O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 32
Capítulo 32


Notas iniciais do capítulo

Não sei se me desculpo ou não pela demora em postar novo capítulo, mas a verdade é que tenho recebido poucos comentários comparado ao que recebia antes. Não receber um retorno desanima demais, vocês nem tem ideia. Mas, é isso aí! Aqui está o cap. 32. Boa leitura!



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   Por Hur

 

   Desde que deixei o palácio não tenho feito outra coisa senão pensar em Henutmire. Todavia, esta noite em especial estou preocupado com ela como jamais estive. Sinto em meu coração que algo grave aconteceu ou está para acontecer a minha esposa.

 

  —O senhor está nervoso. — Bezalel fala, chamando minha atenção para ele.

 

  —Dá para notar? — Pergunto.

 

  —Seria impossível não notar, vô. Está estampado em seu rosto para quem quiser ver o quanto está preocupado com a princesa. — Meu neto responde. — Deveria ter ido com Moisés até o palácio.

 

  —Deveria, mas no estado em que estou eu só iria atrapalhar.

 

  —Então, é melhor o senhor se acalmar e esperar que tragam notícias se o plano de Moisés foi bem sucedido ou não. — Bezalel fala ao me colocar sentado como se eu fosse uma criança inquieta.

 

  —Eu tenho medo, Bezalel. Mas, não é medo de que o plano de Moisés não dê certo. — Respiro fundo para ter coragem de continuar falando. — Tenho medo de perder Henutmire, mas não perder no sentido de nos separarmos por causa do desentendimento que tivemos antes de eu ser expulso do palácio. — Olho para meu neto. — É medo de perdê-la para algo muito maior e mais definitivo do que isso.

 

  —A morte? — Bezalel indaga e eu apenas afirmo que sim com um aceno de cabeça. Sequer ouso considerar que Henutmire pode morrer e me deixar aqui, em um mundo que se tornaria cruel e vazio sem a beleza de seus olhos e a alegria de seu sorriso. — O senhor a ama muito, não é?

 

  —Mais que a minha própria vida, e isso só me deixa ainda pior. — Respondo. — Quando Moisés chegar com Henutmire, talvez ela não me queira por perto, não queira me ver.

 

  —Acha que ela ainda está magoada com o senhor?

 

  —Eu conheço a mulher com quem me casei, Bezalel. — Falo com tristeza. — Henutmire não vai me perdoar tão cedo, e até lá o único que receberei dela é frieza e indiferença.

 

 

   Por Hadany

 

  —Isso é loucura. — Uri fala após eu lhe contar sobre o que pretendo fazer.

 

  —Loucura seria deixar minha mãe naquele lugar, sabendo que ela está morrendo, e não fazer nada. — Falo. — Por favor, Uri. Você é a única pessoa que pode me ajudar.

 

  —É muito perigoso, Hadany. — Ele argumenta. — Se o soberano descobre não quero nem imaginar o que acontecerá conosco.

 

  —Então, imagine o que vai acontecer com minha mãe! — Exclamo, nervosa. — Se ela morrer naquela cela será por sua culpa, porque você não quis ajudar.

 

  —Tente se acalmar.

 

  —Você perdeu sua mãe, não é? Então, sabe o que um filho sente quando perde para a morte a mulher que lhe deu a vida. — Tento permanecer firme diante do choro que me toma aos poucos. — Tany e eu vamos tirar nossa mãe da prisão com ou sem a sua ajuda, mas sem ela vamos demorar mais.

 

(...)

 

  —O palácio até parece desabitado. — Uri comenta, enquanto caminhamos pelos corredores da prisão em busca da cela onde está minha mãe.

 

  —Todos devem estar procurando um alívio para a dor. — Tany fala, olhando os oficiais prostrados pelo chão, em sua maioria já mortos. — Hadany, tem certeza que é por aqui?

 

  —Sim, Radina me explicou muito bem o caminho. — Respondo. A irmã de Jahi teria vindo conosco, mas alguém precisava ficar para preparar os aposentos para receber minha mãe. — Vejam, é ali.

 

   Meus irmãos e eu caminhamos até a cela, eu em uma grande esperança de que não seja tarde demais e que minha mãe esteja bem. Uri abre a porta e entramos no local tão pouco iluminado. Permaneço alguns instantes olhando a minha volta, imaginando o que minha mãe passou estando aqui nos últimos dias. Mas, logo volto minhas atenções para a cama, onde ela permanece deitada com seus olhos fechados. Me aproximo com certa cautela e vejo em seu rosto e seus braços várias feridas, as úlceras.

 

  —Mamãe... — Chamo por ela ao acariciar seu rosto suavemente. — Acorde.

 

  —Abra os olhos, mamãe. — Tany pede, segurando sua mão. — Somos nós, suas filhas.

 

  —Mãe? — Chamo novamente, mas ela não abre seus olhos nem demonstra que está nos ouvindo. — Mãe, por favor, acorde.

 

  —Não! Ela não pode estar... — Tany não completa o que diz, pois o choro embargou sua voz.

 

  —Ela está respirando. — Uri afirma ao aproximar seu rosto do de minha mãe. Em seguida, ele coloca o ouvido sobre seu peito e fica parado por alguns segundos. — O coração está muito fraco, ela precisa de cuidados.

 

  —Ela pode morrer? — Minha irmã pergunta.

 

  —Se não nos apressarmos, sim. — Ele responde.

 

   Uri então toma minha mãe em seus braços, com todo o cuidado para não machucá-la. Ela permanece de olhos fechados, sem sentidos, como se estivesse entregue a um sono profundo. Tento não demonstrar que vê-la tão fraca e debilitada me faz temer por sua vida. Saímos da cela e com o máximo de rapidez que a situação nos permite nos dirigimos para fora da prisão, lugar onde eu pretendo nunca mais colocar os pés.

 

 

   Por Leila

 

  —Isso dói tanto. — A princesa sussura, enquanto envolvo suavemente um tecido macio em sua mão após ter passado um unguento sobre a ferida. — Tia Henutmire está mesmo bem?

 

  —Eu não sei ao certo, mas Radina foi até prisão para cuidar dela. — Respondo. — Não se preocupe, ela vai ficar bem.

 

  —Não entendo porque meu pai a mandou para lá. — A menina fala. — Ela não cometeu nenhum crime para estar presa.

 

  —O soberano fez o que achou correto, alteza. — Falo. — Não cabe a nós discutir as ordens do rei, apenas obedecer.

 

  —Isso não é justo.

 

  —Muitas coisas na vida não são justas, princesa. — Falo ao colocar seu braço delicadamente sobre a cama, na qual permanece deitada. — Como por exemplo, uma criança sofrer pela teimosia de um adulto.

 

  —Ou um adulto ver uma criança morrendo e não poder fazer nada. — Ela acrescenta, se referindo a si mesma como a criança e a mim como o adulto.

 

  —Com licença. — O rei fala ao entrar nos aposentos da filha.

 

  —Majestade. — Faço menção de me levantar para reverenciar o rei, mas ele me impede.

 

  —Não se incomode, Leila. — Ele fala. — Apenas vim ver como está minha filha.

 

  —Ela está suportando bem, apesar de estar fraca. — Falo.

 

  —Minha filha é uma guerreira. — Ele sorri para a menina, que permanece olhando-o incrédula.

 

  —O que veio fazer aqui? — A princesa pergunta sutilmente.

 

  —Quero conversar com você, Mayra. — O rei se ajoelha ao lado da cama e segura a mão da filha.

 

  —Vou deixá-los a sós.

 

  —Fique, Leila. — Ele pede, para minha surpresa. — Você tem cuidado de minha filha, sei que provavelmente ela gosta mais de você do que de mim. Sua presença vai deixá-la mais segura, mais a vontade.

 

  —Como o soberano desejar. — Eu, que havia me levantado, volto a me sentar na beirada da cama da filha do faraó.

 

  —Não sente dor? — Ela pergunta ao olhar com atenção para as feridas no rosto de seu pai.

 

  —Nada que eu não possa suportar. — Ele responde. — Mayra, eu quero te pedir perdão pela forma como me comportei com você até hoje.

 

  —Eu não entendo.

 

  —Há mais ou menos cinco anos eu não dou a você a atenção que merece, eu não tenho sido seu pai. — O soberano fala. — Mas, isso não significa que eu não a ame, minha filha. Por vezes perguntei a sua mãe sobre você, sobre como estava e ela disse que eu não deveria me preocupar porque como mãe estava cuidando muito bem da sua educação. Acabei me deixando levar por isso e nunca procurei você para saber como tinha sido a aula de dança, para lhe dar um beijo de boa noite, lhe contar uma história antes de dormir ou lhe ensinar algo que não deveria saber, como manusear uma espada ou usar o arco e flecha. — Ele brinca, fazendo a menina rir. — Você pode me perdoar por isso?

 

  —Posso sim, porque não é sua culpa. — A princesa diz e mesmo em silêncio eu concordo com ela. Não que eu deva me meter nesse assunto, mas a rainha sempre fez por onde manter o rei afastado da filha mais nova. — O senhor é o rei, tem uma nação para governar e deve se concentrar mais em Amenhotep, que é o filho homem e herdeiro do trono.

 

  —Você tem razão, mas isso não quer dizer que não me importo e não me preocupo com você. — O faraó acrescenta, enquanto acaricia o rosto delicado da menina. — Eu te daria tudo o que quisesse e jamais negaria um pedido seu. Faria o que for para te ver feliz.

 

  —De verdade?

 

  —Claro que sim. — Ele responde. — Me diga algo que você quer muito e eu te darei, como prova de que estou disposto a mudar de atitude com minha filha.

 

  —Uma coroa. — Ela fala.

 

  —Uma coroa? — O rei estranha o pedido da filha.

 

  —Eu sempre quis ter uma coroa, já que Hadany, Tany e até Amenhotep têm as suas. — A menina responde. — Eu posso?

 

  —Pode sim, minha filha. Falarei com o joalheiro real e amanhã mesmo ele começará a trabalhar em sua coroa. — Ele sorri. — Será a mais linda de todo o Egito.

 

  —Obrigada, papai. — Ela corresponde ao sorriso do pai.

 

  —Agora, descanse. — Ele deposita um beijo carinhoso na testa de sua filha. — Eu volto para vê-la amanhã.

 

  O rei se levanta e me lança um olhar que posso dizer ser de agradecimento e deixa os aposentos da princesa. Eu tento não deixar transparecer o meu espanto com o que presenciei. Acabo de ver um outro faraó Ramsés II diante de mim, um homem completamente diferente do que todos conhecem.

 

 

   Por Tany

 

  —Cuidado com ela, Uri. — Peço assim que atravessamos as portas dos aposentos de minha mãe.

 

  —Graças aos deuses! Eu já estava aflita com a demora. — Radina demonstra alívio ao nos ver. — Como ela está?

 

  —Muito fraca. — Uri responde ao colocar minha mãe em sua cama.

 

  —Vá chamar Paser, depressa. — Hadany pede a Radina, que de imediato se retira para buscar o sumo sacerdote.

 

  —Mãezinha, por favor, acorde. — Peço, quando minha irmã e eu nos sentamos na cama ao seu lado, mas não sou atendida. — Por favor, volte. Não vá onde não podemos seguí-la.

 

  —A senhora me fez uma promessa, lembra? — Hadany sorri, o que faz contraste com suas lágrimas. — Me prometeu que seria forte para resistir a qualquer praga. — Ela segura a mão de nossa mãe junto de si. — Por favor, mamãe, não descumpra sua promessa.

 

   Recebemos apenas silêncio como resposta a nossos pedidos suplicantes. Ver minha mãe permanecer sem sentidos, devido a estar muito fraca, é pior que qualquer tortura. Não! Eu não posso perdê-la! Não estou e nunca estarei pronta para perder para a morte a mulher que me ajudou a dar meus primeiros passos, que ensinou a mim e a minha irmã a dançar... Mas, que principalmente nos deu a vida e amor incondicional, acima de qualquer circunstância.

 

  —Eu sinto muito. — É tudo o que Uri diz ao ver o desespero de suas irmãs se mostrar em forma de lágrimas.

 

  —Ela vai ficar bem, não vai? — Pergunto para meu irmão, com a vã esperança de que ele me responda que sim. — Ela vai acordar e vai sorrir ao nos ver ao lado dela.

 

  —Vamos ter fé. — Minha irmã pede.

 

  —Hadany! Tany! — Moisés chama ao entrar nos aposentos, supreendendo-nos com sua presença. Ele nos abraça fortemente assim que se aproxima de nós. — Vocês estão bem?

 

  —Na medida do possível. — Respondo com tristeza notável na voz.

 

  —Mãe... — Ele chama por ela ao se ajoelhar ao lado da cama, ficando no espaço entre mim e Hadany. Todavia, assim como minha irmã e eu, Moisés não recebe resposta. — Ela está muito fraca. Isso não pode ser só por causa da praga.

 

  —A chegada da praga apenas a enfraqueceu ainda mais. — Hadany fala. — Há dias nossa mãe não estava se alimentando, por medo de ser envenenada por Yunet.

 

  —Eu não vou deixar que nada de mal aconteça a senhora, minha mãe. — Moisés afirma ao acariciar o rosto de nossa mãe. — Eu prometo.

 

  —Por que está falando desse jeito? — Pergunto, intrigada.

 

  —Eu vim até o palácio com a intenção de tirar nossa mãe daqui e levá-la comigo para a vila. — Moisés responde. — Quando estava indo para a prisão, encontrei a irmã de Jahi, que me disse que vocês haviam trazido ela para cá.

 

  —Teria mesmo coragem de levá-la embora? — Uri questiona.

 

  —Sim, foi para isso que vim e eu a levaria agora mesmo. — Moisés afirma com segurança, o que me faz pensar sobre ser melhor para minha mãe ir para a vila com ele. — Mas, ela está muito debilitada, vai precisar de cuidados que somente Paser pode dar.

 

   Nossas atenções se voltam para minha mãe ao ouvir dela um baixo gemido de dor. Seus olhos se abrem absurdamente devagar, até que sua visão se torna clara o suficiente para que ela contemple o rosto de Moisés com grande surpresa.

 

  —Filho? — Ela indaga, incrédula. Todavia, mais surpresa fica ao desviar seu olhar para os lados e ver Hadany e eu junto a Moisés. — Meus filhos...

 

  —Sim, mãe. — Falo com um largo sorriso de felicidade e alívio ao vê-la acordada e consciente, ainda que falando com dificuldade. — Estamos aqui, os três.

 

  —Isso é um sonho... — Minha mãe sorri. — Ou então Deus atendeu ao meu pedido.

 

  —O que a senhora pediu a Deus, minha mãe? — Moisés pergunta.

 

  —Que me permitisse ver meus filhos uma última vez. — Ela fala com respiração pesada, mas não deixa de sorrir para seus três filhos. Suas palavras me levam a entender que ela própria pensou que iria morrer. — Ele me atendeu. Vocês estão aqui.

 

  —Poupe suas forças, a senhora está muito fraca. — Hadany pede ao passar suavemente a ponta de seus dedos na testa de nossa mãe.

 

(...)

 

  —Eu recomendo que fique de repouso e não faça nenhum esforço desnecessário. — Paser fala para minha mãe, após examiná-la. — É melhor também que coma um pouco que seja, para ajudar a repor suas forças.

 

  —Eu posso preparar algo para a princesa comer. — Radina se oferece.

 

  —Claro, Radina, faça isso. Mas, que seja algo bem leve. — O sumo sacerdote orienta. — Ela ficou muitos dias sem se alimentar, temos que fazê-la voltar a comer aos poucos.

 

  —Eu não quero. — Minha mãe fala. — Não quero comer nada.

 

  —Alteza, a senhora está muito fraca e isso se deve mais a falta de alimentação do que a praga. — Paser fala. — Precisa comer o mínimo que seja para ajudá-la a se recuperar.

 

  —Eu não posso. — Ela se recusa. — Yunet pode tentar me envenenar, aliás, não apenas ela.

 

  —Yunet está acamada em seus aposentos, sequer consegue ficar de pé por causa da praga. — Paser diz e eu penso comigo mesma o que minha mãe quis dizer com "não apenas ela". — Não volte a se comportar dessa maneira, minha senhora. Pense em sua saúde, em seus filhos que ficaram apavorados com a possibilidade de perder a mãe que tanto amam.

 

  —Já sabe a minha resposta. — Minha mãe não se deixa convencer pelos argumentos de Paser.

 

   Moisés, Hadany e eu, que apenas observávamos tudo em silêncio, agora nos entreolhamos sem saber o que fazer. Paser, que estava sentando ao lado de minha mãe, se levanta e vem até nós, nos afastando um pouco da cama para que possamos conversar sem que ela nos ouça. Radina, por sua vez, se aproxima de minha mãe e chama sua atenção ao conversar carinhosamente com ela.

 

  —E então, Paser? — Hadany pergunta.

 

  —Não há muito o que eu possa fazer, princesa. Essa é uma situação onde fórmulas não ajudam em nada. — Ele responde. — A praga a deixou ainda mais fraca, mas se continuar se recusando a comer será praticamente impossível que apresente alguma melhora. Ela pode não resistir.

 

  —Com licença. — Moisés pede e caminha em direção a varanda. Vejo a tristeza estampada em seu olhar, certamente pelo que Paser acaba de nos dizer.

 

  —O que podemos fazer para convencê-la a se alimentar? — Minha irmã pergunta.

 

   Se o sumo sacerdote responde Hadany eu já não lhe dou atenção, pois silenciosamente vou atrás de Moisés. Ao chegar na varanda, quase posso ver lágrimas rolarem pelo rosto de meu irmão, que ergue suas mãos em direção ao céu e olha fixamente para as estrelas.

 

  —Meu Deus e único Senhor, Aquele a quem os céus e a terra obedecem ao comando de sua voz, Aquele que me sustenta e não me deixa fraquejar. Aquele que tudo criou e a quem entreguei a minha vida. — Moisés fala e logo eu entendo que está orando a Deus. — Eu peço que coloque um fim ao mal que aflige minha mãe egípcia, Senhor. Ela não pertence ao nosso povo, mas lhe tenho uma eterna dívida e sei que o Senhor a colocou em meu caminho porque viu bondade em seu coração. — O pedido de meu irmão consegue me emocionar. — A princesa não tem culpa do que seu irmão está fazendo, assim como tantos outros. Portanto, apesar de Ramsés mais uma vez não ter cedido, eu clamo por misericórdia. Livre o Egito das úlceras, Senhor.

 

   Um vento suave, surgido do nada, sopra em Moisés, balançando seus cabelos compridos e suas roupas, bem como minhas vestes brancas de detalhes azuis. Meu irmão fecha seus olhos e sorri. A expressão de preocupação que havia em seu rosto desapareceu completamente, dando lugar a serenidade que tem a paz.

 

  —Tany! Moisés! — Hadany nos chama, eufórica, e no mesmo instante entramos novamente no quarto. — Vejam! As úlceras sumiram! — Ela exclama, segurando o braço de nossa mãe, que antes estava tomado por feridas. Moisés e eu nos aproximamos e, após conseguir sentar-se na cama, minha mãe nos envolve os três em um abraço.

 

  —A praga acabou? — Radina pergunta, ainda um pouco incrédula ao olhar para seus braços e ver que não possuem mais feridas.

 

  —Sim, Deus atendeu a minha prece. — Moisés responde com um sorriso, que se desfaz assim que minha mãe começa a tossir sucessivamente. — O que houve, minha mãe? Não se sente bem?

 

  —Estou um pouco zonza. — Ela responde e meu irmão a ajuda a se deitar novamente.

 

  —A senhora ainda está muito fraca, deve se poupar e descansar. — Paser fala.

 

  —Paser tem razão. — Hadany ressalta. — A senhora precisa se alimentar também.

 

  —Eu já disse que não quero. — Minha mãe insiste em não comer. Às vezes ela é tão teimosa.

 

  —Acho que há uma solução para esse problema. — Moisés fala. — Eu posso mandar um pouco de comida e água vindas da vila. Não é muito, mas irá alimentá-la, ao menos enquanto se recupera.

 

  —Ótima ideia, meu irmão. — Hadany concorda. — Ela tem medo de comer alimentos do palácios por causa de Yunet, mas alimentos vindos da vila são totalmente seguros.

 

  —A senhora não vai se recusar a comer os alimentos que seu filho vai trazer, não é? — Pergunto em tom de brincadeira e todos riem.

 

  —Com certeza não. — Minha mãe responde rindo, embora seu rosto mostre com clareza o quanto está fraca. — Sempre tive curiosidade de experimentar a comida hebreia.

 

  —Tendo um cozinheiro como Gahiji, duvido muito que isso seja verdade. — Moisés brinca e então segura uma das mãos de nossa mãe e deposita um beijo sobre ela. — Descanse, está bem?

 

  —Obrigada por ter vindo, meu filho. — Ela agradece.

 

  —Eu não poderia fazer diferente. — Ele sorri e então olha para mim e para Hadany. — Vocês foram muito corajosas em tirar nossa mãe da prisão, mesmo sabendo que estavam contrariando as ordens do rei. Estou muito orgulhoso de minhas irmãs. — Moisés fala, nos fazendo sorrir, e em seguida nos abraça. — Cuidem bem dela.

 

  —Eu vou com você, Moisés. — Radina fala. — Posso esperar nos portões do palácio e receber os alimentos para sua mãe. Com o fim da praga, não vai ser tão fácil entrar no palácio.

 

  —Radina tem razão, é melhor não se arriscar a entrar aqui novamente. — Paser fala.

 

  —Eu agredeço pela ajuda. — Meu irmão então olha uma última vez para nossa mãe. — Até breve, minha mãe.

 

  —Até breve, meu filho. — Ela sorri e em seguida Moisés, Radina e Paser se retiram.

 

  —Eu vou me ausentar por alguns instantes, mas não demoro a voltar. — Hadany fala ao depositar um beijo na testa de nossa mãe.

 

  —Onde vai? — Pergunto.

 

  —Contar ao soberano o que fizemos, antes que ele saiba por outra pessoa.

 

 

   Por Hadany

 

   Depois de tudo o que houve, qualquer um nesse palácio me daria razão se eu me recusasse a sequer olhar para o rosto de meu tio. Ele mandou prender minha mãe e praticamente a condenou a morte com essa atitude. Ordenou que matassem meu cavalo por mero prazer de se sentir superior ao Deus de Israel. Todavia, o motivo de eu ter decidido lhe contar sobre o que meus irmãos e eu fizemos é apenas para que a situação não se torne ainda pior se ele souber por terceiros, o que poderia agravar o estado de minha mãe.

 

  —Não imaginei que ainda estivesse aqui. — Falo ao entrar no salão e me deparar com meu tio observando seu trono.

 

  —E onde mais eu poderia estar, minha sobrinha? — Ele pergunta assim que ficamos frente a frente. — Talvez sentado ali.

 

  —É o seu lugar, não? — Questiono.

 

  —O que a trouxe até aqui, Hadany? — Ele me olha. — Veio me avisar que a praga terminou?

 

  —Eu não estaria aqui se fosse para dizer algo que o rei e todo o Egito já sabem. — Respondo. — Eu vim dizer que minha mãe não está na cela imunda para onde você a mandou.

 

  —Como não? Seria impossível Henutmire fugir. — Meu tio fala. — Mesmo que a segurança do palácio tenha sido afetada pela praga, ela não conseguiria passar dos portões.

 

  —Ela não...

 

  —Soberano! — Um oficial invade a sala do trono, me interrompendo. — A senhora sua irmã...

 

  —Silêncio! — Meu tio ordena. — Não está vendo que estou conversando com a princesa?

 

  —Perdão, majestade. — O homem curva sua cabeça e se cala.

 

  —Minha mãe não fugiu da prisão, meus irmãos e eu a tiramos de lá. — Falo sem rodeios. — Ela estav... está muito debilitada por causa da praga e outros motivos, precisa de cuidados que não teria estando naquela cela.

 

  —Hadany, você sabe que eu ordenei a prisão de sua mãe, não sabe?

 

  —Eu estava presente quando deu a ordem, é algo que jamais esquecerei.

 

  —Então, sabe também que você, Tany e Uri contrariaram as minhas ordens tirando Henutmire da cela. — Ele me encara.

 

  —Onde quer chegar? — Pergunto, olhando-o nos olhos. — Se é a um veredito para punir os filhos de Hur, faça-o de uma vez.

 

  —Onde está sua mãe?

 

  —Em seus aposentos.

 

  —Conte-me como a tiraram de lá.

 

  —Ela estava desacordada quando entramos. Chamamos por ela, mas não tivemos resposta. Seu coração estava muito fraco e quase não dava para sentir sua respiração. — Falo. — Nos apressamos em sair dali, antes que fosse tarde demais. Uri carregou minha mãe nos braços até seus aposentos e Radina saiu para procurar por Paser.

 

  —Ela está consciente? — Meu tio pergunta sobre minha mãe.

 

  —Sim, acordou algum tempo depois que chegamos aos aposentos. — Respondo. — Mas, apesar do fim da praga, minha mãe está muito fraca e precisa de cuidados pois sua vida corre risco.

 

  —Eis o meu veredito para Uri, filho de Hur, e para Hadany e Tany, filhas de Henutmire. — Ele me olha. — Não irei puní-los pelo que fizeram, embora tenha sido uma clara afronta ao Hórus vivo. Mas, Henutmire é minha irmã e me importo com seu bem estar.

 

  —Perdão, mas eu não compreendo. — Não consigo esconder meu espanto com as palavras do rei.

 

  —Eu não sou um monstro, Hadany. — Meu tio diz. — Não mandaria minha irmã de volta para a prisão sabendo que com isso posso estar decretando sua morte. Tampouco puniria suas filhas e seu enteado sabendo que isso a faria sofrer.

 

  —Então...

 

  —Apenas cuide de sua mãe. — Ele pede ao me interromper.

 

 

   Por Henutmire

 

   "Eu volto para te buscar."

 

   Pouco depois que Hadany saiu, Radina retornou com a comida enviada por Moisés. Comi uma pequena porção de pão e bebi um pouco de água, logo em seguida adormeci. Mas, agora que despertei, me recordo da alucinação que tive com meu pai naquela cela. Eu estava enlouquecendo, mas também estava encarando a morte de frente e isso explica porque ele afirmou com tanta seguranca que voltaria para me buscar. O único lugar para onde meu pai poderia me levar é para junto de si, ou seja, para a morte.

 

  —Mamãe... — Tany fala com docura ao ver que estou acordada. — Se sente melhor?

 

  —Um pouco. — Respondo. — Sua irmã ainda não voltou?

 

  —Não, mas fique tranquila. — Ele pede ao segurar minha mão. — Sua filha sabe muito bem como enfrentar o faraó.

 

  —Não deveria saber.

 

  —Como não? Acaso se esqueceu que a senhora vivia a bater de frente com o faraó Seti? — Tany pergunta. — Hadany apenas herdou essa característica sua.

 

  —Às vezes parece que você e sua irmã não sabem lidar com ordens, principalmente quando são de Ramsés. — Falo. — Vocês se arriscaram muito me tirando da prisão e não sei como ele vai reagir diante disso.

 

  —Meu tio teria que ser uma pessoa completamente sem sentimentos para não entender que fizemos isso para o seu bem.

 

  —Ele é, ou ao menos adiquire essa capacidade quando vê seu poder e autoridade serem desafiados.

 

   Ouço o ruído das portas se abrindo, lentamente viro minha cabeça para o lado e vejo Hadany entrar nos aposentos. Ela sorri para mim, mas isso não disfarça a expressão de séria de seu rosto. Certamente a conversa que teve com Ramsés não foi nada boa.

 

  —Como a senhora está? — Hadany pergunta ao se aproximar.

 

  —Melhor do que imaginei que estaria. — Respondo. — Falou com seu tio?

 

  —Sim.

 

  —E o que ele disse? — Tany pergunta.

 

  —Ele não vai nos punir, nem vai mandar nossa mãe de volta para a prisão. — Hadany responde, mas parece ainda não acreditar no que diz. — Pediu para cuidarmos dela.

 

  —Surpreendente. — Tany diz pausadamente. — Eu pensei que ele ficaria furioso e mandaria nos castigar exemplarmente.

 

  —Confesso que também fiquei surpresa, mas muito aliviada. — Hadany fala. — Embora eu sinta que isso não vai ficar assim simplesmente.

 

  —Certamente que não. — Afirmo. Minhas filhas se entreolham, mas não vejo em seus olhos o menor vestígio que seja de medo de sofrerem algum tipo de retaliação pelo que fizeram por parte de Ramsés.

 

  —É melhor a senhora descansar agora, mãe. — Hadany sugere. — Já se esforçou mais do que devia.

 

  —Eu quero contar uma coisa a vocês. — Falo.

 

  —Seja o que for, pode esperar até amanhã. — Tany fala. — A sua saúde é prioridade agora.

 

  —Eu sei que corro risco de vida e exatamente por isso preciso falar. — Insisto. — Não quero levar para o túmulo o que aconteceu.

 

  —É tão sério assim? — Hadany pergunta ao se sentar ao meu lado. Em seguida, com sua ajuda, me coloco recostada mais confortavelmente nas almofadas.

 

  —No quarto dia da praga de sangue, Anat envenenou um vinho que era destinado a mim. — Revelo, deixando minhas filhas incrédulas. — Sem saber, eu acabei bebendo o vinho contaminado, pois estava sedenta.

 

  —Por Deus! — Hadany exclama, impressionada com a maldade da sacerdotisa. — Como a senhora soube disso?

 

  —Ouvi de sua própria boca no dia em que ela foi até a cela me atormentar. — Respondo. — Anat confessou o que fez, como fez e deixou claro seu descontentamento por eu ter sobrevivido ao veneno.

 

  —Isso é muito grave. — Minha filha afirma. — Por pouco Anat não matou a senhora e minha irmã.

 

  —Do que está falando? — Questiono, confusa.

 

  —Eu bebi daquele vinho, mãe. Me lembro perfeitamente quando meu pai me deu um pouco, pois eu estava com sede e não havia outra bebida. — Tany explica. — Mas, mal o vinho chegou a meu estômago e eu o senti revirar e acabei vomitando o que tinha bebido.

 

  —Isso explica porque o veneno não fez mal a você, mas...

 

  —Mas, não explica porque eu escapei da morte, não é? — Interrompo Hadany. — O veneno que Anat colocou em meu vinho teria me matado, mas alguém salvou minha vida.

 

  —Quem? — Tany me olha e eu respiro fundo antes de finalmente chegar ao ponto que me fez iniciar esta conversa.

 

  —Eu estava grávida. Esperava um filho, mas sequer sabia disso. — Falo triste por lembrar da criança que perdi. — O veneno não me matou, mas fez com que eu abortasse o bebê.

 

  —Essa mulher é um monstro! — Hadany fala, completamente abismada com o que acabo de contar.

 

  —Anat tem que pagar muito caro por atentar contra a sua vida e por matar o meu irmãozinho ainda em seu ventre. — Tany decreta.

 

  —E vai, mas não será nem você, nem ninguém a cobrar essa dívida. — Falo com segurança, fazendo com que minhas filhas me olhem confusas. — Eu mesma irei vingar a morte do meu filho.


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Notas finais do capítulo

Corre, Anat!
Henutmire escapou da cela, mas ainda corre risco de vida. Oremos!



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