Nosso Último Verão escrita por Roses


Capítulo 6
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Olá meus amores, como estão? Aqui estou com mais um capítulo novo para vocês e espero que gostem.

E AIMEUDEUS! "Nosso Último Verão" já recebeu uma recomendação, é isso mesmo produção? Muito obrigada dona Lu, aka Miss Lehnsherr por achar que essa história merece ser recomendada, eu adorei ela e fiquei tão contente quando a li, que você não tem ideia. Espero não decepcioná-la. Assim como espero que goste desse capítulo.

Boa leitura.



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    Emma

Abri a porta, entrando na casa escura e silenciosa que sentira falta naquela semana. Era bem comum eu dormir em um quartinho que havia perto da cozinha da taverna em vez de voltar para casa. Ali dentro estava mais frio que o lado de fora, e eu sabia que encontraria poças de água pelo caminho até meu quarto, causadas pelas goteiras do telhado depois da chuva torrencial que havia desabado poucas horas antes.

      Soltei um suspiro que demonstrava todo o cansaço que sentia daquele dia infernal, meu corpo entrando em um estado de relaxamento que há tempos não vivenciava.

     Eu já não tinha tanta certeza que aguentaria mais um dia indo para a casa da família Odom. Não tinha certeza se conseguiria suportar a presença de Killian e as constantes agressões de Milah.

      Fechei os olhos, rezando para que Deus desse-me forças para continuar, porque eu precisava quitar nossas dívidas e manter o teto sobre a cabeça de meus pais.

     -Filha? – a voz hesitante de minha mãe me chamou e abri os olhos, fitando a mulher em sua camisola que um dia fora branca, porém agora nada mais era que um pedaço de pano surrado e encardido. Os cabelos estavam desgrenhados, o rosto inchado pelo sono e sorri para ela, como sempre fazia quando a via. Era uma reação espontânea.

       Eu me sentia feliz de vê-la.

     -Olá mamãe. – cumprimentei, indo até ela. – O que está fazendo acordada?

     -Algo me dizia que hoje você viria para casa e queria ver você. – respondeu com a voz triste. – Não a vejo tem quase uma semana, Emma. – reclamou.

     -Eu sei mãe e sinto muito por isso. Sinto sua falta também, contudo a senhora sabe que compensa mais eu ficar pela taverna para ir para a casa da família Odom de manhã. Nós combinamos isso, lembra?

     -Eu sei disso, Emma... Só sinto falta da sua companhia. Robin a trouxe?

      Neguei brevemente. Meus pais odiavam que eu voltasse sozinha naquele horário da taverna e por esse motivo, concordamos que seria melhor se eu passasse a noite lá quando Robin não tivesse condições de me dar uma carona.

      -Aconteceram tantas coisas hoje, que eu precisava do conforto de casa, mãe. – expliquei, antes que ela começasse os sermões sobre os perigos que eu corria quando me aventurava a voltar sozinha.

     Branca aquiesceu como se entendesse e abriu os braços para me receber. Ela me abraçou, apertado, encostando seu queixo em meu ombro e a senti estremecer, antes de quebrar em um choro baixinho ainda segurando-me com força.

     Fechei os olhos, retribuindo minha mãe, como se eu quisesse pegar tudo de ruim que ela sentia para mim. Detestava vê-la naquele estado. Odiava-me por não conseguir tirar as preocupações de seus ombros.

    Por não ter condições de dar uma vida boa para ela e meu pai.

    -Vamos conseguir mãe. E quando quitarmos a dívida, eu irei sair da casa da família Odom para ficar mais tempo com a senhora e o pai. Trabalharei apenas na taverna. – prometi.

     Senti-a aquiescendo freneticamente antes de me soltar e estudar-me com atenção. Seus olhos se arregalaram ao pousar no roxo e sua expressão ficou ainda mais triste, enquanto afagava o lugar machucado com cuidado.

     -Perdoe-me filha. – pediu. – Eu nunca quis sujeitá-la a essa vida. Você não merece nada disso.

     Anuí, secando suas lágrimas.

     -E a senhora também não merece nada disso... Agora se não se importa eu gostaria de dormir por algumas horas antes de ter que ir trabalhar novamente. Estou morrendo pela minha cama.

     -Graham veio até aqui hoje. – informou em um sussurro, seguindo-me para o que eu chamava de quarto. – Ele conversou com seu pai e comigo... Fazia tempo que não via David tão contente por receber uma visita.

     Sorri ao ouvir aquilo, começando a tirar a roupa.

     -Ele veio pedir permissão para levá-la ao baile do fazendeiro Webber. – contou, o timbre baixo de sua voz vibrando de animação.

     -Eu sei, nós conversamos hoje, porém eu não vou aceitar.

     Seu semblante ficou decepcionado.

     -Por que não? Será divertido. O fazendeiro Webber ficará feliz em vê-la lá, você sabe como ele gosta de você. Vai ser um baile diferente desses que você costuma ir com Tinker na cidade.

     -Exatamente por ser diferente que eu não irei. Não tenho um vestido adequado para ir. Passarei vergonha se aparecer lá com meus trapos velhos. – respondi, indicando os poucos vestidos remendados que estavam pendurados em um pedaço de pau que eu usava como guarda roupa. – Não tenho como aceitar. – repeti a voz controlada para não deixar transparecer como eu estava infeliz em ter que recusar.

      -Nós podemos... – minha mãe começou esperançosa.

      -Não. Não podemos. – a cortei, virando-me para ela. – Não temos dinheiro para gastar com futilidades. Não iremos aumentar nossas dividas para eu ter um vestido novo. Não iremos discutir sobre isso. E se a senhora passar por cima da minha vontade, eu ficarei muito brava!

      -Você pode desenhar um, e compramos os panos mais baratos para fazê-lo. Arrumarei alguns papeis e lápis para que possa criar o modelo... Eu só quero que você tenha uma noite divertida.

      -E eu só quero acabar com as dividas para que possamos ter paz novamente. – rebati aumentando o tom para ver se ela compreendia e recebendo uma bufada como resposta.

      Um barulho de passos rápidos do lado de fora me chamou a atenção, e senti os pelos de meus braços se eriçarem ao captar o som e entender que havia alguém rondando a casa. Passei a camisola rapidamente pela cabeça, indo em direção à porta, pegando um pedaço de pau que deixávamos escondido para casos de emergência.

     -A senhora ouviu? – instiguei em um murmúrio. – Parece que tem alguém do lado de fora.

     Minha mãe deu de ombros como se não fosse nada.

     -Faz um pouco mais de uma semana que escuto todas as noites, por volta desse horário, passos rápidos. Passa perto de seu quarto e então some. Toda vez que vou olhar não acho ninguém.

     Franzi a testa achando estranho aquilo.

     Abri a porta, pronta para acertar uma paulada em quem quer que, estivesse lá. Saí, para fora e comecei a rodear a casa com atenção. Sabia que minha mãe estava me seguindo porque sentia sua presença em minhas costas.

     -Eu já fiz exatamente isso umas três vezes, Emma. – ela falou baixinho. – Nunca acho ninguém, tudo que encontrará é um buque de cravos brancos listrados e cíclames vermelhos em sua janela. Toda noite essa pessoa deixa-os aí. Sempre cravos brancos com listras e cíclames vermelhos. – explicou quando eu parei, encontrando o buquê que minha mãe acabara de descrever. – Não faço a mínima ideia de quem seja, mas está de coração partido e pede desculpas.

     Peguei o buquê com dúvidas, estudando-o atentamente. Eu sabia o que as flores significavam, minha avó havia me contado várias e várias vezes o que cada flor que ela conhecia dizia. Os cravos brancos com listras queriam dizer dor e lamento de não poder estar com a pessoa amada. As cíclames vermelhas um pedido de desculpas para namorados e resignação.

     Revirei os olhos, soltando uma risada de descrença ao correr os olhos por ali.

     -Seu maldito... Por que não vai de uma vez para o inferno, seu desgraçado? – perguntei para a noite. – Vou dizer para você onde enfiar essas flores de pedidos de desculpas...

     -Emma! – minha mãe exclamou horrorizada. – Esses são modos?

     -A próxima vez em que, vir deixar esse lixo na minha janela, eu vou fazê-lo engolir essas flores. Está me ouvindo?  - gritei para a noite, sentindo-me irritada, jogando o buquê longe. – Só me deixe em paz. – implorei baixinho, retornando para dentro, sentindo cada parte de meu corpo tremendo com tudo aquilo.

     Eu só queria ter algumas poucas horas de sono.

     -Você sabe quem é?

     -A senhora tem dúvidas de quem seja? Ele está comprometido com outra, deixou bem claro que sente vergonha do que tivemos e agora... Agora fica com essa patifaria? – minha voz estava tão fina com a indignação que sentia que por um momento achei que não iria sair.

     Branca deu de ombros.

     -Talvez ele tenha se arrependido, filha. Você não sabe o que aconteceu nesses anos... Não que eu esteja defendendo-o, pois foi errado ter prometido algo para você e fazê-la prometer de volta, para então ter feito o que fez... Porém não acredito que pessoas mudem assim. Killian era um bom rapaz.

     -Está vendo esse machucado aqui? – apontei para o meu rosto. – Ele estava na sala e não impediu que acontecesse. – contei a voz arranhando minha garganta trancada ao tentar sair firme, enquanto lembrava como ele virara o rosto em vez de me ajudar. – Killian mudou mãe. E não reconheço esse homem que está em seu lugar... – verbalizei com pesar. – Irei me deitar que estou quase caindo de cansaço. – avisei, balançando a cabeça que pesava. Uma pressão insuportável nas têmporas dava a impressão que a qualquer momento ela explodiria. – Boa noite mãe. – dei um beijo em sua bochecha, dando meu rosto para que ela me beijasse e indo me enfiar em meu colchão duro.

     Killian estava entretido, colocando flores em meus cabelos. Aquela era mais uma das noites abafadas e eu sentia o suor se formando em gotas e escorrendo pelo meu corpo, grudando o tecido do vestido em minha pele. Sorri ao sentir os dedos de Jones ao tocar meu couro cabeludo.

     -Está parecendo uma deusa. – afirmou, tombando a cabeça para conseguir me ver. Afastei-me um pouco dele para que observasse melhor o seu trabalho. – Está linda... Seria ainda melhor se essas flores tivessem cheiro.

    Sorri para ele, voltando para o meu lugar, recostada em seu peito, deslizando as mãos por suas coxas.

    -Os amores- perfeitos fizeram um acordo com a natureza para que não tivessem mais cheiro. – contei para ele, deitando a cabeça em seu ombro. – Minha avó me dizia que antigamente, essas flores tinha um perfume intenso e adocicado, que atraía as pessoas para os campos de trigo para colhê-los, para fazerem perfumes e sabonetes, destruindo dessa forma os trigais. Com isso a colheita de trigo foi diminuindo, e logo o povo começou a passar fome e a cair em uma profunda pobreza por falta do que colher. Os amores- perfeitos, que antes eram alegres, ficaram tristes porque eles foram os causadores daquela tragédia toda. Então em um belo dia de sol, eles olharam para o céu e juntos, pediram para a natureza que tirasse seus perfumes, para que desse modo, as pessoas não entrassem mais nos campos para apanhá-los. A mãe natureza atendeu ao pedido de suas filhas no mesmo instante. – puxei uma florzinha roxa, erguendo-a para que Killian e eu a admirasse. – E apesar dela ser tão bonita e delicada, quase não possui cheiro.

     Jones segurou em minha mão, levando-a até seus lábios.

     -Então essa flor chama “amor-perfeito”? – indagou. – Que sorte a nossa estarmos rodeados de amores- perfeitos. – murmurou, abraçando-me. – Sinto-me abençoado por elas agora... Na verdade, eu acho que vou começar a chamá-la de “Amor- perfeito”. - sussurrou em meu ouvido, sua voz rouca e baixa causando um arrepio involuntário em minha pele, depositando um beijo atrás de minha orelha.

      -Por quê? – olhei para seu rosto com curiosidade.

      -Porque você é linda, delicada, possuí um perfume intenso e adocicado, e eu venho todas as noites até o campo de trigo porque me sinto atraído por você. – esclareceu como se fosse óbvio.

      Dei risada, erguendo a mão para afagar seu rosto, sentindo-o áspero por causa de sua barba por fazer.

          -Seu tonto... – resmunguei, trazendo sua face para perto da minha, para depositar um beijo em seu maxilar. – Minha avó também contava que ela é muito usada em poções de amor. – acrescentei.

      -É mesmo?

      -Sim. Ela dizia que era só derramar a poção de amor- perfeito nos olhos de alguém adormecido. Ao acordar iria fazer essa pessoa se apaixonar perdidamente pelo primeiro que visse em sua frente.

      -Então essa é o amor-perfeito! – ele exclamou.

      -Sim, é o que eu estou dizendo tem quase dez minutos, Killy. – atalhei irritada.

      Ele riu. Senti a risada nascer em seu peito, antes de reverberar por todo seu corpo, atingindo-me.

       -Não. Existe um livro chamado “Sonhos de uma noite de verão” que os personagens usam dessa poção e dá uma confusão tremenda.

       Endireitei-me de supetão olhando para ele com ansiedade ao ouvir suas palavras.

      -Um livro? Você poderia trazer para ler para mim? Já terminamos esse, não? – indiquei o que estava ao seu lado.

       Os ombros de Killian desabaram e ele fez uma careta ao ouvir meu pedido.

      -Outro livro, Emma? – resmungou.

     -Por favor, Jones. – juntei as mãos implorando. – Por favor, você é a única forma que eu tenho para conhecer essas histórias. Para conhecer outros lugares.

     Ele estudou meu rosto, os lábios apertados em uma linha fina. Eu senti meus olhos ficando cheios pelas lágrimas quentes. Eu sabia que o que eu pedia era demais, que Killian deveria ficar entediado ao ter que ler para mim todas as noites. Todavia ele me apresentava coisas diferentes quando lia, que quando eu voltava para casa, ficava relembrando e tentando imaginá-las. Jones me levava para tantos lugares que eu nunca teria condições para ir sozinha.

     Eu sabia que ele já estava ficando sem paciência comigo e meus pedidos incessantes para que trouxesse um livro assim que terminávamos. Que era só uma questão de tempo para que não quisesse mais nada disso.

    -Ah minha criança, venha cá. – ele me puxou com delicadeza para seus braços, beijando minha testa, e apertando-me contra si. – Claro que posso trazer esse livro para você. Lerei quantos livros quiser se isso a fizer feliz, minha menina. Não irei privá-la do conhecimento que consigo passar quando leio. Não quero mais ver esses lindos olhos esmeraldas carregados dessas lágrimas tristes. Eu prometo para você que enquanto estivermos juntos sempre irei fazê-la sorrir, criança.

     -Muito obrigada, Killian. Eu sei que tiro sua paciência com esses pedidos. – confessei. – Só... Deixe-me saber antes quando não quiser mais nada disso. – pedi. – Quando não me quiser mais. Juro que não irei ficar brava.

                —Srta. Odom e a mãe partiram antes de o sol raiar para Londres atrás de vestidos. – foi à primeira coisa que Tinker anunciou para mim, assim que entrei na cozinha, o cheiro do café da manhã, atingiu-me com tudo e fez minha barriga reclamar de fome. – Estamos livres por uns dias, Emma! – exclamou feliz, batendo palmas com as mãos molhadas, espirrando espuma para todo lado.

                Observei, ela e Granny terminando de lavar a louça, com uma animação que não via há dias.

                -Não completamente livres, porque Sr. Odom e Sr. Jones ainda estão aqui. – Granny explicou. – Mas eles são bem mais fáceis de lidar. Os dois dispensaram os outros criados, noite passada. – falou, voltando sua atenção para a louça. – Já comeu? Eles falaram que podíamos comer o que sobrou do café da manhã. – a velha apontou para a mesa com variedades de comida.

                -Qualquer uma dessas? – instiguei incrédula, ao sentir minha boca enchendo de água ao ver os bolos e pãezinhos que sempre tive vontade de provar e nunca tive a oportunidade, porque Milah ficava regulando as quantidades de comidas. Ela e a mãe determinavam um tanto que deveria ser feito, e sempre estavam na cozinha verificando se estava tudo saindo conforme elas tinham ordenado.

                -Qualquer um, minha amiga. – Tink respondeu sorrindo com doçura, ao me fitar, venerando a comida.

                Senti os cantos de meus lábios se repuxarem, enquanto eu sentava e pegava um pãozinho com hesitação, como se a qualquer momento Milah fosse aparecer para tirá-lo da minha mão. Quando não aconteceu, mergulhei a faca na geleia de amora, melecando todo o pão, antes de levá-lo à boca.

                Ouvi Granny e Tinker soltando risadinhas quando gemi ao começar a mastigar, todos os sabores explodindo em minha boca, desde o gosto do pão amanteigado e macio de Granny, até a geleia melada.

                Fazia tanto tempo que não sentia um gosto doce como aquele.

                -Bom, não é? – a voz do Sr. Odom surgiu às minhas costas e eu me coloquei de pé em um supetão, limpando a boca. – Não precisa se assustar menina, pode continuar comendo.

                -O senhor precisa de alguma coisa? – perguntei, escondendo a boca cheia com a mão.

                O visconde assentiu e ponderou por uns minutos, enquanto me estudava de um modo singular.

                -Killian e eu vamos fazer uma rápida viagem para Lyme... Gostaria que você fizesse a mala dele – ele apontou para mim, dando ênfase. – Então estão dispensadas por quatro dias... Aqui está um adiantamento para as senhoritas não comentarem com minha esposa e filha sobre essa viagem. – Sr. Odom colocou três saquinhos em cima da mesa, parecendo sem jeito. – E podem levar a comida que ficar para não estragar. – avisou olhando atentamente para cada uma.

                -O senhor precisa que faça sua mala? – Tink indagou parecendo perplexa.

                -Eu apreciaria muito se fizesse esse favor, Tinker.

                -Estarei lá em um minuto. – garantiu.

                Sr. Odom anuiu, e saiu da cozinha sem dizer mais nada.

                -Como um homem desses acabou preso a duas mulheres como a esposa e filha? – Granny inquiriu sem acreditar. – Ele adiantou dinheiro e ainda nos deixou levar a comida para casa!

                -O visconde é um homem bondoso.  – Tinker se aproximou, pegando o saquinho e contando. Ela sabia como fazer aquilo. Contar e ler um pouco, mesmo que demorasse um bocado para juntar as palavras. – Dez libras... É o tanto que recebemos de salário. – constatou.

                -Por que não está feliz, menina? – Granny bateu em meu ombro. – Está com cara de quem chupou limão.

                Balancei a cabeça, limpando as mãos no guardanapo.

                -Nada. Estou pensando que meus pais ficarão felizes que terei uns dias para ficar em casa com eles... Eu não tenho os visto tem um bom tempo. – murmurei, pegando meu adiantamento. – Não acham estranho ele nos pagar para não contarmos para as duas que eles foram viajar? – instiguei.

                Granny deu de ombros.

                -Ele não precisava nem me pagar. Até parece que eu iria me meter em assunto de patrão.

                Guardei o dinheiro com as minhas coisas, ainda achando estranho, contudo decidindo não me importar. Eu teria uns dias livres para descansar, poderia levar algumas comidas gostosas para meus pais, que ficariam muito felizes.

Não me importava o que eles estavam aprontando.

                Não era da minha conta.

                -Tinker... Poderia trocar comigo? Arrumar as coisas do Sr. Jones? – pedi.

                Granny trocou um olhar esquisito com Tink, que ergueu as sobrancelhas.

                -Sr. Jones tentou algo forçado com você, Emma? – a velha quis saber com uma pontada de preocupação. – Sei que disse aquilo para você aquele dia, porém só deve fazer se se sentir pronta. Nada à força.

                Abri a boca espantada com a suposição dela.

                -Não! Não, ele não tentou nada. Por que você chegou a essa conclusão?

                -Ele está sempre a perseguindo pela casa quando possível. – Tinker começou. – E então você trocou os afazeres com Annie para não ter que limpar mais a parte superior. Sempre pede para alguém trocar quando ele pede que você faça algo...

                -Sem falar que fica nervosa. Você não consegue disfarçar o desconforto que sente perto dele. – Granny acrescentou. – Alguma coisa deve ter acontecido para que se comporte dessa maneira arredia.

                -E me perdoe Emma... Entretanto se ele não forçou nada... Tenho minhas suspeitas de o porquê você o evita.  E elas meio que fizeram sentido quando eu ouvi Milah e ele conversando ontem assim que chegaram da loja. – minha amiga comentou. – Uma vez você mencionou que Sr. Jones era daqui, e Granny confirmou isso para mim, que o pai dele era reverendo da paroquia que frequentamos... Logo, sinto que vocês se conheciam. Granny contou que ele foi embora para estudar, que um tio rico se ofereceu para pagar a universidade. Assim foi a história que você me contou do homem que prometeu voltar para buscá-la.  Que ele foi embora para concluir os estudos que o tio se propôs a pagar.

                -As duas estão doidas... Não sou obrigada a me sentir a vontade perto de todo mundo. Se o problema é arrumar a mala dele, tudo bem Tinker, eu faço. – declarei, sentindo leves tremores nas mãos. Meus ombros subiam levemente  em um claro sinal de nervosismo.

                -Não é arrumar a mala o problema. Só estamos tentando entender, Emma. Você é receptiva com todo mundo. Até mesmo com a bruaca. Você não a evita, todavia com Sr. Jones é sempre esquiva como agora e não gosta de conversar sobre ele. Você me disse que havia recebido uma carta do homem que te fez a promessa, e que nela dizia que ele estava noivo de outra. Coincidiu dessa, carta chegar no, mesmo dia que ele.

                -Sem falar que você teve todo aquele acesso de raiva e começou a jogar e bater nas coisas...

                -Onde querem chegar? Tenho trabalho para fazer. – falei impaciente.

                -Sr. Jones era o homem, não era? – Tinker indagou por fim, a voz em um sussurro que rodopiou pela cozinha, antes de pousar em meus ouvidos. – Ele que quebrou a promessa, que está a deixando tão infeliz assim.

                Apertei os lábios, puxando o ar lentamente para dentro e o mantendo ali, mesmo que ele implorasse para sair. Granny olhava para mim com pena.

                Virei o rosto, soltando o ar que estava impaciente. Fechei os olhos tentando cessar as ferroadas que as lágrimas que começavam a se formar causavam em meus olhos.

                -Não... Comentem com ninguém, tudo bem? Isso não pode sair daqui. – adverti. – Killian não quer que fiquem sabendo disso... Se puderem esquecer, eu agradeceria, para ser sincera.

                -Não iremos falar para ninguém disso, só estávamos preocupadas com seus modos estranhos dos últimos dias. –  Tink assegurou, vindo me abraçar.

                -Quer que eu me vingue dele para você? Talvez ele aprecie um chá com pimenta caiena. – Granny sugeriu.

                Dei risada, negando com a cabeça a sugestão dela.

                -Não quero que façam nada. Só que não contem mesmo para ninguém... Eu preciso subir, já demorei demais para ir arrumar a mala. Pode deixar que eu farei a do Sr. Jones para que as duas vejam que está tudo certo. - afirmei para Tinker que abria a boca para protestar e escapei pela porta.

                Se escutasse mais uma palavra, eu começaria a chorar. E aquele era um assunto que não queria mais desperdiçar lágrimas.

                [...]

                Precisei me dar uma dose de coragem, antes de bater na porta de Killian que estava fechada. Tentei domar os sentimentos que estavam completamente fora de ordem depois da conversa com Granny e Tinker.

                Ele a abriu depois de alguns minutos. A cara amassada e a roupa toda desalinhada, como se estivesse deitado tentando dormir.

                -Emma? – Killian balbuciou aturdido apertando os olhos como tentasse enxergar melhor. – Emma! – exclamou com um sorriso de descrença no rosto. – Eu sabia que em algum momento iria vir falar comigo, que não iria me ignorar para sempre.

                -Eu o acordei? Caso contrário, posso voltar mais tarde...

                Jones negou veementemente com a cabeça antes de me puxar para dentro do quarto com afobação, sem me deixar terminar de falar.

                -Talvez mais tarde você mude de ideia e não queira mais falar comigo... Como você está? Eu tenho a percebido mais... Não sei. Sinto que algo está a preocupando. Certo, mas primeiro eu irei falar, tudo bem? Depois quero que me conte sobre você... Céus! Não acredito que funcionou. – tagarelou, segurando meu braço com firmeza, os olhos azuis sem deixar meu rosto.

                Apertei as pálpebras, com sua reação.

                -Eu não tenho certeza se o senhor sabe o que eu estou fazendo aqui. – proferi, correndo os olhos pelo ambiente, tudo para não olhar para ele. – Eu vim porque o Sr. Odom me pediu para arrumar sua mala para a viagem que irão fazer. – expliquei, fitando fixamente três buquês de cravos listrados e cíclames vermelhas.

                -Viagem? – Killian me soltou, parecendo surpreso. – Que viagem?

                -Para Lyme, foi o que ele disse. – respondi, afastando-me rapidamente dele e indo para o closet.

                -Lyme? – quis saber me seguindo.

                -Sim. Lyme. – respondi de forma seca, pulando para alcançar uma mala que estava na última prateleira. – Tem preferência por alguma peça de roupa em particular? – instiguei sem encará-lo, continuando a pular.

                -Não. – ele respondeu sem emoção, esticando o braço e puxando a mala para baixo e a entregando para mim, voltando para o quarto.

                -Obrigada. – murmurei indo atrás dele.

                Coloquei a mala sobre a cama, abrindo-a e voltando para o closet. Killian estava olhando pela janela, com a expressão séria, brincando com um dos buquês na mão.

                -Achei que tinha vindo falar comigo... Que o fato de Milah estar longe havia a incentivado... Reconhece essas flores? – quis saber, virando-se para mim.

                -Prefere as roupas claras ou escuras? – perguntei, sem fitá-lo.

                -Escuras, por favor. – respondeu, parando no batente e cruzando os braços. – Meu tio forçou isso. O noivado com Milah. – explicou. – Eu deveria ter dito, e não tê-la tratado como eu a tratei quando nos vimos... Acontece que eu senti inveja. – confessou sem jeito e eu o olhei surpresa. – Inveja do seu bom coração. Você sempre pediu para que eu avisasse se algum dia eu... Não a quisesse mais, que não ficaria brava. E de fato não ficou. Eu esperava que ficasse. Eu queria que fosse a sua reação... Sei que está brava e magoada, mas é por causa da forma que eu a tratei e não por ter... – ele respirou fundo. – Você sabe.

                Hesitei sem saber como reagir ao ouvir aquilo, e optando por manter a indiferença, ao passar por ele com as roupas que havia separado.

                  -Já foi à praia? – ele indagou com a voz suave, como se estivesse disposto a continuar a puxar conversa e me fazer falar.

                 Soltei uma risadinha irônica ao ouvir sua pergunta.

                 -Nunca fui a Lyme antes, Bath sim. Fiquei doente no ano passado e precisei frequentar as casas de bomba. Sabe? Tomar banho nas águas termais. Ajudou no tratamento. – contou. As palavras saiam rápidas de sua boca. – Mas dizem que Lyme é muito bonito.

                 Aquiesci, sem olhá-lo, bufando audivelmente para deixar claro que estava entediada com o assunto.

                 -Você já foi?

                -Eu... Preciso trabalhar em dois lugares diferentes para conseguir dinheiro... O senhor acha mesmo que eu teria condições de ir até o litoral? – inquiri relanceando os olhos rapidamente para Jones que estava sentado na cama ao meu lado.

                 Killian ficou em silêncio, a respiração alta demais.

                 -Você poderia ir conosco a próxima vez, quando a família toda for. Garantirei que seja levada.

                  -Ah sim, claro. Sair daqui para apanhar da sua noiva lá. Não, muito obrigada. – retruquei em um murmúrio baixo para mim. – Tem algo que queira adicionar a mala?

                -Talvez uma loção...  – indicou, levantando-se para ir buscar. – Para você. – ele surgiu com as flores, bem rente aos meus olhos fazendo com que eu me sobressaísse. – Eu me recordo de cada significado de todas as flores que já me falou... Eu anotava em um caderninho sempre que voltava para casa. Sempre soube que saber o que as flores falavam me seria útil. - revelou com um sorriso brincando no canto de sua boca, como se estivesse esperando alguma coisa vinda de mim, um elogio ou comentário positivo.

                -Você tem as deixado em casa.  –boquejei, afastando seu braço ao começar a sentir um formigamento quente pelo corpo por causa de sua proximidade. – Eu havia acabado de chegar quando você foi e minha mãe contou que elas têm aparecido lá com frequência.

                -Como sabia que era eu?

                Olhei para ele de forma cética.

                -Diferente do que reza a lenda, eu não sou de tudo burra... - cantarolei, terminando de dobrar as roupas com cuidado e as colocando dentro da mala. - Quero pare de deixar essas flores em minha janela. Se por acaso não ouviu meu recado da noite passada para você, eu disse que ia fazê-lo engoli-las se continuasse... – refleti por uns segundos. – Na verdade, eu falei que ia dizer para você onde enfiar essas flores, mas minha mãe ficou brava comigo. Sendo assim, eu troquei o orifício por onde elas iriam entrar. – dei-lhe um sorriso enviesado continuando o meu trabalho. – E deveria olhar melhor os significados, você pode ter se equivocado com os cravos... Acho que você queria me dar o amarelo... Que quer dizer rejeição.

     Killian me observou como se estivesse decepcionado com a pessoa que estava parada à sua frente.

                 -O que aconteceu com você? Emma, você não era assim. Antes palavras ásperas nunca saiam de sua boca e agora são as únicas que eu escuto quando fala. Eu entendo que esteja brava pela forma que eu a tratei, mas... Eu estou tentando pedir desculpas aqui. Querendo saber se precisa de ajuda, porque eu posso ajudá-la... Querendo ser seu amigo e tudo o que você faz é me tratar mal. – reclamou. – Eu não entendo...

                Revirei os olhos.

                  -A vida aconteceu comigo. Já ouviu falar nela? Pois é, ela é uma droga para pessoas burras como eu. – retruquei, fechando a mala dele com violência. – E você acha que merece alguma palavra gentil vinda de mim, depois de tudo que fez? – indaguei. – Você mentiu pra mim, enganou-me por anos...

                 -Eu nunca fiz isso. Nunca menti nem a enganei.

                  -Quer saber? Eu não quero discutir com você. De qualquer jeito eu serei a errada de nós dois. – anunciei, fechando os olhos para me acalmar. Eu sentia a pressão em meu peito e sabia que era uma questão de tempo para que as lágrimas atingissem o seu destino. Já havia chorado o suficiente por Killian, mais do que ele merecia. – É a minha palavra contra a de um gentry nobre. Não tem valor algum. Assim como eu... O senhor precisa de mais alguma coisa? – questionei com a voz firme, olhando para ele.

                 Jones ficou em silêncio, o cenho crispado, os olhos azuis em mim.

                -Que se sente e me escute como a Emma de antes. Preciso que se disponha a conversar comigo como a garota que deixei para trás.

                 Escrutinei seu rosto com desdém, e tive um vislumbre do rapaz que eu amara por um momento, olhando-me ansioso, o mesmo olhar de quando ele sugerira os encontros nos campos de trigo.

                Encontrar aquele vestígio do antigo Killian me assustou, a tal ponto que, dei-lhe as costas e saí, sem dizer mais nada.

                [...]

                -Está deslumbrante, Regina. – a elogiei, enquanto terminava de arrumá-la para o baile de aniversário do fazendeiro Webber. – Esse vestido ficou magnifico.

                -Certo. Já chega de elogiar o seu trabalho. – ela me cortou em um tom divertido.

                -Obrigada por me deixar desenhá-lo... Espero que Robin goste dele.

                -Até parece que iria pagar aquele absurdo na loja sendo que tenho uma desenhista aqui... Ah se essas mulheres descobrirem o talento que você tem Emma... Elas cairiam matando para ter um de seus vestidos. Adorei essa saia solta. Adorei não ter que usar a crinolina. – confessou rindo, rodopiando em frente ao espelho. – Nunca achei que esse tom de azul ficaria bom em mim... E olhe esses detalhes... As macieiras que sua mãe bordou... As folhas soltas que quando eu me mexo parece que estão flutuando por causa do vento da noite. Sem falar nas pedrinhas brilhantes que lembram estrelas... – ela tocava em cada desenho, do corpete, da saia, parecendo fascinada. – E então temos esse decote generoso nas costas. – Regina se virou, estudando as costas nuas.

                -Não podia fazer um vestido para você sem que tivesse a sua essência. – expliquei dando de ombros. – Fico feliz que tenha gostado. Minha mãe ficou contente de ter algo para fazer por esses dias.

                -Eu amei! Estou me sentindo como se tivesse saído de um livro infantil desses cheios de seres mágicos... – Regina se admirou um pouco mais. – Estou a segurando aqui... Você precisa se arrumar.

                Balancei a cabeça em uma negativa começando a ajeitar o quarto dela. Havia recusado, o pedido de Graham para que eu fosse sua acompanhante ao baile. Ele tinha ficado bem decepcionado, entretanto entendera que eu não tinha condições de ir.

                -Claro que irá! Eu ficarei brava se não for, Emma.

                -Não tenho vestido Regina.

                -Se o problema é esse. – ela resmungou saindo do quarto e retornando logo em seguida com uma caixa. – Agora você tem. Pediram para te entregar, justamente hoje com um bilhete... “Para que não tenha perigo dela vir me mandar enfiar o vestido...” – Regina parou de ler e ergueu os olhos para mim. – Você mandaria mesmo? Foi um gesto gentil te dar vestido... E ah, estava escrito aqui que não era para deixar que tivesse conhecimento desse bilhete. Ops. – fez uma careta ao dar de ombros, jogando o papel em qualquer lugar. – Venha, abra o presente. – incentivou.

                Respirei fundo, andando até a caixa e encontrando o vestido que ficara encantada quando fui à loja com Killian e Milah. Toquei-o com as pontas dos dedos, sentindo o tecido macio e gelado da saia.

                Jones havia retornado de sua viagem com o Sr. Odom, no dia anterior, um pouco antes das mulheres chegarem, acabando com a paz na casa, e parecia estranho. Estava mais quieto que o normal e não tentara nenhuma vez chamar minha atenção.

                Fiquei pensando em suas palavras, de que seu tio o havia forçado e me peguei desejando saber mais. Havia falado com minha mãe sobre a breve conversa que tivemos e ela me aconselhara a ouvi-lo, porque ele deveria estar machucado com toda a situação da mesma forma que eu estava.

                -Se ele realmente foi forçado a isso... A esse compromisso com Milah, imagine como ele deve estar se sentindo? Você sabe como funcionam as coisas no mundo dos ricos, filha... Dê uma chance para que Killian se explique. Não direi nada para seu pai que conversaram.

                Apertei os lábios, enlaçando meu braço com o seu. Estávamos caminhando um pouco, não muito longe de casa, já que não gostávamos de deixar meu pai sozinho por muito tempo.

                -Eu não tenho um coração tão bom como o da senhora para conseguir conversar com ele. Sinto raiva dele, quando eu não quero ter esse sentimento ruim aqui dentro... Ele me pintou um mundo lindo, todo colorido... E agora tudo é cinza para mim, enquanto Killian tem a vida ainda mais colorida que antes.

                -Você não sabe Emma... Talvez Killian esteja tão infeliz e miserável quanto você. – ela murmurou olhando para o céu nublado. – Sabe, ele não foi criado com muito dinheiro, teve o suficiente para ter estudos... Era o sonho dele, ir para a universidade. O tio se propôs a realizar isso. Killian começou a viver bem, ter dinheiro sempre quando quisesse... Talvez herdar tudo que pertence ao tio. Se fosse você no lugar dele, como iria se sentir?

                Pensei por um momento, tentando me colocar no lugar de Jones.

                -Eu ficaria embriagada com tudo aquilo. Dinheiro, roupas boas, comida sempre quando eu quisesse... Luxo.

                Branca assentiu.

                -O luxo faz as pessoas esquecerem quem elas realmente são. O medo de perder tudo isso, as fazem tomar certas atitudes para manterem as coisas materiais... Contudo, quando elas são lembradas, de quem elas eram... Começa uma luta interna, entre o antes e o agora... Dê uma chance para ele se explicar. Talvez seja essa oportunidade que você oferecer que o fará decidir quem realmente quer ser.

                -Eu não posso aceitar... Além do mais, eu estou com essa coisa horrorosa manchando o meu rosto. – apontei para o lugar que Milah me batera, que começava a assumir uma cor amarela esverdeada.

                -Ah, mas pode sim... Graham estará aqui em pouco tempo.

                -Regina!

                -Pode ficar brava à vontade. Todavia, eu sei que irá me agradecer depois, quando tiver à noite mais divertida da sua vida.  E outra, podemos dar um jeito de esconder esse machucado. Vamos lá, Emma!

                Cruzei os braços, observando o vestido que descansava inocentemente dentro da caixa. Eu estava curiosa para vê-lo fora do papel. Imaginava como seria, contudo queria sentir os tecidos que quem o havia criado tinha imaginado. O tecido amarelo era brilhante... Cetim de seda, esse era o nome, se não estivesse enganada.

                Peguei-o cuidadosamente, sentindo seu peso em minhas mãos. Sabia que meus olhos estavam marejados ao estudá-lo e constatar que era ainda mais lindo que no desenho. As flores tomavam o corpete todo, até os cotovelos.

                -É o vestido mais lindo que alguém já me deu. – segredei para Regina. – Você consegue mesmo dar um jeito nesse hematoma? Pode me ajudar? – indaguei, virando-me para ela, abraçando o presente de Killian.

                -Claro que posso Srta. Swan. Você ficará maravilhosa nesse vestido. Nós duas iremos ser as mulheres mais bonitas daquele salão de baile. – falou com convicção, um sorriso de júbilo no rosto ao me puxar para a penteadeira.

                [...]

                Graham exibia um sorriso satisfeito no rosto enquanto me levava em direção à entrada. Eu ainda estava me acostumando a andar com um vestido tão pesado como aquele. Observei as mulheres a nossa frente e tentei imitar a postura delas, sentindo-me desconfortável poucos segundos depois quando meu corpo começou a reclamar de dor e exigir que eu voltasse à forma como estava acostumado.

                Sabia que Regina e Robin já estavam lá dentro, pois eles saíram antes de mim e deixaram-me esperando Humbert, segura dentro da casa deles, com Roland e uma senhora que iria cuidar do menino aquela noite.

                -Deveria ter prendido meus cabelos. – cochichei para Graham ao captar os olhares das damas para meus fios soltos.

                Ele se virou para me olhar e fez um som com a língua de descaso.

                -Seus cabelos são lindos demais para serem presos como dessas mulheres. E outra; esse seu penteado é sua marca registrada. Ficaria decepcionado se viesse de outro jeito.

Escrutinei seu rosto que eu já vira tantas vezes nas noites em que ele ia à taverna e conversávamos um bocado. Sempre nos demos bem, fazíamos brincadeira, entretanto nunca fomos próximos. Sabia que Graham era um homem decente, porque nunca havia tentado nada como os outros clientes, e esse fato me deixava ainda mais à vontade perto dele.

—Por que me convidou esta noite, Humbert? - indaguei, assim que pisamos no saguão. Observei a casa do fazendeiro Webber, constatando que ela estava ainda maior do que eu me lembrava.

—Que pergunta é essa? Tem que ter um motivo para eu querer convidá-la?

Sorri para ele.

—De tantas damas agradáveis, você realmente quis a criada e atendente da taverna?

Graham balançou a cabeça em uma negativa pesarosa.

—Você é uma dama agradável, Swan… Mais que agradável, ouso dizer. Gosto de você, e sei que está passando por um momento ainda mais difícil. Quis distraí-la um pouco. Fazê-la se divertir e rir... Hoje o meu objetivo é fazer com que se esqueça dos seus problemas e apenas aproveite a noite da forma que achar melhor.

—Veja só a minha princesa dos trigais! - a voz roufenha chegou aos meus ouvidos. Virei-me procurando o fazendeiro Webber e o encontrei em uma rodinha junto com a família Odom e Killian. - Estou tão feliz que tenha conseguido vir, Emma. - o velho contou animado, vindo me abraçar. Segurei a risada ao ver os olhos das damas Odom se arregalarem de assombro com o gesto. - Eu vi essa moça aqui praticamente crescer… Lembro quando era apenas um cisco correndo pelo meio dos trigos e gargalhando enquanto a mãe corria atrás. A boca com poucos dentes e os cabelos tão claros soltos. Ela sempre os usou assim. - Sr. Webber tocou a pequena trança feita na lateral da minha cabeça e que se unia a outra atrás. - Eu dizia que era sua coroa natural. E assim eu a nomeie “A princesa do trigal”

—E eu fico extremamente lisonjeada com o título Sr. Webber. - falei, sentindo meu rosto arder. - O senhor sempre foi muito gentil para comigo e meus pais. Obrigada por ter me convidado. David e Branca mandaram congratulações para o senhor.

—Eu precisava dar um toque de beleza chamando a mulher mais linda da região, não acha? – indagou se virando para a família Odom. – Killian trabalhou para mim por um tempo, antes de ir para a universidade. – mencionou calmamente. – Ele e Emma sempre estavam conversando.

Forcei um sorriso ao sentir dois pares de olhos azuis esverdeados das mulheres em mim. Jones fitava o chão como se estivesse sem jeito e Sr.Odom admirava o salão.

—Era muito raro de nos vermos... Nem me recordava disso. – tentei desconversar.

—Eu jantei várias vezes em sua casa. – Killian falou rapidamente, erguendo a cabeça e olhando diretamente para mim. – Após terminar o dia. Eu era bem próximo de seus pais... Eu já conhecia Emma. – declarou olhando para Milah que estava com o pescoço vermelho alternando o olhar entre nós dois.

—Os boatos diziam que o rapaz pediu emprego para se aproximar da princesa aqui. – o fazendeiro insinuou.

—Não passaram de boatos, Sr. Webber. – garanti. – Conhecem Graham Humbert? – apresentei o homem ao meu lado, tentando trazê-lo para a conversa e mudar o assunto antes que algo mais do passado viesse à tona.

—É um prazer conhecê-los. – Graham fez uma mesura rápida na direção de Milah e da mãe, e cumprimentou o visconde com um aceno de cabeça.

—Sr. Humbert é um dos nossos oficiais... O mais competente que temos. Se precisarem, procurem-no. – o velho fazendeiro pousou a mão nodosa no ombro de Graham que assumiu um tom meio avermelhado nas bochechas com o elogio. - Então você foi o sortudo que conseguiu ser acompanhante dela? Tome conta, caso contrário é capaz de ficar sem a garota. – aconselhou.

—Não desgrudarei os olhos desta bela dama, afinal, não foi nada fácil convencê-la a vir. – cutucou-me de leve com o cotovelo.

—Eu não tinha um vestido descente para comparecer a uma festa tão chique... – justifiquei sem graça. – Todavia eu tive uma fada madrinha que me deu esse de presente. – disse, enquanto deslizava a mão pela extensão do vestido. – Tenho que lembrar de dizer “muito obrigada” depois. – falei, olhando para Killian e abrindo um sorriso mínimo, para que ele soubesse que estava realmente grata. Jones balançou a cabeça como se não fosse nada de mais, seus olhos sorrindo discretamente.

—Sei que Emma é sua princesa do trigal, Sr. Webber, contudo eu a levarei para dar uma volta comigo no salão agora.

Sr. Webber indicou que fossemos, com ordens para que nos divertíssemos e nos separamos do grupo o mais rápido possível.

Não percebi que estava segurando a respiração até me ver longe deles... Dos olhares que Milah e a mãe me lançavam como se fosse um absurdo eu estar no mesmo ambiente que as duas e não fosse para servi-las.

Contudo logo a tensão daquela conversa embaraçosa havia se dissipado e rapidamente o salão de baile estava tão cheio que seria impossível esbarrarmos novamente com eles. Graham e eu nos juntamos na sala de jogos, com alguns conhecidos que costumavam trabalhar nos campos de trigo pelo verão. Humbert parecia saber quem era todo mundo, já que sempre estava parando para conversar e facilmente me incluía na conversa, incentivando-me a falar e sempre me mantendo parada ao seu lado quando tudo o que eu queria era me afastar. Apesar de me esforçar para pelo menos falar bem, tinha plena consciência do meu sotaque carregado e das palavras que eram pronunciadas erradas, e me encontrar ali, rodeada de pessoas que falavam corretamente, acabava por me intimidar.

Avistei Regina com Robin se dirigindo para a pista de dança. Ele a olhava com fascinação, e a ela parecia saber exatamente o impacto que causava no marido... Não só no marido como em todos no salão que a olhavam, sendo atraídos por sua presença sempre marcante. Dei risada ao ver mulheres batendo nos braços dos homens, reivindicando a atenção quando percebiam os olhos cobiçosos nas costas nuas da morena.

—Os homens também estão olhando para a sua. – Graham murmurou tocando minhas costas e fazendo-me estremecer.

—O que quer dizer?

—Que você está observando como os senhores do local ficam... Vidrados nas costas expostas de Regina... Eles também estão prestando atenção na sua, ainda mais agora que jogou os cabelos para o lado... Na verdade, as damas estão estudando suas costas mais que os senhores. Principalmente suas patroas... Por sinal, vestido horroroso o dela não? Parece um tabuleiro de dama. – comentou, fazendo uma careta para o vestido de Milha vermelho, branco e preto com grandes quadriculados. O espartilho estava tão apertado que dava a impressão que os seios dela saltariam para fora a qualquer momento. – Essas mulheres todas estão vulgares, se quer saber minha opinião. Veja os seios quase expostos. Não tem nada que olhar feio para suas costas e a da Regina.

—Então está dizendo que Regina e eu somos as mais recatadas?

—As mais elegantes. – corrigiu. – Mas você tem um ar que dá a entender que você é uma moça recatada. Então... O que acha de dançar comigo? – Graham indagou um sorriso alegre no rosto e olhos simpáticos como sempre.

—Só se você esperar a próxima dança. – falei. – Não sei dançar essa dança de gente rica. – apontei para os casais que se colocavam em posição para a valsa que iria se iniciar. Avistei Killian e Milah caminhando para um lugar vago e ficando a postos, olhando um para o outro... Eles pareciam forçados a estarem ali, ambos sem esboçar nada em suas feições.

—Ainda bem, porque eu também não faço a mínima ideia de como dançar isso... Mesmo porque prefiro as danças mais animadas, onde é permitido rir...

—E trombar, nos outros...

—Os pisões nos pés são adoráveis.

—Não esqueça do suor! – acrescentei.

—Sim. Essa não tem graça nenhuma. Olhe só todos esses casais parecendo perfeitos, sem um único sorriso no rosto. Cabelos nos lugares, nenhuma gotinha de suor escorrendo pela face afogueada... Enquanto esperamos o que acha de um refresco?

—Eu adoraria Graham. – aceitei seu braço sendo guiada até o outro extremo do salão, em direção à mesa. Humbert serviu o ponche para mim e começamos a atacar a comida que estava lá, sem nos importamos muito com os modos.

Os últimos acordes, dos violinos ecoaram pelo ambiente e a música cessou. Graham olhou para mim, abandonando seu copo e estendendo a mão, animado e logo eu a segurei, largando o copo de qualquer jeito e sendo arrastada rindo por ele.

—Senhor... Os animais foram soltos. – escutei Milah resmungando quando passamos por ela e Killian. Graham imitou um cavalo, relinchando o mais alto que pode e lançando uma piscadela para mim.

Parei ao seu lado, enquanto as rodas eram formadas sem conseguir parar de soltar pequenas risadinhas e me sentindo estufada.

—Nada bom sairá dessa dança depois de ter comido tanto. – comentei colocando as mãos na barriga enquanto aguardava todos se ajeitarem.

—Desde que não saía em cima de mim, tudo ótimo.

A música animada começou a tocar e logo todos os corpos já estavam em movimentos, pulando e fazendo rodopios. Graham errou o lado e trombou em um senhor, fazendo-me rir e tropeçar na saia do vestido.

                Eu não conseguia parar de sorrir enquanto dançava e fazia os pulos, batendo as mãos com as outras mulheres e rodopiando com os homens quando trocava o parceiro. Sentia o suor escorrendo e meu cabelo grudando em meu pescoço, assim como alguns fios caiam em meu rosto, porém tentei ignorar. As mulheres formaram uma roda no meio e logo os senhores chegaram, passando por baixo de nossos braços, erguendo-nos e fazendo força para que conseguisse nos jogar no ar. Sempre que eu sentia meu traseiro sendo erguido do banco improvisado pelos braços dos homens soltava um gritinho, seguido de uma gargalhada e um olhar divertido de Graham, que depositava um beijo em meu braço.

                Humbert me segurou e saímos rodando do circulo, juntando-nos a outro grupo. Eu tinha noção dos olhares de fora, das pessoas ricas provavelmente criticando os caipiras e sua dança grosseira que incluía risada e gritos, pessoas sendo levantas e jogadas para cima, vestidos sendo erguidos quando uma mulher girava ao ser, tirada do chão.

                Ficamos em fila, as mulheres de um lado e os homens de outro, e trocamos outro cumprimento, antes de começarmos uma nova rodada de giros, palmas e pulos. A música estava chegando ao fim e cada casal ia para o meio e fazia alguma graça.

                Graham pulou para o meio, estendendo a mão e eu a peguei rindo, sem saber o que fazer. Seus cabelos cacheados estavam molhados de suor e ele parecia cansado, porém seu semblante estava alegre.

                -Eu não sei o que fazer com esse vestido! – gritei para ele, escutando os estímulos ao nosso redor e as palmas se tornando mais intensas. – Não consigo girar com ele.

                -Pense em alguma coisa e rápido. – berrou de volta, dando dançando de um modo esquisito ao meu redor.

                Olhei em volta, tentando ter alguma ideia até que vi Milah e a mãe olhando de forma reprovadora para os dançarinos e Killian que nos observava com a expressão lívida.

                Inclinei o corpo para frente, pousando as mãos no joelho e me abaixando um pouco.

                -Graham! Carniça. – falei para ele, indicando que me pulasse.

                -Tem certeza?

                -Vai logo que já perdemos tempo demais!

                Ele deu de ombros e o vi se afastar e então senti suas mãos em minhas costas quando deu o impulso para saltar. Humbert pousou sem jeito se desequilibrando e por pouco não caindo. Graham abriu os braços e eu o aplaudi, junto com os outros que gritavam e batiam palmas animadas, ao se juntarem, e voltarem para os círculos do começo, fazendo uma mesura assim que a música terminou.

—O que acha de tomarmos um pouco de ar? – Graham perguntou sem fôlego bem próximo ao meu ouvido, passando o braço por minha cintura.

Olhei para seu rosto próximo ao meu e lembrei-me de Granny dizendo que eu deveria aproveitar mais a vida, e aquela era uma noite para isso. Eu estava em um baile, usando um vestido lindo e acompanhada de um homem encantador.

Naquela noite eu iria aproveitar o que viesse em minha direção.

Concordei, começando a andar em direção à saída com Graham ao meu lado. Na parte de fora do salão de baile estava frio e logo estremeci com a mudança brusca de temperatura. Humbert tirou sua casaca e a jogou sobre meus ombros, pegando em minha mão, levando-me para as sebes altas, onde eu sabia que daria em uma fonte com chafariz.

—Sei que já disse isso, mas... Você está linda esta noite, Emma. – elogiou-me, sentando-se.

—Até pareço alguém importante, não? – segurei a saia, fazendo uma vénia, ficando ereta como as mulheres nobres. – Até o momento que abro a boca.

—Você é melhor que elas, Emma. Não adianta nada ter aquelas aparências e serem ricas até a alma, se possuem o coração negro. Acho que as mulheres mais nobres que conheci até o momento são da sua classe. Sempre aguentando tudo de cabeça erguida. Veja você e sua mãe, por exemplo, são tão fortes, vão atrás das coisas e não ficam choramingando pelos cantos.

—E você é o homem mais decente que já conheci Graham. – falei sorrindo. Olhei em volta com atenção pegando uma pedrinha branca no chão e lavando-a na água gélida da fonte. – Para você. - estendi para ele. - Tem toda uma história por trás dela, mas no momento você só precisa saber que ela significa um lembrete para que você possa se recordar de agradecer pelas coisas boas em seu dia e que a ganhou de alguém que se importa e gosta muito de você.

Humbert pegou a pedra da minha mão, estudando-a e guardando-a no bolso.

—Acho que terei que ir visitá-la na taverna ainda essa semana para poder saber da história.

—Sim. Terá. – concordei.

—E você sai distribuindo pedras brancas para todo mundo?

—Não. Você é a terceira pessoa para quem estou dando. Uma delas foi para Tinker e a outra para alguém que foi embora há muito tempo. – contei sentando ao lado dele e olhando para o seu rosto, antes de fixar os olhos em sua boca.

Senti meu coração batendo um pouco mais rápido com a expectativa que se instalara no ar, enquanto olhávamos um para o outro. Eu sabia que queria beijá-lo, assim como via em seus olhos que queria o mesmo. Aproximamos os lábios cada vez mais, até que um único olhar foi o suficiente para entrarmos em um acordo mutuo que uniu nossas bocas sem pressa.

Abri meus lábios deixando que Graham me beijasse de verdade, sentindo o gosto ainda recente de vinho em sua boca quando sua língua tocou a minha. Fechei os olhos correndo a mão para seus cabelos cacheados, macios e úmidos de suor. Uma de suas mãos desceu para o meu quadril e a outra foi parar em meu pescoço, seu polegar acariciando meu maxilar.

Um gemido escapou de mim e eu amoleci ainda mais em seus braços. Sorri em meio ao beijo. Fazia tantos anos desde que eu me sentira daquele jeito. Como se tivesse sido tirada do chão. Fazia tantos anos desde que alguém me tocara com tanto carinho como Graham estava fazendo, que eu não queria que acabasse.

Separei-me, beijando o canto de sua boca e respirando fundo, antes de exigir seus beijos uma vez mais, dessa vez com agonia, espremendo meus lábios contra os dele e o abraçando com mais força, sendo retribuída com a mesma agitação.

E então seus lábios ternos desapareceram, todo o calor que irradiava do corpo de Graham sumindo de perto do meu com certa violência.

Abri os olhos, confusa e o encontrei caído no chão, com uma expressão provavelmente semelhante a minha ao encarar a pessoa que nos separou de modo tão brusco, quebrando aquele momento que não vivia há tanto tempo.

Killian Jones.


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Notas finais do capítulo

Então foi isso. Espero que tenham gostado do capítulo e que tenha valido a pena a espera. Me digam o que acharam, sim?

E obrigada novamente a Lu pela a recomendação. Eu não esperava uma tão cedo, eu fiquei realmente surpresa quando a vi. Então muito, muito obrigada de todo coração, receber sua recomendação foi muito importante para mim, acredite.

Acho que isso é tudo.

Obrigada por terem lido.

Beijos.



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