Nosso Último Verão escrita por Roses


Capítulo 4
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Olá meus amores! Como estão? Então aqui está mais um capítulo para vocês e eu acabei de perceber que ele ficou mais longo do que eu imaginava. Desculpe por isso. Espero que gostem.

Boa leitura.



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Emma

Minha cabeça latejava e meus olhos pareciam se recusar a permanecerem abertos. O gosto do álcool ainda estava presente no fundo de minha garganta, como um lembrete insuportável do que eu fizera na noite passada.

Se não fosse Robin, o dono da taverna tirar-me do meio daqueles homens com quem me sentei para beber, só Deus sabe onde, com quem e em que estado estaria, uma hora dessas.

Lembro-me que comecei com a sidra, passando para a cerveja, então para a aguardente. Assim como me recordo também que acabei trocando uns beijos com homens que não me lembrava dos rostos, mas os toques grosseiros em meu corpo, e o gosto de suas bocas, pareciam ainda, estarem presentes.

Um tremor de constrangimento percorreu meu corpo por ter me comportado de tal maneira. Era quase como se possível, eu não quisesse mais conviver comigo mesma, por ter sido tão fraca a ponto de me portar como uma mulher sem dignidade alguma.

E tudo por causa do maldito Killian Jones!

Os olhares de decepção de meus pais no meio da noite, quando Robin bateu a porta de casa, segurando-me firmemente para que eu conseguisse me manter em pé, quebrava-me mais o coração do que o fato de Killian ter quebrado a promessa.

Jones quebrara-me do modo romântico, eu estava desiludida por ter sonhado por tantos anos que um dia ele voltaria e que seríamos felizes como os dois adolescentes no campo devaneavam madrugada à dentro. Eu estava machucada por suas palavras tão duras, seu pedido que demonstrava a vergonha que sentia pelo que tivemos e por não ter escrito uma única carta por achar que não valia a pena.

Todavia ter decepcionado meus pais quebrou-me de um modo que tudo o que consegui fazer foi chorar de joelhos pedindo perdão, com a fala toda embolada. A culpa e vergonha queimavam em minha pele como se quisessem me desintegrar. A sensação de ter falhado nunca fora tão grande como naquele momento por ter desapontado eles, meus pais que sempre se esforçaram para me dar tudo do bom e do melhor dentro de seus limites, que haviam estado ao meu lado todos aqueles anos, dando-me amor e respeitando minhas vontades.

E eu havia causado aquele descontentamento nos olhos deles por causa de um homem!

Minha mãe fizera-me ficar em pé e com a voz estoica indicou meu quarto para que eu fosse me deitar, dizendo que iriamos conversar, porém não naquele instante.

Eu preferia que eles tivessem gritado comigo logo.

Agora eu ainda estava com as palavras tristes e desgostosas de meus pais, depois da conversa que tivemos, onde tive que contar o que me levara a agir daquele modo.

—Bem... Neste caso, eu não quero que trabalhe mais na casa da família Odom. Você irá pedir demissão hoje. – meu pai decretou. – Olhe bem para o que fez Emma. Acha bonito agir dessa forma? Quando autorizamos que fosse trabalhar na taverna de Robin, deixamos porque confiávamos que não faria algo assim e agora por causa desse rapaz... Francamente filha, olhe nos meus olhos e me diga que você não sabia que isso iria acontecer? Que ele iria achar outra mulher? Que você não seria suficiente para estar ao lado dele quando atingisse todos os objetivos que almejava na vida?

—David!

—É verdade Branca. Emma não tem estudo algum. Não tem um tostão. O que ele iria querer com ela? Casar por amor? Não existe tal coisa no mundo dos ricos. Tudo entre eles é um maldito negócio! Este homem que voltou não é o mesmo rapaz que foi embora e você deveria saber que essa mudança iria acontecer.

Abaixei os olhos para minhas mãos, observando a gota quente que escorreu pelo meu nariz pingando.

—Seu pai não disse isso na intenção de machucá-la, filha. Porém nós sabemos que você sente que é verdade... Emma, você é preciosa demais para nós. Agradecemos tudo o que faz para nos ajudar, mas iremos proibi-la se continuar se colocando em situações como essa.

—Eu não irei. – prometi prontamente. – Eu fui fraca ontem. Não estava pensando direito. Nunca mais irei tomar um gole de álcool. Não irei decepcioná-los mais. – garanti. – Por favor, não me faça sair da casa da família Odom. Logo eles irão embora, e eu prometo que não deixarei senhor Jones me afetar como aconteceu ontem. Não conversarei com ele.

Meu pai pressionou os lábios, ponderando e trocando um olhar com minha mãe.

—Uma última chance, Emma. – ele declarou com seriedade.

Suspirei pesarosa, considerando enfiar minha cabeça no balde cheio de água que estava em minha frente em que lavava a louça do café da manhã. A cozinha estava quente, abafada demais e eu me sentia enjoada com o calor que costumava achar reconfortante.

Tinker surgiu ao meu lado, passando seu avental em meu rosto para secar as gotas de suor que se formaram em minha testa, o semblante preocupado.

—Está doente? – quis saber baixinho.

Neguei, encostando-me a parede.

—Noite difícil? – tentou.

Soltei uma risada sem humor, pegando o balde pela alça com as duas mãos.

—Você não faz ideia, Tink.

Ela se aproximou, cheirando-me como se fosse um cachorro e torceu o nariz.

—Você bebeu. – constatou. – Passou da conta mais uma vez?

Assenti. Da outra vez, Tinker e eu estávamos na feira da cidade e acabamos por nos exceder um pouco na bebida, tendo que juntar as moedas para alugar um quarto na estalagem onde dividimos a cama minúscula para conseguir voltar para casa no dia seguinte.

Meus pais não sabiam desse acontecimento, já que acreditavam que eu havia dormido no pequeno quarto de pensão que ela alugava e tinha como moradia.

—Eu adoraria sentar para ouvir o que causou isso, mas precisamos ir arrumar os quartos e...

—Esvaziar os urinóis. – completei. – Eu sei. – falei, jogando a água do balde pela janela.

Tink pegou em minhas mãos, puxando e chacoalhando-me como se na tentativa de me animar. Forcei um sorriso para ela, quando tudo o que eu queria era voltar para casa e nunca mais retornar ali. Aceitar o pedido de meu pai para que deixasse o emprego.

 Mas eu precisava daquelas dez libras que eu recebia para ajudar a pagar as contas. Já estávamos atrasados no aluguel de casa, se eu parasse de trabalhar ali, não teríamos o que comer. E a visão de já estarmos quase perdendo a moradia era o suficiente para tirar o sono de meus pais, principalmente de meu pai, que não conseguia mais trabalhar para ajudar.

 E pensar que se eu tivesse aceitado o pedido que o fazendeiro Webber fizera alguns anos atrás não estaria naquela situação. Estaríamos vivendo com conforto, sem nos preocuparmos com dinheiro. Mas não. Eu o recusara por causa da promessa que havia feito a Killian e agora ele estava rico, e eu sem saber se conseguiria manter o teto sobre a cabeça de meus pais.

O fazendeiro Webber é um homem de idade avançada, com uma barriga que se destacava e de pernas finas. Possuía um bigode branco, o qual ele costumava ficar mordendo enquanto conversava.  Havia ficado viúvo há quase dez anos, e quando decidiu se casar novamente, veio logo ao meu encontro. Eu o conhecia desde pequena, já que meus pais trabalhavam para ele no verão para a colheita de trigo. Sr. Webber não se importou com minha falta de estudo, inclusive insistiu algumas vezes depois do primeiro “não”, porém eu fui teimosa em continuar negando até que ele acabou por desistir e deixou-me em paz.

—O que achou do noivo da Srta. Odom? – Tinker indagou, abrindo a porta do quarto da mesma, indo afastar as cortinas para a luz entrar, enquanto eu pegava o urinol debaixo da cama para esvaziá-lo.

Dei de ombros, procurando roupa suja para levar para baixo, ajeitando os frascos de perfume rapidamente com a mão livre.

—Ele perguntou por você ontem. – comentou.

—Por mim? O que ele queria?

—Não sei. – falou com sinceridade, indo para cama e cheirando os lençóis amassados para ver se tinha necessidade de trocá-los. – Ele passou o jantar todo, acredito, procurando-a pelos cantos... – Tink pressionou os lábios. – Tome cuidado com ele. Pode parecer um bom moço, mas sabemos que isso não significa nada. Evite ficar sozinha com o senhor Jones, sim? E se tentar algo, conte-me, não é porque somos criadas que temos que nos deitar com os patrões.

Olhei para Tinker querendo ir abraçá-la e teria o feito se não estivesse com as mãos cheias, e uma delas segurando um pote cheio de xixi.

Ela havia se mudado para Hertfordshire uns três anos atrás, sozinha, e parecendo um bichinho acuado, com medo de todos que se aproximavam dela. Era quatro anos, mais nova que eu e logo me senti responsável por ela. A amizade que criamos não foi fácil, já que quando entrou na casa da família Odom, Tink mal olhava para qualquer um de nós e se encolhia quando tentávamos conversar.

Foi aos poucos que consegui fazê-la falar comigo. Tentava sempre auxiliá-la nas tarefas e ficava tagarelando sobre nada de interessante, na esperança de instigá-la a abrir a boca.

Quando ela começou a conversar, senti-me feliz por estar confiando em mim, até que se sentiu pronta para contar sobre sua vida. Descobri que vinha de um condado de Devon. Depois que seu medo e desconfiança foram causados por seu antigo patrão, que a havia forçado ir para cama com ele e que ninguém que trabalhava com ela, tinha ido ao seu socorro e quando o homem havia terminado, ela pegou suas coisas e comprou lugar em uma diligência para o condado mais distante possível.

Por isso ela sempre estava pedindo para que eu tomasse cuidado. Tinker sentia medo por mim, que acontecesse o mesmo que acontecera com ela. Agora já estava melhor, e não parecia nada com aquela mulher que chegara aqui com medo da própria sombra.

—Não se preocupe Tink. Acredito que ele não seja desses... O pai dele era pastor da igreja daqui. Eu lembro-me vagamente de senhor Jones nos verões visitando a família. – a tranquilizei. – Vou levar isso para baixo e volto para recolher dos outros quartos. – avisei.

Deixei as peças de roupas sujas no cesto e coloquei o pinico do lado de fora, correndo para o andar superior, segurando a saia para não tropeçar. Passei pelo quarto de Milah e ouvi Tinker cantarolar do lado de dentro, e completei a canção, baixinho em minha mente, entrando no quarto da Sra. Odom e não encontrando nada no urinol. Arrumei a cama para adiantar o serviço de Tink, juntando as peças sujas e abrindo as cortinas.

—Aqui. Já arrumei a cama da Sra. Odom. – joguei as roupas sujas para Tink que saía do quarto de Milah, que as pegou com agilidade.

—Muito obrigada.

—Disponha senhorita. – fiz uma pequena reverência, entrando no quarto de Killian e indo fazer o mesmo processo dos outros quartos, puxando as cortinas e indo para a cama.

Afofei os travesseiros rapidamente, puxando o lençol para cima deles, e ajeitando a colcha de modo que ficasse bem liso. Procurei por peças de roupas sujas, mas não encontrei nenhuma, deparando-me com as malas dele ainda esperando para serem desfeitas.

Ignorei-as. Eu poderia muito bem perguntar se gostaria que eu arrumasse tudo nos armários, contudo, aquela parte não era minha obrigação, a menos que ele pedisse.

Procurei o urinol, arrastando-o com cuidado para não derramar, quando eu percebi que estava cheio.

—O que você está fazendo? – sua voz perguntou do nada, fazendo com que eu soltasse o urinol, fechando os olhos logo em seguida ao pensar que havia derrubado a urina.

Suspirei de alivio ao ver tudo ainda ali dentro, o cheiro azedo e morno atingindo minhas narinas e tratei de ficar em pé, segurando-o com firmeza.

Escrutinei Killian rapidamente usando trajes vespertinos.

—Indo esvaziar e limpar seu urinol, senhor. – respondi, endireitando os ombros. – Irá usá-lo agora? – instiguei e Jones ficou vermelho.

—Você não irá esvaziar e nem limpar nada, Emma! Não é sua obrigação.

—É sim. É minha obrigação me livrar da sua urina e lavar isto, para que possa usar novamente. – atalhei.

—Dê-me aqui. – Killian andou até mim, tirando de minhas mãos. – Não quero mais você chegando perto do meu urinol. Você acha que eu a sujeitaria a se livrar dos meus... – ele pareceu engasgar suas orelhas ficando vermelhas.

—Dos seus...  Dejetos? – sugeri com calma, gostando de vê-lo adquirir uma cor meio arroxeada.

Ele estudou-me com os olhos apertados.

—Você está zombando de mim. – afirmou.

—De modo algum, senhor. – pisquei com inocência. – Só estou dizendo que é isso que todas as criadas fazem. Livram-se dos dejetos de seus senhores... Por acaso em Londres é o senhor que se livra deles? Se for essa a situação, então entendo porque não quer que eu faça isso.

Killian hesitou por um momento, olhando para suas mãos e cerrando o maxilar.

—Não. São as criadas.

Caminhei até ele, mantendo a pose que tinha assumido, sem demonstrar o quanto estava nervosa, fazendo um esforço enorme para manter a respiração tranquila. Eu iria evitá-lo sempre que necessário, contudo teria que aprender a lidar com a sua presença se quisesse continuar trabalhando ali.

—Como eu imaginei. – atalhei, retirando delicadamente de suas mãos grandes. Observei como eram bem cuidadas e limpas, recordando-me de como costumavam ter o toque macio.  – Agora com sua licença. Eu preciso fazer outras coisas.

Jones olhava-me fixamente, a respiração um pouco alta.

—Posso acompanhá-la nos seus afazeres? Preciso conversar. – falou em um sussurro.

Balancei a cabeça em uma negativa, afastando-me dele.

—Não. Não é pertinente que me acompanhe, irá atrapalhar meu serviço. E outra não sou uma boa companhia para conversa. Tenho certeza que Sr. Odom ou sua noiva podem conversar com o senhor.

Sua testa enrugou e ele respirou fundo, aproximando-se.

—Você bebeu? – indagou.

—Se bebi ou não o que isso tem a ver com o senhor? Sou uma mulher adulta e dona da minha vida. – retruquei com acidez e Killian deu um passo para trás parecendo espantado. – Perdão, senhor. – pedi rapidamente, abaixando a cabeça. – Trabalho em uma taverna durante a noite, é inevitável não adquirir o aroma do álcool, mas garanto para o senhor que daqui a pouco não será mais possível sentir o cheiro.

Jones olhou-me sério e então caminhou até a porta, colocando a cabeça para fora e fechando-a em seguida.

—Você trabalha onde? – instigou com descrente.

—Aqui e em uma taverna, senhor, como atendente. Meus patrões sabem disso e não veem problema algum, desde que não atrapalhe nos serviços da casa quando estão aqui. Então não há motivos para que se irrite.

Killian mexeu a boca, várias vezes, parecendo ultrajado.

—O que? Há todos os motivos para que eu me irrite, Emma! Uma taverna não é lugar para você. É perigoso! Seus pais sabem disso?

—Claro que sabem! Nunca fiz nada sem o consentimento deles. – rebati aumentando a voz.

 -Desde quando trabalha lá? – quis saber.

—Por que todo esse interrogatório pelo amor de tudo? Eu preciso trabalhar senhor. – grunhi, indo para a porta, mas Killian me impediu.

—Desde quando? – insistiu.

Bufei, mudando o peso dos pés, evitando olhar em seus olhos.

—Tem uns cinco ou seis anos... – murmurei e empurrei a mão de Jones que segurava meu braço. – Comecei a trabalhar lá um pouco antes de entrar aqui na casa. Antes ajudava na cozinha, então passei para atendente, já que dá para conseguir umas moedas a mais.

Killian respirou fundo, olhando em direção à janela.

—Como estão seus pais, Swan? – indagou, soltando-me.

Ajeitei o avental branco, espanando uma sujeira inexistente no tecido negro do uniforme.

—Minha mãe está bem. Lavando e costurando roupas para fora. Meu pai foi mandado para a guerra... – eu ia dizer “logo depois que você foi embora”. - Na África para a conquista por territórios que os povos estavam lutando em entregar... Voltou para casa, coxo, não aguenta ficar muito tempo de pé.

Jones voltou a olhar para mim, observando demoradamente meu rosto.

—Então é apenas você e sua mãe?

Assenti.

—Se houver algo que... Eu possa fazer para ajudá-la...

—Estamos bem. Obrigada senhor Jones.

Killian aquiesceu.

—Você precisa ir trabalhar. Claro. Quando tiver uns minutos de bobeira, procure-me, por favor, preciso conversar com você.

Soltei uma risada sarcástica, esperando que entendesse que ele era a última pessoa na Terra que eu gostaria de ter uma conversar.

—Vamos, não faça cerimônia. Entre. – a voz animada de meu pai preencheu o ambiente e eu podia sentir o sorriso que ele estava em seu rosto. Aquele que sempre exibia quando colocava os pés dentro de casa e sabia que o longo dia de trabalho havia chegado ao fim e que finalmente poderia descansar.

—Emma deve estar terminando o jantar... Ficará para comer conosco?

—Se não for incomodar, eu adoraria. – escutei a voz de Killian e estiquei o pescoço para enxergar a entrada da casa, já que a cozinha era separada por um pedaço de pano encardido. Minha mãe não gostava que ficassem olhando-a enquanto cozinhava ou a bagunça que se acumulava, por isso fazia questão daquela parede improvisada.

—Olá filha. – minha mãe cumprimentou tirando os sapatos sujos de terra e desamarrando o lenço da cabeça. – Trouxemos Killian hoje. Você acredita que ele começou a trabalhar conosco?

—Verdade? – perguntei limpando as mãos em um guardanapo e indo de encontro a eles. Killian olhou-me atentamente e sorriu, fazendo minhas pernas tremerem e um sorriso surgir em meu rosto. – E como foi?

—Tenho muito que aprender ainda para não apanhar tanto... Sou um verdadeiro desastre para colher trigo... Por que não foi hoje?

—Ah... Eu não costumo ir todos os dias. Geralmente fico cuidando da casa. – respondi, virando-me para meus pais que nos fitavam com os olhos cerrados. Principalmente meu pai. – Fazendeiro Webber veio aqui e nos deu um saco de farinha. Fiz pão para acompanhar a sopa... Você gosta de sopa? Caso contrário posso ir ver se consigo preparar outra coi...

—Sopa está ótimo, para mim Emma. Obrigado.

Aquiesci, sentindo-me inquieta e retornei para a cozinha, deixando Killian e meus pais conversando, enquanto escutava-os se ajeitando a mesa pequena.

Peguei os pratos de madeira e a panela levando para eles. Jones olhou brevemente para mim quando entreguei a sopa em suas mãos, voltando à atenção para meu pai.

—Então você estudou em Eton?

—Sim, senhor. Terminei o colégio esse ano.

—E me diga... O que está fazendo segando trigo? Você certamente consegue um emprego melhor... Tem estudo.

—Não tem interesse na universidade? – minha mãe quis saber.

Parei olhando para seu rosto, que estava baixo, encarando o prato de sopa e mexendo-a lentamente.

—Ter até tenho, Branca. Mas meus pais não possuem dinheiro para bancar Cambridge... Já sou agradecido pelo o que eles puderam me dar. Poucos rapazes têm o privilegio que tive. E depois, assumirei o lugar de meu pai. Enquanto isso, eu vou vendo o que faço. – falou desanimado e senti pena dele. Killian parecia chateado com a ideia de ficar ali.

Eu só poderia imaginar como era ser apresentado a um mundo onde você podia aprender. Ler, escrever, mexer com números entre outras inúmeras coisas que não sabia nominar, e então de repente, se ver preso aqui, sem a chance de aprender mais nada. Apenas esperando sua hora de assumir a paróquia.

Devia ser frustrante.

—Você não parece ter jeito de que daria certo como pastor. – comentei, entregando-lhe uma fatia de pão.

—Emma! – meu pai repreendeu.

—Mas é verdade... Dá para ver no olhar dele que quer outras coisas. Ele tem ambições. – atalhei dando de ombros e sentando-me entre minha mãe e Killian. – Peço desculpas se se sentiu ofendido de alguma forma.

—De jeito algum. Foi como ouvir um elogio. – respondeu sorrindo, despedaçando o pão na sopa e voltando a tomá-la. – Por sinal, está uma delicia Emma.

Senti minhas bochechas ficarem quentes e abaixei a cabeça, mas não sem antes encontrar o olhar de meu pai que estava com as sobrancelhas arqueadas de forma sugestiva.

—Se quiser mais pão, basta pedir. – murmurei começando a comer.

—Emma aprendeu essa receita com minha mãe. – Branca contou.

—E foi fazendo esse pão que ela me conquistou. – David acrescentou com um tom divertido. – Foi exatamente assim. A mãe dela me chamou para jantar já que éramos vizinhos, Branca estava fazendo a comida. Provei seu pão, e na semana seguinte já estava pedindo-a em casamento.

—Pai! – exclamei horrorizada sentindo meu rosto arder, olhando-o com repreensão e vendo um sorriso de divertimento em seu rosto.

—Só estou contando como aconteceu. Aposto que sua vó ensinou a colocar algo para enfeitiçar... Não estou reclamando, eu adoro o pão da sua mãe. – acrescentou fixando o olhar nela e quis me esconder ao entender o duplo sentido naquela frase. – Foi tudo graças ao pão. – disse com seriedade, olhando para Jones.

Revirei os olhos, escutando a risadinha de minha mãe e vendo um sorriso brincando no canto dos lábios de Killian que deixava explicito a força que fazia para não rir também.

—Eu não estou tentando conquistar ninguém. – atalhei baixinho. – Eu nem sabia que Killian iria vir jantar conosco.

—Claro que não está. – meu pai retrucou. – Mesmo porque você não irá se casar. Eu não deixarei.

—David, deixe a menina em paz. – minha mãe bateu em seu ombro.

Killian limpou a garganta e se ajeitou na cadeira, fazendo cara de sério.

—Acho que vou querer mais pão, Emma.

[...]

—Muito obrigado pelo jantar. – Killian gratificou. Depois que terminamos de comer, sentamo-nos do lado de fora já que dentro de casa estava muito abafado. Ficamos conversando e ouvindo Jones contar sobre o colégio, enquanto descrevia as pessoas e lugares que frequentou enquanto estudava. – Até amanhã.

—Foi uma noite muito agradável. Obrigada pela companhia, Killian. – minha mãe agradeceu, abraçada a meu pai. – Tenha uma boa noite.

—Acompanhe-o até a estrada, Emma. – David pediu. – Ficarei cuidando você daqui.

Coloquei-me em pé rapidamente, indo para o lado de Killian que me ofereceu o braço.

—Desculpe-me pelas insinuações. – falei quando já estávamos longe o suficiente.

—Não há pelo que pedir desculpas, Swan... Eles estão certos em insinuar isso. – ele olhou-me de rabo de olho, observando minha reação. – Acho que ficou meio óbvio quando apareci para trabalhar hoje e fiquei perguntando por você.

—Começou a trabalhar no campo por...

—Para ver você? – questionou. – Sim. Já estava ficando estranho eu ficar na cerca apenas olhando.

—Nossa. – foi tudo que consegui dizer. – Não esperava por isso. – confessei sem reação.

—Por quê? Já deve estar acostumada a esse tipo de atenção e se não está deveria... – ele hesitou por um momento. – Você é linda, Emma e me surpreende que ninguém tenha tentado tirá-la daqui.

—Se tentaram meu pai os colocou para correr. – falei brincalhona, sentindo meu pescoço quente.

Killian soltou meu braço, indo para a estrada e fitando-me.

—Escute... Quero conhecê-la mais. Não temos tempo durante o dia por causa do trabalho... Contudo, podemos nos encontrar a noite. – sugeriu.

—Encontrarmos a noite? – indaguei incrédula.

—Sim... Eu venho buscá-la aqui. Podemos ir, no campo e ficamos escondidos entre as espigas de trigo.

Balancei a cabeça.

—Isto pode me colocar em problemas, Killian.

—Posso vir então depois do trabalho como hoje. – tentou. 

—Mas dessa forma meus pais pensarão que está cortejando-me. – retorqui exasperada. Não que fosse algo ruim, mas se ele me deixasse acreditando que talvez de fato estivesse, para no fim não ser nada disso, eu sabia que ficaria arrasada. – Você viu como foi hoje. Não teremos paz para conversar.

Jones pressionou os lábios e olhou para longe.

—Acho que entendi. Você não está interessada, desculpe por insistir... Tudo bem, boa noite, Emma. - despediu-se parecendo sem graça.

—Não é isso, Killian... Posso pensar? Dou a resposta amanhã sem falta.

—Se for “sim”, estarei esperando-a na janela de seu quarto, amanhã a meia-noite. – falou abrindo um sorriso largo e se afastando em direção que levava a casa paroquial.

—Se eu escolher encontrar-me com você, será para sermos amigos, certo? – perguntei com incerteza.

Ele virou-se para mim, andando de costas.

—Quem sabe? Aceite conversar comigo para saber.

Anuí sorrindo, sabendo que estava terrivelmente perdida para aqueles olhos azuis que sorriam alegres para mim. Tendo a certeza que já era tarde demais. Que eu não precisaria do dia seguinte para pensar.

Eu iria encontrá-lo e conversaríamos.

—Boa noite, Killian. Tome cuidado... E até amanhã.

—Acho que agora pode me contar o que aconteceu. – Tinker se sentou ao meu lado, oferecendo-me castanhas. Aceitei algumas, colocando-as na boca e voltando a massagear meus ombros que estavam doloridos. Estávamos no jardim, escondidas por uma sebe, aproveitando uns minutos de descanso. – Milah fez mesmo você passar todos os vestidos?

—Passar e engomar... E fez questão de ficar do lado dizendo que não estava liso o suficiente. Eu queria fazê-la engolir aqueles vestidos cheios de babados.

—Eu imagino... Também não a suporto, mas ela parece pegar mais pesado com você.

Balancei a cabeça concordando e fechei os olhos, sentindo-me exausta. Minha cabeça ainda doía e meu estômago não parava de se contrair enjoado com qualquer coisa que eu ingeria.

Senti as mãos de Tinker em meus ombros e aos poucos fui capaz de senti-los finalmente relaxar. Uma dor se expandiu pelo meu corpo, mas era uma dor bem-vinda, que anunciava que finalmente meus membros estavam começando a se sentirem descansados.

—Você não está sendo você mesma hoje, Emma. Está estranha. Parece infeliz.

Soltei uma risadinha sem humor, demorando um pouco para responder, enquanto observava um lagarto passando correndo e se enfiando no meio dos arbustos.

—Lembra que comentei sobre um homem que prometeu voltar? – perguntei baixinho.

—Claro que me lembro. Aquele que foi embora para estudar e disse que voltaria para você... O que tem ele?

—Descobri que ele está noivo de outra. – contei olhando para ela. – Recebi a noticia ontem por um mensageiro. – menti. – Ele irá se casar com uma mulher rica e deixou bem claro a vergonha que sente por ter se relacionado comigo. – falei. Eu precisava contar para alguém de fora, dividir aquele coração quebrado com outra pessoa que não fosse meus pais. E mesmo que eu estivesse mentindo para Tinker da forma que descobri, era melhor que manter para só para mim o peso das palavras de Killian, que se embrenharam em meus ossos como um lembrete de que... Eu era alguém para se sentir vergonha.

—Robin leu para você? –indagou baixinho.

Aquiesci, levantando os olhos para o céu que naquele dia estava azul opaco e com grandes nuvens que pareciam próximas do chão.

—Deveria ter trazido para mim, Emma. Eu teria lido e ajudado a lidar melhor com isso.

—Eu estou bem. – garanti. – O pior foi realmente ontem e eu fiz coisas estúpidas porque enchi a cara. – sequei umas lágrimas furtivas e sorri para Tink que me abraçou apertado. – Robin me levou para casa, furioso. Meus pais me deram um belo de um esporro hoje pela manhã... Estou me sentindo suja até agora.

—Esse homem é um tolo. – murmurou. – Garanto para você que ele irá se arrepender de ter quebrado a promessa. Que sempre que olhar para a esposa que fica com uma carranca exposta cada segundo do dia porque é incrivelmente infeliz ao lado dele, irá se recordar de você e pensar que poderia ter sido feliz se tivesse voltado.

—Eu não quero que ele seja infeliz.

—Eu sei... Mas isso não quer dizer que eu não possa desejar que ele seja. Machucou você, tem que encarar a minha fúria. – ela bateu no próprio peito, fazendo cara de durona.

Não resisti a dar risada.

—E você realmente causa medo com sua altura de gnomo, Tinker.

—Você não tem noção do que sou capaz de fazer. Posso não ter força física, todavia eu sei ser bem terrível quando quero... Ou pelo menos consigo trazer um sorriso ao seu rosto.

—Eu amo você, sabia?

Tink abriu um sorriso angelical, sentando-se ao meu lado e segurando minha mão.

—Você cuidou de mim quando cheguei aqui e não conseguia... Conversar com ninguém porque tinha medo de todos. Vergonha do que tinha acontecido. – falou, erguendo o rosto para mim e vi seus olhos marejados. – Eu irei cuidar de você quando precisar. Eu amo você também. E outra... Nós mulheres temos que cuidar uma das outras, porque no fim só temos nós mesmas. E como dizem “há um lugar especial no inferno para mulheres que não se ajudam”.

—Obrigada.

—Não me agradeça. Somos amigas... E irá trabalhar hoje?

—Sim. – respondi lentamente. – Se Robin pediu para que eu não voltasse lá, não me recordo.

—Ah então as duas estão aqui! – a voz de Granny fez-nos olhar em sua direção, encontrando a velha cozinheira andando a passos rápidos até onde estávamos. – Eu preciso fofocar. – informou sentando-se entre Tink e eu com afobação. – E tenho poucos minutos antes que tenha de voltar para dentro da casa.

—Nós também não temos muito tempo mais de descanso. Logo Srta. Odom nos descobre aqui...

Granny fez o sinal da cruz e olhou para o céu.

—Essa moça é o próprio demônio... Vocês acreditam que ela veio querer me ensinar como devo fazer a comida? Então eu entreguei a colher de pau para a bonita e pedi para me mostrar. Vocês precisavam ver! Milah saiu bufando que por um momento quase pedi para ela soprar no fogão para acender a lenha... Mas não é dela que quero falar e sim do noivo. Que homem bonito!

—Sim, ele é. – concordei rápido demais, ficando de pé e começando a tirar as folhas secas do arbusto.

Eu não queria falar sobre ele.

—Dá até pena um homem lindo daquele preso a uma mulher como a senhorita Odom.

—Talvez os dois sejam igualmente podres. – Tinker disse dando de ombros. – Essas pessoas são tudo da mesma laia. Um pior que o outro. Beleza não é significado de bondade, Granny.

—Eu sei disso, menina! Mas... Hoje ele surgiu na cozinha parecendo procurar alguma coisa e foi muito gentil. Elogiou o jantar da noite passada e fez-me perguntas sobre a rotina da casa. Então comentou como o cheiro da comida estava fantástico, e que mal podia esperar para comer... – Granny ajeitou o vestido parecendo uma adolescente assanhada. – Deixei que ele provasse um pouco antes da hora. – confessou soltando uma risadinha.

—Mesmo? – Tink instigou com sarcasmo, tentando ficar séria. – Que ousada você!

A velha bufou, revirando os olhos e voltando-se para mim.

—Você não é tão ácida como essa daqui. – apontou para Tinker. – Acontece que eu reparei que o senhor Jones é bem... Dotado. – ela abriu as mãos como se estivesse medindo algo, arqueando uma sobrancelha.

—Não tenho certeza que estou entendendo o que quer dizer, Granny. – fingi-me de desentendida, trocando um olhar com Tink.

—Estou dizendo, que o noivo da Srta. Odom deve ser “maludo”. – ela tentou. Tinker balançava a cabeça com um sorriso contido. – Se é que me entendem. Ela tem tudo para ser feliz basta saber se irá aproveitar.

—Não acredito que seja prudente falarmos sobre o “dote” do senhor Jones. – Tink observou, olhando para a velha que deu de ombros com desdém. – Podemos falar da cor dos olhos dele, o que acha? Ou o tom negro dos cabelos...

—Falar sobre isso não tem graça nenhuma. Deixe para as poetisas e moças apaixonadas esse tópico... Estamos falando aqui de felicidade! – exclamou. – Deus me perdoe, porém se eu tivesse a idade de vocês, ele não me escaparia.

Olhei para Tink com as sobrancelhas arqueadas e rindo da impertinência de Granny.

Ela raramente guardava para si o que pensava.

—Acho que a senhora está um pouco atacada no dia de hoje, Granny. – falei, pegando o forcado que o jardineiro deixara ali perto e juntando as folhas que havia tirado dos arbustos.

—Vocês duas tem que se permitir viver mais um pouco. Entregarem-se aos prazeres da vida ou pelo, menos arrumarem um marido. Principalmente você, Emma.

Grunhi ao ouvir suas palavras.

—Os homens não estão interessados em mulheres sem estudos, Granny. – falei.

—Claro que estão! Assim a esposa nunca vai ser mais esperta que eles.

—Também não queremos alguém que faça chacota de nós. – Tinker interveio, levantando-se. – Queremos alguém que nos respeite.

A velha cortou o ar com a mão como se fosse besteira o que Tinker falou.

—Sugiro que a próxima vez que forem sair para essas feiras que acontecem na cidade, abaixem um pouco os vestidos. Garanto que apesar dos seios de vocês serem pequenos, são de um tamanho bom para atrair atenção de um homem para um casamento. Quando jovem, meus seios faziam muito sucesso. – confessou, puxando o vestido e os deixando a mostra. – Eles eram lindos e deixavam os rapazes loucos... Claro que continuam belos, apesar da idade... Vi o Sr. Odom olhando para eles mais cedo quando fui servir o café da manhã. – contou.

Corri ao seu encontro, puxando o vestido para cima, escondendo seus seios. Ela revirou os olhos.

—É isso ou aceitem serem amantes de algum nobre... Caso contrário, não irão achar coisa melhor que esses criados e lacaios de fazenda com as mãos cheias de calos.

—Posso dizer por nós duas que preferimos ficar solteironas do quê nos tornamos amantes de algum nobre. – falei com veemência.

Granny sorriu apertando minha bochecha.

—Não pense que não a vi ontem na taverna de Robin, bebendo no meio daqueles homens, e trocando uns beijinhos nada inocentes...

—Você não sabe o que aconteceu para que eu agisse daquela maneira. – empurrei a mão dela para longe de meu rosto. – Eu não estava em meu juízo perfeito. Não sou o tipo de mulher que faz tal coisa. Garanto para você que os beijinhos nada inocentes que dei ontem estão pesando até agora em minha consciência. – atalhei irritada para a mulher.

—Não disse isso na intenção de ofendê-la, Emma...  O que estou dizendo é... – observou parecendo ressentida com o meu tom de voz. –Escute, somos criadas, não aparecerá nada melhor. Cedo ou tarde acabaremos na cama de um dos nossos patrões, carregando um filho deles. Talvez a esposa descubra e nos mande embora, então teremos que nos virar. Assim como talvez ele tenha a decência de, não assumir, mas pelo menos dar apoio financeiro. Essa é nossa realidade. Uma vez fui como as duas. Guardava-me e sonhava com o príncipe que nunca vinha, até que percebi que o melhor que eu conseguiria era... Momentos rápidos nas camas dos patrões. O decoro não é para pessoas da nossa classe. – concluiu com o rosto sério, o ar brincalhão que exibia momentos antes perdido. – O que é realmente injusto, porque eles cobram isso mesmo de nós, mas não podemos nos casar se não tivermos dinheiro. Ninguém se interessa por mulheres pobres para uma união... Com o tempo vocês aprenderão a dar risada desta nossa triste situação. – ela concluiu os lábios apertados até se tornarem uma linha fina, enquanto encarava suas mãos com tristeza.

Um pigarro me fez saltar e desviar os olhos de Granny. Pisquei para dispersar as lágrimas que nem havia reparado que estavam em meus olhos e encontrei Killian parecendo deslocado ali, pouco a vontade, enquanto olhava para Tinker e Granny, antes de focar seus olhos em mim.

—Eu não conheço a propriedade... – começou. – A senhorita poderia mostrá-la para mim? – indagou com serenidade, por mais que eu percebia que engolia em seco... De nervoso, talvez?

Granny e Tink olharam para mim.

—Tenho certeza que Granny irá adorar acompanhá-lo. – atalhei, empurrando a velha em sua direção.

—Você está louca? – sussurrou. – Ele quer você. Não se sugere quando o patrão pede uma em especifico.

—O senhor não irá se importar, não é mesmo? Estou ocupada no momento.

—Achei que estivesse descansando agora. – comentou.

—Eu estava. Agora tenho que voltar aos meus afazeres dentro da casa. – apontei para dar ênfase.

Jones sorriu de modo lento, exibindo seus dentes aos poucos.

—Quando tiver terminado, então... Estarei esperando, Emma. – avisou. – Até mais senhoritas. – fez uma breve mesura, dando as costas para nós três e caminhando vagarosamente de volta para a casa.

—Ele está interessado em você. – decretou Granny. – Pense no que eu falei... E se ele quiser algo mais que um passeio pela propriedade...

—Eu não irei fazer nada remotamente parecido, Granny. O que você presenciou ontem na taverna, não irá se repetir. Muito menos com um patrão. – informei, indo em direção à entrada da cozinha.

[...]

—Vai querer carona, Emma? – Will perguntou, enquanto deixava o caixote de leite na mesa da cozinha. Ele trabalhava em uma fazenda não muito longe da casa da família Odom e às vezes passava por ali para deixar garrafas de leite e pegar as vazias.

Vez ou outra ele conseguia uma garrafa para mim que me dava de presente, quando as vacas produziam mais que o normal.

—Se não for tirá-lo da rota, gostaria sim.

—Tenho entrega para deixar na estalagem. – explicou, observando-me enquanto eu olhava para o liquido branco nas garrafas. – Não tenho nenhum para te dar hoje, Emma. Sinto muito.

Balancei a cabeça, sorrindo para ele.

—Está tudo bem, Will... Continua o mesmo preço?

—Duas libras a garrafa. – informou enquanto saia com o caixote vazio.

—Irei pegar minhas coisas. – gritei indo buscar o saco de pano que usava como bolsa. Procurei o dinheiro que sabia estar ali no fundo, sentindo um aperto no coração... Leite era um luxo que não podíamos ter no momento, mas diziam que fazia bem para os ossos e conforme o clima ia esfriando, mais meu pai reclamava de dores.

—Estou indo. – avisei para Tink que ajudava a montar os pratos do jantar. – Boa noite.

—Boa noite, Emma... E juízo. – acrescentou, jogando-me um beijo.

Corri para fora, encontrando a carroça sozinha e Killian estudando os pangarés velhos que puxavam o veículo com atenção.

Ele olhou para mim com curiosidade quando subi no lado do passageiro com cuidado.

—Já está indo? – instigou com ansiedade.

—Meu expediente já acabou. – respondi sem olhá-lo, cruzando os braços e procurando Will.

Onde ele havia se enfiado?

Olhei para baixo, encontrando Jones ao meu lado, fitando-me.

—Pedi para conversar comigo. – murmurou. – Eu preciso conversar com você.

—Não posso imaginar o que queira falar com uma criada.

—Emma... – Killian pareceu me censurar. – Preciso pedir...

—Se caso não, ficou claro, ou não percebeu, EU não quero falar com o senhor. – o silenciei. Se Will demorasse mais cinco minutos eu iria andando até a taverna como sempre fazia.

—Me formei em direito. – falou com rapidez. – Pego alguns casos quando estou em Londres, mas passo a maior parte do tempo viajando pelo país cuidando dos negócios da família... Não gosto muito da cidade, mas me acostumei a ela... Meu tio é um bom homem, apesar de ser um pouco rígido. Era isso que queria saber? Se vir falar comigo posso contar tudo detalhadamente.

Pisquei e olhei para sua expressão aflita e seus olhos azuis pareciam tremeluzir com expectativa.

—Não sei por que está me contando isso, senhor. Não é da minha conta.

Killian se empertigou e sorriu parecendo acanhado.

—Você me perguntou ontem...

—Eu não o conheço senhor. Por que iria querer saber informações sobre sua vida?

Seu rosto se contraiu e Jones olhou para os próprios pés parecendo desconfortável. Ele abriu e fechou as mãos algumas vezes, antes de voltar a me encarar, com seus olhos vermelhos.

—Sei que o modo que falei com você ontem não foi educado...

—Desculpe a demora, Emma. – Will apareceu correndo. – Marco pediu que eu desse uma olhada na horta.

—Sem problemas. – garanti, sentindo-me aliviada por ele ter surgido e desse modo encerrado a conversa com Killian.

Era mais difícil do que eu imaginava tratá-lo com indiferença, ainda mais quando cada palavra que saía de sua boca fazia meu coração latejar com uma dor incômoda e deixava um gosto azedo de saudade na ponta de minha língua.

Jones se afastou da carroça, as mãos cruzadas atrás das costas com uma, expressão imperturbável.

—Até manhã. – falou calmamente, quando Will incitou os pangarés a começarem a andar.

Permaneci imóvel no meu lugar, percebendo que talvez eu precisasse trocar as tarefas com alguma criada se quisesse permanecer o mais longe possível de Killian.

—Você está bem? – Will quis saber, relanceando os olhos para mim.

—Ótima. Apenas cansada.

—Você não gosta dele? Do homem que estava conversando.

—Ele me deixa transtornada. Não gosto de me sentir assim... Quando tiver indo para sua casa, deixe uma garrafa de leite para meus pais, por favor. – pedi, mostrando-lhe o dinheiro.

Will puxou as rédeas, fazendo com que os animais parassem.

—Não posso aceitar Emma.

—Claro que pode! Eu estou pagando.

—Não me sinto bem em aceitar sabendo da dificuldade que está passando.

—Ora! – resmunguei enfiando as duas libras dentro do bolso de sua casaca. – Eu preciso do leite, Will. Você me ajuda, entretanto não posso ficar dependendo assim, sinto como se estivesse... Não sei, sendo folgada.

—Você é qualquer coisa menos folgada, Emma.

—E você tem uma família para sustentar.

—Assim como você. – rebateu, colocando a carroça para andar novamente.

—Sim. Por isso sei como é difícil conseguir o dinheiro... Duas libras não irão me deixar mais pobre e nem mais rica. Eu preciso do leite para o meu pai e você precisa entregar o dinheiro para o seu patrão. – argumentei.

—Eu deixarei o leite em sua casa. – garantiu, focando sua atenção na estrada.

Em poucos minutos ele já estava parando em frente à taverna “Coração de Leão” que possuía uma placa com o desenho de um leão já desbotado com o tempo e parecia estar precariamente presa, já que estava sempre oscilando com o mínimo vento que batia.

Despedi-me de Will e o observei sumir pela rua, antes de respirar fundo e entrar no estabelecimento de Robin.

Lá dentro estava quente como sempre, por conta das lanternas a óleo que estavam presas as paredes. Nas mesas, castiçais com velas já queimavam, mesmo que pelo horário a taverna estivesse vazia. Havia alguns homens pelos cantos bebendo, todavia eu sabia que aqueles eram inofensivos. Eles sempre estavam ali. Era quase como se já fosse parte da mobília.

—Achei que havia dito para não voltar aqui, Emma. – Robin falou detrás do balcão quando me aproximei com cautela. – Eu estou terrivelmente desapontado com sua postura. Não posso aceitar comportamentos como esse aqui dentro. Vá para casa. – apontou para a porta, olhando-me finalmente com os olhos cansados.

—Eu sei Robin que não agi de forma correta noite passada. E acredite que estou desapontada com o meu comportamento também. Mas não me mande embora. Eu preciso desse emprego e você sabe disso!

O sino que ficava acima da porta tocou anunciando que havia entrado cliente. Robin e eu olhamos em direção a entrada, encontrando o oficial Humbert, que percorreu o olhar pelo ambiente, antes de pará-lo em mim e caminhar decidido em minha direção.

—Srta. Emma Swan? – ele instigou com formalidade e sem necessidade, já que sabia muito bem quem eu era. Havia servido copos e mais copos para Graham desde que entrara ali.

—Sim. Algum problema?

Graham estendeu um envelope para mim.

—Eu sinto muito que tenha chegado a esse ponto. – lamentou quando peguei o envelope de suas mãos sem compreender. – Espero que consiga o dinheiro, Emma. – murmurou, fazendo uma mesura e se retirando rapidamente.

Olhei para Robin que fitava o envelope em minhas mãos como se fosse algo abominável ou que soubesse que era portador de noticias, terríveis.

Uma sensação ruim percorreu meu corpo deixando-me assustada.

—Vá para a cozinha. – ordenou. – Irá trabalhar na cozinha até eu voltar a confiar em você para auxiliar aqui.

—Mas o salário é menor se eu ficar na cozinha e preciso de dinheiro. Você sabe Robin!

—Sim eu sei. E é exatamente por saber disso que estou dando a você uma segunda chance.

Fitei o envelope em minhas mãos, sentindo-o pesado demais, como se a qualquer momento eu fosse tombar para frente por não conseguir carregar seu peso.

—O que é isso, Robin? – finalmente tomei coragem para perguntar.

—Vá conversar com Regina. – indicou a porta que levava ao andar de cima que era onde ficava sua casa. – Ela saberá explicar isso melhor do que eu.

Anuí, sentindo-me atordoada, enquanto me virava para ir para porta. Meu corpo parecia entorpecido e tinha a impressão que minhas pernas pesavam toneladas pela dificuldade que senti ao andar.

Subi as escadas apoiando-me nas paredes, até sair no cômodo iluminado pela luz do fim do dia. Regina, a esposa de Robin estava sentada no chão com Roland, o filho deles, ensinando-o as palavras em bloquinhos de madeira colorido.

—Sra. Hood? – chamei com hesitação. A mulher ergueu os olhos para mim, com um leve sorriso nos lábios e então ficou séria. – Teria um momento, por favor?

—Claro, Emma. Venha aqui... Mamãe já volta meu anjo. – ela beijou o topo da cabeça do menino e indicou que eu a seguisse.

Regina era uma mulher elegante e não combinava em nada com o lugar simples em que morava. Sua postura e seu tom de voz, sempre decidido, e nunca hesitante, deixava claro que não era uma mulher qualquer e que tinha recebido estudo. Ela ocupava todo o espaço com sua presença.

Ela dançou pela cozinha enquanto preparava um chá, colocando biscoitos na mesa e pão.

—Robin me contou o que você fez noite passada. – Regina comentou. – Ele ficou bem triste com sua postura, já que adora você.

—Eu sei. Não estou nem um pouco contente com o que fiz se é o que quer saber... Fui estúpida... Como sempre sou. Uma tonta que sempre prejudica a si mesma por causa dos outros.

A mulher inclinou a cabeça, fazendo com que os longos cachos negros caíssem em seu ombro, formando uma cortina espessa.

—Quer conversar sobre a pessoa que a fez agir daquele modo? – quis saber em um tom maternal.

—Não. Não quero falar sobre ele. Já passou, estou bem... Vim aqui porque Robin disse que você poderia me explicar melhor isso. – coloquei o envelope em cima da mesa, olhando-o como se fosse um monstro. – Oficial Humbert me entregou agora a pouco.

—Nada bom. – murmurou, abrindo a carta e lendo-a com atenção, sua testa formando rugas profundas. – Tire o chá do fogo para mim, Emma. – pediu, sentando-se.

Obedeci rapidamente, servindo em uma xícara. Sabia que Regina gostava de tomar seu chá sem açúcar e logo coloquei na mesa, parando ao seu lado, observando o pedaço de papel com apreensão.

Como eu gostaria de entender o que aqueles desenhos significavam.

—É uma ordem expedida pelo notário.

—O que isso quer dizer?

—Que você tem um prazo para pagar o aluguel atrasado de sua casa. Até quinze de dezembro para ser exata. Caso contrário, serão despejados e todos os seus bens serão confiscados para o pagamento da dívida... – ela fez uma breve pausa e suspirou, parecendo pesarosa. – Consta aqui também que o proprietário da casa aumentou o aluguel para cinquenta libras.

—O que? Não! Ele não pode fazer isso... Como eu... Nunca que irei conseguir esse valor, Regina! Eu já não conseguia pagar as vinte e cinco libras... – guinchei com aflição, olhando desesperada para ela.

—Quantos meses vocês estão atrasados? – quis saber, apertando minha mão.

Balancei a cabeça, olhando para o teto.

—Quatro meses agora... Eu não tenho dinheiro para esse mês.

—Certo... Sente-se aqui. – pediu, saindo da cozinha e retornando minutos depois com uma folha. – Pelo o que entendi a partir desse mês o aluguel é de cinquenta libras. Vocês não pagam o aluguel desde... Agosto?

—Sim... Foi quando meu pai ficou doente e tive que pagar o médico e os remédios. Ainda devo para o boticário.

—Tudo bem... Até outubro vocês estavam devendo setenta e cinco libras... Mais cinquenta... Cento e vinte e cinco libras.

Fechei os olhos respirando fundo.

—Isto não é justo... O proprietário não pode aumentar assim, do nada.

—Na verdade ele pode... Vocês não tem um contrato assinado, têm?

Neguei, secando os olhos com as costas da mão, tentando achar uma solução e não conseguindo sair do beco em que me encontrava, pensando como eu diria para os meus pais que iriamos perder a casa e não teríamos mais onde viver.

Quebrei em um choro compulsivo não aguentando mais segurar, ali mesmo, na cozinha de Regina. Soluçando alto, desamparada por não ser capaz de mudar a situação. Odiando-me por ter nos colocado naquele estado.

A vida me deu uma única oportunidade de me casar e eu a desperdicei. Joguei para o ar a chance de dar uma boa vida para meus pais.

—Nós daremos um jeito, Emma... Conversarei com Robin para ver se temos como ajudá-los... Qualquer coisa saiba que serão bem-vindos aqui até que consigam se estabilizar e encontrar uma moradia nova. – falou, abraçando-me.

E eu a retribui, deixando seu cheiro de maçã e canela atingir meu nariz, gostando do conforto que ela estava me oferecendo naquele instante.


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Notas finais do capítulo

Então foi isso. O que acharam? Devo prosseguir com esta história ou nah? E espero que já estejam descansando da escola ou faculdade. Todo mundo merece um pouco de paz para a cabeça, não?

Acho que é isso... Se ficou qualquer dúvida em relação ao capítulo é só perguntarem.

Muito obrigada por terem lido.

Beijos.



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