Terra Fantástica, O Nascer De Um Novo Mundo escrita por Flávio Trevezani


Capítulo 2
Memorável Dia, Os Sobreviventes


Notas iniciais do capítulo

Lipe acordou após o impacto das ondas de luz misteriosas. Meio tonto e desorientado. Agora ele precisava descobrir o que fazer e para onde ir e a primeira coisa e mais fácil a se fazer, era procurar Aymee e sua namorada, Lara. depois disso, ele veria o que faria a partir de então.



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Primeiro, voltou à audição. Pôde ouvir o barulho do vento nas árvores e as ondas na praia. Depois, aos poucos, abriu os olhos. A claridade o incomodava, apesar de estar sob a sombra do interior da floresta. Na verdade a claridade era de um dia comum, apenas um dia mais limpo que o habitual e ele estavam em um ambiente consideravelmente pouco iluminado. Mesmo assim seus olhos doíam com a luz do ambiente. A visão foi se ajustando a luz, seus olhos ardiam. Sua cabeça latejava um pouco e seu corpo estava dolorido, como se tivesse caído de bicicleta. Finalmente ele despertara por completo. Felipe estava deitado sobre a pedra ainda, mas a visão a sua volta não era mais a mesma. Antes ele estava em um pequeno trecho de vegetação, algumas árvores e uma floresta nem tão densa assim, pequena, resquício do que havia sido um dia. Mas agora, ele estava dentro de uma intensa floresta tropical de Mata Atlântica. Ainda estava desorientado e nem percebeu bem mudanças além. Se não fosse a pedra onde estava, acharia que tinha sido levado para outro lugar, mas a pedra ainda era a mesma. Sabia disso, pois fora agarrado nela os piores e mais assustador momentos de sua vida. Levantou-se lentamente e sentou-se, reunindo forças e deixando a sensação estranha de cansaço e dor amenizar no corpo, o que aconteceu bem rápido.

Finalmente se pôs de pé. Sentia-se mais leve de certa forma, sentia-se mais vivo. Talvez pelo fato de ter sobrevivido a algo traumatizante e inexplicável. Suas roupas estavam gastas e velhas. Sua camisa havia se tornado apenas retalho. Suas calças e sapatos, esfarelando na medida em que se mexia. Desceu de sobre a pedra e tentara achar uma brecha na vegetação ali em cima, no alto daquele pequeno relevo para ver a sua volta. A vegetação havia crescido e se tornado densa. Começou a caminhar entre a vegetação nova que havia crescido de forma assustadora e inexplicável, quando finalmente chegou onde parecia ser a antiga rua asfaltada. Que na verdade, era possível ver apenas fragmentos da mesma, pois plantas e árvores cresceram para todos os lados, em todos os tamanhos e formas, algumas, bem diferentes de tudo que ele já viu na vida. Mas foi possível ver a vista da baía. Ao olhar para a baía de Camburí, não a reconheceu. Uma imensa floresta havia tomado toda ela e o mar havia recuado uns vinte metros do continente, mas antes parecia que havia destruído grande parte do primeiro quarteirão, que agora estava tomado por vegetação baixa, com apenas alguns poucos esqueletos de prédios ainda em pé. Uma imensa e densa floresta cresceu em todos os lados que ele olhava. O porto de minério que existia no outro extremo da baía, havia desaparecido. O Píer de Iemanjá também, aparentemente todos os píeres foram destruídos pela fúria das ondas anteriormente. E muitos dos prédios ruíram nesse processo.

Ele não viu ninguém na praia, não viu ninguém em lugar algum e isso foi assustador. “Onde estariam as pessoas?” pensou ele. “Será que somente eu sobrevivi?”. Felipe então avistou o prédio onde estava morando com sua amiga, Aymee. Apenas uma parte dele. Ele ainda permanecia de pé, não era alto, tinha apenas quatro andares, mas parecia que sobrevivera aos processos até então inexplicáveis que mudaram tudo no mundo que ele conhecia. Notou que a ponte havia ruído e um intenso fluxo de água saia do canal, antes poluído e sujo, agora corria uma água que beirava o cristalino. Ele desceu em direção as ruínas da ponte, para tentar achar alguma forma de atravessar. Havia sobrado algumas partes e ele viu que seria possível saltar e nadar apenas um pequeno trecho, já que a correnteza estava bem forte, diferente de antes.

Quando ele chegou à ponta da pequena ponte, ouviu gritos. Gritos de pessoas. Haviam mais sobreviventes.

— Sabia, não podia ser o único sobrevivente.

Mas os gritos ficaram intensos, eram de pânico e então um som, similar a um grunhido ou rugido, não era possível saber, soou por toda floresta. Pássaros voaram e então os gritos cessaram.

— Que diabos está acontecendo?

O som vinha exatamente da ilha, o lado onde ele estava, então resolveu atravessar o mais rápido possível para o antigo bairro de Jardim da Penha. O que foi uma grande sorte. Ao atravessar, ele pode ver próximo ao canal, muitos metros acima, uma pequena praia e nela uma imensa criatura laranja brilhante, que parecia muito com um lagarto, beirava o tamanho de um grande carro, abaixada, comendo algo. Ele não esperou a criatura o ver para tentar ver o que a criatura comia, mesmo ela estando um tanto quanto longe dele. Mas no fundo sabia que eram as pessoas que haviam gritado. Ele começou andar cautelosamente e logo a correr, como podia em meio à floresta. A parte onde eram ruas foram completamente tomadas por árvores, as partes que ficavam os prédios e casas, também, mas algumas edificações resistiram e viraram ruínas cobertas por cipós, musgos, cogumelos gigantes, samambaias gigantes e outras formas de vegetação das mais diversas, quase tirando a imagem de aquilo um dia havia sido uma construção ou uma cidade.

Finalmente ele chegou ao seu antigo prédio e ouviu um barulho próximo, era de vozes de pessoas, assustadas, desorientadas, confusas. Ele queria gritar para chamar as pessoas, ver quantos mais haviam sobrevivido, mas a visão da criatura fora bem assustadora, então resolveu se aproximar do seu prédio apenas, sem fazer muito barulho. A frente do prédio era de grades de ferro, essas já não existiam mais. Pareceu que o ferro fora o material que mais facilmente se degradou no processo que ele resolveu chamar de “resetar do mundo”, pois precisava nomear aquilo, se não ficaria louco. O vidro também, por mais resistente que fosse, havia ficado apenas pedaços grosseiros que lembravam cristais brutos. Parece que o concreto suportou um pouco mais, mas somente ele e se o ferro havia se degradado, logo a ferragem interna também poderia ter sido afetada, ou o concreto protegeu de alguma forma. Percebeu que edificações de concreto estrutural haviam suportado mais, mas paredes e muros de blocos, todas desapareceram. Não sabia se foi a energia estranha que destruiu as coisas ou se foi as plantas crescendo desgovernadas que destruíram tudo. Então ele ouviu alguém chamando dentro do prédio.

— Aymee? Aymee?

E a voz era de choro, medo, desespero, fraca. Ele então falou num tom de voz que talvez fosse audível, mas não alto o suficiente para que alguma criatura monstruosa ouvisse ele.

— Ei! Alguém ai?

E uma pessoa apareceu, onde era o apartamento em frente ao dele. Era Lara, a namorada de sua amiga. Uma garota loira, de cabelos curtos, magra, bonita e de olhos verdes escuros. Ela tinha seus vinte e quatro anos, mais velha que Lipe e Aymee. Estudava medicina na UFES e nos últimos dias tinha ficado mais ali no apartamento deles que em casa com a família.

— Lara, desce, mas não grite.

E a garota começou a chorar, se deixando cair ao chão. Aparentemente sem forças, exausta, desorientada e confusa.

— Eu subo ai, espere.

Disse ele indo em direção a antiga escada. Mas essa não existia mais. Uma parte do prédio desapareceu e a escada foi junto com ele. Ele então retornou e disse:

— A escada desabou. Mas calma. Eu vou subir aqui por fora.

Uma imensa raiz de cipó havia subido pela lateral do prédio, quase que envolvendo ele todo. Ao se apoiar na laje do primeiro andar, essa se esfarelou, o que o assustou. Ter ficado de pé, não significava que estava firme e seguro, o que pareceu, foi que as raízes e árvores que cresceram dentro seguraram o mesmo para que ele não desabasse. A garota chorava e logo as vozes de uma ruína de um prédio próximo gritaram:

— Tem alguém ai? Estamos ouvindo mais alguém!

Ele então respondeu.

— Sim! Somos dois sobreviventes aqui. Mas não grite, tem algo nessa floresta é grande e parece perigoso.

A voz de mulher ao longe começou a gritar alto e aparentemente estava tendo uma crise de pânico com tudo aquilo acontecendo. Realmente parecia um pesadelo verde. Então ele disse:

— Acalme ela, por favor, realmente tem algo perigoso aqui perto.

E eles ouviram o som novamente. Um grunhido misto de um rugido, não era um som conhecido, mas era com certeza, o som de alguma criatura grande e feroz. A mulher cessou os gritos de pânico quase que imediatamente, assim como Lara, que chorava alto e aparentemente se assustara com o som da criatura, nem tão próxima, mas perto o suficiente para ser ouvida. Ele então começou a conversar com Lara.

— Lara, está tudo bem. Calma que estou chegando.

Ele já estava no segundo pavimento, chegando finalmente ao terceiro onde à garota estava.

— Onde está Aymee?

Mas a garota não respondia, apenas era possível ouvir seus soluços. E ele insistia, tentando acalmá-la.

— Eu preciso que você me fale alguma coisa, se não eu vou voltar daqui.

Finalmente ela disse:

— Isso é só um pesadelo. Eu logo vou acordar.

— Calma Lara. Acho que isso não é um pesadelo. Ao menos, não um onde vai acordar.

Finalmente chegando ao quarto pavimento, onde a garota estava sentada, semi nua. Suas roupas haviam se deteriorado como as dele.

— Lara, você está sozinha?

E a garota meio assustada apenas olhou para trás. Onde era o apartamento deles. Ele também havia desabado, porém, Aymee estava deitada, desacordada, ali no apartamento que aparentemente era o vizinho da frente, próximo a Lara. Ao vê-la, ele sentiu-se aliviado, pois ele viu o que acontecia com aqueles que morriam durante o processo.

— Ela está morta meu Deus – voltou a chorar a garota.

— Não, te garanto que não – ele achava, na verdade. Começou a pensar que as pessoas que gritaram ao ver aquela criatura laranja, também estavam vivas antes e agora possivelmente não estão.

— O que aconteceu Lipe?

— Eu estava vendo TV antes de sair para minha entrevista de trabalho e daí eu vi na TV. Parece que foi algo vindo do deserto do Saara. Eu não dizer o que era, porque ninguém sabia. Mas eram ruínas que haviam aparecido em meio ao deserto e uma estranha energia emergiu delas, uma luz branca, como um canhão de lazer subindo pro céu. Dai ela se descontrolou e se expandiu e houveram quatro ondas, que eu me lembre.

— Nós vimos três ondas, acho – disse a garota – vimos a primeira e dai saímos correndo do apartamento, mas logo a água começou a invadir as ruas, então voltamos e dai veio a segunda. Nosso apartamento desabou pouco depois, estávamos no corredor e aporta desse apartamento estava trancada. Nós arrombamos e entramos, foi quando vimos lá fora luzes coloridas e Árvores crescendo e cachorros gritando, pessoas gritando, prédios ruindo e logo veio a terceira onda e não me lembro de mais nada. Acordei só agora e vi Aymee caída, sem pulso.

— Ela deve estar bem – disse Lipe.

— Ela está sem pulso Lipe. Ela está morta. Muita gente desapareceu. Eu vi uma senhora sumir em luz colorida, mas ela está sem pulso.

Então Lipe foi até ela, devagar, pois sentia que aquilo ali podia desabar a qualquer momento. Virou a garota de barriga para cima e quando tocou no seu rosto, sentiu uma estranha energia correr em suas mãos vindas do rosto da garota, que acordou num suspiro profundo e gemendo. Lara imediatamente veio até a namorada e a verificou, para ver se estava bem.

— Amor, está bem?

Disse ela olhando Aymee. Uma jovem garota de vinte e um anos, cabelos pretos e longos. De descendência oriental japonesa, os belos olhos puxados. Havia mechas coloridas em seu cabelo, mas parece que o processo das luzes afetou isso também, deixando as mechas um tanto mais intensas e provenientes da raiz, eram azuis turquesa. Ela era um pouco mais corpulenta que Lara, mas num corpo com curvas e carne, como a namorada gostava de dizer. Eles a ajudaram a se sentar e finalmente ela conseguiu abrir os olhos, foi então que eles notaram. Os olhos dela estavam violeta, num tom escuro e sutil, mas violeta.

— Seus olhos – disse Felipe – está usando lentes coloridas?

— Não? – disse ela meio tonta e logo Lara olhou os de Lipe e também disse.

— Lipe! Agora que percebi, os seus também mudaram de cor.

Os olhos de lipe que eram castanhos amendoados estavam laranja. Não num tom vivo, mas num tom anormal a olhos humanos. Porem os de Lara ainda estava verde escuro, mais brilhoso talvez, mas sem grandes alterações.

— Que cor?

— Laranjas – disse Lara.

— O que aconteceu – perguntou Aymee começando a perceber tudo a sua volta e ficando um tanto quanto nervosa.

— “Ei! Estão aí ainda”?

Era a voz do homem que havia gritado eles antes, agora vindo do chão, logo ali embaixo. Lipe se levantou e o viu. Era um homem moreno, cabelos curtos quase raspados, porte normal, com seus trinta e poucos anos e estava com roupas menos surradas que as deles. Ele estava sozinho.

— Estamos bem, já vamos descer.

— O que está acontecendo Felipe?

— Acabei de explicar a Lara, ao menos o que sei. Mas acho melhor descer, isso aqui não vai aguentar muito tempo – então mostrou a elas como a construção estava esfarelando ao toque, segura apenas pelas fortes raízes de cipó e galhos de árvores que brotaram em meio a ele.

Lara explicou a ela enquanto desciam. Desceram e se aproximaram do homem, sem se importarem de estar quase despidos, com suas roupas aos farrapos. Esse sem se importar com isso também, talvez de tão assustado com tudo aquilo, perguntou a mesma coisa a eles, sobre o que havia acontecido. Felipe contou a eles o que sabia. Sobre as luzes, pessoas se desintegrando em luzes multicoloridas e todas as mudanças acontecendo rapidamente.

— Isso é loucura – disse o homem, que se chamava Paulo – isso não é real, não pode ser Real.

— Acredite que eu também preferia estar sonhando – disse Lipe – e a voz de mulher que estava com você?

— É minha mulher. Ela está em estado de choque. Eu preferi deixar ela lá. Eu me chamo Paulo Roberto e minha mulher se chama Cláudia.

— E suas roupas – disse Aymee – elas estão em bons estados, por quê?

— Essas não são as minhas roupas. Achei no apartamento abaixo ao meu. Elas estavam de certa forma intacta, parece que uma planta cresceu em volta delas e deve ter protegido elas, dai aproveitei para usá-las. As minhas haviam se desmanchado como se estivessem com mil anos.

— Há mais onde havia essas? – perguntou Lipe.

— Sim, há sim e acho que o dono não vai reclamar.

Então eles foram até lá, havia roupas de homem e mulher, provavelmente era do casal que morava ali. Aparentemente era a área de serviço deles e uma planta, parecia um cacto sem espinhos, cresceu e criou uma gaiola em torno delas, que caíram provavelmente com a ventania e se alojaram ali. Quando tocaram a planta, abrindo seus galhos para pegar algumas poucas peças mais ao fundo, essa pareceu se contrair e dela saíram pequenas bolas de luz multicoloridas, como antes ele vira no ar, com a chegada da terceira onda. Paulo então disse.

— Ela não fez isso antes – assustado com a cena – na verdade nem toquei nela, eu acho.

Eles pegaram, após esperar alguma outra reação da planta que nada fez, as mudas que puderam e cabiam neles. Vestiram-se e foram de encontro a mulher de Paulo, que estava no terceiro andar do prédio deles. Que possuía mais andares, mas esses haviam desaparecido. Curioso que aparentemente não desabara sobre eles, de forma inexplicável, como tudo até então.

Ela estava sentada, encolhida, abraçava as pernas com os braços enquanto esperava ele voltar, ao vê-lo. Levantou-se e correu a seu encontro, quando o piso abriu um buraco, como se estivesse podre, fazendo-a cair no andar a baixo.

— Claudia – disse o homem indo para onde o buraco havia se aberto – você está bem?

Mas Felipe o segurou e disse:

— Não! Pode desabar o resto sobre ela. Vamos descer, pegar ela e sair daqui, antes de tudo desabar. Tudo está podre. Nada mais é seguro.

— Claudia, você está bem?

— Acho que sim – disse ela chorando.

— Não se mecha amor, nós vamos lhe pegar.

E ela não respondeu, apenas chorava baixo. Com cuidado eles desceram e foram até ela. O segundo piso parecia mais estável. Apesar de ter caído de uma altura de três metros, aparentemente nada lhe havia acontecido, a não serem arranhões no tornozelo e braços. Eles a pegaram, a levantaram e saíram do prédio. De repente, uma forte corrente ar começou a balançar as copas das árvores e depois o vento se intensificou, ficando forte até mesmo ali, em mate semi fechada. E isso foi o suficiente para levar a baixo o prédio onde Paulo e Cláudia estavam.

A ventania passou, eles perceberam que o antigo prédio de Aymee, Lipe e Lara, apesar de ter algumas partes ruídas com o vento, resistiu. Decidiram que seria a melhor opção para ficar ali próximo até segunda ordem. Mas antes eles testaram de todas as formas possíveis à resistência das ruínas que sobraram e ele resistiu. Quando finalmente conseguiram sentar e descansar de tudo, ouviram algumas vozes distantes, gritando, buscando mais pessoas.

— Devemos gritar, avisar que estamos aqui – disse Cláudia, que estava com o tornozelo levemente escoriado.

— Não – disse Felipe.

— Por quê? – perguntou Aymee.

— Quando tudo aconteceu estava próximo ao colégio Sacrecré, no alto do morro. Quando acordei, resolvi voltar ao ver nosso prédio ainda de pé, de certa forma, pra procurar vocês. E quando vinha, vi o que rugiu, berrou, grunhiu, sei lá que som foi aquele. A coisa era algo diferente, surreal.

— O que era? – perguntou Lara aflita.

— Parecia um lagarto ou algo assim, imenso, laranja intenso e brilhoso sob o sol. E antes, eu havia ouvido gritos e logo após, os gritos cessaram e quando atravessei as ruínas da antiga ponte. Ele estava comendo algo.

— Acha que ele estava comendo as pessoas? – perguntou Paulo.

— Creio que sim.

— Que tamanho era esse lagarto Felipe? – perguntou Aymee, incrédula.

— Maior que um carro, sei lá.

Ela riu sadicamente.

— Eu sabia. Sempre soube que isso um dia iria acontecer – disse ela rindo.

— Do que está rindo? – perguntou a mulher ruiva de tornozelo levemente machucado.

Ay, pessoas provavelmente morreram – disse Lara.

— Gente, olha a sua volta. Uma floresta destruiu toda a civilização que conhecemos. Isso com ondas de luz mágicas. Não existe arma nuclear ou sei lá que tecnologia que faça isso. Isso só pode ser uma força maior, sei lá. Gaia, o titã que sustenta o mundo, a natureza viva.

— Vocês ainda não entenderam? Isso é o apocalipse – disse Cláudia com lágrimas nos olhos – e nós ficamos. Esse lagarto que você viu, são os demônios, as pragas lançadas sobre nós. Isso é apenas o princípio do fim. Os bons foram salvos e nós? Nós ficamos para pagar.

— Porque acha isso Claudia? – Perguntou Paulo percebendo o nível de devaneio de sua mulher.

— Eu abandonei a igreja. Nós transamos antes mesmo de nos casarmos. Nós nem somos casados de fato. Eu sabia que isso aconteceria, mas achei que não viveria isso. Meu Deus...

— Claro que não! – disse Aymee – Acha mesmo que aquele senhor tarado que ficava olhando pros peitos de todo mundo sentado no bar da esquina foi Salvo? Eu não o vejo aqui. E acha que essas milhares de pessoas possíveis foram salvas e só nós, uma pequena parcela ficou pra pagar nesse purgatório lindo, verde e recuperado mundo que virou Floresta?

— Têm criaturas comendo gente Aymee – disse Felipe – eu não estou louco com o que vi. Vocês ouviram ele muito bem. Isso não é o paraíso como parece.

— Claro que não. Não pra gente, mas pra ele é – disse ela rindo ironicamente.

Aymee era ambientalista extremista. Os dois eram, mas ela era mais radical. Ela começou a chamar naquele momento de Apocalipse Natural o evento. Felipe ainda preferia chamar de resetar do mundo, já que pareceu que o mundo resetou, como em um jogo de vídeo game e a era pré histórica retornara e eles eram apenas bugs do sistema. Falhas que possivelmente o mundo se esqueceu de apagar, mas com certeza, tudo que havia nele agora ou ao menos aquele lagarto imenso e laranja iria se encarregar disso.

— Não podemos ficar aqui. Se aquela coisa aparecer, não estamos seguros aqui. Isso está aberto, fácil de sermos vistos e se desmanchando. Melhor procurarmos um lugar mais seguro – disse Paulo se levantando.

— Onde seria mais seguro? E se houver outras coisas similares ao lagarto. E se não só as plantas cresceram, mas os animais também, hãm? Não me lembro de haver lagartos gigantes antes do apocalipse natural passeando por vitória. Não sei se seria seguro sair andando por aí – disse Aymee.

— Acho que devemos ficar aqui? – perguntou Lara – com essa possível coisa andando por aí?

— Ela está do outro lado do canal – respondeu Lipe – e talvez ela não atravesse o canal.

— No tamanho que você disse? – desdenhou Aymee – acredito que ele vá onde quiser.

— Então vamos pela praia – disse Lara – não é um ambiente comum para animais caçarem, não é? Não desse tipo e estaremos mais visíveis para outros possíveis sobreviventes. Acho que muitos o farão.

— Não sabemos o que aconteceu. Não sabemos em que proporção. Foi só aqui? Acho que não. Algo assim é surreal. Só acontece em filmes de ficção científica. Ir para praia é uma má ideia – disse Paulo nervoso e tentando levantar a esposa – lugar aberto nos torna presas fáceis pra o que seja lá que estiver rondando por ai. Devemos ir em direção a Ufes. Passaremos pelo meio do bairro. Se nós sobrevivemos, outros também devem ter sobrevivido. Devemos os procurar.

— Que bairro você está vendo? – disse Aymee – não existe mais nada e se tem pessoas vivas ai no meio dessa floresta tropical muito maior e mais densa que qualquer outra que eu já vi? Com certeza tem. Mas não vai enxergar elas melhor do que possivelmente alguma coisa, que sei lá como surgiu, poderá enxergar você.

— Façam o que vocês acharem melhor, nós faremos o que acharmos melhor. Vamos Cláudia.

Mas a mulher estava em estado catatônico de pânico.

— Vamos amor, levante-se.

— Não vai fazer diferença – disse a mulher com o olhar perdido – estamos no fim do mundo. Somos pecadores. O melhor a fazer é sentar e esperar, pois nem rezar vai adiantar mais.

— Talvez isso demore moça – disse Felipe já irritado com toda essa conversa.

Ele se levantou e disse.

— Acho que tem razão Lara. É mais arriscado, mas a praia é a melhor opção.

— Então boa sorte para vocês – disse Paulo sentando-se e tentando acalmar a mulher.

— Provavelmente nos veremos antes do anoitecer. E desculpe qualquer coisa, mas acho que devemos ir pela praia.

Então eles se levantaram e foram em direção a praia, que estava bem próxima, a aproximadamente uns cem metros dali, buscando encontrar outras pessoas e decidir onde seria seguro ir, pois a noite iria chegar.


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