Aurora: Notes Of a Dead Girl escrita por Petra


Capítulo 2
II - Claro




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Quando acordo novamente, tudo dói. Minhas pernas, meu braços, minhas costas, minha cabeça. Bem que mamãe disse para eu dormir bem no meio da cama ou podia cair. Agora eu farei isso, cair da cama dói demais. Porém, quando abro os olhos, não é o meu quarto que vejo. Aliás, não vejo nada. É puro branco, branco a ponto de arder o olho. Se eu fosse um pouco mais velha e já conhecesse histórias sobre a morte, teria com certeza pensado que eu tinha morrido, mas eu não sou, e muito do que envolve qualquer situação relacionada a morte é mantido afastado de mim, então tudo que posso pensar é que tem alguma coisa errada.

 

O que me parece ser O Branco, acho que pode ser A Luz, então só preciso sair da Luz. Tento me mover, mas não consigo. Meus pés e meus braços estão presos uns aos outros e mexer dói. Mexer piora a dor.

 

Fecho os olhos, tentando sumir com aquilo. É como se eu não tivesse feito nada. Aninho a cabeça no chão, tento virá-la para o outro lado, nada tem efeito, tudo que consigo é arranhar meu rosto no chão áspero. Minha vista começa a embaçar com lágrimas. Eu não quero chorar, porque aí mamãe vai me ver chorar e vai ficar triste, e eu não quero que ela fique triste. Me balanço, tentando sair do lugar. Bingo. Me movo um pouco. Percebo que consigo rolar. Então eu rolo.

 

Com os olhos fechados, tomo impulso e vou rolando para o lado tanto quanto consigo. Me movo muito. Devo ter ido até o infinito. Rolado tão longe quanto era aquele corredor grande que ia para a cozinha lá de casa. Aquele corredor que parecia que não ia acabar nunca. Rolo até que meus olhos parem de arder. E então rolo mais. É um movimento bem viciante, se quer saber, ainda mais naquele momento, que tudo estava tão errado. Rolar era a solução para meus problemas.

 

A certo ponto, esbarro em uma parede. Não esbarro, bato contra ela bem forte. Minha cabeça volta a doer. Abro os olhos e estou em um canto de um quarto, um quarto feio com paredes manchadas e chão de cimento duro. É assustador, por mais que seja iluminado. Posso ver o raio de luz que incidia em mim. Ele vinha de uma janela lá no alto. É um quarto de Prisão, eu sei. E eu estou presa como um ratinho.

 

Não consigo segurar minhas lágrimas e começo a soluçar. Pelo menos mamãe não está lá. Mas eu queria que estivesse, como eu queria. Eu choro até não poder mais, mas não berro. Mamãe sempre disse que gritar era feio e que atrapalhava o Trabalho do Papai. Então eu não grito. Quando minhas lágrimas secam, um estranho pensamento passa pela minha cabeça de criança. Noto que é a voz de Apolline que me diz, mesmo ela não estando lá. Aquelas lágrimas eram minhas últimas daquele tipo, eu nunca mais ia chorar de medo.

 

O que eu faço então é esperar. Esperar o que? Não sei, mas acho que alguma coisa tem que acontecer. E acontece. Antes, acho que volto a dormir umas vezes, mas a posição é meio ruim. Não dá para dormir bem amarrada como dá para dormir na cama macia que eu tenho. Mas eu durmo, e é quando eu acordo que acontece. Ou melhor, eu acordo porque acontece.

 

Já está bem escuro, o Sol Queimante já não entra pela janela.  A porta do quarto, que eu não sabia existir até aquele momento, se abre. E eu penso “Viva, estou livre”, mas não consigo ver o que tem do lado de fora. O homem que entra é alto, parece jovem, tem os cabelos bem pretos e até o ombro, a franja lhe cai sobre os olhos. Assim que me vê, suas sobrancelhas se curvam. Ele se aproxima rapidamente, eu já não acho que ele vá me soltar. Mas ele me solta. Desamarra o que quer que esteja prendendo meus braços. Só que eu continuo caída. Não quero levantar porque tudo dói.

 

Por aquela mesma porta entra outro homem, mais baixo que o Primeiro Homem, com os cabelos loiros e curtos e arrepiados. Ele fuma um daqueles cigarros malcheirosos. Entra e se encosta na parede. O Pimeiro Homem se levanta e briga com ele, porque “Isso não se faz com uma criança, o que ela poderia fazer? Fugir? Resistir? Que ideia!”, é o que diz.

 

O Loiro dá de ombros. Parece se lembrar de algo e sai novamente. Quando volta, é Apolline que traz nas mãos. Ele segura ela por um bracinho, eu penso que deve doer, mas seus olhos azuis dizem “Está tudo bem”, então me acalmo. Ele a traz perto de mim e a põe no chão, querendo parecer gentil, mas eu sou esperta e sei que ele não é bonzinho, sei que acertei, porque suas palavras são más.

 

- Não chora, criança. Toma aqui seu brinquedo e não chora porque eu não quero ter que vir fazer você calar a boca.

 

Me sento contra a parede.

 

- Não estou chorando. – Puxo Apolline para meu colo e permaneço daquela forma. Olho bem nos olhos do Segundo Homem, assim ele vai poder ver que eu falo a verdade.

 

Ele sorri, maldoso. Finge que vai embora, mas ele se vira e chuta o chão e faz com que muita poeira voe em mim. Não tenho tempo nem de pensar e a poeira entra toda nos meus olhos.

 

Porque o Homem Mau precisa fazer isso? E onde estão meus pais e os empregados para fazerem ele parar? Choro baixinho, esfregando meus olhos embotados que ardem e doem e coçam e queimam.

 

- Agora está. – Ele ri. Ouço ele saindo.

 

Abraço Apolline e lacrimejo até que toda a terra e o cimento saiam dos meus olhos. E isso demora, demora bastante. Quando os abro novamente, minha visão cheia de manchinhas vermelhas, vejo que o Primeiro Homem ainda está lá. Ele está parado na minha frente e olha para mim. Ele não fala, porque acha que sou criança e não vou entender, mas eu sei que ele acha o parceiro um idiota.

 

Ele fica por um bom tempo, olhando para mim naquela mesma posição, meio abaixado sobre os joelhos, aquela posição de papai-está-explicando-algo-sério-para-Aurora. Quando o encaro, ele consegue até dar um sorriso de lado. Depois, se levanta e vai até a entrada, dá uma última olhada para ver se eu não morri naqueles segundos que ele levou para chegar lá, então ele sai e fecha a porta.

 

E eu estou sozinha.


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