Carrossel e as Relíquias do Destino escrita por Jel Cavalcante


Capítulo 2
O Acordar


Notas iniciais do capítulo

Após acordar em uma terra completamente diferente, Paulo começa a entender aos poucos o seu papel nos desdobramentos que estão por vir.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/693847/chapter/2



PAULO

Paulo acordou em meio ao som de carroças sendo puxadas e feirantes anunciando seus produtos.

Aquela definitivamente não era sua terra natal.

— Onde é que eu tô? - ele perguntou, esfregando as mãos nos olhos, após o que parecia ter sido uma longa noite de sono.

O homem à sua frente, sentado próximo a entrada da tenda se aproximou lentamente. Suas vestes lembravam um cavaleiro da Era Feudal, em uma mistura de branco e vermelho.

— Nós estamos no caminho para a Cidade Livre de Crimea, senhor. Este é o quinto dia de viagem.

Os dois ficaram se olhando por algum tempo.

"Crimea? Quinto dia de viagem? Que loucura é essa que esse cara tá falando?" - Paulo se perguntou, na medida em que tomava coragem para levantar da cama improvisada, feita de palha e algumas cobertas de algodão e seda.

Não pôde deixar de notar a espada presa à cintura do homem. Era bem parecida com as que estavam exibidas nas paredes do museu e isso fez com que fosse se lembrando aos poucos do ocorrido.

— O senhor tá precisando de alguma coisa? - perguntou o homem, sem  tirar os olhos da entrada da tenda.

— Cadê  todo mundo? E por que você tá me chamando de senhor?

O medo foi se instalando em seu interior. Primeiro, um barulho infernal como se estivesse no meio de uma feira, e depois aquele homem misterioso, vestido como se estivesse preparado para guerra. De repente, um grito de menina irrompeu no ar.

— Marcelina?

Paulo saltou da cama de uma vez e caminhou calmamente até a entrada da tenda.

— Você ouviu esse grito? Parecia a voz da minha irmã - disse, enquanto espreitava entre as cortinas que cobriam a entrada.

Lá fora, todos pareciam estar numa grande correria. Crianças brincavam de caçar borboletas, jovens desfilavam com todo tipo de arma, embainhadas por uma camada de couro ou soltas ao vento, cortando o ar gélido que caía sobre o vilarejo improvisado.

O grito se repetiu, dessa vez com o dobro de intensidade.

— É ela! - disse Paulo, preocupado - Onde tá a minha irmã? O que vocês fizeram com ela?

O tom de acusação pegou o homem de surpresa.

— Ela está descansando na tenda ao lado, senhor. Algum problema?

— Problema? Como assim algum problema? Eu acordo em um lugar esquisito, cheio de  gente vestida… Assim, que nem você…

Ao perceber que o homem não estava entendendo o motivo do alvoroço, Paulo olhou para as próprias roupas e viu que estava vestido como se pertencesse àquele lugar. Também notou que estava mais alto e com um tom de pele mais claro.

— Alguém pode me explicar o que diabos tá acontecendo?

Uma dor insuportável invadiu a sua cabeça. Memórias vagas de uma outra vida, mais agitada e violenta que a sua, surgiram de repente, fazendo com que ele ficasse ainda mais confuso.

— O senhor tá se sentindo bem? Quer que eu chame algum curandeiro? - o homem perguntou, aflito.

— Me deixa sozinho. Eu preciso descansar.

Ainda com as mãos na cabeça, Paulo sentou de volta na cama e encolheu os joelhos, pensativo. O homem ficou um tempo observando a sua dor e, somente após uma encarada hostil, resolveu deixar o garoto à vontade.

— Como quiser, senhor - afastou as cortinas e saiu.

"Isso só pode ser um sonho. Ou um pesadelo, sei lá. É como se eu fosse outra pessoa. Mais forte, mais importante…"

De onde estava, imóvel, passou os olhos por toda a tenda. Uma estrutura simples, pouco decorada, e com alguns móveis de madeira onde repousavam roupas, um pouco de comida servida em potes de barro, frascos com água - ou algum outro tipo de bebida - e alguns acessórios esquisitos, mas de bom gosto.

Foi então que viu o arco. O mesmo que havia tirado da parede no museu. O magnífico arco medieval que roubou toda a sua atenção desde o primeiro instante que o vira. Estava lá, preso no pano que servia como parede. E mais do que nunca, sentiu que aquilo o pertencia.

Suas mãos começaram a tremer. Aquela era a sua arma. Ele era, e ao mesmo tempo não era, ele mesmo. Era outra pessoa. Um grande guerreiro. Um arqueiro valente e obstinado. Membro do Conselho do Príncipe.

Sua cabeça se encheu de lembranças do passado. De batalhas épicas. Inimigos deitados no chão, com muito sangue e vísceras espalhadas para todos os lados. Paulo Guerra, o temido. Alguém que sempre quis ser. Ou que era e não sabia. E aquele arco simbolizava tudo de uma vez só.

— Socorro! - o grito de Marcelina ecoou pela terceira vez.

Paulo levantou apressado, indo em direção à entrada da tenda. Vários guerreiros, comerciantes e crianças tomavam conta do mini-vilarejo formado entre as tendas, expostas próximas umas das outras.

Avistou o homem, aparentemente responsável pela sua segurança, e desviou rapidamente para não ser incomodado. Entrou na tenda ao lado, com cuidado, e estranhou a presença tímida da menina, com as mãos no rosto, tentando limpar as lágrimas que caíam.

— Cadê a minha irmã? - perguntou, constrangido por ter invadido a tenda de outra pessoa.

— Paulo? É você? - a voz saiu fraca, mas não o suficiente para impedir que fosse identificada.

— Marcelina?

Os dois se olharam espantados. Estavam completamente diferentes da imagem que costumavam ter. Os cabelos de Paulo eram brancos e compridos. Já os de Marcelina, curtos e de um tom de rosa típico das flores de cerejeira, comuns nos filmes orientais.

— O que tá acontecendo com a gente? - ela perguntou, com os olhos cobertos por um terror que Paulo desconhecia até então.

— Eu não faço ideia - ele respondeu, sentando ao lado dela e passando suas mãos entre os seus ombros - Numa hora a gente tava no museu e na outra, aqui… Nesse lugar esquisito.

— Cadê a professora Helena?  Cadê todo mundo? - ela perguntou, abraçando o irmão - Paulo, se essa for mais uma das suas brincadeiras, eu juro que...

Ela tentou se desprender do abraço, mas ele a conteve.

— Isso aqui não é nenhuma brincadeira, Marce - sua voz começou a falhar - Eu adoraria que fosse, mas não é.

As cortinas se afastaram de repente, revelando a presença de três mulheres trajadas em vermelho e branco, assim como a maioria das pessoas do vilarejo. Uma quarta pessoa surgiu por trás delas, de forma tão sutil que mal dava para ouvir os seus passos.

— Está na hora da reunião do conselho, meu senhor - disse a quarta pessoa, com cuidado para não atrapalhar o encontro entre os irmãos.

Era o mesmo homem que vigiava a entrada da tenda onde havia acordado.

— Que conselho? Que reunião? - ele perguntou, sem soltar a irmã de seus braços.

— O conselho do príncipe, senhor - disse o homem, fazendo sinal para que as mulheres entrassem.

— Eu não vou a lugar nenhum até me explicarem o que tá acontecendo aqui.

Sua cabeça voltou a latejar, porém dessa vez as memórias estavam mais claras do que antes. Ele sabia o que era o conselho do príncipe. Um pequeno grupo com os melhores guerreiros da Colônica Antiga, cidade onde havia nascido. Sabia também que era o conselheiro oficial e membro mais próximo do príncipe. E ainda que todos ali dependiam dele para assuntos importantes, como a guerra secular entre o seu povo e os habitantes do Novo Mundo, a cidade vizinha. Aos poucos, sua condição foi se tornando compreensível.

— O que vocês querem comigo? - disse Marcelina, evitando que as mulheres a tocassem - Me soltem!

Paulo interrompeu os pensamentos e se ergueu diante das três desconhecidas.

— Ei! Deixem a minha irmã em paz!

— Nós só estamos seguindo ordens, senhor - falou uma delas, um pouco mais alta que as outras - Viemos para o banho matinal da senhora sua irmã.

— Banho? - exclamou Marcelina - Eu não vou deixar que vocês me deem banho. Nem pensar.

Sem saber o que fazer, Paulo resolveu deixar que a irmã resolvesse aquilo por conta própria. Tinha assuntos mais urgentes para resolver.

— Vamos - ele disse, olhando firme para o homem na entrada da tenda - Me leve até essa tal reunião.

O rosto de Marcelina voltou a ser invadido pelo medo.

— Mas, Paulo… Você não pode me deixar aqui, sozinha!

— Aos poucos você vai entender - foi só o que disse, antes de partir.

Antes de soltar as cortinas e deixar a irmã para trás, olhou no fundo dos seus olhos, esperando que ela compreendesse a situação em que estavam. Eles não eram mais apenas dois alunos da Escola Mundial. Eram membros de uma das maiores famílias do reino, cujo sobrenome Guerra fazia jus ao grandioso dever que lhes fora reservado.

— Promete pra mim que você vai voltar? - ela disse, enquanto as mulheres preparavam a água para o seu banho.

— Eu prometo fazer tudo que for necessário pra tirar a gente daqui.

E com isso, deixou para trás a única pessoa em quem confiava plenamente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Mais um!!!!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Carrossel e as Relíquias do Destino" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.