Já faz um tempo que estou deitada no peito dele, mas não estou mais chorando. Sinto o tórax dele subir e descer de acordo com a respiração e ouço o coração dele batendo em um ritmo calmo e regular.

— Alice? __ ele quebra o silêncio e eu me afasto, sem olhá-lo.

— Desculpa, eu não queria ter molhado sua camisa. __ digo rápido, com o rosto baixo.

— Não estou preocupado com isso, gatinha. Estou preocupado com você. __ ele ergue meu rosto pelo queixo, me obrigando a olhar em seus olhos.

Droga, assim eu não consigo ficar longe dele. Desde que ele chegou eu tenho me concentrado em toda raiva que senti quando ele foi embora. Quero ficar longe, mas com ele me chamando desse jeito eu não vou conseguir. Ela me chamava assim quando ainda morava aqui, durante muito tempo isso foi motivo de brigas entre nós dois, mas depois que ficamos juntos pela primeira vez eu simplesmente adorava ouvir ele me chamar assim.

Quando levei meus olhos aos dele fiquei imediatamente presa na escuridão dos seus olhos negros, sem conseguir desviar nem um centímetro. Sinto ele se aproximando aos poucos e quando dô por mim ele já está tão perto que consigo sentir o cheiro maravilhoso que vem dele e que senti quando estava encostada no seu peito. Por alguns segundos simplesmente esqueço do mundo, só quero ele perto o suficiente para beija-lo. Mas com um último suspiro de sanidade me afasto e baixo a cabeça.

— Felipe falou que vai embora. __ digo de imediato. 

— O que? __ ele parece incrédulo. — Ele nunca deixaria você e a Pirralha sozinhas.

— Ele não é obrigado a ficar com a gente, Gustavo. Nunca foi. __ digo, irritada. — Tudo o que ele e o Tio Ben fizeram por nós foi mais do que eu poderia agradecer a minha vida toda. E se ele quiser ir embora, não tenho o direito de pedir para ele ficar. __ falei, ignorando sua certeza. 

 — Olha para mim Alice. __ ele chama minha atenção. — Antes mesmo de ir embora, o Felipe teve a oportunidade de ir e recusou. Justamente por ele ter recusado é que eu tive a oportunidade de ir. O Felipe não foi pra não ficar longe de você e da Paloma, então, mesmo que ele tenha dito que vai embora na hora da raiva, acredite, ele não vai.

Passo alguns segundos pensando no que ele disse e apesar de não querer aceitar, ele está certo. O Felipe nunca me deixou sozinha, sempre esteve do meu lado, me dando força e cuidando de mim a cada crise idiota que eu tive.

— Quero ir para casa. __ ele sorri.  

— Claro, vamos. __ ele levante e estende a mão para me ajudar a levantar também.

FELIPE

—Ele já mandou alguma mensagem? __ pergunto, deixando claro minha impaciência.

— Ainda não Felipe. __ ela parece tensa. — Mas o Gustavo está com ela.

— Há claro, me esqueço que para você o Gustavo é quase o Batman. __ acabo sendo grosso e ela fica vermelha.

— Não é isso, é só que ele teria ligado se não conseguisse encontrá-la. __ sussurra, sem jeito.

— Me desculpa, eu... __ antes que possa terminar a frase a porta se abre e a Alice e o Gustavo entram.

No mesmo instante um silêncio ensurdecedor tomou conta do lugar, fazendo um clima tenso se instalar na sala.

— Pirralha, vamos dar uma volta.

— Certo. __ ela concorda e em pouco tempo eu e Alice estamos sozinhos.

— Você vai embora? __ A Alice pergunta de imediato.

O silêncio se estendeu por alguns segundos e acabo negando com a cabeça.

— Não Alice. __ falo, quebrando o silêncio.

Ela caminha a passos largos até mim e me abraça pela cintura. 

Algumas horas mais tarde quando Gustavo voltou com Paloma para deixar ela em casa, a Alice estava dormindo no sofá com a cabeça no meu colo. Acho que minha expressão deixa claro que estou cansado e que apesar de tudo ter sido resolvido, estou exausto. Gustavo se despediu e foi embora. Levei a Alice até a cama e quando voltei a sala a Paloma não estava mais lá. Preciso pedir desculpas por ter sido um idiota, principalmente depois dela ter me encontrado.

GUSTAVO

Deixei a Pirralha em casa e vim embora. Assim que cheguei ao hotel tomei um banho e deitei. Quando estava quase dormindo o toque do telefone me despertou. Quando olhei na tela do aparelho tive a certeza de que “minhas férias” tinham acabado. Atendi a ligação e deixei a voz clara e fria de sempre falasse tudo o que preciso saber sobre a missão.

— Você já sabe o protocolo Gustavo, preciso do trabalho finalizado ainda essa semana e espero que não haja nenhum erro de estrutura. Resolvemos aproveitar seus dias na localidade para finalizar esse serviço. Esperamos seu retorno quando o serviço tiver sido feito. 

É claro que eu deveria ter imaginado que um mês inteiro sem nenhum trabalho seria pedir muito. Mas mesmo tendo certeza, não consigo evitar me sentir cansado. A certeza de que nunca vou me livrar, a não ser que morra nunca missão me suga para a realidade.

E é assim que tudo funciona. É sempre assim, as ligações só dizem que tenho um novo trabalho a ser feito e que não pode haver nenhum erro estrutural. E todas as outras informações são enviadas para meu computador. Depois disso a ligação é encerrada. Levanto da cama e pego a mala que escondi atrás do guarda-roupas. Abri a mala em cima da cama e conferi se tudo estava preso a espuma escura para não danificar. Meu notebook, meu relógio de pulso - tem um formato fino e retangular, que além das horas, também tem um cronômetro, quatro pistolas em preto fosco – duas .40 e duas .380 ACP, duas pequenas facas e minhas munições – que são suficientes para duas missões. Pego o notebook, sento na cama e ligo o aparelho, para ver qual é a missão da vez. Depois que o aparelho liga, fico surpreso ao ver que o alvo está na cidade vizinha e que o homem que tenho que matar é bastante conhecido na região, como um “traficante regenerado”.

— Acho que você não saiu do tráfico como todo mundo acha, não é? __ penso em voz alta.

Passo algumas horas trabalho em cima da planta da casa do traficante. Tenho que entrar e sair sem ser visto, já que o algo tem um verdadeiro exército de seguranças. Não vai ser nada fácil completar essa missão sozinho. Quando dô por mim o dia já está amanhecendo e percebo que não dormi nada. Estou exausto. Deixo apenas o computador fora da mala e a guardo no mesmo lugar que antes. Fecho o notebook e o coloco ao lado da cama. Pego o celular e envio uma mensagem para Felipe, preciso que ele mantenha as meninas longe por algumas horas.

Estarei off por 24H. Assim que possível eu volto.

É suficiente, ele vai entender exatamente o que quero dizer. Desliguei o aparelho e retiro a bateria, guardando junto com o notebook dentro da gaveta do criado mudo. Me certifico que a porta e a janela estão fechadas, deito na cama e deixo o sono me envolver completamente.

. 

Depois de dormir bem durante o dia todo, me levanto ao entardecer e verifico se tudo está de acordo. A hora está chegando e preciso resolver logo essa missão para continuar a ajudar Felipe com as meninas, e principalmente, resolver com a Alice o que ficou mal resolvido no passado.

Tomo um banho frio e coloco a roupa que sempre uso nas missões: um macacão completamente preto, que tem mangas compridas e que cobre os pés como meias. Coloco um coldre com a armas em cada cocha, preso ao sinto do macacão, usou acessórios para posicionar uma faca próximo a tornozelo e outra arma próximo a outro tornozelo. Adiciono mais munição ao cinto, calço o coturno e me olho no espelho. Meu reflexo me faz pensar em como mudei. O corpo de do garoto de 14 anos se tornou musculoso, como braços fortes, pernas e abdômen definidos. Meus pensamentos voam até a Alice e em como tudo teria sido diferente, se eu não tivesse ido embora. Em como nós teríamos sido felizes esse tempo todo e provavelmente ainda estaríamos juntos.

— Não agora Gustavo, se concentra.

Tento retomar minha concentração. Tiro o cordão do pescoço e colocou o relógio no pulso. E ele estou pronto. Agora é só esperar até dá 23:00, para conseguir sair sem que alguém me veja.