Carrossel e as Relíquias do Destino escrita por Jel Cavalcante


Capítulo 4
O Conselho


Notas iniciais do capítulo

Paulo terá que tomar uma grande decisão que poderá por fim na guerra, mas será que as coisas são fáceis quanto parecem?



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PAULO

Quando Paulo entrou na tenda onde seria realizada a reunião do conselho, só haviam duas pessoas lá dentro, sentados em uma mesa com lugar para mais três. Uma delas era um rapaz alto, forte e espaçoso, que devorava o banquete como se fosse seu inimigo mortal. A outra era uma moça de cabelos curtos e avermelhados, reservada e fria, como deveria se comportar a Mestra de Armas da Colônica Antiga.

Paulo decidiu que aquilo não iria intimidá-lo de jeito algum. Eram duas pessoas aparentemente fortes, mas que provavelmente o respeitavam por ser o conselheiro do príncipe. Sentou o mais longe possível dos dois e esperou em silêncio até que alguém dissesse alguma coisa.

— Pelo amor de Deus, Jaime. Assim você vai acabar com toda a comida antes de todo mundo chegar - sussurrou a moça, puxando levemente o prato de comida da frente do rapaz.

— Dá pra parar de ser chata, Alícia? Eu sou o membro principal desse conselho e preciso me alimentar devidamente - o rapaz respondeu, sem tirar os olhos da enorme coxa de frango, suculenta e coberta por um molho denso e escuro.

O coração de Paulo quase saiu pela boca.

— Jaime? Alícia? - suas palavras pareciam uma verdadeira explosão dentro da pequena tenda.

— Oi, Guerra - disse Alícia, com cara de quem não estava nem aí para ele - Há quanto tempo.

Os três tinham mudado bastante. A começar pelas roupas, que definitivamente não eram nada parecidas com as que costumavam usar no lugar de onde vieram. Jaime parecia um guerreiro Samurai, enfiado numa armadura vermelha, bem mais elegante do que o seu uniforme amarrotado, e coberto por uma túnica branca, digna de alguém da realeza. Já Alícia usava um vestido curto e botas de couro até o meio da coxa, ambos vermelhos, e tinha os braços cobertos por uma armadura branca e dourada.

— Ué, o que deu em vocês dois pra estarem com essa cara? Não gostaram de me ver?

— Foi mal, Paulo - disse Jaime, estendendo a mão coberta de molho na direção de Paulo - É que o clima por aqui não tá dos melhores, sabe?

Paulo até tentou cumprimentá-lo, mas preferiu não encostar suas mãos limpas naquela gororoba toda escorrendo dos dedos do amigo.

— Mal chegou e já quer atenção? - comentou Alícia, reparando discretamente no novo visual de Paulo.

O menino sentiu vontade de retornar a grosseria mas antes de abrir a boca, Jaime continuou a falar.

— Agora que você tá aqui eu me sinto um pouco mais seguro. Essa daí tá parecendo a Diretora Olívia, de tão chata - apontou com olhos na direção de Alícia.

Ao dizer isso, Jaime soltou um longo arroto, fazendo com que Paulo caísse na gargalhada. Em seguida, moveu o braço em direção à bandeja de frango, porém foi impedido pela garota no meio do caminho.

— Se você mexer mais um dedo, eu juro que arranco o seu braço e dou de comida aos porcos - pela força com que segurava o braço dele, Alícia parecia estar falando bastante sério.

Paulo parou de rir na mesma hora.

“Por que será que ela tá agindo dessa forma, toda irritadinha?” - ele se perguntou - “Até que ela fica bem gata com essa cara de malvada…”

— E você? - Alícia olhou na direção de Paulo - Tá olhando o quê?

Felizmente, ele tinha uma resposta na ponta da língua.

— Nada… Só achei que você ia ficar mais feliz em me ver.

De alguma forma, aquilo conseguiu quebrar um pouco o gelo que mantinha Alícia distante de tudo e de todos.

— Feliz? Como alguém pode ficar feliz perto do imundo do Jaime? Ainda mais presa em uma época onde ele é o príncipe de sei lá o quê e eu uma mera capataz.

— Você não é minha capataz - disse Jaime, enquanto lambia os dedos cheios de molho - Você é a Mestra de Armas da Colônia Antiga. Quer título melhor que esse?

Paulo demorou para digerir aquela conversa.

“Então o Jaime é o tal príncipe que eu ajudo a governar? E a Alícia é a… Mestra de Armas?” - o garoto respirava com dificuldade - “Por que será que eu tô com a sensação de que isso ainda vai piorar mais ainda?”

— Que bom que estão todos aqui.

A voz irrompeu no ar, chamando a atenção imediata de todos os presentes à mesa.

Eram dois homens, um da idade deles e o outro um pouco mais velho, que chegaram para ocupar as duas últimas cadeiras do conselho.

Ao olhar para eles, Paulo teve mais um de seus surtos de memória. Dessa vez, uma batalha sangrenta tirava a vida de vários guerreiros da Colônia Antiga e, dentre os corpos, estavam os dos seus pais e os de Jaime. Não os verdadeiros, aqueles que aprenderam a amar desde que nasceram, mas sim outros, pertencentes ao mundo esquisito onde estavam, onde a morte era inevitável para os que viviam da guerra.

— Pelo amor de Deus, Jaime, olha só como você deixou a mesa. Toda suja de farelos e restos de comida - disse o mais moço dos homens.

— Shiro, não é assim que se fala com o seu príncipe - corrigiu o mais velho.

Paulo sabia quem era aquele rapaz. Shiro fazia parte da família Inuzuka, que, assim como os Palilo e os Guerra, perderam vários entes queridos ao longo dos anos, durante as inúmeras batalhas sangrentas entre as duas cidades. O senhor Palilo havia sido o Senhor da Colônia Antiga, um título quase igual ao de um rei, se não tivessem que dividir o reino com o povo do Novo Mundo, seus inimigos mortais. Jaime herdou o trono de seu pai e somente por isso havia sido intitulado príncipe. Já Paulo tomou o lugar de seu pai como conselheiro, enquanto Shiro Inuzuka ficou com o cargo de Comandante de Guerra.

— Como eu posso respeitar um príncipe que só sabe comer e dormir? - perguntou Shiro, com ar de superioridade.

Shiro era um daqueles garotos atrevidos que tinham a ambição como qualidade e defeito ao mesmo tempo. Sua posição no conselho não chegava aos pés das de Jaime e Paulo e isso o irritava a cada dia mais, fazendo com que a sua sede pelo poder ficasse evidente para todos.

Paulo o conhecia muito bem. Haviam sido amigos de infância. Não como Jaime, Kokimoto ou Mário, por quem mantinha grande amizade, mas como alguém que sempre esteve por perto. E era isso que o fazia sentir que deveria tomar bastante cuidado com aquele ali.

— E quanto a você, senhor adormecido, posso saber porque resolveu se esconder de nós durante todos esses dias? - a voz de Shiro tinha um fundinho de acidez.

— Do que você tá falando? - perguntou Paulo, confuso.

— É verdade, Paulo - completou Alícia - Você passou três dias desacordado.

A cabeça do garoto começou a rodar.

“Então é por isso que eles não estão tão surpresos quanto eu com tudo o que tá acontecendo. Eles já devem estar há uns três dias vivendo nesse fim de mundo.”

O homem mais velho resolveu quebrar o silêncio.

— Cada um tem o seu próprio tempo para assimilar as coisas - ele disse, ajustando os óculos no rosto comprido - Talvez o jovem Guerra esteja se preparando para o que está por vir.

Me preparando para o que está por vir? - Paulo sussurrou, como se falasse consigo mesmo.

Por mais que as suas memórias estivessem chegando, pouco a pouco, as lacunas ainda eram muitas. O homem provavelmente era Yukimura, o Senhor da Moeda. Era ele quem definia os gastos da colônia e cuidava de tudo que era lucrativo, incluindo plantações, caças e torneios.

— Então, Paulo, meu jovem, você está ciente do que estamos indo fazer em Crimea, não está? - perguntou Yukimura, indo direto ao ponto.

Paulo sabia que a Cidade Livre de Crimea havia sido o lugar escolhido para a mais nova tentativa de acordo de paz com o povo do Novo Mundo. O que não lembrava, porém, era de que forma isso seria feito.

— Claro que eu sei. Nós estamos indo fazer um acordo de paz, não é mesmo? - ele perguntou, disfarçando a insegurança.

Alícia fez um gesto de escárnio, duvidando que ele não lembrasse do que mais iria ser feito em Crimea.

— O que foi, Mestra de Armas? Há algo lhe incomodando nesta reunião? - perguntou Shiro, exibindo a sua elegante perversidade disfarçada de sorriso.

Shiro tinha a mania chata de intimidara as pessoas em público, mas Alícia era do tipo que não aguentava desaforo calada.

— Eu sei que a minha opinião é a que menos vale aqui dentro, mas vocês estão muito enganados se acham que "aquilo" vai dar certo - ela retrucou, arisca como sempre.

Jaime acompanhava a tudo sem dizer uma palavra.

— Do que você tá falando? - perguntou Paulo, interessado em descobrir de uma vez por todas de onde vinha tamanha irritação.

— Até parece que você não sabe - mais uma vez, Alícia olhou para ele como se quisesse exterminá-lo - Tá aí se fingindo de idiota mas no fundo mal se aguenta de tanta empolgação.

Paulo se surpreendeu com a acusação.

“Do que será que ela tá falando? Por acaso eu fiz alguma coisa errada?”

— Você deveria aprender a respeitar os seus superiores, mocinha - disse Yukimura, ajeitando os óculos outra vez.

— É impressão minha ou você tá com ciúmes do Paulo Guerra? - perguntou Shiro, atacando mais uma vez.

Alícia se levantou de repente e fez menção de que iria se retirar.

Paulo se ergueu de uma vez e caminhou até a entrada da tenda, para impedir que ela saísse sem uma explicação.

— Você não vai sair daqui enquanto não me disser o que tá acontecendo.

Alícia carregava consigo uma lança de batalha de quase dois metros, colocando medo não só em Paulo mas em todos os outros.

— Eu só acho que se casar com aquela cobra não vai trazer paz nenhuma pro nosso povo.

Ao dizer isso, a menina empurrou o braço dele e saiu furiosa.

— Será que agora eu já posso voltar a comer? - perguntou Jaime, quebrando o clima de tensão que havia se instaurado.

Paulo retornou para o seu lugar, sentindo que todos estavam escondendo algo muito importante.

— E então, será que alguém pode me dizer o que Alícia quis dizer com casar?

Shiro deixou escapar uma risadinha enquanto Yukimura ajeitava os óculos pela décima quinta vez. Os dois pareciam não saber exatamente por onde começar.

— Ela tava falando do seu casamento - disse Jaime, com a boca cheia de frango e outas coisas que nem ele mesmo sabia do que se tratavam.

Paulo quase caiu da cadeira.

— Casamento? Como assim? - ele perguntou, aterrorizado.

Yukimura tentou manter os ânimos com o seu  jeitinho paterno e ao mesmo tempo dissimulado.

— Olha, Paulo, eu sinto muito ter que meter você nisso, mas é a única forma das duas cidades se unirem e acabar de uma vez por todas com essa guerra.

Um filme foi passando na cabeça de Paulo enquanto ele tentava digerir os fatos. A morte dos seus pais e de milhares de pessoas das duas cidades. O sangue dos inimigos escorrendo diante dos seus pés. Só de pensar que ele poderia pôr fim a toda aquela desgraça, seu corpo todo começava a tremer.

“Então era por isso que a Alícia tava agindo daquele jeito?”

— Eu confesso que poderia até assumir o seu lugar, mas eles foram bem específicos - disse Shiro descarregando toda a sua inveja em forma de palavras - São os Guerra que eles querem.

— E com quem que eu vou me casar? Quer dizer, com quem vocês tão pensando que eu vou me casar? - perguntou Paulo, com medo da resposta que viria a seguir.

— Com alguém da família real do Novo Mundo - disse Shiro, sorridente - A mesma que mandou matar os nossos pais e outras milhares de pessoas da nossa cidade.

Paulo conhecia perfeitamente as histórias da guerra mas naquele momento tudo estava disperso em sua cabeça.

— Tudo que eu quero saber é com quem eu vou me casar. Só isso.

Jaime enfiou na boca todo o resto de comida que tinha sobrado no prato e, enquanto mastigava lentamente, percebeu que todos estavam esperando que fosse ele o felizardo que iria dar a notícia. Terminou de engolir com dificuldade e, reunindo o máximo de coragem possível, virou na direção de Paulo, que o devorava com os olhos, e disse:

— Com a Valéria, Paulo. Você vai ter que se casar com a Valéria.


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Notas finais do capítulo

fiquem atentos que as coisas vão começar a esquentar!



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