O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 31
Capítulo 31


Notas iniciais do capítulo

Se houver algum erro na escrita me perdoem.



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   Por Henutmire

 

   Observo a luz do sol iluminar todo o Egito através da pequena janela com grades. Sinto saudades de contemplar o azul do céu, que se iguala a cor de meus olhos, de sentir as águas do Nilo em minha pele e o vento tocar meu rosto como uma carícia suave. Mas, principalmente, sinto saudades de minhas filhas, de poder me ver refletida nos olhos delas e sentir que seus sorrisos inundam meu coração de alegria. Não suporto mais ficar trancafiada nesta cela, olhando para estas paredes noite e dia sem saber o que se passa lá fora. E ainda por cima há a angústia de saber que Ramsés pode atentar contra a vida de Moisés ou que Yunet consiga fazer o mesmo com minhas filhas, mesmo que Hadany e Tany estejam sob proteção de Nefertari. Eu imaginava que estar preso fosse algo terrível para alguém inocente, mas as atuais circunstâncias têm me mostrado que é muito pior do que pensei.

 

   A porta da cela se abre e eu espero com ansiedade e ao mesmo tempo com medo a pessoa que vai entrar. Então, Yunet entra no ambiente trazendo em suas mãos uma bandeja com comida, certamente para mim. Ela me olha atentamente por alguns instantes e, mesmo que tente disfarçar, eu sinto sua satisfação em me ver nessa situação.

 

  —Olá, princesa. — Yunet fala com um sorriso que me causa medo. — Está gostando de seus novos aposentos?

 

  —Não tanto quando gostei de saber que minhas filhas te colocaram para fora de meus antigos aposentos. — Respondo.

 

  —Uma atitude perigosa, não acha? Elas não deveriam se meter comigo. — Suas palavras soam como uma ameaça. — Mas, eu sou uma boa pessoa e relevei o que suas filhas fizeram. Ter a mãe presa e o pai expulso do palácio deve mexer com o emocional de qualquer pessoa.

 

  —O que você quer, afinal? — Pergunto, tentando manter a calma.

 

  —Eu soube que ontem não recebeu nada para comer durante todo o dia, fiquei tão preocupada. — Yunet fala e a falsidade parece saltar de dentro de cada palavra que diz. — Por isso, trouxe pessoalmente essas delícias da cozinha de Gahiji, sei que aprecia muito a comida dele. — Ela coloca a bandeja sobre a cama, bem diante de mim. — Você sabe que da cozinha até aqui se passa por vários corredores, não é? Fica difícil saber se alguém tocou na comida, se colocou algum tempero especial. Mas, presumo que esteja faminta, então não dê importância a isso.

 

  —Vá embora, Yunet. — Peço.

 

  —Eu volto para visitá-la assim que possível, está bem? — Ela sorri. Minha vontade é dar um soco tão forte em seu rosto para que tenha que cuspir para fora de sua boca cada um de seus dentes. — Bom apetite, princesa. E tenha lindos sonhos com os muitos filhinhos que perdeu.

 

  —Yunet.

 

  —Sim? — Ela fala da porta, que já se encontra aberta para que possa sair.

 

  —Tenha doces pesadelos com todas as pessoas que matou. — Falo e então é a minha vez de sorrir para ela.

 

   Yunet se surpreende grandemente com minhas palavras, percebo isso ao olhar uma última vez para seu rosto antes que deixe a cela e a porta seja novamente fechada. Meu olhar vai de encontro a bandeja com comida diante de mim. É enorme a vontade de me servir, já que estou faminta. Porém, o medo toma meu coração ao me dar conta de que Yunet insinuou que envenenou a comida. Ela já me envenenou antes, não encontraria dificuldades em fazê-lo novamente e sem que ninguém percebesse. Tomo a bandeja nas mãos e vou até a porta.

 

  —Guarda? — Chamo.

 

  —Senhora. — O homem prontamente se apresenta para me atender.

 

  —Leve isto, por favor. — Lhe entrego a comida.

 

 

   Por Hadany

 

   Saber que Moisés esteve nos portões do palácio e que meu tio quase foi capaz de matá-lo só me deixa mais apreensiva. Temo pela vida de meu irmão e pelo que pode acontecer com minha mãe naquela cela. Mesmo sabendo muito bem a mulher valente que ela é, não deixo de me preocupar um só instante. Tudo o que desejo é que esse pesadelo logo chegue ao fim, antes que tenha chances de tornar-se pior. Penso também em meu pai, em como ele deve estar preocupado com minha mãe e o quanto deve estar triste por estar longe de sua família, principalmente por saber que jamais voltará ao palácio. A minha vida desmoronou de uma hora para outra, antes mesmo que eu pudesse correr para longe para impedir que o desastre me antigisse.

 

  —Princesa Hadany! — Chibale chama por mim, que caminho pelo corredor próximo a meus aposentos. Então, detenho meus passos e espero que ele se aproxime. — Eu gostaria de conversar com vossa alteza, se puder me ceder um pouco de seu tempo.

 

  —Claro, Chibale. — Falo. — Estou ouvindo.

 

  —Sei que meus sentimentos pela princesa não me dão o direito de lhe cobrar explicações, mas eu preciso saber. — Ele fala e eu o olho confusa. — A alteza está apaixonada por Alon, o guardião?

 

  —Claro que não! — Respondo com firmeza. — De onde tirou um absurdo como esse?

 

  —Então, não é verdade que estavam juntos no jardim ontem à noite?

 

  —Sim, é verdade. — Falo, tentando entender onde Chibale quer chegar com essa conversa. — Mas, Alon e eu apenas conversávamos. Ele foi gentil em me oferecer seu apoio nesse momento tão conturbado que estou vivendo.

 

  —Se não me engano a princesa sempre deixou bem claro que não gostava desse rapaz. — Chibale ressalta. — Há que se deve essa mudança de opinião tão repentina?

 

  —Eu o julguei mal pelo modo como chegou aqui e de imediato criei uma barreira entre nós dois. — Respondo. — Mas, ontem eu pude ver que Alon é uma pessoa muito diferente do que imaginei e que talvez possamos ser amigos enquanto ele estiver no palácio.

 

  —Perdão, mas creio que ele não almeja apenas sua amizade. — Ele afirma. — Alon a ama, não é?

 

  —Por que diz isso? — Pergunto. Além de Alon e eu, somente Tany sabe dos sentimentos do guardião por mim.

 

  —Porque é a verdade! — Chibale fala nervoso. — Ele te ama e certamente a princesa corresponde a esse amor.

 

  —Você não pode afirmar isso! Não está em meu coração para saber o que sinto ou deixo de sentir! — Elevo minha voz, demonstrando que perdi completamente a paciência. — Seja lá o que viu ou que lhe contaram, não existe nada entre mim e Alon além de amizade, aliás, o início de uma amizade.

 

  —Não pode existir amizade entre um homem apaixonado e uma mulher.

 

  —Fala isso por si próprio? — Pergunto deixando-o sem palavras. — Por acaso não existe amizade entre nós dois únicamente porque você está apaixonado por mim?

 

  —Eu fui sincero com a princesa, assumi o que sinto sem medo de ser reprimido por isso. —  Ele argumenta. — Vossa alteza deveria também ter sido sincera comigo e me dito que está apaixonada por outro.

 

  —Basta! — Ordeno. — Você não sabe o que diz.

 

  —Admita de uma vez que está apaixonada por Alon! — Chibale insiste. — Não se preocupe comigo ou com o que sinto, apenas assuma o seu amor pelo guardião de Om.

 

  —Pense o que quiser, Chibale! — Esbravejo, assustando-o. — Minha vida já está ruim o suficiente para que eu dê importância a insanidades ditas por alguém dominado por um ciúme bobo e sem fundamento.

 

  —Se sinto ciúmes da princesa é porque eu a amo.

 

  —Mas, eu não amo você! Não amo você e não amo Alon! — Afirmo. — O único que posso oferecer aos dois é a minha amizade, coisa que você tem desde que éramos crianças.

 

   Dou-lhe as costas e caminho em direção ao meu quarto. De uns dias para cá eu vinha considerando a hipótese de ter por Chibale um sentimento maior do que amizade, mas depois do que acaba de acontecer eu me questiono se ele merece até mesmo minha amizade. Compreendo o que ele sente por mim, mas isso não lhe dá o direito de agir com ciúmes só porque me aproximei de Alon. Chibale não é meu namorado, meu noivo ou meu marido para agir como se eu pertencesse a ele. E mesmo que fosse, eu jamais admitiria que um homem me tratasse como sua propriedade.

 

 

   Por Henutmire

 

  —Coma ao menos um pouco, princesa. — Paser pede ao colocar uma bandeja com comida sobre a cama. — A senhora precisa se alimentar.

 

  —Eu agradeço a sua preocupação, mas não posso. — Falo. — Yunet esteve aqui e deu a entender que iria envenenar a minha comida. Nós a conhecemos bem, sabemos do que ela é capaz.

 

  —Está fazendo exatamente o que ela quer. — Ele fala. — Se a senhora se recusar a comer, Yunet não terá sequer o trabalho de envenená-la.

 

  —Prefiro morrer de fome do que morrer envenenada por aquela mulher.

 

  —Não diga uma coisa dessas! A senhora tem toda uma vida pela frente e duas filhas que ainda precisam muito da mãe. — Paser fala e eu não deixo de lhe dar razão. O sumo sacerdote pega uma fruta e estende-a em minha direção. — Eu mesmo peguei essa fruta e os outros alimentos na cozinha, garanto que é seguro comê-los.

 

  —Eu não tenho coragem, Paser. — Recuso.

 

  —Pelos deuses, princesa! Se a senhora continuar agindo assim seu corpo ficará fraco e não conseguirá mais pensar com clareza. — Ele fala, preocupado comigo. — Por favor, coma alguma coisa ou ao menos beba um pouco de água.

 

  —Não consigo.

 

  —Está bem, não posso obrigá-la a se alimentar contra a sua vontade. — O sumo sacerdote coloca a fruta de volta na bandeja. — Preciso ir agora, mas se eu puder lhe ajudar de alguma forma é só mandar me chamar.

 

  —Paser, você poderia me trazer um papiro em branco e tinta? — Pergunto. — Acho que escrever pode me distrair um pouco da monotonia desta cela.

 

  —Claro, princesa. — O sumo sacerdote concorda. — Pedirei a Simut que traga o que me pediu.

 

  —Obrigada, meu bom amigo. — Sorrio.

 

  —Não precisa agradecer, minha senhora. — Paser sorri ao fazer uma simples reverência e em seguida se retira.

 

(...)

 

   Coloco o papiro sobre o um pequeno móvel de madeira, o qual usei como mesa para poder escrever. Dois dias se passaram desde a visita de Yunet. Desde então, não coloco comida ou bebida em minha boca. Sinto-me cada vez mais fraca e debilitada, mal tenho forças para me sustentar de pé. Pequenos e lentos passos já fazem com o ar falte a meus pulmões e eu me sinta como se tivesse corrido do Alto até o Baixo Egito sem descanso. Além disso, Paser estava certo quando disse que a falta de alimentação deixaria meus pensamentos confusos. Na manhã anterior, despertei com grande susto ao me deparar com meu pai sentado ao meu lado. Seu olhar para mim era tão amoroso, tão cuidadoso... Não me lembro bem de suas palavras, mas uma frase sua não sai de minha mente: "Eu volto para te buscar". Isso prova que só posso estar enlouquecendo.

 

   Com grande esforço chego até a cama e sento-me. Fecho meus olhos por alguns instantes, tentando repor as poucas forças que ainda me restam. Passo a mão levemente em meu rosto para afastar de sobre ele um fio desordenado de minha peruca, mas me espanto ao sentir com a ponta de meu dedos algo como uma ferida, que causa grande dor.

 

  —O que é isso? — Pergunto assustada ao ver outras feridas surgirem em meus braços, aumentando a dor tão incômoda. — Eu estava certa! Ela me envenenou! — Afirmo, me referindo a Yunet. — Não! Eu não posso morrer. Não sem antes...

 

   Apesar de estar fraca e sentir muita dor, coloco-me de joelhos no chão frio da cela e ergo minhas mãos para o alto. Eu não sei como fazer isso, mas preciso pedir ajuda ao Deus dos hebreus.

 

  —Senhor, Deus de Moisés, se existe mesmo, se está acima de todos os deuses, eu lhe peço que me dê a chance de me despedir de meus filhos. — Pela primeira vez, clamo ao Deus de Israel. — O Senhor trouxe Moisés até mim através das águas do Nilo e me concedeu o milagre de trazer Hadany e Tany ao mundo. Por favor, me permita vê-los uma última vez. Eu lhe peço, por fav... — Não ouço mais o som de minha voz e o único que sinto é minhas forças me abandonarem e minhas vistas ficarem escuras.

 

 

   Por Tany

 

   Por todos os lados do palácio há pessoas gemendo de dor, tentando se manter de pé encostadas nas paredes. Todos estão sofrendo por causa da teimosia sem fim de meu tio. As úlceras são uma nova praga enviada por Deus para convencer o faraó a ceder.

 

  —Isso precisa acabar. — Hadany fala, enquanto andamos pelo corredor. — Será que o rei não percebe que está condenando seu próprio povo a morte?

 

  —Seria ótimo se o rei reconsiderasse, princesa. — Leila fala. — Esta praga é muito séria, pode ter consequências muito piores que as outras.

 

  —Minha mãe! — Minha irmã exclama de súbito. — A praga com certeza a atingiu também.

 

  —Infelizmente a praga atinge a todos os egípcios, sem exceção. — Minha cunhada fala com pesar.

 

  —Leila, você precisa ir vê-la, saber como ela está. — Peço, preocupada com a saúde de minha mãe. — Presa e sem se alimentar ela vai precisar de cuidados redobrados durante esta praga.

 

  —Claro, eu já pensava mesmo em ir até lá. — Ela fala. — Posso levar comida e roupas limpas para que ela possa se trocar.

 

  —Mayra... — Hadany pronuncia em voz baixa e nossas atenções se voltam para minha prima, que caminha a passos lentos e fracos em nossa direção. Minha irmã vai ao seu encontro e se ajoelha para que a menina se apóie nela. — Mayra, você está bem?

 

  —Está doendo muito. — Ela responde, se referindo as feridas em seu corpo. — O que é isso?

 

  —É uma nova praga, alteza. — Leila responde.

 

  —Vai durar por muito tempo? — Mayra pergunta. Sua voz é baixa e seus olhos quase não se abrem por completo. De longe se pode notar o quanto as úlceras estão enfraquecendo minha prima.

 

  —Não, logo vai acabar. — Hadany responde com voz embargada e olhos marejados por lágrimas.

 

  —Que bom. — Mayra sussura em um sorriso frágil, com sua cabeça recostada no ombro de Hadany.

 

  —Venha, vou levar você para o seu quarto. — Minha irmã toma Mayra em seus braços, com todo cuidado para não lhe provocar ainda mais dor. — Ela precisa de cuidados, mas não faço ideia de quais e de como proceder.

 

  —Eu posso cuidar dela. — Leila se oferece. — Ficarei ao seu lado o tempo todo.

 

  —E minha mãe? — Pergunto.

 

  —Encontraremos outra pessoa que possa ir até ela, ou então uma de nós duas irá a prisão. — Hadany responde. — É melhor que Leila fique com Mayra, ela está muito fraca.

 

  —Você tem razão. — Acaricio com carinho o rostinho frágil de minha prima.

 

  —Procurem Radina. — Leila pede. — Ela pode ir até a cela da princesa, tenho certeza que não se negará a ajudar.

 

 

   Por Anat

 

  —Como isso dói. — Murmuro, me referindo as úlceras.

 

  —Estou fazendo errado? — Alon pergunta, enquanto envolve um pano macio em cima de uma ferida em minha mão esquerda.

 

  —Não, está fazendo melhor do que eu própria faria. — Respondo. — Não sente dor?

 

  —Sinto, mas posso suportar. — Ele responde ao passar levemente um unguento sobre as feridas de meu braço. — Você precisa de cuidados mais do que eu.

 

  —Seus pais devem ter sido pessoas muito boas.

 

  —Por que diz isso?

 

  —Porque você é bom. — Olho para ele.

 

  —Se sou uma boa pessoa é por princípios próprios. — Alon fala. — Que bondade há em uma mulher que abandona o filho recém nascido na porta de um templo?

 

  —Às vezes não temos escolha. — Falo triste ao me lembrar de meu filho morto. — Você nunca quis saber quem ela era?

 

  —Quando eu mais precisava de minha mãe ao meu lado, ela não estava lá. — Ele desvia seu olhar para o vazio. — De quê adiantaria procurá-la se agora eu posso cuidar de mim mesmo sozinho?

 

  —Esclarecer sua história, suas origens e talvez até saber o real motivo que a levou a te abandonar.

 

  —Minha história eu vivi dentro das paredes do templo de Seth, minhas origens são cada espada que peguei em minhas mãos desde criança. — Alon volta seu olhar para mim. — Isso é o que eu sou e o que me interessa saber sobre mim.

 

  —Você pensa como eu pensei um dia. — Tento disfarçar um pequeno gemido provocado pela dor.

 

  —Descanse, você precisa poupar suas forças. — Ele pede carinhosamente.

 

  —Eu já não sei o que é isso, estou cada vez mais fraca. — Falo e começo a tossir sucessivamente.

 

  —Beba um pouco. — Alon leva uma taça com água até meus lábios assim que a tosse cede.

 

  —Alon, se eu morrer...

 

  —Não diga tolices, Anat. — Ele me interrompe.

 

  —Se eu morrer, prometa que manterá viva a minha lembrança dentro de você. — Peço e seguro sua mão. — Você é a única pessoa nesse mundo que conhece o que restou do que eu fui um dia, e o único que talvez vá sentir a minha falta, por menor tempo que seja, quando eu deixar de existir.

 

  —Anat...

 

  —Prometa, Alon.

 

  —Eu prometo, tem a minha palavra. — Ele fala, me fazendo sorrir. — Agora, durma.

 

   Então, fecho meus olhos e sinto a mão de Alon segurar a minha. Eu resisti á cinco pragas, mas não irei resistir a essa. A morte está mais próxima de mim do que eu imaginava, já sinto o vazio escuro que ela carrega consigo.

 

 

   Por Radina

 

   Conforme o combinado, esperei a noite cair para ir até a cela da princesa Henutmire. Deixei suas filhas apreensivas e ansiosas quanto ao meu retorno, para saberem notícias de sua mãe. Enquanto caminho pelo corredor da prisão observo muitos oficiais prostrados no chão. Alguns ainda emitem baixos gemidos de dor e agonia, mas outros já estão mortos. Essa praga só não está tirando mais vidas que a primeira. No entanto, se ela se estender por muito tempo, muito poucos sobreviverão.

 

  —Princesa? — Exclamo assustada ao entrar na cela e me deparar com a princesa desacordada no chão. Coloco as roupas e o pequeno cesto com comida e água que trazia nas mãos sobre o móvel e de imediato me abaixo até a irmã do rei, levantando sua cabeça e colocando-a em meu colo. — Senhora, acorde. Por favor, acorde.

 

  —Radina? — Ela fala ao abrir seus olhos devagar.

 

  —Sim, sou eu. Deixe-me ajudá-la.

 

   Me esforço para ajudar a princesa a se levantar e praticamente a arrasto até a cama, já que ela está tão fraca que mal se aguenta de pé. Após colocá-la deitada, sirvo água em uma taça e a ofereço a princesa.

 

  —Eu não posso. — Ela recusa.

 

  —Beba ao menos um pouco. — Insisto. — A senhora precisa de algum líquido, está muito fraca.

 

  —Yunet envenenou a água, as frutas... Eu não posso comer ou beber nada. — A princesa fala com respiração pesada. — Essas úlceras pelo meu corpo são resultado do veneno.

 

  —As úlceras não são obra de Yunet, senhora. — Falo. — É uma nova praga.

 

  —Outra praga? — Ela indaga. — Você tem certeza?

 

  —Veja, eu também tenho feridas pelo corpo e todos no palácio e no Egito estão da mesma forma. — Respondo. — Agora, beba um pouco de água. Eu garanto que está pura e que não lhe fará nenhum mal.

 

  —Está bem. — A princesa concorda e logo em seguida bebe um pouco da água da taça. — Você é dama de Nefertari, não deveria estar cuidando dela?

 

  —Neste momento, a senhora precisa mais de mim do que a grande esposa real. — Falo. — Eu trouxe um unguento e panos limpos. Me deixa limpar suas feridas?

 

(...)

 

  —Tem certeza de que não quer comer ao menos uma fruta? — Pergunto após ajudar a princesa a se trocar.

 

  —Eu agradeço, mas não. As úlceras podem ser uma praga, mas Yunet pode ter envenenado os alimentos antes mesmo que você os pegasse na cozinha. — Ela me olha. — Obrigada por ter se preocupado comigo e vindo até aqui.

 

  —Não precisa agradecer, alteza. — Sorrio. — Se houver algo mais que eu puder fazer pela senhora, é só dizer.

 

  —Tudo o que eu preciso já pedi ao Deus de meu filho. — A princesa fala, convicta, e sorri. — Mas, você poderia me fazer um favor?

 

  —Claro que sim.

 

  —Escrevi aquele papiro para minhas filhas. — Ela aponta para o pequeno móvel e logo vejo um papiro sobre ele. — Pegue-o e entregue a elas.

 

  —Levarei para elas assim que sair daqui. — Falo ao pegar o papiro em minha mão direita.

 

  —Os braceletes...

 

  —Estão aqui. — Pego as jóias em minha mão esquerda. — Quer colocá-los?

 

  —Não, leve-os junto com o papiro. Dê um a Hadany e o outro a Tany. — A princesa pede. — Foram o último presente que me foi dado por Hur e será o último presente que darei a minhas filhas. Diga a elas que são uma pequena prova do amor que tenho e sempre terei por elas.

 

 

   Por Hadany

 

   Tento me acalmar, mas acabo andando de um lado para o outro. Nunca esperei tanto que alguém entrasse por aquelas portas como espero agora pelo retorno de Radina. Meu coração fica cada vez mais angustiado a cada instante, o medo de que algo aconteça a minha mãe só aumenta.

 

  —Tany! — Vejo minha irmã entrar nos aposentos de nossa mãe.

 

  —Nunca te vi tão desapontada em me ver.

 

  —Não se trata disso! Eu pensei que fosse Radina. — Explico. — Já faz tempo que ela foi ver nossa mãe e até agora não voltou.

 

  —Acalme-se, Hadany. — Minha irmã pede. — Vai dar tudo certo.

 

  —Tomara. — Falo. Então, me lembro do motivo pelo qual Tany me deixou esperando por Radina sozinha. — E Mayra, como está?

 

  —Mal. Paser foi vê-la, mas não há muito o que se possa fazer. — Tany responde. — Ele não disse nada, mas seus olhos demonstraram o medo de perder a neta.

 

  —Mayra é apenas uma criança, mas possui uma força interna extraordinária. — Afirmo, mesmo triste por saber que minha prima corre risco de vida. — Ela vai ficar bem, tenho certeza.

 

  —Assim espero. Mayra é como nossa irmã, seria uma dor imensa perdê-la.

 

  —Deus não vai permitir que isso aconteça. — Falo. — Não vamos perder ninguém que amamos, ninguém.

 

  —Com licença, princesa. — Radina pede ao entrar.

 

  —Finalmente você voltou, Radina. — Falo, eufórica. — Como está minha mãe?

 

  —Não vou mentir, alteza, ela está muito mal. Quase não tem forças sequer para falar e sente muita dor por causa das úlceras. — Radina responde. — Eu a encontrei desacordada quando entrei na cela.

 

  —Ela comeu alguma coisa? — Tany pergunta, enquanto eu permaneço desnorteada pelas palavras da princesa núbia sobre minha mãe.

 

  —Não, ela se recusa terminantemente a comer. — Radina fala. — O único que consegui foi fazê-la beber um pouco de água.

 

  —Tany, ela vai... — Com voz embargada, sequer tenho coragem de completar minha frase.

 

  —Não, não vai. — Minha irmã me abraça. — Você disse que não vamos perder ninguém que amamos e temos que acreditar nisso.

 

  —Sua mãe é forte, não vai desistir ou se entregar tão facilmente. — A princesa núbia afirma com certeza impressionante. — Ela me pediu para trazer isso.

 

  —São os braceletes que meu pai deu de presente a ela e que estava usando no dia em que foi presa. — Falo ao ver as jóias na mão de Radina.

 

  —Ela pediu que eu desse um a cada filha e disse que este era o último presente que lhes daria. — Radina fala ao entregar um bracelete a mim e outro a Tany. — Disse que são uma pequena prova do amor que tem e sempre terá pelas filhas.

 

  —Acha que ela disse isso como uma despedida? — Pergunto, enquanto uma única lágrima escapa de meus olhos e rola por meu rosto.

 

  —Não saberia dizer, mas talvez isso responda a sua pergunta. — Radina me entrega um papiro. — É da princesa, ela pediu que eu o entregasse a suas filhas.

 

  —Obrigada por tudo, Radina. — Tany agradece.

 

  —Imagina, não fiz nada demais. — Ela fala. — Se precisarem de mim, seja para o for, é só me chamar. Com licença.

 

   Radina se retira e se não fosse pelo ruído das portas se abrindo e se fechando em seguida eu não saberia que agora estou sozinha com minha irmã nos aposentos. Meus olhos não se desviam do bracelete de ouro e do papiro em minhas mãos. Meu pai presenteou minha mãe com estas jóias pouco antes de ela descobrir a verdade sobre Miriã e os dois discutirem. Um presente dado antes de uma tragédia... E agora, os mesmos braceletes chegam até mim e minha irmã, um presente dado por nossa mãe.

 

  —Por que ela nos daria os braceletes se nem mesmo depois de brigar com o papai se desfez deles? — Tany questiona.

 

  —Eu não gosto nem de imaginar o motivo. — Falo ao me sentar na cama.

 

  —Vai usá-lo? — Ela pergunta ao ver que coloco o bracelete em meu braço direito.

 

  —Ele é meu agora, não é? — Falo, novamente com voz embargada. Sinto em meu coração que este presente de minha mãe significa uma despedida, e uma despedida definitiva, mas não ouso dizer isso a minha irmã.

 

  —O que será que ela escreveu para nós? — Tany pergunta ao colocar também o bracelete em seu braço direito.

 

  —Já vamos saber. — Desenrolo o papiro e começo a lê-lo em voz alta.

 

 

   "Minhas preciosas filhas, perdoem-me por me despedir desta forma, mas a última coisa que desejo é que a última imagem que tenham de mim seja de uma mulher trancada em uma cela, fraca, debilitada e sem o mínimo de esperança de que ainda há vida para ser vivida se algum estiver fora daqui. Quero que sejam sempre exatamente como são, jamais mudem. Eu tenho muito orgulho de cada uma e do coração nobre que possuem. Vocês são a maior riqueza que possuo e o melhor presente que me foi dado por Deus. Sim, eu estou convencida de que foi este Deus único que me concedeu o milagre de gerar vocês em meu ventre e trazê-las ao mundo.

   Hadany, se lembra da noite em que você estava inquieta e quando lhe perguntei o porquê você disse que estava com medo de dormir porque havia tido um pesadelo na noite anterior? Jamais tenha medo, minha filha. Não tenha medo dos pesadelos que roubam seus sonhos, seja quando pega no sono ou quando está acordada. Lembre-se daquela noite onde eu te abracei e disse que em seus olhos havia uma luz que iluminaria você para sempre. Eu sempre estarei ao seu lado, pode voltar a dormir tranquila.

   Tany, se lembra do dia em que brincava com a areia nas margens do Nilo e construiu um castelo? Quando estava quase por terminar, ele se desmanchou por completo e você veio até mim chorando. Se lembra que eu disse que lhe ajudaria a construir outro? Jamais deixe que as circunstâncias façam você desistir, minha filha. Não há nada que não possa ser refeito e não há queda que te faça permanecer no chão. Eu sempre estarei com você para ajudá-la a se levantar, somente não se esqueça disso.

   Eu sempre estarei com vocês, estejam onde estiverem. Sempre sentirão minha presença por perto, pois meu coração está e sempre estará com minhas filhas. Eu sempre sonhei em carregar em meus braços um filho gerado em meu ventre, mas jamais imaginei que ele representaria para mim o que vocês representam. Não são apenas minhas filhas, são extensões do grande e sublime amor que existe entre mim e seu pai.

   Sei que ninguém vive o bastante para ensinar tudo sobre a vida, o que pude ensinei a vocês. Não tenham medo de viver. Vivam o presente, olhem para o futuro e esquecem o passado. Viver! Ousem viver intensamente cada dia! Por pior que seja o hoje, o sol sempre nasce. Uma nova manhã sempre é início de um novo dia.

   Hadany, minha valente guerreira... Tany, minha brilhante estrela... Obrigada por me proporcionarem a dupla honra de ser mãe e por cada sorriso que colocaram em meus lábios. Eu as amo muito e amarei para sempre."

 

 

   As muitas lágrimas quase impedem meus olhos de enxergar qualquer coisa a minha frente. Olho para Tany e vejo que seus olhos não estão diferentes dos meus. Se eu tinha alguma dúvida de que isso é uma despedida, não tenho mais. Minha mãe escreveu este papiro e nos deu os braceletes de presente como forma de se despedir.

 

  —Tany... — Faço um grande esforço para que minha voz sobressaia a minhas lágrimas. — Nós temos que tirá-la de lá.


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