Nosso Último Verão escrita por Roses


Capítulo 5
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Olá meus amores, como estão?
Cá está mais um capítulo novo e eu espero de todo coração que gostem dele.
Boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/694604/chapter/5

  Killian

Duas semanas.

Este era o tempo em que já estava em Hertfordshire, convivendo como parte da família Odom e enlouquecendo um pouco a cada dia com eles e seu difícil relacionamento. Eu simplesmente não conseguia compreender como podia existir tanta discórdia em um grupo de pessoas do mesmo sangue. Quando parava para pensar e comparar o relacionamento com meus pais, com nada se parecia com o deles. Nós conversávamos, e brincávamos. Claro que havia desentendimento, nos últimos anos principalmente desde que eu assumira meu lugar ao lado de meu tio, mas sempre tentávamos dar um jeito de resolver tudo da melhor forma e com respeito.

    Com os Odom eram palavras afiadas atrás de palavras afiadas. Nada era dito com simpatia. Nada era pronunciado sem um leve tom de deboche na voz. A viscondessa passava a maior parte do tempo drogada com seu remédio para os nervos e na outra implicando com o marido. Milah adorava achar motivos para reclamar. Era pelo modo que eu falava bom dia, a forma que uma das criadas respirava, ou o fato que o beijo que depositava em sua bochecha era rápido demais. Por exemplo, naquela manhã ela estava emburrada comigo, porque havia a recusado na noite passada, quando estava no escritório cuidando do trabalho que levara para adiantar ali. Milah entrara e começara a conversar, desconcentrando-me dos valores do livro de registro. Ela caminhara até mim, massageando meus ombros e amolecendo a voz beijando minha nuca, antes de se jogar no meu colo.

     Já havia retribuído beijos com Milah, isto era óbvio, afinal nós iriamos nos casar em poucos meses, mas aquilo era demais. Eu não planejava ir para a cama com ela antes de se tornar obrigatório. Levá-la para cama significava não ter como voltar a trás se caso um milagre acontecesse e permitisse que eu desmanchasse o noivado. Ceder aos desejos dela e passar a noite em seu quarto iria prender-me a ela, antes mesmo do casamento.

     Contudo, eu gostava do visconde. Da paciência que ele tinha para lidar com tudo aquilo. Como sempre aguentava as palavras despejadas em cima dele das mulheres que não seriam nada sem ele. Admirava de certo modo, a forma que Sr. Odom suspirava e virava a página, seja do periódico que estava lendo ou do livro. Ou como assentia a cada palavra dita, acendendo mais um charuto. Quando estávamos os dois sozinhos, ele se mostrava um homem desesperado para falar, ter uma conversa civilizada, e eu ficava feliz de estar ali para ajudá-lo aliviar.

     Afinal, eu também precisava conversar e ele era único dentro daquela casa disposto a tal.

     Apesar de gostar do visconde e admirá-lo de certa forma, não queria me transformar nele no futuro. A ideia disto acontecer assustava-me.

      Naquelas duas semanas em que convivi com eles, tentava ao máximo me agarrar às coisas boas. Escrevia constantemente aos meus pais. Duas ou três cartas, dependendo como estava o dia, dando noticias de conhecidos dos dois que eu ia visitar pela tarde, como desculpas para sair de casa e passar um tempo longe de Milah.

      E então tinha Emma, que se recusara a falar comigo em todas as vezes que tentei.

    Ela era uma das coisas boas que eu tentava me agarrar e a que mais me atormentava.

    Descobri que Swan havia trocado com uma, outra criada que sempre me esquecia do nome os afazeres, ficando com o andar inferior, enquanto a moça ajudava a criada Tinker com o andar superior. Havia descoberto isso quando estava esperando-a em meu quarto pela manhã, na intenção de encurralá-la para fazê-la me ouvir. Depois disso, Emma havia se tornado especialista em me evitar, já que parecia saber os horários exatos em que eu saía, e ia limpar o escritório que Sr.Odom disponibilizara para mim ou então quando todos estavam presentes em um cômodo e não havia como chamar sua atenção.

    Mas eu sempre a observava quando possível. Naqueles momentos em que ela estava sob minha vista, comecei a reparar que Emma parecia ter envelhecido uns cinco anos ou mais. Seus ombros estavam mais caídos que o normal e seus olhos pareciam apagados de vida. Seus lábios viviam constantemente crispados como se estivesse preocupada com alguma coisa. E Swan parecia mais magra, como se não estivesse se alimentando direito.

    Escrevi uma carta para meus pais, comentando sobre Emma e foi à única carta que não obtive resposta por parte deles.

     E eu sabia bem o motivo.

     Quando informei meus pais sobre a minha decisão de acatar as exigências de meu tio, eles tentaram me fazer mudar de ideia. Ficaram bravos comigo por minha escolha e passaram um bom tempo sem dirigirem qualquer palavra para mim. Disseram que eu já era um homem e que como tal, deveria parar de me escorar aos outros e seguir meu rumo. Conseguir meu próprio dinheiro, seguir a minha vida do jeito que eu quisesse.

     Lembro que murmurei que eles não entendiam. Que não era porque minha mãe abrira mão da riqueza que eu tinha que fazer o mesmo.

     Não me lembro de ter visto desapontamento maior em seus olhos.

     Mas não desapontados comigo.

     Com eles. Sei que naquele momento os dois acharam que falharam em minha criação... E aquela decepção, acompanhava-os ainda, sempre que conversávamos. Meus pais falavam comigo, todavia não tinha tanta certeza da pessoa que eles enxergavam.

     Eu estava tendo dificuldade de reconhecer a pessoa que vivia em mim desde que retornara para Hertfordshire. Era sempre uma luta entre o rapaz que fora embora, que implorava para vir à tona e o homem que gostava demais do conforto que o dinheiro trazia.

     Todavia eu precisava falar sobre ela. Contar sobre Emma e como ela estava. Falar com alguém que a conhecera e as únicas pessoas que eu tinha, recusavam-se a falar sobre o assunto.

      -Recebemos um convite para um baile. – Sr. Odom comunicou, abrindo o envelope que o mordomo levara para ele. Paramos de comer e olhamos para o homem. Percebi a expressão de Milah se suavizar, provavelmente já imaginando o vestido que usaria e como se mostraria superior às damas da sociedade ali do campo. – É de um fazendeiro da região, em comemoração ao aniversário de 76 anos do homem. No próximo sábado.

     - Ah! – Milah exclamou, parecendo desapontada. Ela possuía alguma coisa contra fazendeiros que eu não conseguia entender. – Pelo menos iremos ter alguma coisa para fazer. Já estava ficando entediada. Será divertido, não querido? – indagou olhando para mim.

    -Claro. Um baile sempre é divertido, Milah. – respondi voltando a comer e então a fitando, apenas porque percebi que ela esperava isso. Encontrei suas sobrancelhas arqueadas como se sugerisse algo. – Gostaria que eu a acompanhasse até a vila para comprar vestidos novos? – tentei.

    Ela abriu um sorriso contente e assentiu.

    -Seria adorável se me acompanhasse. Eu o aviso quando formos.

    -É melhor ir logo. – a Sra. Odom se intrometeu. – Sabe como são escassas as opções aqui e se demorar demais é capaz de ficar sem. E se for querer mandar fazer, é melhor ser uma das primeiras a pedir.

    -Tem razão, mamãe.

   -Podemos ir hoje se quiser querida. – propus, afastando o prato e sentindo-me cansado com aquela conversa.

   -Sim, sim. – ela pulou da cadeira. – Irei terminar de me arrumar e podemos ir... Você também vá terminar de se arrumar. Troque essas roupas, pegue as de cores mais claras. Sabe que detesto cores escuras para sair. – mandou me observando. – Encontramo-nos na sala de estar.

   -Sim, Milah. – murmurei, levantando-me também e recebendo um olhar de pena do visconde.

    Retornei para o meu quarto, retirando a casaca e procurando uma em tom azul para que Milah não ficasse me aporrinhando. Troquei a calça preta por uma branca e peguei a cartola, segurando-a em minha mão e indo para a porta, até que toquei meu pescoço, dando falta do meu colar que usava escondido por baixo da camisa.

    -Como eu pude me esquecer de colocá-lo assim que acordei? – repreendi-me, deixando a cartola na mesinha perto da porta.

     Andei até o criado mudo para pegar o colar com a pedrinha branca que ganhara de Emma tantos anos atrás, contudo me surpreendi por não encontrá-lo ali, onde sempre deixava todas as noites quando me deitava.

     Olhei ao redor em todas as superfícies não tendo vislumbre algum do acessório e me abaixei, procurando no chão. Talvez eu tivesse derrubado e não me recordava ou havia guardado em outro lugar.

     Apalpei debaixo da cama, não sentindo nada e arrastei o criado mudo, começando a me sentir nervoso com o sumiço da peça. Era a única lembrança concreta que eu tinha de Swan, que eu podia tocar e me lembrar de agradecer por tudo. Recordar que eu havia ganhado aquela pedra porque ela me amava e agradecia por minha existência. Eu não podia ter perdido assim em meu próprio quarto!

     Baguncei a penteadeira, derrubando os vidros que se encontravam ali, puxei as roupas das gavetas, procurando no fundo delas e no meio das vestes que agora estavam jogadas no chão. Tirei os lençóis da cama, chacoalhando tudo e sem encontrar o bendito colar.

    Respirei fundo vendo a bagunça que eu fizera no quarto e pensando que eu precisaria arrumar. Odiava dar trabalho extra para as criadas, principalmente Emma, por mais que raramente a via por ali depois que trocara os serviços.

     Desci para a sala de estar, encontrando todos lá. Milah estava sentada na ponta do sofá com uma sombrinha nas mãos e um chapéu ridículo na cabeça cheio de penas, observando as chamas da lareira, parecendo impaciente.

     -Por acaso vocês viram um colar? – indaguei soando mais tempestuoso do que queria.

      Todos pararam e encararam-me, inclusive Emma, que aquela manhã estava em cima de uma cadeira, se esticando ao máximo para limpar os vidros da janela.

      Assim que encontrou meu olhar, ela o desviou, voltando sua atenção para a limpeza como se fosse à coisa mais importante do mundo.

      -Um colar? – Milah questionou com uma sobrancelha arqueada e seus lábios finos se esticaram com interesse. – E como seria esse colar?

      -É um colar simples. A corrente é feita de couro e tem uma única pedrinha branca como pingente. – expliquei.

     -E essa pedrinha branca é que tipo de pedra? – quis saber, seus olhos brilhando de curiosidade.

   -É uma pedrinha ordinária, Milah, mas tem grande valor emocional para mim... Ganhei de uma pessoa muito importante e de quem sinto muita falta.

    Um estrondo chamou nossa atenção e olhamos para trás, na direção de Emma, que tinha os punhos e olhos cerrados, antes de observar a bagunça que fizera. O balde havia caído e o chão estava todo molhado.

    Sra. Odom respirou fundo como se clamasse por paciência e Milah revirou os olhos.

   -Perdoem-me... Irei limpar imediatamente. – Swan pulou da cadeira, quase escorregando.

    -É só água menina, não se preocupe. – Sr. Odom murmurou quando ela saiu correndo pela porta, de cabeça baixa. – E quem é essa pessoa, Killian? Porque pela forma que está, ela tem que ser muito especial mesmo. Se, é só uma pedra ordinária pegue outra no jardim e faça um colar novo.

      Balancei a cabeça, odiando o tom condescendente que ele estava usando comigo. Como se eu fosse uma criança que estava tentando acalmar.

      -Aquela pedra é única. Assim como o valor sentimental dela...

       Emma sentou-se a minha frente, as pernas cruzadas, abrindo-me um sorriso. Sua mão direita apertava alguma coisa fortemente, como se não quisesse que eu visse o conteúdo. Inclinei-me para beijá-la rapidamente nos lábios, beijo esse que ela retribuiu com animação.

      -Trouxe biscoito com goiabada. – anunciei, desembrulhando o quitute que minha mãe fizera para que eu entregasse para ela. – Sra. Jones fez especialmente para você.

     Emma ergueu os olhos esmeraldas para mim, surpresos, sua boca aberta em um pequeno “O”, como se não acreditasse no que estava ouvindo.

    -Sua mãe sabe de mim?

    -Claro que sabe criança! – exclamei, levando um a sua boca. – Ela descobriu as minhas escapadas e me vi inclinado a contar tudo para ela.

     -E... Ela não ficou brava?

    -De modo algum. Começou a comentar como é uma boa menina e que costuma ajudar nas feiras da igreja... Desde então insiste que devo levá-la para almoçar um dia conosco e hoje mandou esse presente para você.

      Vi seus olhos clarearem por causa das lágrimas que inundaram eles.

     -Mas... Eu estou um nível abaixo de vocês... Sua mãe não se irritou?

     Neguei, beijando-lhe a testa com ternura e sentindo em meus lábios sua tez delicada.

    -Minha mãe não se importa com isso. Não sei se sabe, mas ela era de uma família rica e abriu mão da riqueza para se casar com meu pai. Ela quer que eu seja feliz, não importa com quem seja... E ela percebe que estou mais feliz desde que conheci você, minha criança.

    Swan balançou a cabeça, piscando várias vezes.

   -Quero te contar uma história esta noite. – informou, endireitando os ombros. – Você sempre me conta, hoje é a minha vez.

    -Muito bem. – falei animado, deitando-me e usando sua coxa como travesseiro. – Sou todo ouvidos.

    -É uma história bem simples, mas que minha avó contava para mim e às vezes minha mãe conta até hoje. – avisou, limpando a garganta e respirando fundo. – Certa vez uma dama fora sozinha para a praia, a fim de se livrar do estresse da cidade e todos seus bailes e vestidos coloridos, que estavam por afetar seus pobres nervos. Enquanto caminhava pela areia, os pés descalços, sentindo a água gélida batendo em seus pés, ela viu uma pedrinha e se abaixou para pegar. Ao analisar aquela pedrinha bonita, esta pensou “como eu queria que minha família e amigos estivessem aqui comigo, deleitando-se nessa calmaria em minha companhia”, afinal, qual a graça de viajar sozinho, se não há ninguém para compartilhar o momento? – indagou, olhando para mim.

    -Nenhuma. – respondi.

    -Nenhuma! – exclamou horrorizada. – Bem, a dama continuou a caminhar calmamente, pegando as pedrinhas pelo caminho que achava bonitas, e pensando nas pessoas que mais amava. Então, ela lembrou-se que uma vez conheceu um senhor, que disse ter encontrado uma pedrinha branca que ganhara da filha no dia que esta se casou e foi embora. Ele nem se lembrava dessa pedra, mas quando a encontrou, recordou-se da filha e agradeceu por sua menina, agradeceu pelas coisas que tinha. Este homem decidiu deixar a pedrinha em cima do criado mudo dele, assim, sempre que fosse tirar o relógio do bolso, a carteira, e se deitar, olharia para aquela pedrinha e se lembraria de agradecer pelo dia que teve, por tudo... A moça que caminhava na praia decidiu fazer o mesmo, e começou a procurar pedrinhas brancas para presentear cada uma das pessoas que ela amava. Quando havia pegado para todos, voltou para sua casa e as lavou com carinho, pensando o quanto amava cada pessoa para quem as pedras eram destinadas e agradecia a Deus por tê-las em sua vida. Contudo, quando chegou a hora de voltar para a cidade, ela ficou envergonhada de dar uma singela pedrinha branca para sua família e amigos. O que pensariam dela? Que era uma avarenta que não queria gastar dinheiro e levara pedrinhas com a desculpa de ser recordação. E por pensar desse modo acabou, por deixar as pedrinhas na casa, esquecidas na estante e essas pessoas nunca souberam que essa moça perdera um tempão, escolhendo essas pedrinhas, pensando neles e agradecendo por sua existência. Logo, nunca tiveram algo para os lembrarem de agradecer pelas pequenas coisas. Pelas grandes, pelas pessoas ou qualquer aspecto de sua vida... – sua voz morreu, indicando que a história havia acabado e fitei seu rosto, encontrando-a olhando para a palma de sua mão direita. – Por isso essa pedrinha branca é para você. – Emma estendeu para mim e eu a peguei, estudando-a e sentindo meu peito se aquecer com esse gesto. – Ela parece ser igual às outras pedrinhas brancas, não tem valor nenhum, todavia é um lembrete para você toda vez que olhar lembrar-se de agradecer por tudo em sua vida. E recordar que ganhou essa pedrinha de alguém que o ama muito e que também agradece por sua existência.

     Apertei a pedrinha de encontro ao peito, admirando a menina, que me olhava de volta com uma expectativa no olhar, parecendo temerosa e de certa forma, acanhada.

      -Ah minha criança... – sentei-me, pegando-a nos braços e beijando sua face, multiplicando os beijos cada vez mais, fazendo-a rir. – Muito obrigado... Melhor presente que poderia ter recebido.

       -Não exagere Killy. – murmurou com dificuldade enquanto eu continuava a beijar-lhe o rosto. – Gostou da história?

     -Claro que gostei... Está vendo como sabe contar histórias?

     -Não com um livro em mãos como você. – retrucou.

     -Mas as tira de suas lembranças e isso me fascina. – parei observando seu rosto com toda atenção do mundo como se fosse à última vez, querendo guardar cada detalhe. As sardas que salpicavam seu nariz, os pontos mais escuros de verde em sua íris. As ruguinhas que surgiam em sua testa quando estava aturdida. Meu coração pareceu a ponto de explodir pela forma que batia. – Eu a amo tanto, Emma. Nunca achei que fosse possível amar tanto uma pessoa como eu amo você. – confessei, vendo sua expressão anuviar de espanto. Não resisti a puxá-la para mim, tocando seus lábios e não encontrando resistência alguma quando Swan entreabriu os dela para me receber, suas mãos indo parar, em meus cabelos, enquanto se ajeitava em meu colo, passando as pernas de cada lado do meu corpo, retribuindo-me sem pressa alguma, beijando-me como se tivesse todo tempo do mundo. Apertei seu quadril, descendo as mãos para suas coxas que estavam expostas por conta da maneira que Emma estava sentada em meu colo, sentindo-a arfar em minha boca quando comecei a acariciar o interior branco delas e eu podia jurar que era capaz de ouvir seu coração batendo tão rápido quanto o meu.

      -Eu o amo também. – murmurou quando precisamos nos separar, beijando meu queixo, antes de afagar meu rosto com seus dedos, a ponta de seu nariz encostado, no meu. – Foi a melhor coisa que me aconteceu. Você é a melhor coisa que já me aconteceu, Killian e eu o amo.

      -Pertenceu ao meu irmão. – menti quando Emma passou por mim novamente. – É a única coisa que tenho dele.

       -Você viu Emma? – Sr. Odom instigou para Swan que havia acabado de se ajoelhar. – Esse colar?

        Ela ergueu os olhos para ele e em seguida para mim. Queria ver algo ali, como uma recordação de que soubesse que a pedra era a mesma que ela me dera. Uma demonstração de que tinha consciência agora de que eu a mantivera por perto todos aqueles anos e de algum modo servisse de incentivo para ir conversar comigo.

        Emma balançou a cabeça, torcendo o pano.

       -Não vi nenhum colar parecido com esse, senhor. Mas perguntarei para Tinker se ela viu.

      -Muito obrigado... Aquele colar foi a melhor coisa que já me aconteceu. – falei, torcendo para que Emma se lembrasse de que me falara aquilo, e tivesse em mente que eu me recordava de tudo.

      Swan piscou e percebi que sua respiração ficou presa na garganta, enquanto assentia e voltava para o seu trabalho, o rosto afogueado.

        Ela se lembrava!

        Uma felicidade me invadiu enquanto meu coração reclamava de dor. Eu queria poder gritar para ela que ainda a amava. O rapaz que ainda vivia dentro de mim queria se declarar e acabar com aquele distanciamento que o homem ávido por dinheiro havia criado.

        Percebi o olhar de Milah em mim e a fitei, encontrando sua testa vincada ao desviar os olhos para Emma e voltar a me encarar, pensativa.

        -Podemos ir agora? – questionou se colocando de pé. – Eventualmente irá aparecer, se não tem valor algum, duvido que alguém iria roubar... Você. – ela se virou para Emma. – Venha conosco para carregar as compras.

          Swan abriu a boca, olhando ao redor como se procurasse uma forma de escapar, então observou suas mãos e o serviço que estava fazendo.

          -Eu... Chamarei Tinker... Tenho certeza que ela poderá acompanhá-los... – sua voz sumiu e ela se encolheu quando Milah se aproximou dela com a sombrinha erguida.

           Desviei os olhos prendendo a respiração quando ouvi o objeto se chocando contra Emma.

          -Eu falei para você nos acompanhar. Se eu quisesse a outra inútil, teria chamado diretamente ela, não acha?

           Emma se colocou em pé, pressionando a mão contra a maçã do rosto.

           -Claro, senhorita. Apenas deixe que eu peça para alguém terminar o serviço. Encontrarei com vocês do lado de fora. – falou com a voz embargada, fungando levemente, seu rosto retorcido de dor.

          Milah se virou para mim com as sobrancelhas erguidas como se me desafiasse e saiu da sala, com passos duros, ecoando pelo corredor.

         -Machucou menina? – Sr. Odom quis saber, deixando o jornal de lado.

          Swan sorriu para ele e negou com a cabeça, o redor dos olhos vermelhos e as partes brancas refletiam as lágrimas contidas. Ela retirou a mão do rosto, revelando o lugar inchado e começando a ficar em uma tonalidade de roxo escuro. Percebi um filete rubro ali, de um corte causado pela ponta do objeto.

          -Irei pedir para que alguém termine aqui. – informou, escapando pela porta.

          -Foi é pouco. – a viscondessa grunhiu. – Criadas que não sabem obedecer a uma ordem tem que apanhar mesmo.

        -Vou me lembrar disso quando eu ordenar algo a você, Lena, e não obedecer como vive fazendo.

         A mulher olhou para o marido com os olhos faiscando.

        -Você é meu marido...

         -E você deve obediência a mim, coisa que nunca fez... Talvez esteja na hora de deixá-la reclusa aqui nesta casa e procurar outra esposa.

         -Você não ousaria.

         -Fique duvidando, Lena. – a desafiou ameaçadoramente. – Vá rapaz, antes que Milah decida bater em você... E quando voltar, nós dois teremos uma conversa séria. – avisou.

           Aquiesci indo encontrar com Milah, indagando-me o que Sr. Odom teria de tão importante para falar comigo... E aflito para ver os olhos esmeraldas de Swan para saber como ela estava e se eu poderia ajudá-la de alguma forma.

[...]

Emma estava de pé, praticamente escondida em um canto afastado, olhando atentamente um dos cadernos de capa negra de couro com os desenhos dos modelos de vestidos. Seus dedos tocavam levemente as folhas, como se dessa forma pudesse sentir a textura dos tecidos, os olhos atentos provavelmente pegava todos os detalhes que estavam no papel.

Olhei para o provador onde Milah estava com uma vendedora já tinha algum tempo e ao que tudo indicava iria demorar mais um bocado, levando em consideração os resmungos que vinham lá de dentro, e levantei-me andando até Emma, vendo uma oportunidade para poder falar com ela.

Mesmo que eu tivesse certeza que depois do ocorrido na sala da família Odom, Swan desgostasse ainda mais de mim por não ter feito nada para impedir Milah de agredi-la.

—Viu algo que a interessou? - instiguei calmamente para não assustá-la, parando ao seu lado observando o modelo que ela olhava no momento.

Swan ergueu os olhos desinteressados para mim, o hematoma colorindo seu rosto de uma forma dolorosa de se olhar, e então desviou, virando a página e escrutinando com redobrada atenção o desenho.

Meus lábios se repuxaram de divertimento ao fitá-la, com a expressão compenetrada a me ignorar, meu coração batendo da mesma forma que quando eu tinha dezenove anos e a encontrava durante a noite. Como se fosse explodir. Meu estômago estremeceu e me perguntei se Emma também se sentia daquele modo ainda.

—Está doendo muito? – indaguei, erguendo a mão para tocar de leve sua bochecha e vendo-a se afastar, continuando em silêncio como se não tivesse me ouvido. – Quer ir ver o médico?

—Para que? Aumentar minhas dividas? – retorquiu com cinismo. – Não, muito obrigada. Não é a primeira vez que apanho dessa quenga. – praguejou irritada e então parou, olhando para a parede, como se estivesse pensando, antes de se virar para mim, os olhos verdes apavorados. – Perdão senhor, por ter ofendido sua noiva. Escapou... – Emma hesitou. – Por favor, sei que não posso pedir nada, mas não fique irritado comigo e nem conte para Srta. Odom... Eu preciso desse emprego.

Dei-lhe um sorriso cúmplice, que ela retribuiu com um franzir de testa.

—Eu não ouvi nada... Você disse algo?

Ela negou com a cabeça, voltando a se concentrar no caderno.

—Eu ficaria mais aliviado se você deixasse o médico dar uma olhada nisso. – continuei, apoiando-me no balcão para poder olhá-la melhor, observando o padrão de sardas que nunca esqueci, de seu rosto. – Podemos ir agora que Milah está provando os vestidos e tirando medidas.

Emma entortou a boca com desdém e se virou de costas para mim, deixando claro, como sempre fazia que não, queria conversar comigo.

—Você não viu mesmo meu colar?

Swan ficou imóvel e então respirou fundo, endireitando os ombros.

—Se eu tivesse visto, tenha certeza que eu teria devolvido senhor Jones. Posso ser pobre, mas não sou ladra. – atalhou com frieza.

Aquela Emma incomodava-me profundamente. As respostas sempre secas e cortantes, a expressão vazia sempre que eu falava com ela, beirando o tédio e o desdém não eram características da menina por quem me apaixonara. Aquela mulher ali, ignorando-me e nunca me dando um sorriso sincero, não era a minha menina sempre carinhosa que eu deixara para trás.

Certo que eu tinha minha parcela de culpa para ela estar me tratando daquele jeito, todavia Emma não me dava uma única chance para mostrar que eu sentia muito por ter falado com ela daquela maneira quando nos reencontramos.

Diabos! Eu sentia tanto por aquele dia e ela não deixava eu me desculpar!

—Eu... Eu não quis dizer que você me roubou Emma. – falei e minha voz ecoava toda a tristeza que eu mantinha dentro de mim. – Swan, nós precisamos conversar. Você não poderá me ignorar para sempre.

—Não será preciso. – ela respondeu. – Só preciso ignorá-lo até que vá embora novamente. – justificou sem se virar.

Anuí, olhando para fora, meu coração batendo em um ritmo quase beirando o desespero. Era como, se eu estivesse dentro de uma carruagem que perdeu o controle, eu tinha noção de que iria tombar, mas ao mesmo, tempo que estava assustado com o acidente, havia resignação de que não teria como mudar o que iria acontecer.

Eu estava resignado com a indiferença de Emma, e era melhor assim... Então por que eu me sentia tão desolado daquela forma? Por que continuava insistindo em tentar ficar bem aos seus olhos, quando o estrago já havia sido feito?

—O que está escrito aqui, por favor? – sua voz baixa relutante, tirou-me dos devaneios, e a encontrei olhando para mim.

Inclinei-me sobre o ombro dela para poder enxergar a palavra que apontava, recebendo um olhar torto de Swan com a proximidade em que eu estava. Percebi seu corpo ficando tenso e a pele de seu pescoço se arrepiar toda quando minha respiração acertou sua orelha. Aproveitei os breves segundo para acariciar com a ponta do nariz sua cartilagem, sentindo seus cabelos em minha bochecha. Minhas mãos formigavam para tocá-la, mas consegui ser forte e mantive-as no bolso da casaca.

Maldição, meu interior se contraia só de estar próximo a, Emma daquele modo.

—Musselina. - li para ela, endireitando-me.

Swan aquiesceu, murmurando para si a palavra, como sempre fazia.

—Obrigada senhor.

—Não precisa agradecer Emma... Quer que eu soletre para você? – questionei e ela balançou a cabeça em uma negativa.

Olhei para o provador, encontrando-o ainda fechado, e continuei ali, parado ao lado de Swan, aproveitando o breve momento de tranquilidade. Algumas vendedoras que estavam no outro extremo da loja, observava-nos e cochichavam entre si. Fiquei contente que a mulher ao meu lado parecia alheia a elas.

Voltei a cuidar Emma, encontrando-a tocando um vestido com a palma da mão toda, sua expressão antes despretensiosa, agora parecia triste.

Ela retirou a mão e observei o vestido desenhado com flores coloridas e delicadas na parte superior, que pela a anotação dizia ser bordadas. Os ombros eram expostos e as mangas iam até os cotovelos. Havia um decote generoso nas costas, mas nada muito escandaloso. O tecido da saia de um amarelo discreto combinaria com o tom de pele de Swan.

—Você o quer? - sussurrei. Emma deu um sobressalto e piscou confusa. – Vou chamar a vendedora para tirar suas medidas.

—Não, apenas achei bonito. Diferente. Não tenho dinheiro para pagar nem uma fita dessa loja. Além de não ter lugar para usá-lo.

—Escolha algum para você. – insisti. – Eu dou de presente. Esse ficará magnifico em você, criança. – incentivei, sentindo minha garganta fechar com a expectativa de que ela aceitasse.

Emma fechou o caderno com força, ficando emburrada de repente e se afastando de mim sem pronunciar nada, abrindo a porta e saindo, para fora da loja.

As vendedoras olhavam-me com escárnio, erguendo os ombros e voltando a conversar entre si.

Cogitei em ir atrás de Emma, e perguntar o que havia a ofendido, porém achei melhor retornar para o sofá onde eu estava sentado e esperar Milah terminar suas compras.

Umas duas horas depois, a porta do provador se abrira e a vendedora saíra carregando todos os vestidos com que entrara a expressão não muito feliz. Milah saiu logo em seguida parecendo enfadada, fechando as luvas.

—Onde está aquela inútil? – indagou.

—Acredito que esperando do lado de fora... Achou o vestido?

—Não... São todos horrorosos. Nenhum veste bem, Killian! – reclamou.

Anuí como se entendesse a frustração dela.

—Vai encomendar algum?

—Não. – respondeu. – Nós iremos para Londres comprar.

Soltei uma risada e ela me olhou com cara feia.

—Você não está falando sério, está?

—Claro que estou! – soou ofendida, abrindo a porta e saindo para a rua. – Onde mais acharei vestidos adequados?

—Nos cadernos tinha uns lindos Milah.

—Não se preocupe, pedirei para minha mãe me acompanhar. Pode aproveitar seu lado caipira o quanto quiser. – resmungou.

Ofereci o braço para ela, clamando internamente por ajuda divina, até que avistei Emma do lado de fora de uma taverna. Swan estava acompanhada de um oficial, e uma mulher parecia passar algo em seu rosto que estava transfigurado em uma careta de dor.

O homem falara alguma coisa e Emma sorriu divertida, abrindo o olho esquerdo para fitá-lo.

A porta se abriu e um garotinho saiu lá de dentro, jogando-se nos braços de Emma.

—Trazemos aquela inútil para nos ajudar e ela fica de conversa fiada.

—Que eu saiba você não comprou nada. Sendo assim, Emma não tem o que carregar. – rebati tentando controlar a voz para soar aborrecido.

Ela puxou-me para atravessar a rua, indo em direção ao pequeno grupo, com determinação.

—Então já está com essa intimidade com a criada para chamá-la pelo primeiro nome?

—Prefiro chamar pelo primeiro nome do quê me referir a qualquer criado, com esse termo. – falei secamente.

—... Como você conseguiu esse dodói? – pude ouvir o menino perguntando assim que nos aproximamos o suficiente.

—Uma bruaca bateu na tia Emma. – a morena respondeu com indignação na voz. Milah parou de repente olhando para a mulher parecendo ultrajada. – Honestamente alguém está precisando colocar essa senhoritazinha de meia tigela no seu lugar. Onde já se viu bater nos criados? Quem ela pensa que é? – instigou irritada. – O que falta é as pessoas se colocarem um pouquinho no lugar do outro e se perguntarem: eu gostaria de ser machucada dessa forma? Se a resposta for não, então você já sabe que não deve fazer. Regra básica para uma boa convivência. Independente de quem for, devemos ter a famosa empatia pelo outro. Enquanto tivermos pessoas que machucam seja física ou verbalmente, os outros pelo simples prazer de causar dor, as coisas nunca darão certo. Nunca. É injusto isso, Emma não tem poder algum para revidar essas agressões.

—Emma poderia prestar uma queixa contra ela. – o homem sugeriu, relanceando os olhos para nós dois e voltando a fitar Swan.

—Claro. E quem acabaria presa seria eu. – rebateu com o tom brincalhão.

—Eu não deixaria. – garantiu, inclinando a cabeça levemente e deu um sorriso torto para ela em um flerte descarado.

Senti minha boca se abrindo ao presenciar aquela afronta.

Como ele ousava flertar com Emma?

—Como sou sortuda de ser amiga do oficial... Pena que o noivo dela é advogado e eu acabaria presa do mesmo jeito.

O homem encolheu os ombros.

—Quando eu machuco, minha mãe dá beijinhos para sarar. – o menino falou ainda no colo de Emma, chamando a atenção para si. – Talvez se eu beijar você sare mais rápido.

—Esta é uma ótima ideia! – Emma exclamou feliz, dando a face para ele.

Roland começou a beijar o rosto de Swan devagar, distribuindo os beijos por toda a parte roxa. Paciente e demoradamente.

—Eu quero ter filhos. – comentei. Eu estava esticado no chão e Emma estava deitada com a cabeça em minha barriga, uma de suas mãos entrelaçada com a minha. Com a outra eu acariciava suas costas alvas, que eu deixara exposta ao abrir os botões. Aquela era uma noite fresca e, eu divertia-me ao ver a pele de Swan se arrepiar sempre que um vento mais forte beijava-a. – Sempre quis tê-los. Gostava de ir visitar meu pai quando as crianças nasciam e de ver a felicidade nos rostos dos pais por terem gerado uma vida.

—Eu queria ter filhos. – ela murmurou sem olhar para mim. – Mas não posso.

Ergui a cabeça para tentar enxergá-la.

—Por que não?

Emma se sentou, segurando o vestido para que não revelasse nada além de suas costas brancas e voltou a se deitar, olhando para mim.

—Não quero que eles sejam burros como eu. – falou tristemente. – Não quero colocar uma criança no mundo se não tenho condições de dar uma boa vida para ela, Killian... Meus pais me amam, porém... Eu preferia não ter nascido. Não reclamo de não ter dinheiro. Reclamo de não ter estudo. Qualquer pessoa pode passar a perna em mim, se aproveitar, porque eu não sei ler, não sei contar, não sei escrever... Como eu vou poder questionar alguém e falar que está errado se eu não tenho como provar? As pessoas vivem fazendo isso com meus pais. – seus olhos ficaram marejados e ela balançou a cabeça, olhando para o céu. – Nós percebemos que nos pagam menos quando vamos pagar nossas dívidas, mas o que podemos fazer?

Fiquei em silêncio, estudando seu perfil, até que percebi uma lágrima solitária escorrendo por sua têmpora.

—Se você se casasse com alguém que possuí estudos, não teria esse problema. Eu sei que você será uma mãe maravilhosa. Percebo nos domingos como atrai as crianças.

—Eu gosto delas... Eu quero Killian. Quero mesmo, contudo não posso sujeitar uma criança a levar uma vida assim. Veja o que estou fazendo. – Emma indicou a nós dois.

—Você acha mesmo que eu a faria fazer isso se não fosse escolher você?

Ela deu de ombros.

—Eu não sei. Como eu disse, as pessoas podem passar a perna em mim.

Sentei-me, puxando Emma com cuidado e a colocando no meio das minhas pernas. Beijei seu ombro, pousando o queixo ali. Swan olhou para mim com o canto do olho e sorriu.

—Eu não serei essa pessoa.

—Eu teria filhos com você se prometesse ensiná-los tudo o que sabe.

—Então eu prometo minha menina. Prometo que ensinarei nossas crianças. – mordisquei sua orelha, passando os braços ao seu redor e tocando sua barriga reta. Imaginei como seria quando ela estivesse grávida, as modificações que seu corpo iria fazer para gerar a nova vida. Ainda não havia tocado no assunto casamento com ela. Eu não possuía dinheiro ainda para bancar nós dois e queria que ela estivesse um pouco mais velha... Uns dois anos talvez. Era o suficiente para eu juntar dinheiro para uma casa e começarmos uma família. Swan estaria com dezessete anos. Se possível, eu poderia arrumar uma paroquia em uma das cidades vizinhas da que morávamos, até assumir o lugar do meu pai.

Mas nada me impedia de pedir sua mão para o pai dela. Poderíamos muito bem ser noivos durante dois anos. Varias pessoas de nossa classe faziam isso.

Emma olhou para as estrelas e eu comecei a fechar os botões de seu vestido.

—Posso pedir uma coisa para você? – instigou.

—Claro. Peça o que quiser.

—Poderia trazer um livro para ler para mim amanhã? – indagou baixinho com vergonha. – Eu gosto de histórias.

—Eu trarei minha criança. Trarei um que tem o seu nome.

A sensação de dedos apertando meu braço com força, tirou-me das lembranças e pisquei, desviando os olhos de Emma e do menino. Ela sempre se dera bem com as crianças e vê-la ali, sorrindo ao receber os beijos molhados do pequeno, fez-me recordar... De quando planejávamos ter os nossos.

E um gosto ruim de culpa invadiu minha boca, a tristeza pesando em meu coração.

—Olá. – Milah os cumprimentou com cortesia, um sorriso simpático no rosto. Emma olhou para nós dois ficando séria e se retraindo de repente. – Emma querida, terminamos.

A mulher morena trocou um olhar com o homem, que pressionou os lábios e assumiu uma expressão de que não podia fazer nada.

—Eu não entendo. – o garotinho guinchou. – Não sarou!

—Talvez porque só funcione com o beijo de mãe. Dizem que os beijos das mães possuem mágica. – o oficial falou com um tom leve.

Roland olhou para a morena de pé, e desceu do colo de Emma.

—Dá um beijo no rosto dela para sarar, mãe.

—Eu posso até dar um beijo na Emma, mas acho que só vai funcionar se a mamãe dela der o beijo. Meus beijos funcionam com você porque eu sou sua mamãe.

O garotinho assumiu um ar pensativo.

—Faz sentido... Desculpe tia Emma, por não ter conseguido sarar seu dodói. – pediu.

—Eu te garanto que ajudou sim. Já nem sinto mais dor depois dos seus beijos... Viu como até fiquei mais feliz? Agora eu acho que você tem que voltar para dentro, porque sua mãe mencionou que estava fazendo a lição.

—Eu não quero, é chato. A gente podia brincar. – sugeriu.

Emma sorriu, ficando de joelhos para ficar na altura da criança.

—Mas é preciso, Roland. É muito importante fazer todas as lições que a mamãe passa para você ficar inteligente... Então mais tarde você pode me mostrar o presente que ganhou por ter terminado toda a lição.

—É um presente bem legal. – a mãe do garoto cantarolou, lançando uma piscadela para o filho.

Emma gargalhou ao ver a expressão no rosto dele se iluminar e eu não resisti, soltando uma risada ao observá-los. O garoto voltou para dentro da taverna sem dizer mais nenhuma palavra de resistência.

—Bom, eu tenho que ir. – Emma falou. – Obrigada Regina pelo... – ela indicou o rosto. – Aliviou.

—Não precisa agradecer. – Regina atalhou, olhando de Milah para mim com desprezo. – Prazer em conhecê-los, sou a Sra. Hood. – apresentou-se.

—É um prazer conhecê-la, Regina.

—Sra. Hood, Srta. Odom... Não lhe dei intimidade para me chamar pelo primeiro nome. – retrucou.

Milah abriu a boca para Regina, parecendo estupefata.

—Eu sou Killian Jones, é um prazer.

—Killian? Caramba, como está mudado! – o homem exclamou. – Graham Humbert. – apontou para o próprio peito. – Fizemos a escola dominical, juntos. Seu pai era incrível. Diga para ele que desde que foi embora, as crianças daqui não tiveram mais um ensino tão bom.

—Claro, eu me lembro de você. Aprontávamos um bocado, meu pai ficava louco. – uma onda de nostalgia me invadiu ao lembrar-me daquele tempo e de todas as molecagens. - Pode deixar que, transmitirei para ele.

Graham aquiesceu, parecendo satisfeito.

—Eu também preciso voltar para a delegacia... – anunciou então se virou para Swan. – Pense no meu pedido Emma.

Ela abriu a boca, pronta para dizer algo, que eu esperava ser negativo a seja lá qual fosse o pedido dele, contudo Regina respondeu com rapidez.

—Não se preocupe que ela irá, Humbert. Emma terá a noite de folga e se aparecer para trabalhar eu mesma baterei nela. Esta senhorita precisa se divertir um pouco.

—Ótimo. – Graham vibrou. – Então nos vemos Swan... E irei falar mais tarde com seus pais sobre o convite.

Ele se afastou de nós, parecendo contente, assoviando. Um clima estranho se instalou nas pessoas que restaram. Olhei para Emma que fitava Regina com reprovação, que por sua vez ergueu os ombros como se não tivesse feito nada para receber aquele olhar.

—A conversa está muito agradável, mas temos mesmo que ir. – Milah quebrou o silêncio incomodo.

—Puxa, que pena perder uma companhia tão agradável como a da senhorita. – Sra. Hood atalhou com sarcasmo. – Eu vou entrar porque tenho que auxiliar Roland. E quando vir trabalhar a noite, eu tomarei um porre com você. – ela relanceou os olhos mais uma vez para Milah. – Agora entendo porque fez isso aquela vez. – murmurou extremamente alto, despedindo-se com um aceno de cabeça.

Assim que estávamos apenas nós três novamente, a feição de Milah se transformou na tão conhecida carranca.

—Então eu a trago para trabalhar e você sai para vadiar com seus amigos?

—Eu estava esperando-os do lado de fora da loja. As vendedoras não estavam gostando da minha presença lá dentro. Atravessei a rua para conversar, a senhorita não estava precisando dos meus serviços. Posso garantir que sou responsável com os meus afazeres, apesar de gostar tanto de me chamar de inútil.

Milah deu um sorriso falso para Emma, parecendo não ter resposta e começou a caminhar em direção à carruagem. O cocheiro nos esperava, já em seu assento. Ajudei minha noiva a entrar e corri rapidamente até Emma para ajudá-la a subir ao lado do homem.

—Sr. Humbert a convidou para o que? – peguei-me perguntando, enquanto oferecia minha mão para ela. Emma a olhou, ignorando-a e subindo sozinha.

—O senhor me perdoe à falta de educação... – começou, sem me olhar, como sempre fazia. – Mas não é da sua conta minha vida fora do trabalho.

[...]

Assim que a carruagem parou, pude ver o vulto louro pulando de seu assento ao lado do cocheiro. Ela se adiantou para a porta, abrindo-a e olhando brevemente para mim com um olhar sapeca, antes de dar um passo para o lado, deixando que eu descesse.

—Gostariam de alguma coisa? – Emma quis saber prestativa, enquanto eu ajudava Milah a descer da carruagem.

—Não. Irei para o meu quarto descansar e não quero ser incomodada. Apenas me chamem quando almoço estiver pronto.

Swan assentiu prontamente, com a cabeça baixa, indicando que estava se retirando e eu a observei desaparecer pela lateral da casa.

Milah empurrou sua sombrinha com força em meu peito, subindo os degraus da entrada. A porta abriu antes mesmo que ela batesse e o mordomo não pronunciou nada, nenhuma saudação, apenas sumindo pelo corredor assim que entramos no vestíbulo.

—Você a observa demais. – minha noiva comentou, indo em direção à escada, parando com o pé no primeiro degrau, os olhos acusadores. – E nem tente negar que eu percebo Killian. Ou você para ou continuarei descontando nela todos os seus olhares desejosos. – ameaçou. Então deu uma piscada lenta parecendo infeliz, enquanto reprimia um suspiro e deu-me as costas.

Fiquei prostrado no vestíbulo, ouvindo seus passos sumirem no andar superior, o coração batendo em um ritmo estranho, que ribombava em meus ouvidos e eu podia senti-lo em outras partes do meu corpo. Eu estava sendo descuidado demais. Estava deixando transparecer que ainda nutria sentimentos por Emma e se isso chegasse aos ouvidos do meu tio, eu estaria sem nada.

Minha visão periférica captou um leve movimento e girei a cabeça para ver quem estava me cuidando do umbral. Encontrei Tinker com o cenho franzido. Ela olhou-me da cabeça aos pés, parecendo desconfiada, antes de devolver o meu olhar, os olhos dela carregados de reprovação.

—Sr. Odom pediu para ir até o escritório dele. – informou com o tom de voz sisudo.

—Muito obrigado por me avisar.

Tinker anuiu e sumiu pelo corredor que levava a cozinha.

Respirei fundo, indagando-me sobre o que Sr. Odom desejava tanto falar comigo. Segui pelo corredor iluminado pela luz opaca que entrava pelas grandes janelas de vidro, embrenhando-me cada vez mais até o interior da casa. O escritório do visconde ficava em uma parte escondida, creio que com o objetivo de não ser importunado com frequência.

Bati na porta, antes de girar a maçaneta, enfiando a cabeça para dentro e encontrando-o fumando um charuto tranquilamente.

—Senhor? – chamei.

Ele se limitou a fazer um sinal com a mão, indicando que eu entrasse. Obedeci rapidamente, fechando a porta e aproximando-me da mesa.

Olhei ao redor, como sempre fazia quando estava ali, no espaço pessoal do Sr.Odom. Uma das paredes continha uma estante que ia até o teto, cheia de livros, que não tinha certeza se algum dia fora lidos. A maioria nunca era. As pessoas costumavam tê-los apenas para enfeite.

Assim como em todos os cômodos, a janela era grande, para que entrasse a maior quantidade de luz possível. Inclusive naquele momento, eu prestava atenção às partículas de poeira que rondeavam o homem sentado tranquilamente em sua cadeira, para se misturar com a fumaça do charuto.

A lareira ficava na parede oposta a da estante, onde era possível escutar o leve crepitar do fogo que se recusava a apagar por completo. Sobre a lareira havia um quadro com uma mulher de cabelos negros, deitada em uma cama de lençóis brancos, um tecido vermelho tampava seu corpo, e ela parecia olhar diretamente para frente, como se estivesse o encarando, e de certa forma o desafiando a se juntar a ela.

—Emma é a garota, não? – ele finalmente falou, virando a cadeira para mim, fitando-me. – Seu tio me alertou que convidá-lo para vir conosco não seria uma boa ideia, por causa de um antigo amor seu. É a criada, não é? – questionou.

Desviei os olhos, sem saber o que responder. Cerrei os dentes, odiando-me por deixar tão na cara.

—Vou levar seu silêncio como um sim. – lamentou, levantando-se e andando até a frente da mesa, antes de se encostar a ela. – E esta é uma situação que eu não desejaria a ninguém.

—Como deduziu? – consegui indagar, a voz saindo estrangulada.

—Quando recebemos visitas, dias atrás... Nós estávamos na sala, ela entrou para nos servir e quando estava preparando os chás, Sir Lourd a tocou de maneira... Inapropriada. A forma que ficou, irritado e chamou a atenção do homem por aquilo... – Sr. Odom balançou a cabeça. – Você nunca fez isso antes. Quantas vezes criadas nossas já foram tocadas dessa forma por visitas e você nunca nem reparou, Killian.

Voltei a encará-lo, querendo saber onde iria chegar.

—É visível a forma que você repara nela. Você é péssimo em disfarçar, Jones... Mas irei recordá-lo de que você, possuí um compromisso com minha filha. Eu sei que ela não é fácil. Sei que Milah é insuportável, mas é minha filha. E se você voltar atrás para escolher uma criada, as pessoas irão zombar dela. Nenhum homem irá querer desposá-la...

—Eu não irei senhor. – garanti. – Disse para o meu tio e para o senhor que irei me casar com Milah...

—Deixe-me terminar de falar rapaz. – silenciou-me. – Sei que não ama Milah, assim como sei que é bom demais para destruir a reputação dela... Todavia, não acho justo que fique infeliz... Existe um modo para que fique com sua garota e ainda cumpra com sua palavra.

Senti meus olhos se arregalarem ao entender o que ele estava sugerindo.

—Não me olhe assim pelo amor de tudo! Você tem que começar a se adaptar a esse mundo que concordou em fazer parte. E francamente, é o melhor que sua garota irá conseguir. Ela não será aquela apresentada à sociedade ou que receberá seu nome, mas terá uma vida melhor do que a que leva aqui.

—O senhor... Está... Aconselhando-me a arrumar uma amante? – instiguei descrente, precisando sentar, quando senti minha cabeça pesar.

—Vocês terão sua família. Você pode levá-la para Londres... Ela só não será a oficial. Poderá visitá-la algumas horas por dia. Passar um tempo se divertindo com Emma na casa que comprar para ela... Garanto para você, que será a melhor coisa que irá fazer.

Eu balançava a cabeça de um lado para o outro, sem acreditar que estava tendo aquela conversa com meu futuro sogro. Que ele estava me aconselhando a trair sua filha. A transformar Emma em uma meretriz.

Minha amante.

De repente senti minhas entranhas revirando.

Céus! Eu preferia ficar sem Emma do quê tê-la daquela forma tão indigna. Do que transformá-la na outra.

Ergui a cabeça abruptamente, olhando para o retrato da mulher.

—Esta é sua amante. – afirmei atônito.

Sr. Odom sorriu, como se tive acanhado.

—É Loreta. Ela mora em Lyme, com nossos filhos. – contou. – Ela foi contratada muito jovem pelos meus pais como criada. É graciosa, divertida, ligeira... Possui um sorriso lindo e duas covas que surgem em suas bochechas. Eu a atormentava pelos corredores... Flertava, até que a conquistei... Então fui obrigado a casar com Lena, mas não conseguia ficar longe da minha Loreta. Não era a forma que eu queria ficar com ela, entretanto era o único jeito. Quando você se encontra preso em um lugar onde casamento é um negócio, o único modo para ficar com aquela que ama se ela não possui riquezas, é tornando-a a outra. Eu dou uma vida boa para ela e nossos filhos. Dois estão na faculdade e os outros três estão terminando o colégio. Temos duas meninas que fazem companhia para mãe e eu a visito de tempos em tempos. Somos um casal desde que me casei com Lena e não me arrependo, Killian. Eu estou lhe dando meu consentimento para que seja feliz com a mulher que ama, mesmo que o jeito que ficará com ela, não seja da forma como sempre sonharam. Pelo menos estarão juntos.

Soltei uma risada pelo nariz, colocando-me de pé, ainda sem ter uma reação depois de tudo que ouvira.

—Congratulações pela sua felicidade e a de Loreta. – pronunciei as palavras sem ter certeza de que as, estava falando corretamente, meus pensamentos pareciam ter dado um nó. – E agradeço o seu consentimento, contudo eu não preciso dele. Tenho muito respeito pela sua filha e por Emma, para fazer algo assim com ambas. Serei mais cuidadoso quanto aos olhares que lanço em direção a Swan, porém posso garantir ao senhor, que não passará de olhares.

—Killian... Só pense a respeito e verá que essa opção não é tão ruim ou absurda quanto parece. – proferiu em um tom eloquente.

—Com sua licença. – pedi estoico, dirigindo-me furibundo para a porta.

Francamente! Tornar Emma minha amante.

Por acaso ele estava querendo que eu acabasse com qualquer essência dela ao pedir que virasse uma meretriz? Sr. Odom realmente achava que eu a sujeitaria a se tornar alguém desprezado pela sociedade só para que eu a tivesse?

Bati porta do meu quarto com violência ao entrar, encontrando-o arrumado. O vento frio entrava pela janela, trazendo o cheiro de folhas secas do lado de fora. Pela forma fresca e úmida do ar, que me trazia um sentimento tão saudoso de quando era criança e sentia aquela mudança do tempo, eu sabia que viria chuva.

Mais do que uma simples chuva. Uma tempestade.

Adiantei-me para fechar a janela, sentindo-me mais calmo e querendo manter aquele aroma ali dentro por mais tempo, quando um objeto chamou minha atenção no criado mudo.

Meu colar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então... O que acharam? Espero que tenham gostado e ugh, perdoem o tamanho, estou tentando de verdade escrever menos palavras, mas parece que eu simplesmente não consigo usahsuahsuha.

A história que Emma contou para o Killian no capítulo, eu a ouvi de uma pessoa, que ouviu de outra, que ouviu de outra e de quem eu ganhei uma pedra branca. Eu a deixo na minha estante, onde eu a vejo sempre vou dormir e ao acordar. É algo pequeno, que possuí um significado enorme para mim e já compartilhei com meus amigos, e claro dei uma pedra branca... Bom, eu contei para vocês a história da pedrinha branca, mas infelizmente não tenho como dar uma para cada um de vocês, por mais que vontade não falta... Então, eu espero que a próxima pedrinha branca que encontrarem no caminho vocês, lembrem-se dessa historinha e saibam que a pedrinha é um presente meu para vocês (por isso espero que a pegue e guarde com carinho, tá?), se recordarem de agradecer por tudo que aconteceu em seu dia. E lembrar que mesmo não conhecendo vocês ou tendo intimidade, eu sou grata pela existência de cada um, assim como amo de verdade e sempre peço pelo melhor para vocês.

Acho que isso é tudo.
Obrigada por terem lido.
Beijos.