VATICÍNIO escrita por Maramaldo
Notas iniciais do capítulo
Vaticínio: Ato ou efeito de vaticinar, de predizer ou adivinhar o futuro; profecia, predição.
02 DE NOVEMBRO DE 2015; 15:19
— Preparado? – Perguntei.
— Ah, cara, não pressiona – sua boca estava meio trêmula enquanto falava. Ele olhou para baixo, respirou fundo e deu meia volta. – Eu não consigo!
Paulo, que estava filmando tudo, começou a rir.
— É sério, eu não consigo! E se eu morrer?
— Renan, você não vai morrer – tentei acalmá-lo. – Eu já fui, o Paulo já foi... Só falta você.
Paulo foi até a beirada para filmar a altura do penhasco, enquanto Renan respirava profundamente.
— Tá legal, eu vou – começou a se alongar. – Você está filmando? – Paulo assentiu, e ele olhou para a câmera. – Mãe, pai... Se eu morrer, saibam que eu amo vocês. E eu juro que aquelas revistas debaixo da minha cama não são minhas. Irmão, eu...
— Pula logo – falei.
— Cala a boca, Estevan. Essas podem ser minhas últimas palavras – disse ele, irritado. – Eu ia te deixar meu Xbox caso morresse, mas mudei de ideia. – Ele respirou profundamente. – Ok. Agora eu vou.
Renan não era o cara mais corajoso que eu conhecia, mas ficava admirado por ele várias vezes não recusar um desafio. Ele sempre foi assim, tentando mostrar o seu melhor, e esse é um dos vários motivos que eu o tenho como amigo. A altura do penhasco que ele iria pular devia ter uns dez metros, e o lago logo abaixo era bem fundo. Sua respiração acelerava enquanto se preparava para saltar. Acho que ele estava na situação em que pensamos: “O que acontecerá se eu morrer?”; situação que estimula o medo. Mas, como eu havia dito, Renan sempre tentou mostrar o seu melhor, e sem que eu ou Paulo estivesse preparado, ele pulou.
— Eu vou comer sua mããããããeee... – gritou enquanto caia.
Paulo continuou filmando até que ele atingisse o lago e subisse à superfície. Assim que ele emergiu, Renan começou a gritar:
— Eu falei que pularia!
Paulo e eu descemos o penhasco e fomos até o lago.
Quando chegamos, Renan já estava saindo da água.
— Você conseguiu – disse, batendo em sua mão. Paulo fez o mesmo.
— Eu falei que pularia – disse ele novamente. – Isso aí não é nada. Posso até pular novamente se quiserem.
— Então vamos pular juntos – disse Paulo.
— Não, agora não – disse Renan. Paulo e eu sabíamos que ele nunca mais pularia novamente. – Vamos descansar. E espero que você tenha filmado tudo, pois quero mostrar isso para os meus netos.
Sentamos na beira do lago e ficamos olhando as árvores na outra margem.
— O que vamos fazer hoje à noite? – Perguntou Paulo.
— Sei lá, eu só quero descansar – disse. – Amanhã temos aula.
— Podemos assistir um filme na sua casa – disse Renan.
— Isso! – Disse Paulo. – Tenho alguns filmes no meu computador.
— E a gente pode levar a gostosa da Clara.
— Aí você já está sonhando alto – falei, quebrando o clima dele.
— Não vai me dizer que você não iria adorar que a Clara e suas duas amigas estivessem na sua casa? Principalmente a Aline? – Perguntou ele.
— O que tem a Aline?
— Até o Renan já percebeu que você tem uma quedinha por ela, cara. Admita. – Disse Paulo.
— Não tenho nada para admitir – olhei para o relógio em meu braço. – Já está tarde, temos que ir se quisermos chegar antes do anoitecer.
19:58
Paulo preparava o filme enquanto aguardávamos Renan voltar do supermercado.
— Você está pensando no nosso projeto? – Perguntou Paulo.
— Nem me lembre deste maldito projeto.
— Acho que podemos conseguir algo, se nos dedicarmos.
— Você já pensou em alguma coisa?
— Mais ou menos. Ainda não formulei. E você, pensou em algo?
— Nada.
04 DE NOVEMBRO DE 2015; 10:30
— Esse negócio está horrível – disse Paulo.
— O que é isso? – Perguntou Renan.
— A mulher da lanchonete disse que era um salgado de carne. Nem aqui ou em qualquer outra época isso é salgado de carne.
— Está com cara de ser pré-histórico.
— Pessoal, temos que nos concentrar no nosso projeto – falei enquanto olhava o estranho salgado de carne em seus pratos.
— Podemos fazer um projeto onde se diz do que é feito esse salgado de carne – disse Renan.
— Olha, isso é sério – falei. – Temos que pensar em alguma coisa. Os dias estão se passando e já estamos no final do semestre.
— O que o foi pedido mesmo? – Perguntou Paulo.
— Abre aspas. Algo que seja inovador, que não tenha sido criado. Algo que mostre que vocês não são meros estudantes. Algo que mude o seu futuro e, se possível, o futuro do mundo. Fecha aspas – disse Renan, imitando a voz do professor.
— Isso é muita pressão psicológica – disse Paulo.
— Não sei se iremos conseguir – falei.
— Sério? – Perguntou Renan. – Estevan, você é o cara mais inteligente que eu conheço. Se alguém pode criar “algo inovador”, esse alguém é você. Se eu tivesse sua inteligência, na boa, eu já estaria cheio de mulheres. Mas você prefere dizer que não consegue e transar com sua mão.
Um grupo de garotas que estava passando ao nosso lado começou a rir.
— É brincadeira dele – falei para as meninas. – Ele tem problemas mentais.
— A gente vai conseguir criar algo – concluiu Renan.
— Ele está certo – disse Paulo. – Nós vamos conseguir.
Meu celular começou a vibrar e eu o desbloqueei. Havia uma mensagem de texto.
M0A5R1I1A1N5A
O que?
Verifiquei o número que havia mandando a mensagem, mas estava como “NUMERO DESCONHECIDO”. Então, sem pensar duas vezes, excluí a mensagem.
16:09
Na casa de Paulo, Renan estava sentado no sofá, com a caneta e o caderno na mão. Paulo estava sentado no chão, apenas me olhando. Fechei meus olhos e comecei a andar de um lado para o outro da sala, tentando pensar em algo para o nosso projeto.
— Paulo, e aquela sua ideia? – Perguntei.
— Que ideia? – Perguntou Renan.
— Deixei ela de lado – respondeu. – Não é inovador.
— Mas no que você estava pensando? – Perguntei.
— Estava pensando em algo relacionado a comunicação, mensagem de texto, essas coisas.
Silêncio.
Meu celular vibrou e abri a mensagem de texto que havia chegado.
M0A5R1I1A1N5A
— Sem celular, cara – disse Paulo. – Temos que nos concentrar.
— Eu sei, foi mal – disse, olhando o nome “NUMERO DESCONHECIDO” no remetente.
Coloquei o celular no bolso, e comecei a caminhar de um lado para o outro, novamente. O tempo estava passando, e estava com raiva de mim mesmo por não já ter pensado em algo.
— Se fizermos algo relacionado à comunicação, o que podemos criar? – Perguntei. – Se vocês entrarem no Play Store, por exemplo, o que mais vão encontrar são aplicativos de comunicação. Então a pergunta é: o que criar para um seguimento cuja a demanda é grande, mas a oferta é maior ainda?
— Espera, vou anotar – disse Renan. – O... que... criar...
— Podemos pesquisar quais aplicativos existem e ver o que poderia ser complementado em cada um – disse Paulo. – E podemos fazer uma pesquisa, com a galera da faculdade mesmo, para saber o que eles procuram em um aplicativo deste seguimento.
— Ótima ideia – disse.
— Você pode repetir a pergunta? – Perguntou Renan.
23:39
Deitei na minha cama e comecei a ouvir música. Meu quarto estava completamente escuro; exceto pela luz do meu celular, que a todo instante chegava alguma mensagem no WhatsApp.
Aproveitei o tempo entre uma mensagem e outra para pensar no projeto que Paulo, Renan e eu estávamos desenvolvendo. Talvez desse certo. Mas eu queria algo a mais do que um simples aplicativo de comunicação.
Mensagens de texto são enviadas todos os...
Voltei à tela inicial do meu celular e cliquei no ícone de “Mensagem”.
M0A5R1I1A1N5A
O que isso significa?
Copiei o texto e o colei no bloco de notas. E a primeira solução que veio em minha cabeça foi transformar os números em letras.
MOASRIIIAINSA
Não fazia sentido algum, então comecei a misturar as letras.
INIARISIMASOA
SIAMARIASOINI
MARIASIANIOSI
Nada.
05 DE NOVEMBRO DE 2015; 10:43
Paulo abriu seu notebook e virou a tela para que possamos ver.
— Esses são os aplicativos de comunicação mais baixados no ultimo mês – disse, mostrando-nos o ícone e o nome de vários aplicativos. – Tinham mais, mas eu reduzi para os quinze mais baixados.
— Podemos dividir, ficando cinco aplicativos para cada um fazer a pesquisa – falei.
— Foi nisso que pensei.
— Mais o que exatamente procuramos? – Perguntou Renan.
— Você tem que dizer quais as vantagens e, principalmente, as desvantagens de cada aplicativos. E o que poderia ser melhorado – respondi.
— Podemos nos encontrar hoje lá em casa, para fazermos as pesquisas – disse Paulo.
— Galera, disfarcem – falei. – Acho que Aline, Clara e Layane estão vindo em nossa direção.
Paulo e Renan viraram o rosto e começaram a olhar as garotas que se aproximavam.
— Valeu. Vocês sabem disfarçar muito bem.
— Olá – disse Clara ao se aproximar.
— Oooooi – disse Renan.
— Estamos convidando todos para uma pequena festa na minha casa – continuou. – Será neste sábado, dia sete. Espero vê-los lá.
— Claro, estaremos lá – falei, olhando para a Aline.
Se eu estava tentando ser discreto, fui um fracasso total.
— Que ótimo. Tchau – disse Clara, acenando e indo em direção à próxima mesa.
— Espero que nessa festa você tenha bolas o suficiente para dizer à Aline o que você sente – falou Paulo.
— Não enche.
22:37
Após horas de pesquisa, sentamos no sofá para descansar.
— Nunca pensei que isso fosse tão trabalhoso – disse Paulo.
— Onde assino minha carta de demissão? – Perguntou Renan.
— Pensem pelo lado bom – falei. – Conseguimos concluir uma etapa do nosso projeto.
Paulo se levantou, pegou o controle da televisão, e a ligou.
— Bom, eu já vou indo – falei. – Você vai querer carona, Renan?
— Não precisa, acho que vou dormir por aqui – respondeu. – Tudo bem? – Perguntou para Paulo.
— Tanto faz – respondeu Paulo. – Só tenta não sair andando pela casa durante a noite.
— Já falei que não consigo controlar meu sonambulismo.
— Está certo – falei rindo.
Antes de começar a ir em direção à porta, olhei para a manchete na televisão, que dizia “Rompimento de barragem em Mariana”. Peguei meu celular rapidamente e cliquei no ícone de “Mensagem”.
M0A5R1I1A1N5A
— Renan, me empresta esse caderno e a caneta – me sentei no sofá, ao lado de Paulo.
Assim que Renan me passou o caderno e a caneta, anotei a mensagem em um dos papeis, e logo em seguida separei as letras dos números. Como eu não havia pensado nisso antes?
M0A5R1I1A1N5A
MARIANA 051115
MARIANA 05/11/15
Me levantei do sofá e olhei as imagens que eram transmitidas.
“Ainda não se sabe o número de mortos”, disse a jornalista.
Olhei para o nome “NUMERO DESCONHECIDO” na tela do celular.
Quem me mandou essa mensagem?
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