Carrossel e as Relíquias do Destino escrita por Jel Cavalcante


Capítulo 3
A Sacerdotisa


Notas iniciais do capítulo

Maria Joaquina se vê diante de uma importante missão, ao lado dos seus protetores, Carmen e Cirilo.

Mas será que ela está preparada para o dever?



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MAJO

A Cidade Sagrada era o único lugar seguro, em todo o reino, para aqueles conhecidos como Sacerdotes do Destino. Descendentes de um povo milenar, que durante muito tempo foram tratados como emissários da paz, tiveram que se proteger da ganância dos homens na medida em que a Colônia Antiga e o Novo Mundo, as duas maiores cidades já construídas, iniciaram uma guerra sem fim.

Para Majo, ser uma sacerdotisa do destino ainda não significava muita coisa. Tudo que precisava fazer era ficar sentada no templo o dia todo, meditando e esperando receber as bençãos de Emmeryn, a Senhora da Paz e protetora dos povos sagrados.

— Será que essa mulher vai demorar muito? Já fazem três dias que a gente tá enfiada nesse lugar esquisito, com cheiro de mofo, e nada dela aparecer.

À sua frente, Carmen permanecia de pé, com ar sério e preocupado.

— Você deveria tomar cuidado com o que fala aqui dentro, Maria Joaquina. Às vezes eu sinto como se tivesse alguém observando a gente.

A menina arregalou os olhos, surpresa com a revelação da amiga. No fundo, ela sentia a mesma coisa.

— Ai, Carmen. Falando desse jeito até eu fiquei preocupada - sentada sobre um tapete branco e dourado, de pernas cruzadas, Majo olhava de um lado para o outro, com medo de estar sendo vigiada - Você acha que a gente tá correndo algum tipo de perigo?

Carmen não disse uma só palavra, mas o seu rosto implicava no medo que estava sentindo. Sua tarefa ali era proteger a sacerdotisa sob toda e qualquer circunstância, mesmo que isso lhe custasse a vida. E, para isso, contava com braceletes de pontas bastante afiadas, em volta dos braços, e uma porção de adagas pontiagudas, escondidas por toda a sua roupa.

— Eu juro que se essa mulher não chegar ainda hoje, eu saio desse lugar asqueroso, mesmo sem ter pra onde ir - disse Majo, irritada com a situação imposta.

Ainda era difícil, para ela, acreditar em tudo aquilo. A briga no museu, a luz branca, o templo. A princípio achou interessante a ideia de ser uma sacerdotisa, mesmo que ela não soubesse bem o que aquilo significava. Gostava do cuidado exagerado que todos tinham com ela, e também de ter a sua fiel amiga Carmen como protetora - tanto que às vezes acabava transformando a menina em sua empregada pessoal.

"Eu não aguento mais esse lugar. E tudo por causa desse colar estúpido" - pensou, lembrando do momento em que Daniel pusera o colar em volta do seu pescoço.

— Eu tô morrendo de sede. Por que você não vai buscar um refrigerante pra gente? - ela ordenou, ignorando a cara de raiva que Carmen fez com o pedido - Diet por favor. Eu tô precisando perder uns quilinhos.

Ao ver que a amiga - e também protetora - não tinha sequer saído do canto, sua voz retomou o tom irritante e próprio da boa e velha Maria Joaquina Medsen.

— O que foi? Vai ficar aí parada, me olhando com essa cara de quem comeu e não gostou?

Havia uma ponta de veneno em suas palavras. Não por completa maldade, mas sim por medo. Era o seu melhor mecanismo de defesa em situações de risco.

— Você acha mesmo que eu vou achar refrigerante nessa terra antiga onde eles mal acabaram de inventar a roda? - respondeu Carmen, sarcástica.

A menina tinha razão. Não havia nem refrigerante, nem internet e muito menos celular naquele lugar. Porém a vontade de ficar sozinha, por um minuto que fosse, falou mais alto..

— Então um suco, uma água, sei lá... Qualquer coisa.

Carmen virou de costas e saiu devagar.

— E vê como você fala comigo, viu garota. Agora, eu sou a sacerdotisa do destino, e você, apenas uma serviçal - disse, saboreando cada palavra que saía de sua boca.

Carmen assentiu, com o rosto vermelho de raiva, e se retirou. 

Quando finalmente pôde desfrutar de alguns minutos a sós, Maria Joaquina sentiu como se alguns pássaros azuis, enviados pela própria paz de espírito, estivessem voando suavemente sobre a sua cabeça. A menina fechou os olhos, com toda a calma e elegância que dispunha, e respirou aliviada. Do seu pescoço, o colar começou a pulsar e, em sua mente, as memórias voltaram a fluir

Lembrou dos seus pais, felizes e atenciosos, do seu quarto, enorme e aconchegante, e se perguntou se estaria tudo bem no mundo de onde viera. Em seguida, vieram as lembranças de uma outra pessoa, de cabelos longos e azuis, macios como um rio manso, deslizando lentamente suas águas sob o sol radiante de um dia claro de verão. 

Aquela outra pessoa também era ela. A sacerdotisa encarregada de devolver a paz para os povos. E quanto mais o seu coração se abria para o dever que, mais cedo ou mais tarde, surgiria em seu caminho, mais lhe doía por dentro. Saber da guerra, da violência e, sobretudo, da ambição que existia lá fora, fazia com que ela se sentisse responsável de alguma forma. Como se fosse tudo fosse, em parte, culpa sua, e somente sua.

— Maria Joaquina?

A voz veio baixinha, pelas suas costas, na direção da janela.

— Quem tá aí? - ela perguntou, temendo já saber, de antemão, de quem se tratava.

— Sou eu, o Cirilo - disse o rapaz, terminando de escalar a parede por completo e entrando de uma vez no templo sagrado.

— O que você tá fazendo aqui, Cirilo? - sua voz se transformou outra vez na da Maria Joaquina de sempre - Por acaso eu disse que você podia entrar assim, sem mais nem menos?

— Eu pensei que...

Sem saber como terminar a frase, Cirilo foi se aproximando devagar, observando a beleza esplêndida do lugar, coberto por ouro e tecidos finos. Tão elegante quanto o quarto da menina, que ficou para trás, no mundo real.

— Eu vou perguntar só mais uma vez. O que você tá fazendo aqui? - dessa vez, Majo se virou para mirá-lo bem nos olhos.

Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, a porta do templo se abriu de repente, revelando a visita mais esperada de todas.

— Estou interrompendo algo, minha filha querida? - perguntou a mulher de cabelos loiros, com a voz mais doce que Majo já ouvira em toda a sua vida.

Rapidamente, Cirilo correu para se esconder atrás de uma cortina brilhante e semitransparente.

— Quem tá aí? - gritou Carmen, surgindo por trás de Emmeryn. Em suas mãos repousava uma adaga afiada e pronta para o ataque.

— Calma, Carmen. É só o coitado do Cirilo - disse Majo, sem conseguir tirar os olhos da beleza da mulher que acabara de se colocar à sua frente - Pode sair daí, Cirilo. Elas já viram que você tá aí.

Cirilo caminhou em direção ao altar, sem ousar subir os degraus que o separavam de Maria Joaquina, e sorriu timidamente para as outras duas presenças no templo.

Emmeryn retornou o sorriso com um brilho de igual intensidade, enquanto Carmen se limitou a guardar a adaga de volta para dentro da roupa, sem tirar os olhos do garoto.

— Filha, nós precisamos ter uma conversa séria - disse Emmeryn, esboçando pela primeira vez uma ponta de preocupação no canto da boca.

Majo estava totalmente paralisada. Aquela mulher não era sua verdadeira mãe, mas havia em sua alma que a fazia pensar diferente.

— Então você é... Minha mãe?- seus olhos estavam cheios d'água.

— Sim, minha filha - ela respondeu, serena - E é exatamente sobre isso que eu vim falar com você.

Majo sentiu um calafrio perpassando o seu corpo, como se aquela fosse uma conversa definitiva. Carmen se aproximou, com cuidado, e entregou o copo com água em suas mãos.

— O que vocês estão esperando? - ela perguntou, olhando para Carmen e em seguida para Cirilo - Eu preciso falar a sós com a minha mãe.

Cirilo encolheu os ombros, permanecendo no lugar onde estava. Carmen fez menção de que iria retirá-lo à força mas foi contida pela mulher de cabelos loiros.

— Vocês dois podem ficar - disse Emmeryn, olhando principalmente para Cirilo - Eu acredito que os dois estejam aqui por um bom motivo, traçado pelo próprio destino.

Majo cerrou os punhos, em sinal de reprovação. A Carmen tudo bem, era uma das suas melhores amigas e poderia muito bem confiar nela até de olhos fechados. Mas a presença de Cirilo era algo que não conseguiria suportar por muito tempo. Ele sempre se aproximava nos piores momentos, e com a mesma voz ingênua de sempre. Contudo, talvez pela própria ironia do destino, os dois possuíam uma ligação fora do comum. Como se fizessem parte de algo maior e, portanto, precisavam estar sempre juntos.

A pressão daquele momento singular, onde estava prestes a ouvir uma verdade na qual ainda não estava preparada, sua cabeça foi novamente atacada por visões dolorosas, porém, dessa vez,elas pareciam vir do futuro e não do passado.

Via um mar azul, que se estendia até o infinito, e sentia o seu corpo sendo puxado para as profundezas. Descia suave, como uma pequena flor, e sentia uma luz forte vinda de todos os lados. Em seguida, alguém estendeu a mão para ela e a puxou, com cuidado, de volta para cima. Eram as mãos de Cirilo, a presença decisiva para a sua jornada. Mas ainda que ele estivesse ali, uma espécie de força continuava fazendo com que ela afundasse, mais e mais. E o rosto do garoto foi desaparecendo aos poucos, até que ela retornou ao templo, onde todos a encaravam com cara de espanto.

Do seu peito pairava uma luz branca, forte o suficiente para cegar os olhos de qualquer um, mas que por algum motivo trazia a esperança para todos que estavam ali.


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Notas finais do capítulo

E então, pessoal? Gostaram do capítulo? O que tão achando da fic até agora?



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