Aurora: Notes Of a Dead Girl escrita por Petra


Capítulo 3
III - Prisão de Ratinhos




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“Ei!”, eu ouço. É Apolline que me chama, indignada. Pois é, havia me esquecido dela. É ela que me faz companhia durante o resto daquela noite, e no dia que se segue e na outra noite, e no outro dia. Eu tenho fome muita fome, e também frio. Meu pijama, que parecia tão aconchegante, está todo sujo. As girafas nele não estão mais sorrindo e pulando na grama, agora elas estão tristes porque queriam tomar banho e ir dormir em casa.

 

Aquela fresta de luz que aparece de dia, que tinha sido tão grande e perigosa, me parece agora pequena e insuficiente para me esquentar. Ninguém traz comida, nem o homem que eu achei que seria bonzinho e seria meu amigo. As vezes acho que vou ter que comer aquela poeira de terra, mas não falo muito que estou com tanta fome, porque a última vez que falei, Apolline ficou com medo de mim.

 

Tudo que faço é andar um pouco pelo quarto, que não tem nada além de mim, Apolline, a janela, a porta e a poeira. Meu passatempo é dormir. Dormir é o jeito mais fácil de fugir. Eu posso estar em casa, com meus pais, mesmo que papai esteja trabalhando e não tenha tempo para mim. Eu posso ficar no nosso grande gramado, vendo a Paloma correr, a potrinha que acabou de nascer e já é maior que eu. Eu posso ir para a escolinha, ouvir aquelas Moças Que Sabem O Que É Melhor para Você tentando ensinar as letras. Eu já sei quase todas as letras, mas tudo bem, posso ouvir a Moça-Porofessora – ou como quer que ela se chame – explicar as letras de novo. O que importa é estar longe da Prisão de ratinhos.

 

É na outra noite que as coisas mudam. Eu já estava dormindo de novo quando a porta se abre. O Homem Mau está lá de novo. Eu quero pedir que ele não faça barulho, que eu quero dormir, porque dormir é mais fácil e não cansa, mas eu não falo nada para ele, eu também não quero que ele chute poeira-que-arde-o-olho em mim, não de novo.

 

 Ele diz que hoje ele vai falar com meus pais, e quer que eu seja boazinha e fale com eles no telefone. É para eu dizer que os homens querem dinheiro ou me matam. Eu balanço a cabeça, dizendo “sim, eu entendi”.

 

- Conte a eles, conte a eles tudo, que está presa e nós te machucamos. Quem sabe eles não dão mais dinheiro...

 

Continuo balançando a cabeça, mal ouvindo o que ele diz.

 

Penso que é melhor se eu deixar meus pensamentos irem embora. Se eu puder dormir acordada, nada daquilo vai me encher mais, vou poder ficar sonhando para sempre. Mas meus pensamentos são interrompidos por um barulho alto vindo Lá De Fora. Alguma coisa foi quebrada. Dessa vez não fui eu, outra pessoa vai levar bronca do papai e da mamãe.

 

Levanto a cabeça e vejo que o homem parou de falar, ele também se assustou com o barulho. Ele sai correndo e bate a porta. Eu noto que, diferente da outra vez, não ouço o barulho da fechadura. Espero um pouco e vou até a porta. Como eu esperava, ela está destrancada. Abro-a e, sem pensar duas vezes, saio correndo.

 

É um corredor pequeno que desemboca em uma sala nas mesmas condições do quarto, só que tem um sofá puído e uma mesa. Dela, sai uma cozinha, onde estão os dois homens que me mantêm aqui, mas não estão sozinhos, outros três estão lá. Eles estão brigando, todos têm armas, mas se envolveram em uma luta corpo a corpo bem violenta. Porém, não vejo mais que vultos e a situação não me interessa de verdade. Me esgueiro por trás do sofá e saio com um pulo pela porta da sala, que está aberta. Um segundo antes de cair no mato do lado de fora, posso vislumbrar o Homem de Cabelo Negro olhando para mim, é apenas um instante e ele não esboça movimento no sentido de me parar, mas sei que ele me vê. Então aterrisso na grama e, ao mesmo tempo, sobre o Primeiro Homem salta um dos outros vultos, derrubando-o.

 

Eu não sei onde estou, mas vejo que não há casas ao redor e um bosque se encontra perto dali. O que importa é correr para bem longe da Prisão, e é o que eu faço. Corro até que minhas pernas não me agüentem mais, e então corro mais um pouco.

 

Não sei direito o que acontece, mas sei que uma hora caio. Em algum lugar, naquele mesmo bosque provavelmente. Eu choro e, até o momento no qual apago completamente, ainda estou chorando, mas não porque me machuquei na queda. Não porque estou perdida no meio do mato sem meus pais. Não porque meu pijama favorito está destruído. Não porque penso que não serei encontrada e no bosque deve ter vários animais que comem criancinhas. Nem porque todos meus membros doem. Choro porque estou sozinha de verdade. Porque eu deixei Apolline no quarto.


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