VATICÍNIO escrita por Maramaldo


Capítulo 7
Presságio - Parte II


Notas iniciais do capítulo

Último Capítulo



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18 DE NOVEMBRO DE 2015; 16:31

“Só não se afasta muito, por favor”.

Queria tanto dizer a ela que o motivo de eu ter me afastado era porque estou tentando protege-la. Queria tanto dizer a ela tudo o que está acontecendo. Queria tanto dizer a ela que eu a amo.

— Está tudo bem, cara? – Perguntou Paulo.

Porque agora todos têm essa mania de perguntar se estou bem?

— Estou – menti. – Vamos lá, me ajude a segurar isso aqui.

Paulo segurou o metal enquanto eu parafusava.

— Tudo bem aí? – Perguntou Renan, com a boca cheia de comida.

— Você está comendo de novo? – Perguntou Paulo. – Assim você acabar com todo nosso estoque.

— Foi mal. É que trabalhar dá muita fome.

— Pronto! – Falei assim que terminei de parafusar.

— Tá um pouco torto – Renan inclinou a cabeça.

Paulo e eu olhamos pra ele com uma cara séria.

— Foi mal, não está mais aqui quem falou.

— E como está o gerador de campo magnético? – Perguntou Paulo.

— Está indo bem – respondeu. – Levando em conta que tenho pouco tempo para criar um gerador que suporte tudo isso... ah! E que não exploda, fazendo um churrasquinho da gente.

— Você vai conseguir – falei.

19 DE NOVEMBRO DE 2015; 05:13

— Pronto! Pronto! Pronto! Pronto! Pron... – Renan veio gritando da cozinha. Ele havia ido pra lá, pois ficava mais perto do café e estava com preguiça de ficar levantando.

— Você tem que maneirar um pouco na quantidade de energético e cafeína – falei.

— O quê? – Ele perguntou.

 - Nada.

— Que loucura. Enfim... – ele ergueu o objeto sobre sua cabeça como se fosse um troféu, e sorriu. – O gerador está pronto.

— Finalmente! – Disse Paulo, indo em sua direção. – Me dê aqui, vamos testá-lo.

Ele pegou o gerador da mão de Renan, e afastou da mesa todo o equipamento que estávamos construindo. Logo em seguida ele me deu um cabo para que eu ligasse na tomada.

— Fiz este controle para ligarmos o gerador a uma boa distância – ele mostrou o pequeno objeto em sua mão.

— Ok. Tudo certo. – Paulo veio até nós, se afastando do gerador. – Pode ligar.

Assim que Renan apertou o botão, o gerador começou a fazer alguns barulhos estranhos; como uma onda de som que vinha e voltada, e que aumentava à cada volta. Alguns objetos ao redor do gerador de campo magnético começaram a se mover em círculos. Renan pegou uma almofada e pôs sobre a cabeça, tentando se proteger seja lá do que for. O som continuava aumentado, e os objetos ao redor da mesa começaram a levitar. Era mágico! As luzes começaram a piscar aos poucos. Olhei ao meu redor, e vi que tudo se mexia. E então, depois de um grande barulho, tudo parou. O gerador parou de funcionar. Os objetos que estavam levitando caíram, tudo ficou parado e as luzes pararam de piscar.

— Você fez um ótimo trabalho – disse Paulo a Renan. – Mas precisamos de algo um pouco mais forte.

Renan foi até o gerador e o analisou.

— Pelo menos não danificou muito – disse ele. – Mas antes de começar, vou tirar um cochilo.

— Também estou precisando – disse Paulo.

— É, vamos parar um pouco – falei enquanto olhava a bagunça da minha sala.

21:42

— Preparados? – Perguntou Paulo.

Renan e eu assentimos.

Paulo apertou o botão para ligar o “Gerador 2.0”— nome dado por Renan – e nos afastamos um pouco. Este era um pouco maior do que testamos na madrugada de hoje. Após ficar pronto, ligamos ele imediatamente na tomada para testá-lo. Mas nada aconteceu.

— O que foi? – Perguntei.

— Aperta isso aí – disse Renan.

— Estou apertando – disse Paulo, apertando o botão do controle várias vezes.

De repente a gerador começou a funcionar. Renan colocou o travesseiro sobre a cabeça e Paulo olhava espantado para o gerador. Dessa vez as ondas de som eram mais fortes; vinham e voltavam em uma velocidade maior. Os objetos ao redor do gerador começaram a flutuar rapidamente, enquanto giravam. As luzes piscavam de acordo com as ondas de som.

— Cara, olha seu cabelo – disse Paulo.

Virei para olhá-lo e vi que o cabelo dele estava todo de pé.

— O seu também – falei.

— Desliga! – Gritou Renan. – Desliga!

Paulo virou para olhá-lo, mas, antes de dizer alguma coisa, Renan pegou o controle de sua mão e começou a apertar o botão para desligar. As ondas continuavam aumentando, e dessa vez podia senti-las.

— Não quer desligar! – Gritou Renan. Quase não deu para escutá-lo por causa do barulho.

Paulo correu até a tomada e puxou o cabo do gerador. Todos os objetos que estavam flutuando caíram, e as luzes continuaram piscando até se estabilizarem.

— O que aconteceu? – Perguntei.

— O gerador funciona, mas há algo de errado com o controle – respondeu Renan.

— Por que você gritou para desliga-lo?

— Ah, é que, se continuasse, a cidade toda poderia ficar sem energia. Esse gerador é forte o suficiente para o nosso propósito, mas temos que usá-lo por pouco tempo. Enfim, vou tentar concertar esse controle – e se retirou.

20 DE NOVEMBRO DE 2015; 09:00

Aline :  Estevan?

Oi

Aline : Tudo certo pra esse final de semana?

 

 Olhei a bagunça da minha casa antes de responder.

 

Tudo certo.

Aline :  e quando você vai voltar

Aline :   ??

Aline : Sabe, até Clara e Layane acharam estranho você e seus amigos não estarem vindo para aula.

Sério? Renan iria adorar saber que Layane sentiu a falta dele.

Aline :  haha

Aline :  te vejo amanhã?

Sim, amanhã.

 

Amanhã. 21 de novembro de 2015.

ALINE 211115

O prazo estava se esgotando.

23:48

Passamos o resto dia construindo a máquina. Paulo, Renan e eu estávamos cansados, mas mesmo assim não parávamos de trabalhar. No fundo eu sei que não estou fazendo isso por nós ou pela premiação na faculdade, mas por Aline. Já eles... Eles estavam fazendo isso principalmente por mim.

Eles não faziam ideia de que eu estava saindo com ela, que nós nos beijamos, transamos, ficamos; não faziam ideia do quanto eu a amava. Mas mesmo assim eles estavam aqui por mim.

Paulo sempre foi o mais mandão do grupo. Com a cabeça no lugar. O certinho. Mas não perdia a oportunidade de se meter em encrenca com a gente. Ainda lembro quando ele veio morar na rua em que meus pais atualmente moram, era um cara calado e não falava com ninguém. Até que Renan resolveu se aproximar dele, e eu fui logo em seguida. E desde então passamos a conhecer como ninguém o “Garoto Solitário” – apelido dado pelas meninas na época do ensino fundamental, antes de falarmos com ele.

Já Renan eu conheço desde que me entendo por gente. Nossos pais são amigos há anos, e sempre íamos na casa um do outro. Ele nunca foi um cara normal, e nunca foi corajoso. Sempre com um pé atrás nas decisões que tinha medo; mas mesmo com medo nunca deixou de seguir em frente. O mais legal de tudo é que ele sempre me faz rir.

A amizade dos dois é importante para mim. E claro, nunca disse isso a eles. O máximo que eles iriam fazer é rir da minha cara.

— Já colocou o gerador dentro da máquina? – Perguntou Renan.

— Está tudo pronto – disse Paulo. – Acho que dessa vez vai dar tudo certo.

Olhei para a máquina na minha frente e me perguntei se realmente isso vai funcionar. Havia recebido várias mensagens de coisas que iriam acontecer no futuro, no meu atual e no meu antigo número. Não sei se há uma ligação entre as mensagens, apenas queria descobrir quem as enviou.

Peguei meu celular e digitei as mensagens que recebi até agora, com o antigo e o atual número ao lado de cada uma:

MARIANA 051115

CARRO 071115

FRANCA 131115

ALINE 211115

A primeira foi referente ao rompimento da barragem em Mariana, onde houve muitas mortes. A segunda foi do acidente de Layane, que quase lhe tirou a vida. A terceira foi de um ataque terrorista na França. Como não acreditar que essa quarta mensagem, onde trás o nome de Aline, não poderia ser algo ruim?

— Vamos ligar – disse Paulo.

Olhei para Renan e Paulo, e vi que eles se afastavam da máquina.

Meu celular começou a tocar, e o nome de Aline apareceu na tela.

(Aline): Abre a porta.

Paulo ligou o gerador, e barulho das ondas de som começaram.

— O que? Onde você está? – Gritei.

(Aline): Que baru... esse?

— Aline?

(Aline): Abre a po... O que... ...endo?

— A ligação está ruim.

(Aline): V... entrar.

Olhando a tela do telefone, vi que Aline havia desligado a ligação. A tela do celular estremecia conforme as ondas de som vinham e voltavam. Tentei mexer, para retornar à ligação de Aline, mas ficou travado nas mensagens que o “NÚMERO DESCONHECIDO” havia me enviado, e que eu acabara de digitar.

— Tem alguma coisa errada – disse Paulo.

Olhei para o lado e vi que todos os objetos da sala flutuavam. As ondas de som vinham e iam em uma velocidade impressionante. As luzes piscavam sem parar. A porta se abriu e vi Aline entrar na sala com uma expressão assustada. Ela falou algo, mas não pude ouvi-la.

Tentei ir até ela, mas eu não conseguia sair do lugar.

— Se protege! – Gritei.

Ela balançou a cabeça, como se dissesse que não estava me escutando.

Olhei para Renan e vi que ele apertava incontrolavelmente o botão de desligar da máquina. Era como se tudo estivesse acontecendo devagar, em câmera lenta. Podia ver tudo no seu mínimo detalhe. Cada objeto voando pela sala, cada piscar das luzes, cada um que estava ali comigo.

E então tudo se tornou um clarão.

Não sei explicar em que momento isso aconteceu, pois nesta hora eu olhava para Aline. Ela estava com as mãos nos ouvidos e tentava me dizer alguma coisa. Tinha a certeza de que estava gritando, mas eu não conseguia ouvi-la. Depois vieram os raios, que se espalharam por toda a casa. Um deles atingiu meu celular, que acabou por me atingir também. Outro atingiu um pedaço de ferro que saiu voando na direção de Aline.

E tudo escureceu.

Não conseguia ouvir nada.

Nos meus últimos minutos de consciência, pude ver apenas a claridade do meu celular, que aparecia na tela “MENSAGENS ENVIADAS”.

DIA DESCONHECIDO; --:--

— Vai ficar tudo bem, deixe ele descansar – ouvi uma mulher dizer.

Logo em seguida ouvi alguns passos e tudo ficou em silencio.

DIA DESCONHECIDO; --:--

— Aplique mais uma injeção – disse a mulher. – Por sorte ele está se recuperando rápido.

Senti a pontada da agulha em meu braço, mas não me mexi.

— Até agora não consegui entender o que aconteceu – ouvi a voz de um homem.

— Jovens. Sempre fazendo besteiras – disse a mulher. – Uma pena que nem todos tiveram a mesma sorte dele.

DIA DESCONHECIDO; --:--

Finalmente estava conseguindo abrir meus olhos.

A claridade da janela ofuscava minha visão, mas aos poucos meus olhos iam se adaptando.

O quarto em que eu estava encontrava-se vazio. Levantei um pouco a cabeça e vi meu celular em cima da mesa, ao lado da cama que eu estava deitado. Não consegui reconhecer o lugar, mas provavelmente estava em um hospital. Esticando com dificuldade meu braço, peguei o celular. O aparelho estava ligado, quase descarregado. Acho que ninguém mexera nele desde aquela noite. Rapidamente cliquei no ícone de mensagens e vi todas as que foram enviadas. Lá estavam: duas enviadas para o meu número antigo e duas enviadas para o meu número atual.

Naquele momento respirei fundo. Havíamos conseguido, de certa forma, enviar as mesmas mensagens que tínhamos recebido para o passado. E percebi que realmente não poderia salvá-la, pois estava vivendo um looping temporal, onde ela sempre morrerá no final.

A garota que eu amo está morta.

— Ele está acordado – ouvi uma voz familiar. Paulo. – E aí Bela Adormecida.

— Paulo? – Falei.

Minha voz estava baixa e rouca.

Antes mesmo de continuar falando, meus olhos começaram a lagrimejar. Parecia um garotinho, com medo de acreditar em algo que já sabia. Na verdade, nem cheguei a perguntar, apenas chorei; parte pela notícia e parte por tudo o que aconteceu. Me lembrava claramente de tudo: das ondas de som, dos objetos flutuando, dos raios, e, principalmente, do pedaço de ferro indo na direção de Aline.

Então era isso. Eu era o causador da sua morte. Se não fosse pela minha obsessão em tentar salvá-la criando essa máquina, ela não teria morrido. Como sou idiota.

Paulo chegou mais perto e me abraçou sem dizer nada.

— Não chore – ouvi a voz de uma garota.

Virei meu rosto rapidamente e vi Aline sentar do outro lado da cama. Fiquei sem reação. Sua cabeça estava enfaixada e seus olhos estavam vermelhos.

— Aline? – Falei.

Virei para Paulo e vi que ele havia começado a chorar. Olhei para o resto do quarto e vi que não havia mais ninguém além de nós três.

— Cadê o Renan? – Perguntei.

Minha voz ficou ainda mais fraca e o choro foi inevitável.

Não obtive resposta. As lágrimas nos olhos de Paulo e Aline já eram o suficiente para tirar minhas conclusões. Aline pôs a cabeça em meu peito enquanto chorava e pude sentir o mesmo cheiro indefinido que senti dias atrás quando estava na sua casa.

Comecei a soluçar conforme a dor no peito aumentava e me lembrava de Renan. Era uma dor insuportável. Fico feliz por Aline estar viva, mas não queria que ele morresse. Não o cara que aproximou Paulo da gente; não o cara que me fazia rir; não o cara que cresceu ao meu lado e esteve comigo todos esses anos; não o cara medroso e ao mesmo tempo corajoso que eu conhecia; não o cara que não perdia a oportunidade de fazer uma piada, de incentivar um amigo e correr atrás do que queria... Não o cara que pra mim era como um irmão.

Naquela noite, enquanto olhava as mensagens sendo envidas do meu celular, via também o horário na tela; e percebi que no final de tudo eu estava certo. Durante toda aquela semana, ficava pensando inúmeras vezes que no dia 21 de novembro poderia perder alguém que eu amava, e as 00:01 daquele dia eu perdi.

FIM


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Notas finais do capítulo

Oi pra você que acompanhou Vaticínio o/

Essa história surgiu no meio da noite e fiquei pensando em como desenvolvê-la. Alguns amigos meus ficaram chateados, pois para escrevê-la eu tive que dar um tempo no livro que estou escrevendo (sem detalhes sobre o mesmo), e por esse motivo foram poucos capítulos.

Sim, eu fiquei de luto pela morte do Renan, pois eu gostei muito dele :'(

Enfim, espero que tenha gostado. Recebi alguns comentários (que já estão respondidos :D); e claro, não posso deixar de perguntar, agora que a história está concluída: o que acharam dela?



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