Backstage escrita por Fe Damin


Capítulo 11
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!
Paulinha aqui de novo, porque a Fe estava ocupada... Mais um capítulo lindinho dessa história maravilhosa. Espero que gostem tanto quanto eu gostei!



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Sem sombra de dúvidas, essas noites bem pouco dormidas precisavam parar de acontecer, pelo menos até eu conseguir finalizar tudo para o desfile. Acabei saindo extremamente tarde da casa do Ron, e até eu conseguir pregar os olhos já era praticamente hora de levantar. O peso das minhas pálpebras e a sombra que se instalou debaixo dos meus olhos me acusavam de ter sido irresponsável e exigiam que não repetisse a dose. Era fácil eu pensar que manteria horários decentes de sono pelos próximos dias, mas quando eu tinha os braços do Ron enrolados em mim e os lábios dele grudados ao meu ouvido me pedindo pra ficar, a história era outra. Muito mais determinação era necessária, e no meu atual estado de espírito eu estava com as reservas bem baixas.

Sentei na minha cadeira amaldiçoando mais uma vez a falta de horas em um dia, apoiei a cabeça nas minhas mãos, fechando os olhos enquanto o computador ligava. Assim que eu checasse meus e-mails eu sairia correndo para buscar o maior copo disponível de café, pois sem uma ajudinha a minha manhã demoraria a começar de fato. Eu já estava no terceiro copo quando o Ced resolveu dar o ar da sua graça.

—Bom dia, chefinha! – eu geralmente era uma pessoa bem humorada, mas a falta de horas de sono tornou a animação dele um tanto quanto irritante naquela manhã.

—Você pode fazer o favor de não gritar? – olhei feio pra ele por cima da tela do meu computador e vi que ele se surpreendeu com a minha reação.

—Nossa, eu esperava alguém muito mais radiante nessa cadeira hoje, será que entrei no escritório errado? – ele deu uma volta em torno de si, como se procurasse alguma coisa – não, tudo em ordem, a rabugenta é a minha chefinha mesmo.

—Desculpa, Ced só estou com um pouco de dor de cabeça, não dormi bem essa noite – me arrependi de ter respondido torto para o meu amigo, eu nem estava brava, era apenas o cansaço.

—Ah, não dormiu bem ou não teve tempo de dormir? Porque no meu dicionário, essas opções têm razões bem diferentes de ser – ele levantou as sobrancelhas esperando que eu dissesse alguma coisa.

—Você já sabe a resposta, para que pergunta? – revirei os olhos e ele abriu um sorriso malandro ao vir se sentar a minha frente.

—Vejo que o Sr Incêndio não decepcionou ontem, mas essa cara de acabada não está combinando, Mi. Vou ter que fazer um pingente igual a sua placa ali? – ele apontou para o sinal que ele próprio havia pendurado na minha sala – Incêndios proibidos até chegar as férias!

—Você está pedindo uma resposta atravessada, não é?

—Ai como eu adoro quando você está tão bem humorada assim, vou te deixar trabalhando em paz para curar essa dor de cabeça.

—Trabalho não nos falta – declarei desanimada.

—Como sempre – ele se levantou para sair, mas acabou dando meia volta – não vou ver nenhum sorriso mesmo?

Aquela frase acabou me lembrando do Ron me pedindo para sorrir antes de tirar uma foto minha, e numa atitude muito boba acabei dando um sorrisinho e recordando que eu tinha uma certa informação para jogar na cara do meu amigo tão intrometido.

—Antes que eu me esqueça, pode começar a lidar com o fato de que você estava errado – a cara de descrença dele foi o suficiente para aumentar o meu sorriso.

—Errado? Eu? – ele apoiou a mão no peito completando o cenário de indignação.

—Você mesmo, eu tenho algum outro amigo chamado Ced, por acaso? – ele torceu o nariz.

—Me diz logo no que foi que eu errei que preciso começar a superar.

—Eu estava certa sobre o terno, coube direitinho.

—Ah, mas isso não conta – ele balançou a mão dispensando o meu comentário – já tinha ficado estabelecido que você era mais capacitada para isso.

—Não adianta inventar desculpas, Ced você estava errado e pronto, acho que vou até marcar no meu calendário, só para poder me lembrar para sempre – eu estava me divertindo abertamente, era tão fácil implicar com ele.

—Vamos esquecer a parte da numeração, agora me diz: o quão gostoso o Sr Weasley ficou naquele terno? – ele não teve nenhum pudor de refazer o caminho e sentar no canto da minha mesa não me dando espaço para olhar para qualquer lugar que não fosse na direção dele.

—Isso está totalmente fora do que você precisa saber – balancei a cabeça enfatizando a negação em responder.

—Ah, chefinha vai me diz, por favooor – ele balançou meu ombro sem piedade.

—Tá bom, para com isso! – dei um tapa na mão dele – você quer que eu diga que ele estava gostosíssimo com aquele terno e mais ainda quando eu tirei?

—Sim!

—Pois foi isso mesmo – dei de ombros, mas acabei rindo da minha declaração nada característica.

O Ced me olhou com o que eu identifiquei como admiração, o que me deixou meio confusa.

—Que cara é essa?

—Só estou orgulhoso, sinceridade e o Sr Incêndio são tópicos que não andam muito unidos pra você.

—Vai trabalhar, Ced! – empurrei-o para fora da minha mesa e dei por encerrado aquele assunto.

—Vou mesmo! – a resposta infantil combinou perfeitamente com a expressão de descaso que ele exibia – fico feliz por ter ajudado a melhorar seu humor.

Ele se foi e eu voltei a ter a concentração necessária para continuar os meus afazeres. Por conta de reuniões em horários conflitantes, eu e o Ced não pudemos almoçar juntos naquele dia, acabei indo sozinha até um dos restaurantes habituais e pedindo o prato mais rápido do cardápio. Eu tinha que admitir que sem ele, o horário do almoço não era tão divertido, eu não me importava em comer sozinha, mas ele tinha o dom de entreter quem estivesse a sua volta. Eu estava no meio do meu prato quando meu telefone tocou. Vi o código internacional do número no visor e entendi que um dos meus pais estava ligando. O gesto não era comum, geralmente nos falávamos por Skype, então atendi depressa, ligeiramente ansiosa em saber do que se tratava essa ligação.

—Alô

—Oi, filha tudo bem? – a voz tranquila da minha mãe me saudou do outro lado da linha.

—Tudo, mãe e você? Não é meio tarde para me ligar?

—Eu sei, querida era para eu ter falado com você antes, mas não tive tempo estamos no meio de um ciclo de palestras na universidade e o tempo está corrido. Você está livre agora? Tentei ligar no seu horário de almoço.

—Estou sim, você acertou a hora.

—Ótimo, não vou ocupar muito o seu tempo, estou precisando de uma ajudinha – assim que ela falou, eu me toquei do que se tratava aquela ligação, o aniversário do meu pai era em dois dias, para ela no dia seguinte, estávamos com o problema anual do presente.

—Deixa eu ver se adivinho, ajuda para comprar o presente do papai?

—Tão esperta essa minha filha – minha mãe respondeu com um misto de sinceridade e brincadeira.

—Às vezes eu me pergunto como você fazia isso antes de eu ter idade o suficiente para opinar – provoquei.

—Fazia de maneira deprimente, é claro! Seu pai passou anos ganhando presentes repetidos – minha mãe era uma pessoa brilhante, mas não tinha vergonha nenhuma em admitir um ponto no qual ela era falha, a criatividade nunca foi seu forte – mas ele nunca reclamou – naquela declaração estava o tom apaixonado que eu havia escutado tantas vezes ao longo dos anos, eu não precisava procurar muito longe para saber que amor verdadeiro existia, meus pais eram a prova viva.

—Tudo bem, vamos ver algumas opções....

Passei alguns minutos dando algumas sugestões de presentes, minha comida já completamente esquecida no prato. Eu implicava com a minha mãe por todo ano ter que ajudar a escolher, mas a verdade era que eu adorava o ritual, de uma certa forma eu me sentia incluída no presente, mesmo estando tão longe e não podendo dar um abraço de feliz aniversário no meu pai. Além disso, em pouco tempo seria a vez dele me ligar para pedir opinião sobre o presente dela, por mais que ele nunca tivesse realmente precisado de ajuda, diferente da minha mãe, ele sempre tinha ideias ótimas para presentes que a agradassem, eu achava que era o jeito sutil dele de permitir a minha presença, até porque ele tinha plena consciência de que eu era a responsável por todos os presentes que ele ganhava.

—Adorei a ideia, ele vai amar! – ela acabou decidindo por uma nova máquina fotográfica, era um dos hobbies do meu pai e a dele não estava mais em boas condições – obrigada, filha.

—De nada.

—E de resto está tudo bem? Os preparativos para o desfile? Seu pai e eu estamos muito ansiosos para ver o resultado final – essa era a minha mãe, sempre preocupada e interessada em tudo, eu adorava a atenção, mesmo que nós andássemos em mundos muito diferentes, ela nunca deixou de me incentivar.

—Está indo tudo certo, bastante trabalho, mas só até o meio da semana que vem, vou tirar os dias de folga que me faltam – a animação era nítida na minha voz.

—Quem bom! Você não tinha comentado antes, vai ficar em casa? – boa e velha curiosidade.

—Na verdade não, vou viajar – eu nunca tinha falado com todas as letras do Ron para a minha mãe, mas naquele momento não senti necessidade em mascarar os fatos.

—Assim dá para descansar melhor a mente, vai pra onde?

—Pra ser sincera eu ainda não sei – lembrei novamente que eu ainda não tinha perguntado ao Ron sobre isso.

—Não sabe? Não me parece a sua cara decidir algo assim de última hora.

—Não sou eu que vou decidir, foi um convite... – as palavras morreram antes que eu conseguisse confessar quem era o autor do tal convite.

—Ah sim, foi o seu “hábito” que te convidou? – as vezes eu me esquecia como a minha mãe era perspicaz, além da boa memória.

—Foi – eu não conseguiria mentir para a minha mãe.

—Então você já decidiu que ele não é um hábito? – notei a súbita animação dela.

—Não decidi nada ainda, mãe – escutei uma risadinha abafada, a que ponto eu tinha chegado: a minha mãe rindo da situação.

—Bom, eu vou torcer para que você consiga chegar a uma conclusão logo, e para que eu conheça esse hábito na nossa visita – revirei os olhos, mesmo sabendo que ela não podia ver.

—O nome dele é Ronald, mãe não vai se acostumando a chamar de hábito.

—Ronald, vou me lembrar. Mas me diz, ele... – decidi interromper rapidamente a conversa, bastou dar uma brechinha para ela tentar arrancar mais informações, minha mãe era muito serena e sensata, mas sabia usar todo o potencial dela quando o quesito era descobrir alguma coisa, alma de pesquisadora.

—Já está bom saber o nome dele por enquanto, depois a gente fala mais disso – o que era um código para: esqueça o assunto.

—Tudo bem, não vou insistir. Já está bem tarde, querida vou dormir, preciso sair cedo para comprar o presente do seu pai.

—Tchau, mãe dá um beijo nele por mim.

—Tchau, filha bom fim de semana – a voz dela desapareceu colocando no fim a nossa ligação.

Voltei ao escritório e fui direto para a reunião com a minha equipe, a fim de saber onde estávamos em relação ao que ainda precisava ser feito, afinal era a última sexta feira antes que eu saísse de férias. Meu humor melhorou consideravelmente quando recebi a noticia de que tudo estava dentro do previsto, claro que eu ainda teria que trabalhar durante o final de semana, mas isso já estava nos meus planos. Assim que a reunião acabou, todos foram saindo, eu pedi apenas que a Júlia, que eu considerava a melhor do grupo, ficasse para que eu lhe desse mais algumas direções. Ela anotou tudo minuciosamente na agenda que tinha nas mãos. Conclui a lista e me levantei para voltar a minha sala, ela imitou a minha ação, recolhendo o seu material e o copo de café que ela sempre levava consigo. A quantidade de coisas se provou grande demais para os braços dela e o copo de café acabou escorregando dos seus dedos e pousando ao lado do meu pé, tingindo o meu sapato claro num tom bem escuro de marrom.

—Ai meu Deus! – a menina estava apavorada, me olhando com tanto medo que eu jurava que ela pensou que eu fosse pular no pescoço dela.

Eu amava aquele par de sapatos e eram novinhos, mas no fim eram apenas sapatos, e havia sido um acidente, foi exatamente o que eu disse a ela.

—Mas estão arruinados! Me desculpe, eu compro outro par.

—Júlia, já falei que não tem problema, você não vai comprar nada – reforcei.

—Me deixa pelo menos levar para limpar, se eu levar logo, até amanhã o Raul dá um jeito – ela me olhou esperançosa, quase implorando para que eu aceitasse a oferta.

O Raul era o rapaz que cuidava justamente de contratempos, se tinha alguém que saberia como ressuscitar camurça nude manchada de café seria ele.

—Tudo bem, vem até a minha sala comigo que eu te entrego os sapatos, não vai ficar bonito eu andar descalça por ai – eu ri tentando aliviar um pouco da tensão que ainda marcava os contornos do rosto dela, mas a minha tentativa foi em vão, a garota ainda estava mortificada.

Fiz como eu falei, entramos na minha sala e eu entreguei meus calçados e ela que saiu com a promessa de conseguir algo para eu calçar para não precisar ir embora descalça. Me senti meio desconfortável andando daquela maneira mesmo que apenas na minha sala, mas nada que eu não pudesse suportar. Menos de meia hora depois, ela voltou com a cara ainda mais aflita do que quando saiu, se é que isso era possível.

—Desculpa, srta Granger – ela ainda insistia em não me chamar de Hermione – só tinha essa sapatilha no seu número, toda a numeração pequena está em falta – ela me mostrou o que deveria ser o par de sapatilhas mais feio do mundo, e eu tinha certeza que a minha opinião tinha ficado exposta no meu rosto.

—Meu Deus, nós vendemos isso?

—Não, esse faz parte dos que não foram aprovados – ela explicou quase num sussurro.

—Menos mal, eu ia ficar doente de saber que tinha a nossa marca numa coisas dessa, é terrível, não acha? – lancei a ela um olhar divertido, e fiquei feliz ao ver que ela pareceu achar graça também da situação.

—Bem ruim, mesmo.

—Bom, mas é melhor do que sair na rua descalça, pode deixar ai na cadeira mesmo, antes de sair eu calço, vou poupar os meus pés de ficarem mais tempo do que o necessário com eles – eu ri já imaginando a cara do Ced ao ver aquela abominação.

Com aquele par de sapatilhas sendo a minha única opção, decidi que ficaria restrita a minha sala até o horário de ir embora, era isso ou matar o meu assistente de desgosto quando eu passasse pela mesa dele. Acabei precisando chamá-lo para discutir uns detalhes importantes sobre a disposição da passarela e das cadeiras no salão. Chegamos rápido a uma conclusão, me admirei do fato de ele não ter feito nenhum comentário sobre os sapatos que estavam na cadeira ao lado da dele, mas claro que me precipitei ao achar que passaria em branco.

—Jesus Cristinho, o que é isso? – o olhar dele se desviou para o assento ao seu lado, ele levou a mão até um dos pés da sapatilha como se estivesse com medo de tocá-la e pegar alguma doença contagiosa.

—Isso é o que vai me impedir de ir embora descalça hoje – os olhos dele dobraram de tamanho, horrorizado da maneira que eu sabia que ele ficaria.

—Me explica isso direito, descalça? – ele abaixou a cabeça para olhar por debaixo da minha mesa, encontrando os meus pés descalços – onde está aquela maravilha da criação que estava nos seus pés até cinco minutos atrás?

—Foi um acidente, a Júlia derramou café neles e acabou me convencendo a mandá-los para o Raul, quem sabe haja salvação – contei com uma nota de esperança, eu gostaria de tê-los de volta.

—Café? Naquele tecido lindo? Melhor demitir essa menina, ela é um perigo à sociedade – ele falou com uma seriedade fingida.

—Não vou demitir a melhor integrante da nova equipe por causa de café, Ced! Foi um acidente, se ela tivesse derrubado de propósito eu até pensaria no caso.

—Se tivesse sido de propósito eu já teria chamado a polícia, porque é claramente um crime inafiançável – ri ao imaginar policiais chegando aqui e meu amigo querendo convencê-los a prender uma garota por cauda de um par de sapatos.

—E que eu saiba, eu sou o melhor da equipe! – ele voltou o assunto, sua cara presunçosa não exigia nenhuma confirmação.

—Não sei quanto a isso, você dá muito trabalho – apertei os olhos como se estivesse ponderando o assunto.

—Pelo menos não saio destruindo suas roupas.

—Não aconteceu ainda, isso é verdade.

—E admita, você não ia me querer de outra maneira, sou perfeito assim – ele se inclinou na minha mesa batendo os cílios teatralmente.

—Perfeitamente convencido, você quer dizer?

—Tudo bem, pode viver em negação eu sei a verdade – o sorriso dele não vacilou por um segundo sequer.

Já estávamos praticamente no meio da tarde, o sono que eu tinha conseguido dispersar com certa eficiência, começava a querer voltar a me incomodar, decidi que outro café se fazia necessário. Levantei da cadeira com a intenção de ir buscar um, mas me lembrei da minha situação de calçados.

—Droga! – vociferei contrariada.

—Onde você pensa que vai assim?

—Claramente em lugar nenhum – concordei com o olhar de aprovação dele – você que vai ter que ir.

—Se for para te impedir de sair desfilando com essa ofensa mascarada de sapato, eu vou a qualquer lugar.

—Preciso de um café – falei sem rodeios.

—É pra já – ele se levantou pronto para sair.

—Espera, me lembrei agora que a máquina daqui está em manutenção, vai ter que ser na cafeteria do térreo, deixa eu pegar a carteira – fui até a minha bolsa e pesquei de lá de dentro a minha carteira.

Abri distraidamente e peguei uma nota que seria o suficiente para pagar a minha bebida. Fiz menção de fechá-la quando meus olhos se fixaram no lugar vazio que deveria estar ocupado.

—Merda! – a minha língua foi mais rápida do que o meu cérebro.

—O que foi, Mi?

—A minha habilitação não está aqui, eu vim dirigindo sem documento – passei a mão na testa, meu estômago revirando com as consequências que eu poderia ter enfrentado, passei em frente à vários carros da polícia no caminho para o trabalho essa manhã.

—Calma, você não colocou em outra parte da carteira?

—Não, deixo sempre no mesmo lugar, nunca tiro daqui, sumiu! – eu já estava andando de um lado para o outro da sala tentando pensar em onde o documento poderia estar.

—As coisas não somem.

De repente, num estalo, me lembrei de exatamente onde eu tinha largado a minha habilitação

—Já sei onde está, deixei no bolso do paletó do Ron – sacudi a cabeça descrente com o meu esquecimento - cabeça oca – murmurei para mim mesma em repreensão.

—É só pegar com ele, sem pânico.

—Espero que ele possa trazer aqui, porque não tenho coragem de dirigir sabendo que estou sem documento.

—Aqui? – ele olhou em direção a placa pendurada na minha porta

—Não é hora para frescuras, Ced.

—Agora já está até querendo quebrar as regras, esse Sr Incêndio está sendo uma influência muito negativa para o meu gosto – ele fez um bico insatisfeito, mas eu via a diversão nos olhos dele.

—Vai comprar o café, anda – coloquei o dinheiro na mão dele e o empurrei até a porta - Vou ligar para ver se ele pode trazer, prometo que ele não fica nem cinco minutos.

—Cinco minutos, aham... – ele saiu e eu fechei a porta logo em seguida, decidindo ignorar a descrença dele.

Sem demora eu peguei meu celular e apertei o nome dele.

—Alô – a voz dele me respondeu séria.

—Oi, Ron é a Mione.

—Oi, Mione.

—Espero não estar atrapalhando.

—Pode falar

—Eu acabei esquecendo a minha habilitação no bolso do seu terno ontem, só percebi agora – expliquei.

—Vixe, eu nem lembrei, você foi dirigindo sem documento?

—Sim, mas agora estou sem coragem de voltar, sem saber é uma coisa, sabendo não dá – ele concordou – daria para você trazer aqui? Se não eu volto de taxi e passo ai pra pegar depois.

—Não precisa, eu levo – ele ficou em silêncio por um instante e eu escutei o barulho de folhas sendo viradas – mas não tenho como ir agora, estou meio ocupado com algumas reuniões, nem estou em casa, acho que só consigo chegar ai depois das seis, pode ser?

—Claro, eu aproveito e adianto mais algumas coisas, o escritório provavelmente vai estar vazio, mas eu deixo avisado na portaria que você vem, não vai ter problemas para entrar.

—Certo, quando eu estiver chegando eu te aviso.

—Obrigada, Ron – nos despedimos e eu desliguei o telefone bem a tempo de ver o meu assistente voltando com o meu café em mãos.

—Falou com o Ron? – era tão incomum o Ced chamá-lo pelo apelido normal que eu até estranhei.

—Sim, ele vem trazer, mas só pode depois das seis.

—Hum... eu espero com você então.

—Negativo, você vai embora já me bastou a plateia da última vez.

—Ué, mas ele não ia ficar só cinco minutos, o que você pretende fazer nesse tempo? – provocou.

—Pretendo que sejam cinco minutos que você não esteja assistindo grudado ao vidro – ele abriu a boca para rebater, mas eu fui mais rápida – e não adianta reclamar, se você não for embora eu ligo para o John lá da portaria e aviso para só te deixar subir amanhã se você estiver vestido de cinza.

Ele me olhou indignado com a ideia de que seria obrigado vir vestido da mesma maneira que hoje.

—Isso é um golpe baixo, chefinha. Eu sei que você não faria isso, só vou embora no horário porque sou muito legal.

Continuei trabalhando até o fim do expediente, o Ced veio se despedir de mim antes de me assegurar de que realmente estava indo embora. Acabei me distraindo com algumas planilhas e quase não percebi o barulho da mensagem que chegou as 18:10.

“Já estou chegando”

“Ok, pode vir direto pra minha sala, lembra como chega?”

“Sim”

Depois da última mensagem eu não consegui mais me concentrar em nada, decidi começar a arrumar tudo para ir embora, juntei minhas coisas e desliguei o computador. Já estava quase tudo pronto para partir quando eu escutei passos e uma batida de leve na minha porta.

—Entra – respondi sem desviar minha atenção para a porta.

—Oi, esse lugar é bem diferente sem ninguém – ele veio até mim e parou em frente a minha mesa.

—Adoro a tranquilidade, em geral tem mais gritaria envolvida – dei a volta e o cumprimentei com um beijo rápido.

—Aqui está – ele colocou a mão no bolso traseiro da calça e tirou de lá a minha habilitação, me entregando-a

—Muito obrigada por trazer, Ron desculpa te atrapalhar com isso.

—Eu também esqueci de te devolver, então metade da culpa é minha também – ele estava sendo gentil, mas eu apreciei o gesto.

Me inclinei para guardar o documento na bolsa, percebi os olhos dele me avaliando, até chegar na parte bem incomum do meu vestuário.

—Descalça? Os sapatos estavam machucando? – ele parecia confuso tentando entender a razão para me ver ali sem sapatos, ele me conhecia bem o suficiente para saber que não era do meu feitio.

—Não, foi um acidente envolvendo um sapato claro e um copo de café – só a lembrança já me deixava meio deprimida, o que ele percebeu.

—Bem ruim? – achei graça da cara de simpatia com a qual ele me olhava, pois eu tinha certeza que ele não saberia diferenciar tipos de sapatos nem que fossem gritantemente distintos.

—Péssimo, mas a menina vai tentar dar um jeito. Acabei ficando refém daqueles ali – apontei para a cadeira que estava atrás dele, seus olhos seguiram a minha indicação.

—Olha, até eu consigo dizer que esses são feios pra cacete.

—Não daria para expressar melhor – acabei rindo das palavras espontâneas dele.

—Bom, sapatos seus eu não tenho em casa, se não teria trazido também. Quem sabe não seja melhor você esquecer algum por lá no caso de futuros acidentes – ele fez essa declaração de modo tão casual, como se não fosse nada, mas o meu cérebro hiperativo não falhou em interpretar as entrelinhas.

—Quem sabe... – murmurei, meu coração começou a disparar, será que ele percebia as coisas que dizia?

—Se você quiser, eu te escolto até o seu carro para ninguém te ver andando com isso ai – ele se aproximou de mim – é só você andar bem perto de mim que não vai dar pra ver.

—Perto assim? – apenas um palmo de distância nos separava, se não bastassem as palavras impensadas dele, agora a proximidade ajudava a acelerar o meu pulso.

—Melhor assim – ele se encostou em mim,  me empurrando para trás até que as minhas pernas estivessem pressionando a mesa às minhas costas, me deixando presa entre ele e o móvel.

—O que você está fazendo? – ele passou os braços pela minha cintura, os azul dos olhos dele escureceram, me dizendo exatamente o que se passava na cabeça dele.

—Substituindo o efeito dos seus saltos.

Ele me sentou sobre a mesa e se posicionou entre as minhas pernas, a saia que eu usava naquele dia tinha um corte solto e subiu facilmente até a parte superior das minhas coxas.

—Ron, esse é o meu local de trabalho – o boca dele já me provocava, ele afastou com a mão a gola da minha blusa para dar melhor acesso aos seus lábios na pele do meu pescoço.

—Aham, até as 18h agora não é mais – afundei meus dedos nos seus cabelos e trouxe o rosto dele de volta a altura do meu, se ele prosseguisse com aquela atividade, eu teria dificuldades de ir embora.

—Continua sendo! Se alguém nos vê...

—Não tem ninguém aqui – a mão dele envolveu o meu queixo, puxando a minha boca de encontro à dele.

Me rendi ao beijo, ficava difícil pensar direito com ele tão perto, ainda mais sentido a pressão da mão dele subindo pela minha coxa e se insinuando por debaixo do tecido da minha saia. Senti os seus dedos roçando a renda da minha calcinha e mordi o lábio dele em resposta, tentado conter um gemido. Apoiei o braço atrás de mim para conseguir manter o equilíbrio, mas acabei derrubando o meu porta canetas com o movimento. O barulho me fez voltar à realidade e eu puxei as mãos dele empurrando-o de leve para afastá-lo de mim.

—Temos que ir embora, aqui não é lugar para isso – declarei com a respiração ainda entrecortada.

—Tá me mandando ir embora assim? – ele fez uma cara tão desolada que eu quase considerei puxá-lo de volta para continuar o que paramos, no entanto meu lado prático e responsável não sucumbia facilmente a chantagens emocionais.

—Vou, ninguém mandou você se empolgar – desci da mesa e dei um selinho nele antes de ajeitar a minha roupa.

Ele ainda me olhava com a cara emburrada de um criança contrariada.

—Não fica com essa cara feia, você me deixou com bem pouco tempo para dormir ontem, não estou te devendo nada – comentei com um sorriso bem humorado, coloquei a minha bolsa no ombro e calcei as sapatilhas terríveis, já estava pronta para sair.

—Só mais um beijo então, pelo trabalho de escolta que eu vou ter que fazer – ele nem me deu tempo para aceitar ou negar, mas eu aceitei de bom grado.

Claro que o que ele tratou como “mais um beijo” foi uma sucessão de beijos demorados que terminaram comigo tendo que ter a força de vontade de me afastar novamente.

—Agora nós vamos embora mesmo! – olhei com ar de reprovação fingida para ele, que sorriu triunfante de volta, claramente feliz de ter conseguido me enrolar mais um pouco - pelo jeito você realmente não pode vir aqui – balancei a cabeça murmurando baixinho.

—O que?

—Nada – desconversei indo em direção à porta, ele seguiu atrás de mim.

—Que quadro é esse? Não lembro dele aí da última vez que eu vim aqui.

—Isso é uma longa história – acabei rindo com a mortificação só de me imaginar explicando o significado daquilo para o Ron – quem sabe um dia eu te conto.

—Agora fiquei curioso.

Andamos até a o elevador e entramos assim que ele chegou ao nosso andar.

—É só besteira do Ced – comentei tentando fazê-lo esquecer daquele assunto.

—Ah – a cara feia que tomou conta do rosto dele me mostrou que usei o argumento errado, mas eu apenas ri sem dar atenção a reação dele, eu já estava quase que inteiramente convencida de que o Ron sentia ciúmes do Ced, e se ele ia ser infantil a esse ponto, eu não ia me esforçar para mudar isso. Claro que se eu fosse um pouquinho mais honesta, admitia que eu gostava da sensação que aquilo e causava.

Ele fez como prometido e me acompanhou de perto até o meu carro, não que eu realmente estivesse me importando muito com alguém na recepção vendo aquelas sapatilhas. Durante todo o percurso um silêncio pairou entre nós, só o quebrei assim que abri a porta para entrar no carro.

—Obrigada de novo por ter vindo, Ron – ele apenas assentiu com a cabeça.

Ficamos nos encarando, ele com a cara fechada e eu com vontade de chacoalhá-lo pela atitude, porém resolvi tratar aquilo de uma outra maneira que eu tinha certeza que surtiria efeito.

—Não vou ganhar “mais um beijo” antes de ir? – enfatizei bem a frase, que soou mais como uma exigência do que um pedido, exatamente como eu queria.

—Não sei se você está merecendo – eu quase ri do bico que ele fez, mas me contive e tratei a resposta como se não fosse nada de mais.

—Tubo bem, então tchau – rapidamente eu entrei no carro, me sentando na cadeira do motorista e puxando a porta para fechá-la.

—Pera aí – não consegui impedir o sorrisinho presunçoso que me acometeu quanto eu o vi mudando de ideia.

Ele puxou a porta sem me deixar batê-la e se insinuou para dentro do carro me dando o beijo que eu queria.  

—Você está má comigo hoje – ele me deu mais um selinho antes de se afastar

—Eu nunca fui má contigo, no dia que eu for, você vai perceber a diferença.

—Ai a minha imaginação.

—Tchau, Ron.

—Tchau, Mione – ele fechou a porta e eu o observei se afastar antes de ligar o carro e voltar para casa.

A visita nada comportada do Ron tinha conseguido dispersar um pouco do meu cansaço acumulado, mas depois de jantar e tomar um banho quente eu me sentia esgotada. Acabei pegando no sono deitada no sofá um pouco antes da oito da noite. Despertei um tempo depois e conferi no relógio da tevê que ainda faltavam alguns minutos para as dez. Me surpreendi como o fato desse cochilo ter sido o suficiente para me deixar sem sono, bem irônico: quando se tem tempo para dormir o sono nos abandona. Comecei a procurar alguma coisa para assistir entre os canais da televisão que tinha ficado ligaada quando o meu celular tocou. Curiosa para ver quem seria numa hora daquelas eu me estiquei a alcancei o aparelho que estava em cima da mesa de centro.

—Oi, Gin – cumprimentei a minha vizinha, interessada em saber do que se tratava a ligação tão incomum.

Ela me perguntou se podia vir me ver depois de sair do trabalho para conversarmos, acabei rindo quando ela ressaltou que esse horário seria as seis da manhã, mas como eu sabia que haveria um bom motivo para ela estar querendo conversar numa hora dessas, eu disse que a estaria esperando. Não estava nos meus planos deixar a minha amiga na mão. Eu não estava com um pingo de sono no momento, o mais provável era que eu conseguisse dormir apenas no meio da madrugada o que tornaria bem difícil conseguir levantar disposta as seis da manhã, aquele cochilo fora de hora não foi uma das minhas ideias mais brilhantes, a sorte era que no dia seguinte eu trabalharia em casa, assim não precisava realmente me preocupar com horários. Uma ideia muito interessante me ocorreu, decidi ligar para o culpado do meu atual problema de sono.

—Oi, Ron – ele atendeu no segundo toque o que indicava que não estava dormindo.

—Não cansou de mim ainda?

—Por quê? Você cansou de mim? – devolvi a pergunta com outra, a melhor técnica para se desviar de respostas que não se queria dar.

—Claro que não – a sinceridade tão casual dele nunca falhava em me deixar sem ação, mas eu me recuperei rápido.

—Ótimo, pois eu estava precisando de mais uma ajudinha

—O que você esqueceu dessa vez? – ele riu

—Nada, é que eu preciso de alguém para me ajudar a ficar acordada até as seis e pensei que talvez você gostaria de se candidatar e terminar o que começamos mais cedo – expliquei num tom sugestivo.

—Depende, fui a primeira opção?

—E se eu disser que não? – perguntei decidindo provocá-lo um pouco.

—Ai eu vou ficar deprimido demais para poder te ajudar – a decepção fingida me fez rir.

—E se eu disser que sim?

—Aí eu diria que as chaves do carro já estão na minha mão.

—Então, sim

—Vou só me trocar e já vou.

Nos despedimos e eu desliguei. Fiquei alguns minutos olhando para o nada ponderando se eu iria ou não trocar de roupa, mas acabei decidindo que permaneceria do jeito que eu estava. A camisola que eu usava era decorada com coraçõezinhos, bem longe de qualquer coisa que eu já tinha vestido para estar com o Ron, mas já que intenção dele seria tirá-la, eu duvidava que ele fosse prestar muita atenção. Ele demorou um pouco para chegar e eu comecei a ver um filme que tinha acabado de iniciar. Era uma trama de mistério que prendeu a minha atenção, quando escutei a porta, que eu tinha deixado destrancada, se abrindo eu já estava fisgada pelo enredo e curiosa para saber aonde aquela história chegaria.

—Olá – ele sentou ao meu lado, me dando um beijo na bochecha – o que você está assistindo ai?

—É um filme novo – respondi sem desprender os olhos do diálogo rápido.

—Ah eu comecei a ver esse na semana passada mais tive que parar na metade, pelo jeito você está gostando também.

O filme foi interrompido por uma propaganda o que me permitiu dar a devida atenção ao meu convidado,

—Desculpa, Ron eu estava realmente entretida – sorri tentando me desculpar.

—Bom, se é pra ficar acordada até as seis a gente bem que podia terminar de ver esse filme, eu também quero saber o que acontece – foi tudo o que eu queria ouvir.

—Ótimo, a gente pode arrastar a mesa e se esparramar no tapete, que tal?

—Boa ideia.

Tiramos a mesa de centro do lugar e eu corri no quarto para buscar um edredom e travesseiros para ficarmos mais confortáveis, voltei a tempo de pegar o retorno do filme. Sentei no tapete com as costas apoiadas no sofá e usando o travesseiro de encosto, o Ron se juntou a mim e passei a coberta por cima de nós.

—Essa parte eu já vi, você tem pipoca?

—Sim, está no armário do lado da geladeira.

—Tá, já volto.

—Tem um pote grande na porta debaixo da pia – avisei.

Alguns minutos depois ele voltou com um recipiente cheio de pipoca quentinha, ele sentou novamente ao meu lado e passou o braço pelos meus ombros me trazendo para perto. Vimos o filme até o final, esvaziando o pote de pipoca sem dificuldade.

—Não acredito que o final foi isso! – declarei decepcionada com o desfecho do filme.

—Nem eu, e estava indo tão bem – eu concordei com a cabeça – mais de uma hora das nossas vidas que foi perdida, podendo ser gasta com coisas muito melhores.

—Como o que? – a pergunta era menos curiosidade e mais desafio.

—Beijos, é claro – ele se inclinou para demonstrar a opinião dele, não que eu precisasse ser convencida – e outras coisas mais que eu ficarei feliz de enumerar.

—Vou querer a lista completa, só preciso ir ao banheiro primeiro – me levantei depressa e fui até o meu quarto.

Quando voltei, percebi que o pote de pipoca tinha sumido, ele provavelmente levou para a cozinha, meu lado extremamente organizado adorou a ação.

—Vem cá – ele levantou o edredom ao lado dele para que eu me sentasse de novo no local – ah antes que eu me esqueça, preciso comentar o quanto eu gostei do seu modelito hoje – ele falou olhando para a minha camisola nada atrativa.

—Não precisa avacalhar, eu já estava com ela quando te liguei e fiquei com preguiça de trocar – dei de ombros.

—Não estou avacalhando, ficou uma gracinha, aliás, o primeiro item das coisas que eu podia ter feito ao invés de perder tempo com aquele filme, é avaliar mais de perto essa camisola.

Ele levou a mão ao meu ombro, enroscando os dedos na alça da camisola e puxando para o lado, traçando um caminho de beijos do meu ombro até o decote. Aquele modelo não era nada decotado, mas a parte da frente era fechada por uma fileira de botões que ele não demorou a começar a abrir.

—Parabéns pra quem teve a ideia de colocar esses botões aqui – ele arranhou de leve a minha pele com os dentes e ao invés de rir com a gracinha dele, eu suspirei com o arrepio que percorreu a minha coluna.

Jogamos os travesseiros no chão e nos deitamos, ele continuou o trabalho com os botões, levando um bom tempo em cada um numa tortura prazerosa. Eu estava com bem menos paciência e me livrei das roupas dele com mais rapidez, ele fez questão de continuar enumerando os itens da lista como prometido e quando chegou ao fim, ambos estávamos sem fôlego. Continuamos entrelaçados debaixo do edredom, os braços dele apoiavam o meu pescoço, as nossas pernas ainda misturadas.

—Você tinha razão, bem melhor do que o filme – brinquei e ele concordou rindo.

—Acho que ainda tem um bom tempo até as seis da manhã, tenho que te entreter – ele pegou uma mecha do meu cabelo entre os dedos, brincando com os fios.

—Sim, senhor foi pra isso que eu te chamei.

—Aliás, posso saber por que você tem que ficar acordada até essa hora?

—Pedido da sua irmã, ela quer conversar depois do serviço, que para variar tem o horário bem normal de seis da manhã – ele riu com a menção dos horários doidos de trabalho da Ginny, mais do que acostumado.

—Preciso lembrar de agradecê-la – zombou ele, o que lhe rendeu um tapa no ombro – ué você tinha sido muito malvada comigo mais cedo, assim eu pude consertar a situação.

—Lá vem você  com essa história de novo – revirei os olhos – se fosse o seu local de trabalho você também não gostaria.

—Tarde demais, você já conhece bem demais o meu lugar de trabalho – ele gargalhou e eu me toquei da falha no meu argumento, já que na maior parte do tempo ele trabalhava em casa.

—Você entendeu o que eu quis dizer.

—Falando em trabalho, tudo tranquilo para podermos viajar?

—Sim, vai dar tempo as coisas então indo bem – respondi animada.

—Ótimo.

—Ah, estou para perguntar há um tempo, para onde vamos afinal?

—Você não precisa saber.

—Não vai me contar aonde vamos? – perguntei incrédula.

—Não, é surpresa – ele rebateu satisfeito.

—Mas como eu vou saber o que levar na mala assim? Me fala pelo menos se é um lugar quente ou frio – pedi.

—Não adianta, não vou falar, você vai ter que ir preparada para as duas opções.

—O que? Sabe o trabalho que isso vai dar? Eu não queria levar uma mala imensa – torci o nariz contrariada.

—São só cinco dias, não precisa exagerar.

—Homens! – zombei – nunca vão entender o conteúdo de uma bolsa feminina quem dirá de uma mala.

—Você consegue, tenho certeza.

Continuamos conversando por muito tempo, uma duração maior do que qualquer outra conversa que já tenhamos tido. Geralmente ele já teria ido embora, mas a minha exigência de uma distração até as seis da manhã o fez permanecer ao meu lado enquanto discutíamos os mais variados temas, desde perguntas sobre os nossos trabalhos até um debate acalorado sobre quais filmes nós achávamos que também não valiam a pena ser vistos. Já tinha passado das quatro da manhã quando o sono começou a dar as caras se manifestando numa pausa na nossa conversa. O silencio que se seguiu foi confortável, meu rosto apoiado no ombro dele me permitia seguir o subir e descer que a respiração causava em seu peito, ele tinha o braço livre apoiado em cima de mim deslizando os dedos na pele das minhas costas num carinho agradável. Meus olhos estavam perigosamente perto de fechar com o conforto da posição quando a voz dele interrompeu o silêncio.

—Você está dormindo?

—Não, mas quase, melhor me distrair direito – brinquei.

—Eu fui a primeira opção mesmo?

—Hã? – levantei a cabeça para encontrar os olhos dele grudados em mim e o semblante que não carregava nenhum traço de brincadeira.

—Só queria saber se você ligou primeiro pra mim.

Eu não sabia o que fazer com aquela pergunta, a resposta era fácil, pois claro que eu não tinha pensado em ninguém antes dele, o que me confundia era o porquê dele querer saber aquilo, e a ansiedade que eu parecia ver no olhar dele enquanto esperava a minha resposta.

—Foi, quem mais eu chamaria?

—Não sei – ele deu de ombros, mas o tom dele me indicava que ele não estava satisfeito com a resposta dele, como se aquelas palavras não tivessem um gosto muito bom.

Na verdade ele não teria mesmo como saber, esse é um assunto que nunca surgiu entre nós e pela primeira vez eu percebi que ele poderia não estar tão feliz com essa configuração da nossa relação. Será que ele gostaria de saber? Gostaria que eu afirmasse que já há algum tempo eu estava tendo dificuldades de sequer pensar em outra pessoa ao meu lado? Tais pensamentos ameaçaram trazer a tona a minha coleção de dúvidas em relação ao ruivo que me abraçava, mas eu mantive a minha resolução de só voltar a pensar nisso depois da viagem.

—Chamei você e você veio, é o que importa – conclui achando que o assunto estava terminado.

—Você teria chamado outra pessoa se eu não pudesse?

O que era aquilo? Desde quando ele me perguntava essas coisas? O semblante dele não deixava transparecer nada, mas as palavras me davam a ideia de que ele queria a confirmação de alguma coisa. Levei alguns segundos pensando no assunto e resolvi ser sincera.

—Não.

Eu esperei alguma resposta, um comentário ou brincadeira, mas ele não disse absolutamente nada. Apenas encostou a cabeça de novo no travesseiro e fechou os olhos. Agora livre do escrutínio daqueles olhos azuis, eu me permiti deixar transparecer a confusão que aquela conversa tinha me causado. Esse era o Ron, ele falava as coisas sem ter a mínima noção do impacto nos que estavam em volta. Eu duvidava que ele soubesse o efeito que aquelas palavras tinham em mim, e eu também não tinha ideia do que significavam para ele.

Ficamos deitados ali, ambos perdidos nos próprios pensamentos até que chegou a hora dele ir embora.

—Já são quinze para as seis, vou indo. Você consegue ficar acordada quinze minutos sozinha? – ele sentou e eu rapidamente estranhei a falta do corpo dele ao lado do meu.

—Consigo, você estava mais para me fazer dormir do que ficar acordada, mexer no meu cabelo me dá sono – comentei rindo, em referência ao carinho que ele fez em meus cabelos.

—Sem carinho da próxima vez então, anotado – eu descobri recentemente que ele adorava me provocar.

—Não foi isso que eu falei.

—Se decide então e depois me diz – ele se inclinou para me dar um beijo rápido e levantou para se vestir.

Eu fiquei preguiçosamente deitada no tapete, observando os movimentos dele.

—Quem é que está encarando hoje? – revirei os olhos, mas não deixei de continuar assistindo.

—Direitos iguais.

Ele pegou as chaves do carro e a carteira, se despediu de mim com um beijo mais demorado e foi embora. Fiquei ainda alguns minutos sentada com o edredom até o queixo, observando a porta que ele tinha fechado. Aquela noite certamente não tinha saído do jeito que eu esperava. Conversas e perguntas inesperadas não eram um roteiro comum dos nossos encontros e eu não gostei da falta que eu senti quando ele se foi dessa vez. Decidi sair logo daquele estado contemplativo e me arrumar, pois a minha vizinha chegaria logo. Me vesti, colocando novamente a minha camisola e fui até o meu quarto pegar o meu robe favorito, que era vermelho, pois eu estava com um pouquinho de frio. Mal tive tempo de colocá-lo e a campainha tocou, tive que deixar a bagunça de travesseiros e coberta do jeito que estava.

—Oi, Gin tudo bem? – perguntei cumprimentando-a com um beijo na bochecha – entra e não repara na bagunça.

Para minha surpresa ela me respondeu que era exatamente sobre a minha bagunça que ela queria falar. Dentre todas as coisas que eu imaginei poderem ser a razão dessa conversa, eu nunca esperaria que ela viesse me perguntar sobre a minha relação com o Ron. Ela estava tendo dúvidas acerca do que tinha com o Harry e pareceu pensar que teria uma luz ao saber o que se passava entre mim e o irmão dela. Eu disse em poucas palavras que não existia comparação, pois entre mim e o Ron não existia relação nenhuma, apenas alguns encontros esporádicos. Minha consciência martelava em meus ouvidos, gritando que eu era uma bela de uma mentirosa.

—Como você consegue? – ela me olhava com interesse genuíno como se eu tivesse a resposta para algo que ela queria muito entender.

“Acho que não consigo mais” seria a resposta mais honesta, mas em troca eu dei de ombros dizendo que as coisas são do jeito que são. Eu não conseguia ser inteiramente sincera com ela naquele quesito, eu nem consegui definir direito o que eu sentia e a mera possibilidade de que ela comentasse alguma coisa com o Ron me deixava apavorada, eu não precisava dele sabendo das coisas que se passavam na minha cabeça por enquanto.

Conversamos mais um pouco e eu a aconselhei a não se prender ao nome do que eles tinham e a não fugir. Antes de se despedir ela devolveu aquelas palavras para mim dizendo que meus conselhos também seriam maravilhosos para mim. Ela atravessou o corredor em direção ao apartamento dela sem me deixar responder, não que eu fosse ser capaz de formular uma resposta adequada. No final das contas era isso que eu estava fazendo, não era? Fugindo, tentando adiar o encontro que eu tinha que ter com o que eu realmente sentia, mas quando a gente corria há tanto tempo de alguma coisa, era difícil criar a coragem de simplesmente parar, minha única decisão era a de que eu fugiria mais um pouco, nem que fosse para continuar me sentindo segura.


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Notas finais do capítulo

E então?
Essa Mione que não se decide, mas também não hesita em ligar para ele ir lá distrai-la pela noite toda... ai ai, muito espertinha! ahahah
Adoro o Ron com essa insegurança fofa no final, e tenho certeza que a Fe vai querer saber o que vocês acharam também, então não deixem de dizer nos comentários.
Façam a autora feliz e comentem!
Beijos e até semana que vem.

Crossover: De onde será que vieram as dúvidas da Ginny, hein? Isso você vê nos dois últimos capítulos postados em DV ;)
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