encontrado dessa maneira. Matt tentou começar a falar algo, mas Oliver tapou sua boca um pouco antes. Com um rápido movimento eles trocaram de posições, ela voltada para a porta, observando pela fresta. Estava tudo bem calmo e vazio. Pôs os óculos de volta no rosto, segurou a mão do Matt e, na exata hora que ia abrí-la, ela foi aberta por outra pessoa. Sebastian. 

"Oli, acho que...", ele começou, mas travou ao ver o intruso no armário que deixou a amiga. Seus olhos pousaram nas mãos atadas em sua frente, o deixando sem voz. Por mais desconhecido que o Matt lhe fosse, ele sabia quem era. 

"Sebastian! Você demorou. Olha quem encontrei! Na verdade, ele me encontrou", ela começou, mas percebeu que se exaltou e se calou com o tom diminuto. "O caminho está livre?", sussurrou. "Conto lá fora o que aconteceu". 

Depois de alguns segundos parado, expressão decepcionada estufada no rosto, ele assentiu. "Sim, vem comigo. Vai ter que andar um pouco rápido, andar colada em mim, mas vamos sair pela porta de incêndio." Ele disse isso e viu nos olhos da garota que aquilo era mais que uma fuga – era uma aventura, daquelas que toda criança quer participar. Sebastian, incomodado com a terceira presença que, é claro, ele já sabia ser inevitável, os guiou da maneira que narrou. 

Eles andaram com passos disfarçados, mas ambos os rapazes bem grudados em Olívia, tentando escondê-la. Ela sequer notou, mas ambos seguravam sua mão - mas eles perceberam. Traduzindo o pensamento dos dois em poucas palavras, Sebastian não entendia porque Matt, que sumiu por anos, era mais importante para Olívia que ele, que passou as últimas semanas ativamente ao seu lado como amigo e os últimos anos admirando-a dormir, linda e tranquila. Já o Matt estava confuso. Não parava um segundo de olhar para o rosto de sua Azeitona, que estava mais bonita e viva que nunca. Ele admite para si mesmo que está reunindo forças sobrenaturais para não chorar ali mesmo. Sua mão tremia, ele estava em choque, mas não demonstrava isso. Para tentar ficar mais calmo ele pensava "será que esse Sebastian é namorado dela?", e é claro que isso o trazia certo incômodo, já que ele é quem deveria estar ao seu lado quando acordou, e não queria ser substituído, mas essa sensação era mais fácil do que o pensamento que tanto lhe rodeia – ela está aqui! 

Eles chegaram então perto da porta de incêndio, e Sebastian soltou sua mão para disfarçar mais ainda. "É por aqui, Sr. e Sra. Bates", disse ao passarem por alguns funcionários em horário de descanço. E logo estavam lá fora, bem próximos ao jardim do hospital.  

"Eu acho que no próximo encontro vou trazer um gato para a vovó", disse Matt de repente, assustando tanto Olívia quanto Sebastian. Logo ele indicou que estavam perto da saída final do hospital, onde alguns seguranças de walktalks na mão rondavam, provavelmente procurando pela loira. Logo ela entendeu que tinha que chamar atenção para não ser reconhecida, e seguiu. 

"Sim! Viu como ela ficou emotiva quando falamos sobre animais de estimação? Ela já teve mais de vinte gatos na vida dela, adoraria ter mais um em seus últimos meses", e seguiram tagarelando até estarem no chão cimentado das ruas.  

Olívia não conseguiu fazer nada a não ser parar no parapeito. As pessoas passavam agitadas por ela, chocando-se vez ou outra. A sensação que sentia era inexplicável, mas beirava o alienismo. Ela sentia-se em outro planeta ao ver luzes em todos os lugares, prédios feitos de vidro, roupas bem ousadas, pessoas diferentes. Jovens andando de skate no meio dos carros, óculos de sol quando o sol sequer aparecia mais, celulares em todas as mãos, como o de Amélia e Sebastian. Estava tudo muito estranho e muito acolhedor para ela – do jeito que esperava ou torcia. Apesar do som dos carros assolarem sua audição, ela conseguia ouvir, ao longe, os pássaros. Imagine só, pássaros! Em meio a tanta modernidade, em um mundo onde a população parece ter triplicado, ainda tinha uma coisa imutável que ela reconhecia bem. Por quanto tempo dormiu mesmo? 

Sebastian, ao seu lado, observava Matt, que, por outro lado, sorria observando Olívia. Ela voltou-se para ele assim que percebeu os olhos em cima de si. Ao ficarem cara a cara em um lugar iluminado ela soltou um suspiro muito longo e correu pra abraçá-lo. Foi o fim para ele, que começou a chorar de maneira controlada – ou quase isso. Ela sentiu seus olhos marejados também, até que não pôde segurar e chorou. Os dois riam como idiotas ao se abraçarem, e só se soltaram quando tiveram que secar seus olhos. A sensação dos dois foi de, simplesmente, estar seguro. O lugar de maior segurança e paz que já estiveram foi o braço um do outro, e ela desejou que esse tivesse sido o seu abraço de boas-vindas ao novo mundo e nova vida, e não aqueles em que ela mal podia retribuir. Matt segurou seu rosto com as duas mãos e começou a depositar vários beijos no topo da cabeça da garota, que ria bastante enquanto secava os olhos com as mangas da blusa. 

"Me desculpe", ele sussurrou, com um tom magoado/arrependido, ainda segurando seu rosto. Olívia demorou para entender o que ele queria dizer. "Me desculpe por te deixar sozinha... Eu..." 

"Matt, Matt, por favor, não chora. Não tem motivo para se desculpar...", ela falou enquanto alisava seu braço.  

"Tem sim, Oli. Claro que tem. Eu tive uma vida inteira e você perdeu a sua por minha causa. Eu achei... Achei que nunca mais te veria, que você nunca soubesse... Nunca soubesse que eu sinto muito. Sinto muito mesmo por ter deixado você fazer aquela loucura, por ter te convidado, incentivado. Eu queria que tivesse sido eu...", ele falava e se martirizava ao mesmo tempo. "Achei que você morreria, que desligariam as máquinas, que nunca mais voltaria a me ver... E você está aqui..." 

"Exato! Eu estou aqui. Estou aqui, estou bem, e já paguei por minhas escolhas daquele dia. Eu sobrevivi e, agora, estou pronta para ter a minha vida. Você não em culpa de nada, Matt. Você é o meu melhor amigo", ela disse tudo rapidamente. Sebastian, ao lado, recuou um pouco, com a testa franzida, repensando tudo que fez até então. Estava sentindo-se intruso.  

Matt, por outro lado, estava emocionado, o que fez Olívia enxergar o garotinho que corria atrás dela sempre que apanhava do pai. Viu aquela vulnerabilidade que ele fazia questão de esconder de todos no mundo, mas não conseguia com ela. O abraçou de novo. 

No momento em que o fez teve uma visão perfeita da porta do hospital, onde tinham vários dos guardas olhando em volta. Deveriam estar procurando por ela, o que significa que sabem que saiu. Soltou-se do Matt, segurei sua mão, segurou a mão de Sebastian, e, com mobilidade surpreendente, os puxou para correrem juntos pela rua. 

Para ela essa foi a melhor das sensações do dia. Ela acaba de aprender a andar – ainda mancava, inclusive – e estava correndo. Sentia seu corpo se mexer com adrenalina o suficiente para lhe dar uma parada cardíaca. Um de seus braços, o lado de Sebastian, estava pesado, sendo puxado para trás, enquanto o de Matt tinha uma agilidade semelhante ao dela. Eles corriam da mesma maneira que fizeram por tantos anos. Após alguns segundos as mãos se soltaram, e ela gargalhava alto. As pessoas passavam por eles com as testas franzidas, o que causava certo incômodo aos rapazes, mas incentivava a garota que só queria se divertir. 

Porém houve um momento em que suas pernas falharam. Sentiu uma grande dor no joelho, o que a derrubou no chão. Desesperados, eles pularam para cima dela. Matt indo checar seu rosto e expressões, enquanto Sebastian correu para ver suas pernas. 

"Oli! Você está bem?", Matt perguntou, assustado.  

"Eu estou, é só...", tentou se mexer, mas sua perna doía demais. "Eu não estou acostumada a andar. Vamos, me ajudem a levantar." 

"Não!", Sebastian disse. "Já chega de andar por hoje. Você está de carro?", perguntou para Matt, que assentiu. "Vá buscá-lo. Vamos estar aqui. Ela não pode se exercitar assim sem se alongar primeiro, e nunca tinha corrido antes." 

"Tudo bem... Eu vou lá. Já volto, Oli.", Matt disse e se foi.  

Olívia sorriu olhando para Sebastian, que ainda analisava sua perna, perguntando se seus toques doíam ou não. "Obrigada por cuidar de mim", ela disse, com sua franja bagunçada na testa incomodando os olhos.  

Sebastian sorriu. "Por que isso agora? Ele teria ido buscar o carro de qualquer jeito". 

"Ah, Sebastian, você sabe. Você cuida de mim desde que acordei. Você e a Amélia foram meus únicos amigos confiáveis. A diferença é que você me trouxe até o Matt, me devolveu a minha vida. Você não deve nem imaginar como me sinto agora", ela falou, olhando em volta. 

Ele hesitou por um tempo, sem querer admitir que fora ele que a levou até Matt. "E o que você está sentindo agora?" 

"Liberdade". Seus olhos se encontraram por um minuto. Calados, ele via que ela estava mais viva do que nunca. Era como se seu corpo fosse uma jaula para a menina que está lá dentro, e a mesma, ao sair, amadurecia com cada nova experiência. Ele percebeu isso tarde demais, pensou. Ela devia estar com a mãe dela, onde teria os melhores cuidados, mas nenhuma felicidade. Ele não confiava no tratamento que ela tem recebido, mas sabia que ele lhe dava mais chances de viver que qualquer outro. Se aproximou dela – coisa que a assustou um pouco – e beijou sua testa. 

"Oli, eu vou ter que voltar para o hospital daqui a pouco. Vão suspeitar de mim se eu sumir por muito tempo, porque todo mundo sabe que... Todo mundo sabe que, desde que você é pequena eu te acompanho. Sempre tive curiosidade de te conhecer, já te disse isso?", ele riu, o qiu, o que a deixou curiosa. "Eu ficava indo ao seu quarto para ver se você acordava, e vez ou outra conversávamos. Mesmo sem falar nada você foi uma boa amiga, sabia?" 

Oliver continuou em silêncio, escutando. Ela era uma pessoa um, o que a fez perder a fala. Ela sabia que ele trabalha no hospital há anos, e que a viu pela primeira vez assim que começou a estagiar, mas não imaginava que ele a observava, que conversava com ela. Aquilo era surpreendente. Desde o início ela havia se apegado a ele, o que pode ter algo a ver com o fato de já se conhecerem

"E eu... Ah, bom, eu vou te ver sempre. Vou te levar remédios, te levar pra passear. Só preciso de uns dias até tudo se acalmar por aqui. Até lá... Vou sentir saudade." 

"Eu também, Sebastian...", e enlaçou seus dedos com os dele. O rapaz sentia-se um pouco incomodado com isso, afinal ele sabia que dar as mãos não era apenas um toque para ele, mas ela via tudo com a maior inocência existente. 

"Você confia nesse Matthew mesmo? Eu... Não sei, você não o conhece. Ele vai te levar pra qualquer lugar, vai saber o que ele pode fazer. Ele sofreu um trauma, isso pode tê-lo deixado maluco", começou. 

"Não se preocupe. Eu confio nele mais do que em mim mesma. A propósito, ele está ali. Me ajuda a levantar?", pediu, e ele ajudou. Assim que o carro parou ao lado deles, ela foi colocada no banco de carona.  

"Obrigado, cara. Eu assumo a partir daqui", Matt estendeu a mão para Sebastian, que recusou e aproximou-se dele.  

"Olha, eu vou falar só uma vez. Essa garota aí não é a mesma que você conheceu dez anos atrás. Ela é especial, muito mais do que jamais ninguém ousou ser. Está entendendo? Eu amo essa garota, e não vou deixar você prejudicá-la de jeito nenhum. Eu quero seu telefone, endereço, e saiba que vou aparecer bastante por lá. Ela vai te falar tudo sobre caminhada, etc, tudo o que ela precisa fazer pra se manter bem. E é bom você saber que a mãe dela é uma louca, o que significa que vai encontrar vocês dois muito facilmente. Se isso acontecer, liga pra mim", disse em um tom ameaçador. De dentro do carro Olívia sequer imaginava o que o rapaz dissera, mas sabia que tinha incomodado Matt, que entregou um cartão para Sebastian e entrou no carro. 

Assim que tocou no volante e pôs o cinto ele olhou para ela, que sorria. 

"Então você tem um carro?", falou com tom de deboche. 

"Sim, e tenho um gato também." 

"Um gato? Uau! E qual é o nome dele?", perguntou, o que o fez hesitar em sua resposta, apesar de continuar com uma expressão feliz. 

"Azeitona." 

Disse, e ambos ficaram em silêncio. Para Olívia isso era inacreditável. Em todos esses anos ele nunca a esqueceu, nunca a tirou de sua vida, e a incluiu em tudo. Os quadros já eram muito, e agora o gato! Ela não tinha se decidido. Isso era muito bonito ou tremendamente assustador? Com certeza, com sua mente de hoje, movia-se ao bonito. 

"Acha que precisa ir ao hospital? Por causa da perna", ele perguntou. 

"Não! Que nada. Eu me ralei, apenas. Sem falar que passei muito tempo no hospital, e agora quero conhecer a sua vida.", quando ele não parecia convencido, ela prosseguiu. "Eu caí miil vezes nas últimas semanas. Andar é difícil, sabia? Me sinto um bebê." 

"Está bem! Para onde te levo então? Já tem uma casa na cidade?", perguntou. 

"Bom, sobre isso..." 

"Oli... Não me diga que você está fugindo do hospital", repreendeu. 

"Ah, Matt, vai dizer que você achou que eu estava brincando de espiã? Não costumo entrar em um armário de vassouras disfarçada todos os dias", disse irônica. 

"Não, eu sabia que estava saindo escondida, mas não sabia que você não tinha para onde ir." 

"Mas claro que tenho. Vou para a sua casa", ela falou com sorriso de deboche na cara. 

"Sabe, é engraçado te ver falar isso. Ou qualquer outra coisa", suspirou aliviado. Foi aí que ela percebeu que a emoção dele de vê-la é maior que o inverso. Ela estava emocionada e feliz por sua liberdade e tê-lo de volta, mas ele a estava vendo viva de novo. A viu respirar, falar, andar, depois de se culpar por tantos anos pelo ocorrido. Ele pensava tê-la matado! "E suas malas, onde estão?" 

Ela deu de ombros. 

"Ah, Oli, você só está com essa mochila?", perguntou, e ela assentiu, fazendo-o respirar fundo. "Conhece Petersburg?" 

"Petersburg?", perguntou rindo. Era a cidade que ele morava, ela sabia. "Está na minha lista de lugares para conhecer sim, se quer saber." 

"Maravilha! Chegamos lá em uma hora e meia no máximo. Bem a tempo de dar o jantar de Azeitona, a coitada. Mas ponha o cinto, garotinha. Não tenho emprego para pagar multas" ele piscou um dos olhos para ela, sorrindo, e acelerou. Quem ficou para trás, nas ruas, só conseguia ouvir altas gargalhadas e um rádio em som bem alto.


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