Backstage escrita por Fe Damin


Capítulo 12
Capítulo 12


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!
Mais um capítulo, espero que gostem.



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Não me dei ao trabalho nem de colocar o despertador para tocar depois que a Ginny foi embora. Desabei na cama e dormi o tempo que meu corpo achou necessário. Acordei próximo à hora do almoço, preparei uma refeição rápida e me dediquei pelas próximas três horas a adiantar o restante dos preparativos do desfile. Por ser final de semana,  eu não conseguiria contatar nenhuma das empresas que eu havia contratado, então não adiantava ficar muito tempo trabalhando pois a maioria das coisas que faltavam eram referentes a isso.

Desliguei meu computador e fui tomar um banho, já tinha mais do que passado da hora de trocar de roupa, eu estava até aquele momento usando camisola, não vi necessidade de me trocar e a preguiça ajudou na decisão. Geralmente eu era uma pessoa muito mais ativa e organizada, mesmo nos finais de semana, mas os últimos dias estavam me deixando mais leniente quanto às minhas exigências comigo mesma, certamente tinha algo a ver com a pressão toda de conseguir terminar o trabalho a tempo. A probabilidade era de que quando tudo estivesse terminado e essa fase crítica fosse esquecida, a Hermione que não admitiria usar um pijama, além das horas em que estava na cama, voltaria correndo.

Me arrumei para sair, agora que eu sabia, ou melhor não sabia, para onde íamos viajar, decidi fazer algumas comprinhas de última hora. Saí do meu quarto já pronta para partir, mas meus olhos pousaram na bagunça que permanecia na sala. Isso já era demais, eu tive a desculpa de estar muito cansada quando a minha vizinha foi embora, e depois de estar trabalhando, mas não havia mais motivos para deixar a minha sala desarrumada. Joguei o edredom e os travesseiros no sofá e puxei, aos trancos e barrancos, a mesa de centro de volta para o lugar. Foi bem mais fácil tirá-la do lugar, tendo o Ron para me ajudar. Dobrei o edredom e o levei para o quarto, voltando para buscar os travesseiros.

Cheguei ao shopping e andei um pouco sem rumo, eu não tinha certeza do que deveria comprar, como eu poderia saber que tipo de roupa escolher se tudo o que eu tinha de informação sobre o lugar que iriamos era: é surpresa? Se eu comprasse um vestido curto de alças e acabássemos indo parar em algum lugar frio, seria para nada, o mesmo valia para o contrário. Num impulso, eu saquei meu telefone na bolsa e digitei uma mensagem para o responsável pelas minhas atuais dúvidas.

“Não tem mesmo chance de você me dizer para onde vamos?”

Coloquei o telefone no bolso, decidida a continuar a olhar as vitrines, porém a resposta dele veio mais rápido do que eu esperava. Sorri imaginando que eu conseguiria arrancar alguma coisa dele, mas eu estava enganada.

“Não”

Aproveitei que ele não estava ao meu lado para ver a minha reação e me permiti fazer a cara feia que combinava exatamente com o que eu sentia.

“Mas eu estou no shopping fazendo umas compras, preciso saber o que comprar!”

Não era possível que eu não ia conseguir fazê-lo mudar de ideia.

“Desde quando você precisa de incentivo?”

“Você acabou de me chamar de compradora compulsiva ou foi impressão?”

“Não sei nem do que você está falando ;)”

Acabei rindo alto da cara de pau dele em desconversar.

“Engraçadinho”

Agora eu estava determinada a conseguir nem que fosse uma pequena informação sequer, já tinha passado de necessidade prática e mera curiosidade, para uma pequena disputa de quem ia ceder primeiro.

“Só uma dica pelo menos”

“O que eu ganho com isso?”

Nunca imaginei que o Ron pudesse ser tão difícil de dobrar, mas aparentemente quando ele estava decidido eu tinha que empregar técnicas de persuasão mais eficientes, decidi começar com algo simples:

“Me deixa feliz, que tal?”

“Hum.... e o que a Hermione feliz faria por mim? Que eu me lembre ela é bem generosa.”

Fiquei surpresa por ele lembrar dessas palavras e percebi que teria que aumentar a minha proposta.

“Estou passando na frente de uma loja que você gostou bastante no seu aniversário, se você me disser algum detalhe pode ser que eu entre e compre alguma coisa.”

“Se envolver um par de meias você tem um acordo”

Bingo! Consegui, e nem foi tão difícil assim.

“Combinado”

Ele demorou alguns minutos para responder e eu fiquei igual a uma tonta olhando para a tela do celular ansiosa pela resposta.

“A viagem envolve pegar um avião”

O que? Ele só podia estar brincando, se era aquilo que ele chamava de informação sobre a viagem, eu precisava ensiná-lo a melhorar na interpretação de texto. Meus dedos se apressaram a escrever uma resposta, mas mudei de ideia e resolvi ligar.

—Ronald Weasley, você me enganou! – reclamei assim que ele atendeu o telefone, sem nem perder tempo com cumprimentos.

—Nada disso, fiz exatamente o combinado – ele estava rindo, aparentemente não fazendo nenhum esforço para esconder o quanto estava achando aquilo engraçado - pode voltar nas suas mensagens e ler, agora trate de cumprir a sua parte do trato.

—Pois fique sonhando, não vou comprar coisa nenhuma – rebati de mau gosto.

—Isso é uma prévia da Hermione má? – eu conseguia sentir o desafio na voz dele

—Você não viu nada – vociferei, antes de desligar o telefone sem nenhuma cerimônia.

Eu não tinha realmente ficado brava com ele, mas a verdade era que eu não estava acostumada a ser contrariada e muito menos enganada. Aquilo tomou forma de um desafio na minha mente, e se tinha uma coisa que eu amava era vencer desafios. Um sorriso maldoso se formou em meus lábios quando a ideia perfeita para fazê-lo se retratar pela gracinha surgiu em minha mente. Eu tinha falado que não compraria nada, mas acabei entrando na loja mesmo assim, ali estava tudo o que eu precisava para por o meu plano em ação.

O resto do dia passou sem maiores acontecimentos, voltei para casa e me distraí terminando de reler um dos meus livros favoritos. Reorganizei a minha, agora já pequena, lista de trabalhos pendentes e verifiquei o status da geladeira para decidir o que eu comeria no almoço do dia seguinte, eu não estava nem um pouco disposta a ter que sair para me alimentar, seria um dia dedicado a recarregar as minhas energias fazendo muito nada em casa. Eu fui tomar banho, pronta para dormir, ou melhor tentar me forçar a dormir, devido à inversão do meu horário habitual de sono. Quando saí do banheiro, chequei o meu celular e vi que tinha uma mensagem do Ron:

“Você não está brava comigo, né?”

Achei graça da preocupação dele, mas não me decidi em como responder. Pousei o objeto de volta no criado mudo e fui me vestir, dando mais um tempo para ponderar o assunto. Eu não estava brava no momento, só tinha ficado um pouco irritada por ter sido contrariada, mas ele não sabia disso. Acabei tomando uma atitude mesmo que o meu cérebro gritasse que eu ia me arrepender. Abri o aplicativo de mensagens, mas a pergunta que eu enviei não foi para o ruivo que estava preocupado com o meu estado de espírito.

“O Ron foi engraçadinho e agora quer saber se eu estou brava, que resposta ele merece?”

Segundos após apertar o botão de enviar eu já estava arrependida, claro que a probabilidade do Ced estar em casa num sábado a noite era mínima, mas ele veria a mensagem mais cedo ou mais tarde e exigiria explicações. Fiquei surpresa ao receber uma resposta quase imediatamente.

“Engraçadinho como? As circunstâncias são importantes nesse caso :D”

Típico do Ced querer saber os mínimos detalhes.

“Isso é preocupação para tratar a situação com justiça ou apenas sua sede insaciável por fofocas, principalmente as da minha vida?”

“Puramente em nome da justiça”

Até lendo uma mensagem dele, eu conseguia imaginá-lo falando a última frase com a maior inocência do mundo sem nem tremer, cara de pau inveterado.

“Vamos fingir que eu acredito em você.... eu perguntei detalhes da viagem, fizemos um acordo para que ele dissesse alguma coisa e ele me enrolou”

“Ele não falou nada?”

“Só que envolve um avião!”

“Pega nas entrelinhas, Mi! Ponto para o Sr Incêndio!”

Agora ele estava com certeza rindo da minha cara, a sorte dele e que eu não o tinha ao meu alcance se não fatalmente teria levado no mínimo um tapa, mas tive que me conter com uma resposta indignada.

“Ei! Você agora é amigo dele e eu não estou sabendo? Pra que eu comecei essa conversa mesmo?”

“Segura a Hermione ciumenta aí, você sabe que você mora no meu s2”

“Fique sabendo que eu acabei de revirar os olhos. Você não me ajudou em nada”

“Ok, Ok. Ced modo conselheiro ativo: você está ou não brava?”

“Na realidade não”

“Mas já percebi que vai ter volta”

“Claro”

Um sorriso malicioso tomou conta dos meus lábios, ao lembrar o que eu tinha planejado para ele.

“Adoro! Não vou perder meu tempo perguntando o que, porque quero ver sua cara me contando”

“Prossiga na sua linha de pensamento”

Se eu deixasse ele sairia do foco e passaríamos mil anos falando de outra coisa.

“Deixa ele esperando pela resposta, você já fez isso?”

“Não responder?”

“É”

“Não”

Eu sempre respondi as mensagens dele assim que pude, da mesma forma que ele em relação às minhas.

“Então ele vai estranhar com certeza, e aposto que vai mandar outra mensagem, e aí você pode responder, diz que agora não está mais brava porque ele vai entender que você ficou, daí pode usar sua licença poética e me contar tudo na segunda feira, claro”

“E você é vidente para saber o que ele vai dizer?”

“Não, só muito bom em ler pessoas ;) já devia estar acostumada”

O plano dele parecia sensato, mas dependia de fatores externos, mesmo assim eu gostei da ideia de deixa-lo esperando um pouco, começava a fazê-lo entender como não era legal querer informações não disponíveis. Eu ia responder quando chegou a notificação de que o Ron havia mandado outra mensagem, o Ced estava certo.

“Chegou outra mensagem”

“Não falei? Vai lá torturar o Sr Incêndio, exijo os detalhes como pagamento pela consultoria”

“Abusado! Tchau”

Fechei a conversa com o Ced e abri a do Ron, não dava para negar a pontinha de ansiedade em continuar esse joguinho.

“Falta de resposta quer dizer que ainda está brava?”

Mensagens eram complicadas, pois a nossa mente tende a colocar a entonação que queremos, e no momento a minha estava fazendo o Ron soar aflito o que foi inteiramente de acordo com o que eu queria. Acabei decidindo esperar mais um pouco para responder a segunda mensagem dele, mas ele aparentemente não queria mais esperar. Li a próxima mensagem com um sorriso convencido no rosto.

“Responde, vai”

Dessa vez a voz dele soou manhosa aos meus ouvidos, já tinha feito com que ele esperasse o suficiente.

“Agora não estou brava”

Simples e direta, e ele interpretou assim como o Ced falou.

Mas ficou?

Hora de usar a minha tal licença poética, eu não ia mentir, respondi exatamente como ocorreu.

“Ligeiramente irritada”

“Desculpa”

Meu coração se aperou ao imaginar a imagem dele me olhando com aqueles olhos azuis imensos cheios de culpa, repreendi mentalmente o meu coração idiota e refiz a pergunta para qual eu ainda esperava resposta, talvez agora ele se rendesse;

“Isso quer dizer que vai me contar o que eu quero saber?”

“Não”

—Filho da mãe teimoso! – esbravejei em voz alta, mas eu estava mais rindo do que outra coisa, aparentemente esse jogo ainda não tinha acabado.

“Então meu plano de castigo ainda está em operação”

“Castigo? Pobre de mim, vou ser castigado como?”

“Isso você também não precisa saber, use sua imaginação por enquanto, boa noite”

Larguei o celular sem nenhuma intenção de responder qualquer outra mensagem dele que aparecesse. Eu estava me sentindo muito satisfeita no momento, que ele ficasse o mais curioso possível, pensei maliciosa. Descobri que eu gostava dessa dinâmica de provocação, e ele que não perdia por esperar. Estiquei o edredom que tinha ficado dobrado em cima da minha cama, apaguei a luz e me deitei, afundando a cabeça no travesseiro. Algo parecia diferente, levei a mão ao travesseiro que estava ao meu lado trazendo-o para perto de mim. Não levei mais de alguns segundos para reconhecer o cheiro que estava impregnado no tecido, eu tinha aquele perfume marcado na memória há cinco anos.

Mesmo no escuro, fiquei olhando para aquele objeto como se nunca o tivesse visto na vida, o Ron já esteve na minha cama mais vezes do que eu podia me lembrar, mas nunca passou tempo o suficiente para que eu ficasse com qualquer tipo de vestígio da sua presença. Eu podia muito bem tirar a fronha e colocar outra no dia seguinte para que o cheiro do meu amaciante voltasse a ser o que eu sentiria quando chegasse perto desse travesseiro, mas não consegui me forçar a isso. De alguma forma o cheiro do perfume dele só aumentou a sensação de existia algo faltando, ter aquele aroma ali sem a presença do dono parecia errado e de repente até mesmo a minha cama pareceu grande demais.

Joguei o travesseiro de volta ao lugar e me virei de costas para o outro lado, eu tinha que dormir, não ficar pensando em detalhes bobos referentes a fronhas. Senti os minutos passando sem que o sono me levasse para longe, acabei não conseguindo me manter na mesma posição e me virei deitando de costas. Aquela não era uma posição em que eu conseguia dormir confortável na maior parte das noites, então quando percebi já estava virada de novo na direção do objeto que ainda não tinha desocupado os meus pensamentos, embora não fossem bem vindos. Minhas mãos, pequenas traidoras que eram, trabalharam quase que involuntariamente trazendo o travesseiro para perto de mim. Fechei os olhos quase que como um sinal interno de derrota, eu estava sozinha na minha casa, fechada em um quarto escuro, ninguém para me observar, quem além de mim poderia julgar minhas ações? O travesseiro foi agarrado se acomodando entre os meus braços e as minhas pernas. O mundo era irônico ao ponto de eu ter caído no sono poucos minutos depois de afundar meu nariz no perfume dele.

Na segunda feira eu acordei na minha atual posição preferida para dormir, que envolvia o travesseiro que o Ron usou e falta de bom senso, mas nem tudo tinha como se explicado e eu não estava sequer tentando. O aroma já tinha começado a esvair, e em breve não restaria nada, fato com o qual o meu subconsciente não se deu trabalho de se preocupar, pois em alguns dias eu estaria viajando para passar cinco dias com o dono do perfume. Arrumei a cama assim que levantei e não levei mais do que meia hora para sair de casa em direção ao meu escritório.

Tudo estava silencioso como de costume àquela hora da manhã, entrei na minha sala e comecei a trabalhar, nem me importei com o e-mail da minha chefe marcando uma reunião para o dia seguinte, faltavam apenas dois dias de trabalho para eu sair de férias e nada estragaria o meu bom humor. Tive que checar algumas coisas com o pessoal de outros departamentos e me ausentei da minha sala, quando voltei meu assistente já se encontrava sentado na mesa dele, devidamente trabalhando

—Bom dia, Ced! – cumprimentei animada

—Cheguei mais cedo hoje? – ele parecia assustado, o mundo dele não faria mais sentido se ele passasse a chegar antes de mim no serviço, aliás nem o meu.

—Claro que não – eu o tranquilizei - eu só estava resolvendo algumas coisas fora da minha sala, o que inclui pegar os meus sapatos de volta – levantei a sacola que eu trazia na mão direita, indicando que ali estavam os meus sapatos que sofreram um acidente na sexta feira.

—Ficaram perfeitos? – ele parecia realmente ansioso por saber a resposta, era a cara do Ced sofrer pelo que ele consideraria a “morte de uma obra de arte”.

—Sim, o Raul fez um milagre!

—Amém para os produtos modernos de limpeza – ele levantou as mãos num gesto teatral que me fez rir.

—Pensei que não teria jeito – confessei.

—Mas o bom é que teve – ele desconversou para mudar logo para o assunto que ele queria - agora vamos ali pra sua sala falar do que importa – ele colocou a mão nos meus ombros me empurrando até a porta.

—E o que importa, oh amigo curioso? – perguntei ao entrar na sala, mesmo já sabendo a resposta.

—Como foi a resposta do Ron? Você podia me deixar ver as mensagens – ele se utilizou da melhor cara de cachorrinho pidão.

—Ok, não acredito que estou fazendo isso – selecionei a conversa no meu celular e entreguei a ele - mas não tem nada de mais.

Ele apenas sorriu se sentando em uma das cadeiras que ficava em frente a minha mesa e fazendo um gesto para que eu me sentasse na que estava ao lado, ao invés de ir para o meu lugar habitual do outro lado do móvel. Acabei concordando e me acomodando ao seu lado, se já tinha até dado o meu celular na mão dele, que mal faria ficar ali?

—Que malvadinha, Mi deixou ele esperando mais ainda, adorei! Principalmente da resposta dele – ele aprovou tudo com um sorriso maldoso.

—Não vou dizer que não gostei – dei de ombros fazendo pouco da declaração, mas ele me olhou de modo que deixava claro que ele não acreditava no descaso.

—Agora me conte tudo sobre esse tal castigo – ele apoiou o rosto na mão que estava pousada no braço da cadeira.

—Ced, você é um amigo maravilhoso – elogie, colocando minha mão no ombro dele - mas precisa aceitar o fato de que não vou divulgar todos os detalhes da minha vida para você

—Ah, sua safadinha tem indecência nesse castigo! – ele apontou o dedo indicador em minha direção.

—O que? – senti minhas bochechas pegando fofo e tentei desconversar, claro que não consegui.

—Pra você não querer contar.... e a sua cara da cor de um tomate também ajudou.

—Eu juro que às vezes queria te jogar da janela – declarei balançando a cabeça.

—Causo muito esse efeito nas pessoas, mas me conta vaaaaai – ele não se importava nem um pouco em ser inconveniente, na verdade eu tinha impressão de que era o que ele mais gostava de fazer.

—Só vou te dizer que eu vou dar a ele um gosto do que ele fez comigo – completei a frase com um sorriso malicioso que o meu amigo não demorou em aprovar.

—Hum... gostei de onde sua mente foi parar.

—Não quero nem saber dos caminhos que a sua está seguindo, por favor me poupe – balancei as mãos rindo.

—Rá, rá – ele não ficou contrariado por muito tempo, logo mudou de posição, se inclinando para perto de mim e continuando com as perguntas – mas me conta, o que foi essa história toda afinal?

—Ele não me disse para onde estamos indo – expliquei torcendo o nariz.

—Nada, nadinha?

—Zero informação.

—Como você vai fazer a mala assim? – ele levou a mão ao queixo pensativo.

—Exato! – pelo menos o Ced entendia a minha necessidade de saber o que levar – eu demorei muito para me lembrar de perguntar aonde íamos, e agora acho que não dá mais tempo de conseguir arrancar alguma coisa dele, nem quando ele estava morrendo de sono eu consegui...

—Morrendo de sono? Pera ai, ele dormiu na sua casa? – agora os olhos dele brilhavam de curiosidade, quem mandou eu deixar escapar informações demais?

—Não! – do que exatamente eu estava me defendendo?

—Estou confuso, explique – ele exigiu sem a menor cerimônia.

—Ele ficou até tarde, só isso. A Ginny me ligou pedindo para conversar quando saísse do trabalho as seis da manhã e ele ficou me fazendo companhia – expliquei num tom neutro.

—Isso que é amiga, seis da manhã? – eu ri da cara de horrorizado dele, me perguntando se ele se lembrava de como era acordar num horário assim.

—Não me custou nada.

—Pelo jeito não mesmo, mas o que eu quero saber é: você que o chamou?

—Foi, quem mais eu chamaria?

—Hora quem mais, não é mesmo? – ele zombou.

—Ele me fez a mesma pergunta – confessei, subitamente querendo saber a opinião dele sobre isso - se eu tinha ligado primeiro pra ele.

O Ced inclinou a cabeça para trás e se divertiu com um gargalhada escandalosa.

—Vocês são uma novela, sabia? – ele passou as mãos debaixo dos olhos para secar as lágrimas que apareceram em decorrência da piada muito engraçada que aparentemente eu tinha contado - Pior que eu sou a vovozinha que já está totalmente viciada na trama, não consigo parar de assistir, cada capítulo me deixa mais certo de que a parte boa está chegando.

—Ced, engole essas besteiras pelo amor de Deus – apertei os braços da poltrona e me impulsionei para cima, eu precisava colocar mais distancia entre mim e o meu amigo, se não aquele encontro corria o risco de acabar em violência.

Ele só ficou me olhando, sorrindo com cara de quem sabia mais das coisas.

—A sua sorte é que eu estou muito bem humorada hoje, vou deixar passar deus disparates, mas já chega – ameacei apertando os olhos e apontando o indicador na direção dele.

—Sei bem a razão desse bom humor todo, começa com senhor e termina com incêndio!

—Não tenho mais direito de estar animada com a minha viagem de férias, por acaso? – rebati na defensiva, o Ced tinha a capacidade enervante de jogar todas as minhas declarações de volta para mim e me fazer sentir que de alguma forma eram acusações.

—Claro que tem, não me entenda mal... eu só estou doidinho pra ver chegar o dia em que você vai dar o nome certo a essa felicidade e a causa dela – ele juntou as mãos como em prece – mas eu tenho fé que essa viagem vai me ajudar.

—Te ajudar?

—Obvio! Porque sou eu que tenho que me conter pra não te chacoalhar até ajeitar as ideias, mulher! Mas eu me contenho, sou elegante demais para esse tipo de coisa – revirei os olhos e nem me dignei a responder.

Ele não teria problema nenhum em me chacoalhar se quisesse, só estava sendo dramático, e claro, convencido, a melhor tática era ignorar.

—Volta logo pra sua mesa, pois essa viagem só sai se o trabalho estiver todo pronto, do contrário toda a sua fé terá sido em vão.

—Já vou – ele levantou, mas percebi que ainda queria perguntar alguma coisa.

—O que é, Ced?

—Você já fez a mala?

—Ainda não, farei provavelmente hoje, amanhã fica meio em cima porque o voo sai de manhã – os olhos dele se iluminaram e eu entendi exatamente o que ele tinha em mente.

—Quer uma mãozinha? Sou ótimo em arrumar malas – ele estava quase dando pulinhos de ansiedade.

—Se eu disser que não você vai aparecer do mesmo jeito, não vai? – eu nem me dei ao trabalho de pensar que o impediria, e a ajuda até que viria a calhar.

—Amo como você me conhece tão bem, Mi.

—Tudo bem, então a gente vai jantar em algum lugar e depois cuidamos das malas, que tal? Porque a minha geladeira já está vazia e eu não quero ter bagunça para arrumar.

—De acordo!

Depois de acalmar o meu assistente, assegurando-o de que ele poderia se incluir no meu processo de arrumação de mala, o resto do dia se seguiu sem outros incidentes. Basicamente tudo estava pronto, no dia seguinte eu iria apenas me certificar de que todos sabiam exatamente o que fazer pelos próximos dias a atender à reunião com a Dolores que provavelmente só queria ter certeza de que tudo estava pronto.

Eu e o Ced saímos do escritório as seis e meia e fomos jantar num restaurante italiano que ele indicou. Não nos demoramos muito assim que a comida chegou, meu amigo estava tão empolgado com a perspectiva de passar algum tempo dando palpites nas minhas decisões que comeu o mais rápido possível. Chegamos ao meu apartamento e eu o deixei na sala enquanto tomava um banho e colocava uma roupa mais confortável para executar a tarefa a frente.

—Estou pronta, vamos começar? – chamei-o assim que saí do banheiro.

Ele entrou no meu quarto e eu abri as postas do meu armário para que pudéssemos iniciar a seleção das roupas.

—Ai meu Deus, como eu nunca tive a ideia de vir mexer no seu guarda roupas antes? Isso aqui é um pedaço do paraíso! – ele se aproximou e começou a mexer nos cabides - E separado por cores ainda por cima.

—Feliz que tenha gostado, depois dessa aprovação posso ser uma pessoa inteiramente feliz – zombei e ele me mostrou a língua em resposta.

—Cadê a mala? – era uma inquisição válida, fui até o canto do quarto e peguei a que eu tinha separado para a ocasião.

—Acho que vou levar essa aqui – era uma mala pequena de rodinhas.

—Só isso?

—São cinco dias, Ced, não cinco semanas – ele pareceu não se convencer mesmo assim.

—Mas tem que ter roupa de calor – ele enumerou as vários itens levantando os dedos na contagem - frio, casual, elegante, de praia, de festa, você não sabe onde vai!

—Vamos separar as coisas e depois vemos, Ok? – aquilo ia ser engraçado, se eu não controlasse o meu amigo, terminaria levando uma mala de cinquenta quilos.

—Certo.

Comecei a selecionar algumas peças, mostrando para ele que dava palpites até eu decidir se levava ou não.

—Ah! Achei a parte mais legal! – eu não precisava nem virar na direção dele para saber que ele tinha achado as minhas gavetas de lingerie, balancei a cabeça e continuei a escolher minhas roupas.

—Quer fazer o favor de me ajudar aqui?

—Estou te ajudando, mas em outra sessão – finalmente eu decidi prestar atenção ao que ele estava fazendo e vi que ele já tinha separado uma pilha de calcinhas e sutiãs que agora estavam amontoadas na cama.

—Ei, eu não posso ficar vestida o tempo todo apenas com lingerie! E parece que a sua definição de mala vai me deixar só com essa opção.

—Não pode? – o olhar malicioso dele me fez morder o lábio para conter o riso.

—Não! Trate de me ajudar a escolher direito, se não te mando embora.

—Ah, Mi mas esses são tão lindos – ele lançou um olhar comprido para as peças sobre a minha cama.

—Depois eu escolho alguns, numa quantidade aceitável – adicionei, ele pareceu se contentar e voltamos a nos concentrar nas roupas do armário.

—Já tem roupas de calor o suficiente, e se o lugar for frio? Essas sempre ocupam mais espaço – ele parou com a mão sobre o queixo avaliando a situação.

—Vou ter que levar um casaco mais pesado que combine com tudo e variar nas peças – conclui.

—Ai que tristeza essa falta de opção – eu tinha de admitir que concordava com ele, mas não teria como evitar – mas sendo as roupas certas nem vai dar pra notar que o casaco é sempre o mesmo.

Ficamos mais alguns minutos decidindo as roupas de frio. Ele me fez adicionar dois biquínis caso o destino fosse praia e um vestido bem elegante para se eu tivesse que ir a algum lugar sofisticado, de acordo com ele. Pelo tanto que eu conhecia o Ron, isso não aconteceria, mas era melhor prevenir do que remediar.

—Pronto, já está tudo separado, inclusive os sapatos! – ele parecia muito orgulhoso de si, quem visse até pensaria que ele tinha realizado algum feito inédito.

—Não se apresse a ficar feliz, isso tem que entrar na mala – meus olhos calcularam o montante de coisas na minha cama e o tamanho da mala que eu tinha separado e cheguei a conclusão inevitável de que não caberia.

—Você por acaso tem uma mala maior? – ele perguntou com cautela.

—Já estava indo buscar.

Em menos de cinco minutos, a minha mala maior estava aberta sobre a minha cama e nós iniciamos o trabalho minuciosos de fazer com que tudo coubesse naquele espaço limitado. A sorte é que o Ced era realmente bom na arte de otimizar a disponibilidade de uma mala e por isso, tudo foi ajeitado perfeitamente.

—Terminado! - o Ced comemorou batendo palmas.

—Olha, pensei que não fosse dar.

—Claro que ia, você tem um expert te ajudando - ri da cara de convencido dele - acho que seu celular está tocando, deixa que eu fecho.

Ele estava certo,  os sons da música que eu usava como toque podiam ser escutadas baixinho. Deixei o Ced se virando para fechar a mala e fui até a comoda onde eu tinha largado o celular.

—Oi, Ron - atendi com um sorriso.

—Oi - ele não continuou a conversa, o que me pareceu muito estanho quando se liga para alguém.

—O que foi?

—Ah sim, eu preciso confirmar os seus dados pra fazer nosso check-in - explicou quase num fôlego só, o que quase me fez rir, ele não estava agindo normal, mas relevei.

—Claro, anota aí - recitei os números dos meus documentos que eu sabia de cor enquanto ele os escrevia num pedaço de papel, fato denunciado pelo arranhar do lápis que eu conseguia escutar.

—Só isso?

—Sim - ele respondeu.

O Ced escolheu esse momento para achar qeu era o super homem e tirar a mala da minha cama, claro que acabou fazendo-a pousar de um jeito nada elegante no chão juntamente com um belo barulho.

—Que barulho foi esse? Caiu alguma coisa? - o Ron perguntou preocupado.

—Não, foi só o Ced sendo atrapalhado - olhei em direção ao meu amigo que levantou os braços pedindo desculpa.

—Ele está ai? - consegui perceber o tom desconfiado da pergunta.

—Sim - respondi sem pena de provocar - precisei de ajuda para fazer a mala já que você não me deu nenhuma dica.

—Você podia ter me falado, eu te ajudaria - ele falou, claramente contrariado.

—Ah é? E você ia me ajudar como? Que eu saiba você não entende muito de roupas e se você queria ajudar, podia ter me dito onde vamos – terminei minha declaração carregando bem o ironia.

—Não precisa ser tão simpática – ele resmungou – eu ia até te falar se o lugar era quente ou frio, mas agora a mala já está pronta....

Aquilo era mais uma enganação.

—Mentiroso, não ia dizer nada – acusei.

—Não mesmo – agora ele que estava me provocando – qual é a graça de uma surpresa se você sabe o que é?

—E se eu for uma daquelas pessoas que detesta surpresas?

—Você é?

—Não – admiti.

—Então está tudo certo – ele riu – mais tarde te mando o horário do voo.

—E o cartão de embarque? – não custava tentar mais um pouco.

—Boa tentativa – eu suspirei, finalmente admitindo a derrota – boa noite, Mione.

—Boa noite – recoloquei o celular onde ele estava antes e fui me juntar ao meu amigo que estava muito confortavelmente esparramado na minha cama – tá confortável ai? – levantei as sobrancelhas.

—Demais, pode deitar aqui do lado, sinta-se em casa – ele bateu com a mão no colchão ao lado dele.

—Você está do meu lado da cama, até usando o meu travesseiro, seu folgado! – eu reclamei, mas me juntei a ele.

—Esse lado ai é de quem então? – com o Ced era assim, ou se prestava atenção em cada palavra, ou a probabilidade de acabar ouvindo uma pergunta ou comentário desconcertante era alto.

—Meu também, claro! Só estou dizendo que esse é o lado que eu durmo mais – tentei não deixar transparecer nada pela minha voz, mas eu sabia que ele já tinha apelidado aquele lado de “lado do Ron” na mente dele.

—Claro – ele teve pelo menos a decência de sorrir discretamente.

Ficamos alguns minutos deitados, apenas olhando para o teto num silêncio confortável.

—O que o Ron queria? – nem me admirei por ele saber quem tinha ligado.

—Só os meus documentos para fazer o check-in

—Hum... que resposta sem graça – ele reclamou.

—Não estou aqui para o seu constante divertimento, meu caro – zombei dando tapinhas no ombro dele.

—Bom, como tudo está arrumado e eu já até descansei “no seu lado da cama” eu vou indo – ele se levantou e eu o acompanhei até a porta.

—Tchau, Ced obrigada pela ajuda – eu dei um beijo na bochecha dele em despedida.

—Boa noite, chefinha até amanhã.

Ainda era um pouco cedo para dormir, mas eu decidi deitar mesmo assim, eu queria que o dia seguinte chegasse logo e passasse mais depressa ainda.

No dia seguinte eu reuni toda a minha equipe antes da reunião que eu teria com a Dolores e repassei todos os itens importantes, me certificando de que tudo estava pronto. Dispensei todos e segui para a sala da minha chefe.

—Sente-se, Granger temos muito a discutir – delicada como sempre, nem um olá para começar a conversa.

Ela começou a enumerar alguns tópicos que ainda a preocupavam em relação à organização do desfile e em cada um eu a assegurei de que tudo estava devidamente arranjado. Aparentemente ia ser uma reunião apenas para repasse das informações, nada para me preocupar, até que ela despeja uma bela surpresa sobre mim:

—Vejo que as coisas até que estão caminhando bem, ótimo, é isso que eu quero que você repita na reunião de amanhã.

—Amanhã? – minha voz saiu perigosamente perto de um grito.

—Sim.

—Eu não estarei aqui amanhã, aliás nem nos próximos dias, tirei o restante das minhas férias e vou viajar, a senhora se lembra? – tentei me acalmar e soar o mais gentil possível, aquilo podia ser apenas um mal entendido.

—Viajar? Nessa altura dos acontecimentos? Isso está fora de questão – ela bateu a mão na mesa finalizando o tópico, mas eu não ia ficar calada.

—Fora de questão? Eu marquei essa folga com bastante antecedência e a senhora concordou, não vou mudar meus planos agora! – dessa vez eu estava realmente exaltada.

—Devo lembrá-la, senhorita, que o seu dever é para com esta empresa e o seu trabalho é organizar o evento mais importante do ano? – a condescendência na voz dela só inflamou mais a minha raiva.

—Não preciso ser lembrada de nada disso, pois meu trabalho está todo concluído, assim como eu falei que estaria, se não acredita pode checar  – eu levantei, não ia ficar mais muito tempo por ali – parece que é a senhora que precisa melhorar a memória.

—Volte aqui, aonde pensa que vai?

—Arrumar as minhas coisas para ir embora! – nem eu me reconhecia, em condições normais eu jamais falaria assim com um superior, mas aquela atitude me tirou do sério – tenho um avião para pegar amanhã, vejo a senhora na segunda feira.

Marchei para fora da sala dela sem me importar se ela estava de acordo ou não com a minha partida. Eu tinha cumprido todos os meus afazeres e não me sentiria culpada por tirar a folga que já tinha sido combinada, se ela tivesse alguma coisa para me dizer, que fizesse isso na semana que vem.

—Você está com a cara “saí de uma reunião infernal com a esposa do diabo” – o Ced levantou correndo da mesa dele para me seguir até a minha sala.

—Essa mulher.... – bufei, sem ter como traduzir em palavras o que eu sentia.

—É eu entendo, o que foi dessa vez?

—Você acredita que ela teve a cara de pau de querer me impedir de tirar folga?

—Mas é uma diaba mesmo! E o que você fez? Não me diz que todo aquele trabalho de arrumação de ontem foi pra nada? – ele me olhou deprimido.

—Claro que não! Eu falei pra ela que ia e pronto, já estou esperando há tempo demais essa viagem pra cancelar agora.

—Ufa! Assim eu não perco a minha folga também – eu peguei as minhas coisas e o Ced me olhou curioso – onde você está indo?

—Embora.

—Mas são 16:30! – retrucou espantado.

—E daí? Não tenho mais o que fazer aqui hoje, minhas férias começam agora.

—Ai meu Deus, o mundo vai acabar! – ele passou as mãos pelo rosto fingindo desespero, mas claro que rapidamente ele transformou isso numa vantagem – posso ir também? Tenho que aproveitar meus últimos minutos de vida...

—Pode – nem titubeei para responder, o que pareceu confundir ainda mais o meu assistente.

—Posso? Jesus, o caso é sério, agora que eu vou mesmo. – acabei me juntando a ele na gargalhada.

—Tchau, Ced aproveita a folga, sabe-se lá quando é a próxima – dei um abraço e um beijo na bochecha dele.

—E você aproveita bem o seu Incêndio – ele completou com um sorriso malicioso.

—Com toda certeza! – minha resposta o fez aumentar ainda mais o sorriso.

Cheguei em casa antes das cinco da tarde, aquele era sem dúvidas um recorde. A bem da verdade, aquele dia havia sido um grande conjunto de recordes para mim, pois eu nunca tinha enfrentado minha chefe daquela forma. Eu estava me sentindo muito bem com as minhas atitudes, quem diria que um pouco de insubordinação fizesse tão bem? Subitamente eu senti uma vontade louca de pegar o telefone e contar tudo para o Ron, eu sabia que ele iria rir junto comigo e chamar a Dolores de vaca, mas acabei mudando de ideia. No dia seguinte eu podia contar ao vivo. Chegar tão cedo em casa me deixou com muito tempo livre, coloquei as ultimas coisas que faltavam na mala e me esforcei ao máximo para que o tempo passasse o mais rápido possível. Eu tinha acabado de me deitar quando chegou uma mensagem do Ron.

“Voo as 9:45, nos encontramos no aeroporto as 8?”

“Combinado”

Acordei antes da seis no dia seguinte, talvez tivesse algo a ver com a ansiedade de viajar. Tomei um café da manhã demorado e passei mais tempo ainda no banho, apenas táticas para que o relógio andasse mais depressa. O aeroporto não ficava muito perto da minha casa, então com um bom tempo de antecedência eu chamei o taxi que me levaria até lá. Não foi difícil achar o Ron, aqueles cabelos chamativos se destacavam em qualquer ambiente.

—Bom dia – ele me abraçou e me cumprimentou com um beijo animado.

—Bom dia – os olhos dele desceram até a minha mala e eu vi um sorrisinho se formando no canto da boca dele – nem ouse fazer comentário sobre a mala! – adverti.

—Eu não ia falar nada – ele se defendeu.

—Sua especialidade ultimamente – torci o nariz e ele me puxou para me dar mais um beijo, tentando dissipar minha insatisfação, e não me orgulho em dizer quer ele conseguiu pois acabei rindo da cara extremamente fingida de inocente que ele exibiu.

—Me dá seu documento que eu vou despachar as bagagens – fiz como ele pediu e coloquei minha mala junto da dele no carrinho que ele tinha consigo.

—Não vai me deixar ir junto? – ele balançou a cabeça em negativa – você sabe que não vai conseguir me levar até o destino dessa viagem sem que eu saiba onde é, não é?

—Infelizmente, mas só porque eu não controlo as empresas de avião – ele resmungou – mas eu posso adiar o máximo, isso está muito engraçado.

—Ah que ótimo, pelo menos alguém está se divertindo – reclamei, mas ele já estava longe indo em direção à fila de despache.

Fiquei sentada esperando a volta dele, quando ele se aproximou, a cara dele não era das melhores.

—Nosso voo está atrasado, pelo jeito vamos ficar umas boas horas aqui – ele se jogou no lugar vago a minha direita.

—Maravilha, vamos conhecer o aeroporto inteiro – brinquei, tentando atenuar o mal humor dele.

Não tinha jeito, quando essas coisas aconteciam, tudo o que restava era esperar, e foi o que fizemos por quase cinco horas.

—Se eu tiver que passar mais uma vez na frente de qualquer uma dessas lojas eu juro que vou ter um treco! – ele passou as mãos pelos cabelos, claramente contrariado.

—Por que não vamos pra sala de embarque, de acordo com o painel a decolagem já está confirmada – ele assentiu e nos dirigimos ao portão.

—Vamos para o frio então! – declarei triunfante ao olhar o nome da cidade escrito no monitor logo acima do portão de embarque.

—Sim, feliz agora?

—Ainda bem que eu coloquei casacos na mala.

—Com uma mala daquele tamanho, caberia uma loja toda – dei um tapa no ombro dele – ai!

—Eu disse pra não falar da minha mala – apontei o indicador no nariz dele.

—Ok, não falo mais.

—Você queria me ver virar picolé?

—Claro que não, eu não ia te deixar congelar – ele passou o braço pelos meus ombros me trazendo para perto, um sorriso maldoso nos lábios.

—Bobo – chacoalhei a cabeça, rindo da infantilidade daquela atitude

Nosso voo finalmente foi chamado, fomos para fila, o Ron tentando conter a cara de comemoração, mas eu não podia negar que também já tinha perdido a paciência de esperar por tanto tempo. Nos acomodamos em nossos assentos, ele me deu a opção de escolher e eu preferi ficar na janela. Demos sorte de não viajar ninguém mais na nossa fileira e pudemos nos esparramar melhor. O piloto avisou que levantaríamos voo e eu notei que o Ron ficou calado e muito sério, voltando a falar apenas quando já estávamos em modo de cruzeiro. Podia até ser impressão minha, mas ele me pareceu nervoso.

—Ah! Nem te contei a última da minha chefe – comecei a detalhar meu último encontro com a Dolores e o meu objetivo de distraí-lo foi alcançado.

—Será que ela não se cansa de ser uma vaca? – eu respondi dizendo que a chance era bem pequena – Mas ainda bem que você veio mesmo assim.

Ele passou a mão pelo meu queixo e me deu um selinho, o avião escolheu aquele momento para chacoalhar sem piedade.

—Merda! – o Ron se endireitou na cadeira, as mãos dele se agarraram aos braços da poltrona, eu vi que as juntas dele estavam brancas da força que ele fazia.

O aviso de atar cintos foi acionado, confirmando que estávamos numa zona de turbulência.

—Maravilha – ele resmungou baixinho.

—Você tem medo de avião, Ron? – era bem claro, mas eu queria ter certeza, aquilo era um assunto que nunca tinha surgido entre nós.

—Não – ele respondeu ainda petrificado na mesma posição, enquanto o avião chacoalhava mais uma vez.

—Não? Medo de altura então?

—Não.

—Você não está me parecendo muito confortável – declarei, aquilo era uma daquelas atitudes tão típicas dos homens de não confessar medos?

—Meu medo é de cair – ele explicou eu acabei rindo, por mais que soubesse que não era de bom tom zombar do medo alheio.

—O avião não vai cair, Ron, na verdade é o meio de transporte mais...

—Seguro do mundo! – ele me cortou – não me venha com estatísticas agora, Mione.

Fomos atingidos por uma turbulência especialmente forte, que fez até o meu estômago flutuar um pouco. Ele soltou mais um palavrão e agarrou a minha mão que estava pousada no meu colo. Achei graça da ação dele, eu ia fazer uma brincadeira, provocando-o de como ele estava agindo como uma criança assustada, mas acabei desistindo. A sensação da mão dele, tão desesperadamente grudada na minha, era agradável. Por sorte, alguns minutos depois, a turbulência sessou e o Ron pode voltar a respirar normalmente.

—Está melhor? – eu quis saber.

—Sim – acabei bocejando, eu tinha acordado muito cedo e o sono estava me alcançando – você está com sono, né?

Assenti com a cabeça, ele levantou o braço da poltrona que nos separava.

—Vem cá – ele se ajeitou de forma que eu pudesse me encostar nele e apoiar a cabeça em seu ombro.

Eu devia ter recusado o convite e feito companhia a ele, ainda mais depois de descobrir que ele não se sentia confortável em aviões, porém eu estava realmente quase dormindo. Me aninhei nos braços dele e quando dei por mim já estávamos pousando.

—O resto do voo foi tranquilo? – indaguei, e ele respondeu afirmativamente.

Desembarcamos, pegamos nossas malas e fomos para a saída do aeroporto à procura de um taxi para nos levar ao hotel. A cidade era daquelas tradicionalmente turísticas, tudo arrumadinho e organizado. Mesmo com a neblina típica do fim de tarde, dava para ver que tudo ali era muito bonito. Chegamos ao nosso destino, que eu descobri ser um hotel em forma de vários chalés. A entrada era toda desenhada em modelo tradicional europeu, e eu fiquei feliz de ver que tudo era decorado com muito bom gosto. Ele me deu a mão para me ajudar a sair do táxi. Pegamos nossas malas e entramos. Por algum motivo, eu senti meu coração acelerando, e eu só conseguia pensar: estamos aqui, e agora?


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Notas finais do capítulo

Ajudar a Mione a responder o Sr. Incêncio era tudo o que o Ced queria para enchê-la de perguntas e ajudar a arrumar a mala foi quase uma realização do sonho dele! ahahaha
Mas vale se for para deixar o Ron com esse ciuminho, né? ;)
Eles estão sozinhos pela primeira vez para passar mais do que só algumas horas juntos: e agora???
Me façam feliz, comentem e digam o que acharam.
Beijos e até o próximo.