O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 11
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

"Você é o meu maior amor... O amor que sempre sonhei."
Boa leitura.



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Por Henutmire

 

Caminho pelos corredores do palácio, acompanhada por minhas filhas e por Leila. Hadany e Tany conversam animadamente sobre algo que não dou atenção, mesmo elas estando lado a lado comigo, cada uma segurando minhas mãos. A verdade é que tudo está diferente desde aquele dia. Não sou mais a mesma. Tem sido muito difícil disfarçar que tudo mudou entre mim e Hur, que eu já não o olho com os mesmos olhos de antes. Por mais que eu queira e me esforce não consigo acreditar na verdade que me foi dita. Hur mentiu para mim, e quem é capaz de mentir também é capaz de qualquer coisa. Por mais que eu tente continuar sustentando o meu casamento, sinto que ele está desmoronando aos poucos. Se ainda estou de pé é por minhas filhas e porque elas precisam do pai ao lado delas, não somente de mim.

 

Quando estamos juntos, na presença de outros, Hur e eu tentamos parecer o casal apaixonado que sempre fomos. Mas, temo que em algum momento nossa atuação deixe de ser convincente. Desde o dia que o surpreendi com Anat, ele dorme sozinho em nosso quarto. Tenho passado as noites nos aposentos de minhas filhas. Fui ingênua ao pensar que elas não notariam que algo está errado. Elas notaram e não sei até quando a desculpa de querer passar mais tempo com elas irá convencê-las.

 

—Tio! — Hadany e Tany falam ao mesmo tempo e correm para Ramsés, assim que entramos na sala do trono.

 

—Minhas meninas. — Meu irmão se abaixa e logo recebe o abraço acalorado das sobrinhas. Acabo por sorrir ao presenciar tal cena. — Vocês parecem ficar maiores a cada dia.

 

—É tão bom vê-la sorrindo novamente, senhora. — Leila fala em voz baixa, para que Ramsés não a escute.

 

—Elas são o motivo de eu ainda sorrir, Leila. — Falo, olhando para minhas filhas.

 

—Tudo vai se acertar, princesa. — Minha dama fala com otimismo. — O tempo cura tudo.

 

—Assim espero, minha querida. — Falo suspirando. — Ao menos sei que Anat irá embora do palácio. Sua partida já é um grande alívio.

 

—Onde está Hur, minha irmã? — Ramsés pergunta. — Pensei que ele viria com você.

 

—Hur está muito ocupado com o trabalho, meu irmão. — Respondo. — Concordei que ele não me acompanhasse.

 

—Você é a esposa, sabe o que faz. — Ramsés fala e me olha desconfiado. Certamente ele notou que Hur e eu não estamos tão próximos como antes.

 

O ruído das portas da sala do trono se abrindo chama a atenção de todos nós. Por elas adentra Paser, acompanhado por uma mulher. Por suas vestes logo reconheço quem ela é. É Atalia, a grande sacerdotisa de Om, que chega ao palácio para atender meu pedido. Pouco me recordo dela, mas reconheço que está ainda mais bela do que a última vez que a vi. Seus passos solenes a aproximam do rei e ao se ver frente a Ramsés, ela o reverencia, assim como Paser.

 

—Soberano, esta é Atalia, grande sacerdotisa de Om. — O sumo sacerdote anuncia.

 

—É uma honra recebê-la em meu palácio. — Ramsés fala.

 

—A honra é toda minha, majestade. — Atalia fala com um sorriso. — É um imenso prazer estar na presença do grande Hórus vivo. — Seu olhar recai sobre mim. — Princesa Henutmire?

 

—Sim. — Respondo ao me aproximar dela. Quando entrei na sala do trono, me mantive um pouco afastada de Ramsés.

 

—Alteza. — Atalia faz uma reverência. — Não a reconheci de imediato, a senhora mudou muito.

 

—Eu era quase uma menina quando nos conhecemos. — Falo.

 

—Certamente. — A grande sacerdotisa me olha com atenção. — Mas, seus olhos ainda são os mesmos.

 

—Não somente os olhos, mas também o coração. — Ramsés sorri para mim.

 

—Soube que a princesa se casou novamente, após a morte do general Disebek. — Atalia fala e eu não consigo disfarçar o meu desconforto ao ouvir o nome de Disebek.

 

—Sim, eu me casei e sou muito feliz com meu marido. — Falo, tentando acreditar que sou e continuarei sendo feliz ao lado de Hur. Noto que o olhar de Atalia contempla minhas filhas com curiosidade. — Estas são minhas filhas, Hadany e Tany.

 

—São gêmeas, mas como pode ver não são iguais físicamente. — Ramsés ressalta.

 

—São meninas lindas. — Atalia elogia, fazendo com que minhas filhas sorriam. — Herdaram a beleza da mãe.

 

—Agradeço o elogio. — Sorrio.

 

—Minha esposa gostaria de estar aqui para recebê-la, mas infelizmente não foi possível. — Ramsés fala. — Ela deu a luz há dois dias e ainda se recupera do parto.

 

—Não se preocupe, soberano, o sumo sacerdote me contou sobre o estado da grande esposa real. — Atalia fala. — Que os deuses abençoem sua esposa e sua filha.

 

—Que assim seja. — Meu irmão fala.

 

—E onde está o motivo da minha vinda até o palácio? — Atalia pergunta. — A jovem Anat, que deseja se tornar adoradora Seth.

 

A pergunta da grande sacerdotisa foi dirigida a Paser, mas antes que ele ou qualquer um de nós responda, as portas da sala do trono são novamente abertas. Anat adentra o ambiente, em passos calmos e solenes. Suas vestes não são as mesmas de antes, agora são vestes de uma futura esposa de Seth. Pode parecer mentira, mas Anat está totalmente diferente. Seu porte, seu jeito de agir, seu olhar, até mesmo a beleza que possui parece ter mudado para algo mais firme, mais decidido. Talvez seja apenas impressão minha, já que desde aquele dia não voltei a colocar meus olhos nela.

 

—Soberano, princesas. — Anat reverencia a Ramsés, a minhas filhas e a mim, que estou ao lado de meu irmão.

 

—Aqui está sua nova aluna, Atalia. — Ramsés fala.

 

—Por Ísis! Como é bela! — A grande sacerdotisa elogia. — A esta sim eu permitiria que ocupasse o meu lugar no templo de Om, quando eu for para o mundo dos mortos.

 

—Agradeço a gentileza da grande sacerdotisa. — Anat força um sorriso.

 

—Minha sobrinha sempre quis se dedicar ao sacerdócio, mas demorou a estar segura de que esta é sua verdadeira vocação. — Paser fala.

 

—E agora tem certeza de que quer este futuro para si, Anat? — Atalia pergunta.

 

—Absoluta certeza, senhora. — Anat responde e em seguida olha para mim, como que para me provocar. — Este sempre foi o meu maior desejo.

 

—A princesa Henutmire havia me dito isso no papiro que me enviou, mas agora que ouço de sua própria boca sei que valeu a pena vir até aqui. — Atalia repara em cada detalhe de Anat. — Você será uma das mais belas esposas de Seth.

 

—Espero estar a altura de tamanha honra. — Anat curva sua cabeça em sinal de reverência a grande sacerdotisa, que de agora em diante será sua mestre.

 

—Quando estará pronta para partir? — Atalia pergunta.

 

—Quando a grande sacerdotisa quiser. — Anat fala. — Já preparei meus pertences para a viagem e o soberano já concedeu sua permissão.

 

—Ótimo! Iremos amanhã, na primeira embarcação para Om. — Atalia fala. Não nego que me alegra saber que Anat vai embora de minha vida mais rápido do que eu esperava.

 

—Por que tão cedo? — Ramsés se manifesta. — Seria uma honra para mim tê-la no palácio por mais tempo.

 

—Agradeço ao soberano, mas não posso me ausentar do templo por muito tempo. — Atalia fala. — Além disso, a moça já está com tudo pronto. Não vamos arriscar que ela mude de ideia.

 

—Jamais faria isso. — Anat fala. — Não quero ser ingrata para com a princesa, que tanto se esforçou para que eu siga o destino que sempre sonhei.

 

—Fiz o que meu coração mandou. — Sorrio falsamente para Anat.

 

Sinto alguém puxar minha mão esquerda, fazendo com que eu desvie minha atenção da conversa entre Ramsés, Paser, Atalia e Anat. Ao olhar para baixo, vejo que é Tany quem faz por onde chamar minha atenção para si. Seus olhos azuis parecem tristes e eu já imagino qual seja o motivo.

 

—Pode falar, meu amor. — Falo para minha filha, ao me abaixar a sua altura.

 

—Ela vai mesmo embora, mamãe? — Tany pergunta, se referindo a Anat.

 

—Vai sim, minha filha. — Respondo. — Anat agora será uma sacerdotisa e adoradora do deus Seth.

 

—Eu nunca mais vou vê-la? — Tany parece ficar ainda mais triste.

 

—Talvez um dia ela volte ao palácio para nos fazer uma visita, mas é mais provável que não. — Falo. — Ela terá muitas responsabilidades no templo de Om.

 

—Vou sentir muito a falta dela, mamãe. — Os olhos azuis de minha filha são tomados por lágrimas.

 

—Não chore, minha princesa. Anat vai partir, mas eu estarei aqui. — Abraço minha filha. — Eu nunca vou abandonar você e sua irmã. Nunca.

 

Tany é uma menina frágil, de sentimentos intensos e vulneráveis. Entre ela e Anat surgiu uma afinidade que, mesmo não concordando, não pude evitar. Ao contrário de Hadany, que nunca se deu muito bem com a sobrinha de Paser. Anat soube conquistar o carinho de Tany para usá-lo a seu favor, se seu plano de me separar de Hur viesse a se concretizar. Agora, tenho que ver as lágrimas de minha filha por alguém que não vale a pena. Isto aumenta ainda mais a raiva que estou sentindo de Anat.

 

—Gostaria de ir ao santuário com minha nova aluna, se o soberano permitir. — Atalia fala.

 

—Sinta-se a vontade. — Ramsés fala. — Paser lhe levará até lá.

 

—Com sua licença, majestade. — A grande sacerdotisa faz uma reverência a meu irmão e em seguida a mim. Paser e Anat fazem o mesmo e em seguida deixam a sala do trono com Atalia.

 

—Por que Tany está chorando, mamãe? — Hadany pergunta e eu me dou conta de que ainda estou abraçada a minha filha, que também não demonstrou interesse em se soltar de meus braços.

 

—Não foi nada, Hadany. — Respondo. — Sua irmã já está melhor, não é?

 

—Sim, mamãe. — Tany sorri para mim.

 

—É assim que gosto de ver vocês, sempre sorrindo. — Dou um beijo em cada uma de minhas filhas e em seguida me coloco de pé. — Leve-as até o jardim, Leila. Irei logo em seguida.

 

—Como quiser, senhora. — Minha dama fala. — Vamos, meninas?

 

Hadany e Tany seguram as mãos de Leila e eu sorrio ao vê-las caminhando para fora da sala do trono. Leila realmente é como uma irmã mais velha para minhas filhas, papel que deveria ser Uri a desempenhar. Meu enteado não é de passar muito tempo com as irmãs, o que não quer dizer que não tenha carinho por elas. Algo me leva a crer que Uri se sente inferior as próprias irmãs pelo fato de elas serem também minhas filhas, por serem herdeiras do sangue real egípcio.

 

—Está tudo bem, minha irmã? — Ramsés pergunta.

 

—E por que não estaria? — Respondo com outra pergunta.

 

—Me responda você. — Meu irmão se aproxima de mim. — Tenho notado o quanto está estranha de uns dias para cá.

 

—É impressão sua, Ramsés.

 

—Você não sabe mentir, Henutmire. — Ele olha em meus olhos. Começo a achar que me faz muita falta o dom de saber mentir. — Aconteceu alguma coisa que não quer me contar?

 

—Nada que necessite de sua preocupação, meu irmão. — Respondo sorrindo, mas sei que meus olhos demonstram o quanto minha alma está triste.

 

—Eu prometi a nossa mãe que cuidaria de você, e não é porque está casada e é mãe de duas filhas que irei descumprir minha promessa. — Ramsés segura minhas mãos. — Aconteceu algo entre você e Hur, não é?

 

—Está tão visível assim? — Pergunto, desistindo de continuar sustentando aparências de que está tudo bem.

 

—Não, só notei porque você é minha irmã e eu te conheço bem. — Meu irmão responde. — O que ele fez para te deixar assim?

 

—Eu não sei, esse é o problema. — Falo com voz embargada devido ao choro que tento conter. Ramsés me abraça, tentando me oferecer algum consolo. — Não sei o que ele foi capaz de fazer ou de não fazer.

 

—Me conte o que houve, Henutmire. — Ele pede, desfazendo o abraço. — Talvez eu possa ajudar.

 

—Eu agradeço, mas ninguém pode me ajudar. — Falo. — Somente eu e meu marido podemos resolver esta situação.

 

—Não sei o que Hur pode ter feito para te abalar dessa forma, mas se ele fizer você sofrer irá pagar muito caro.

 

—É apenas um desentendimento, como qualquer casal pode ter. — Falo, temendo a ameaça de meu irmão. — Por favor, Ramsés, me prometa que nunca irá se voltar contra Hur, aconteça o que acontecer.

 

—E que motivos eu teria para me voltar contra o marido de minha irmã, o pai de minhas sobrinhas? — Ramsés questiona, com seriedade no olhar.

 

—Motivo algum, e espero que nunca venha a ter. Mas, desconhecemos o futuro, meu irmão. — Respondo. — Você é o rei e qualquer decisão que tome não poderá ser contestada. Só peço que pense em mim e em minhas filhas se algum dia tiver motivos para fazer algum mal a Hur.

 

(...)

 

Procuro insistentemente por um bracelete, que me foi presenteado por minha mãe, mas não o encontro em lugar algum de meus aposentos. Preciso encontrá-lo logo, antes que Hur apareça. Tenho evitado ficar a sós com meu marido. Talvez eu o esteja tratando com frieza sem que ele mereça, mas não consigo abandonar essa insegurança em desconfiar da fidelidade de Hur. Será que algum dia eu terei plena certeza de que ele não foi capaz de me trair?

 

Abro um báu e dentro dele encontro uma caixa de porte médio. Abro-a e finalmente encontro o bracelete que procurava. Mas, não é a jóia que chama a minha atenção e sim algo no fundo da caixa.

 

—O que é isto? — Pergunto para mim mesma.

 

Tomo nas mãos o que parece um dia ter sido uma bela flor. Suas pétalas amareladas e secas demonstram que estava guardada ali há muito tempo. Mas, por que eu guardaria uma flor? Ao tocá-la, ela mostra sua fragilidade ao começar a se desfazer e minha mente é tomada por uma lembrança que estava adormecida em minha memória.

 

Flash back on

Corro sozinha pelas margens do Nilo, sentindo o vento soprar contra mim e desalinhar minhas vestes e os adornos de minha peruca. Não me importo em estar me distanciando de onde estão meus pais. Quero apenas me sentir livre por alguns instantes, esquecer que sou a filha do rei do Egito e me sentir como uma criança comum. Meus pés ganham mais velocidade e o vento parece ser ainda mais forte. Abro meus braços e sinto que estou voando. Mas, logo volto a realidade ao tropeçar em uma pedra e ir de encontro ao chão.

 

—Você se machucou? — Um menino pergunta ao se aproximar de mim.

 

—Acho que não. — Respondo. Ele estende a mão para mim e me ajuda a levantar. — Se eu voltar com algum ferimento, meus pais vão ficar muito bravos comigo.

 

—Você está bem, só se sujou um pouco. — O menino fala e eu sinto algo diferente ao ouvir sua voz. Seus olhos chamam a minha atenção.

 

—O que você está fazendo aqui? — Pergunto.

 

—Não sei, apenas senti vontade de vir para cá e vim, como se alguém estivesse me chamando.

 

—Você é hebreu? — Pergunto ao notar as vestes dele.

 

—Sou. — O menino responde. — E você é uma egípcia.

 

Me paraliso olhando para o menino a minha frente. Não sei porque ele parece tão encantador para mim, talvez seja porque eu jamais havia visto um hebreu tão de perto. Sem querer, dou um passo a frente para olhá-lo com mais atenção, mas acabo tropeçando novamente. Todavia, meu corpo não vai de encontro ao chão como antes. O menino hebreu me segura em seus braços, impedindo uma nova queda. Agora, estou frente a frente com ele, nossos rostos estão muito próximos, o que me faz com meu olhar se prendam ao dele.

 

—Você é muito desastrada. — O hebreu fala com um sorriso tão ou mais encantador que seus olhos.

 

—Ninguém havia falado assim comigo antes. — Falo ao me separar dele. — Mas, eu gostei.

 

—Eu também gostei... de você. — Seu sorriso parece ficar maior.

 

—O que vai fazer? — Pergunto ao vê-lo se distanciar de mim.

 

—Você já vai saber.

 

O menino procura por algo que não sei o que é entre o mato alto das margens do rio. Em seguida, volta para perto de mim com uma flor de pétalas azuis na mão.

 

—Não sei como se chama, mas sei que é muito rara por aqui. — Ele fala sobre a flor.

 

—É linda.

 

—Tome. — O menino me entrega a flor. — É sua.

 

—Obrigada. — Agradeço e sorrio para ele.

 

—Você tem um sorriso bonito. — Ele me olha atentamente. — E seus olhos são da mesma cor do céu.

 

—E da mesma cor da flor. — Acrescento.

 

—Já que não sabemos como se chama, dê o seu nome a ela. — Ele sugere. — Agora preciso ir.

 

—Espere! — Peço. — Você não me disse o seu nome.

 

—Hur.

 

—Hur. — Repito. É um nome incomum para mim. — Eu sou...

 

—Não fale. — Ele me interrompe. — Você me conta na próxima vez que nos encontrarmos. — O menino hebreu sorri novamente para mim. Em seguida, sai em disparada me deixando sozinha.

 

—Então, seu nome será Henutmire. — Falo olhando para a flor azul em minha mão.

 

Flash back off

 

—Eu não sabia que estava aqui. — A voz de Hur interrompe minhas lembranças. — Volto outra hora.

 

—Espera, Hur. — Peço. Ele detém os passos que o estavam levando para fora dos aposentos e volta seu olhar para mim. — Quando você era criança, conheceu uma menina as margens do Nilo?

 

—Não entendo sua pergunta.

 

—Tente se lembrar. — Insisto. Mas, se eu mesma não me lembrava daquele dia, talvez ele não se lembre também. — Uma menina egípcia que caiu e você a ajudou a se levantar, lhe deu uma flor azul e disse para dar seu nome a ela.

 

—Agora que você falou, me recordo vagamente de ter conhecido sim uma menina, ela deveria ter uns dez anos. — Hur fala e eu não consigo esconder meu sorriso. — Era linda, me encantei por ela. Mas, eu nunca soube seu nome, não voltei a vê-la depois daquele dia. — Ele me olha curioso. — Como você pode saber disso?

 

—Eu sou aquela menina, Hur. — Falo e lhe mostro a flor seca em minha mão.

 

—Não é possível! — Meu marido não esconde sua surpresa.

 

—Eu trouxe aquela flor comigo e guardei. — Falo. — Mas, com o tempo acabei me esquecendo dela, assim como do encontro com aquele menino hebreu de olhos marcantes.

 

—Era você, Henutmire. — Hur se aproxima de mim com um amplo sorriso nos lábios. — Era você a menina por quem eu me apaixonei.

 

—Se apaixonou? — Questiono.

 

—Talvez fosse um amor de criança. — Ele responde. — Eu passei muitos dias pensando em você, voltei ao Nilo várias vezes na esperança de te encontrar novamente.

 

—Isso é espantoso! — Falo. — Eu jamais poderia imaginar que o joalheiro real é aquele menino hebreu.

 

—Tampouco eu poderia imaginar que aquela menina é a princesa do Egito. — Hur fala . — Já nos conhecíamos, Henutmire.

 

—Só não lembramos disso quando nos conhecemos pela segunda vez. — Sorrio. — É mesmo impossível entender as coisas que os deuses fazem conosco.

 

—Você percebeu que estamos conversando como antes e que está sorrindo até? — Hur pergunta.

 

—Confesso que lembrar deste momento de minha vida me fez esquecer do que estou vivendo agora. — Falo enquanto guardo a flor novamente na caixa onde estava. — Mas, quando eu passar por aquela porta, a realidade estará esperando por mim.

 

—É doloroso sentir que estou te perdendo aos poucos. — Meu marido fala. — Eu lutei tanto por você, Henutmire.

 

—Não pense que também não me dói o que está acontecendo entre nós dois. — Falo. — Mas, preciso que me dê tempo.

 

—Tempo para quê? — Hur altera a voz. — Para você deixar de me amar?

 

—Isso nunca vai acontecer! — Respondo no mesmo tom de voz que ele. — Eu vou te amar para sempre e em outras vidas, se existirem. — Respiro fundo, tentando me acalmar. — Você precisa entender que eu estou magoada, machucada pela sua mentira. Uma ferida não cicatriza da noite para o dia.

 

—Me perdoe, meu amor. — Hur fala com voz terna e me abraça. Me espanto por não impedir esse contato, que tanto evitei nos últimos dias. — Sei que sou culpado pela dor que está sentindo.

 

O silêncio toma conta dos aposentos. Apenas fecho meus olhos, sentindo os braços de meu marido me envolverem, sentindo o calor de seu corpo contra o meu. Como senti falta do abraço de Hur, da segurança que sinto quando estamos juntos. É como se não houvesse vida em mim longe de Hur, como se minha existência dependesse dele. Me afastar dele é como negar ar aos meus pulmões. Eu amo Hur de uma forma inexplicável e intensa, como jamais pensei que fosse amar alguém. Talvez, em meu coração, eu tenha cedido o lugar desse amor tão grande para a desconfiança, a insegurança. Será que é o momento de reverter esta situação?

 

—Eu te amo muito, Henutmire. — Hur fala olhando em meus olhos e acariciando meu rosto. — E gostaria que acreditasse nisso com todo o seu coração.

 

—Eu acredito, meu amor. — Falo e meu marido sorri, certamente pela forma carinhosa como lhe tratei.

 

—Se acredita verdadeiramente, sabe que eu não fui capaz de te trair e que jamais serei. — Ela fala. — Reconheço que menti, mas foi por pensar que estava protegendo você.

 

—Você é o meu maior amor. — Falo com um sorriso. — O amor que sempre sonhei.

 

Não sei se isso demonstra que perdoei Hur ou não. Não sei se isso significa que esqueci o que aconteceu e que tudo vai mudar, ou melhor, que vai voltar a ser como sempre foi. Apenas sei o que estou vivendo agora, essa estranha sensação de nervosismo que sinto ao ver o rosto de meu marido ficar cada vez mais próximo do meu. Não posso impedir o que está para acontecer, e nem quero. Anseio pelos lábios de Hur, como uma pessoa sedenta anseia por um pouco de água. Não quero pensar em mais nada, nem no mundo lá fora. Quero apenas me entregar a paixão transmitida pelo beijo que recebo dele, meu grande e verdadeiro amor.

 

(...)

 

—Por que demorou tanto, mamãe? — Tany pergunta assim que chego ao jardim.

 

—Estava conversando com o pai de vocês. — Respondo.

 

—Agora é sua vez. — Hadany fala para a irmã. — Você se esconde e eu te procuro.

 

—Está bem. — Tany concorda e as duas se distanciam um pouco para brincar.

 

—Seu sorriso iluminou todo o jardim, senhora. — Leila fala quando me sento ao seu lado. — Pelo visto a conversa foi boa.

 

—Leila! — Repreendo minha dama com sorriso. Sinto meu rosto corar de vergonha por entender que Leila percebeu o real motivo de minha demora. Mas, ela e eu nos olhamos e acabamos rindo juntas.

 

—Fizeram as pazes, não é?

 

—Sim, e não sabe como isso deixou meu coração mais leve. — Respondo. — Confesso que não foi fácil me separar de Hur e deixar que ele fosse para a oficina, mesmo sabendo que logo estaremos juntos novamente.

 

—Eu fico feliz pela senhora, e também por meu sogro. — Leila fala. — O amor de vocês é grande demais para acabar assim.

 

—A verdade sempre esteve nos olhos dele, mas eu estava magoada demais para ver. — Falo. — O perdão faz um bem enorme, minha querida.

 

—Certamente. — Minha dama sorri, mas logo muda sua expressão. Seus olhos estão fixos e receosos ao contemplar alguma coisa. Ao olhar na mesma direção, vejo Anat entrar no jardim. — Ela não estava com a grande sacerdotisa?

 

—Atalia deve ter ido repousar. — Falo ao voltar meu olhar para Leila. — Ela virá até nós, precisamos manter a calma.

 

—O que me preocupa é que a senhora não mantenha a calma. — Leila fala. — Ela vai tentar provocá-la, tenho certeza.

 

—Se Anat procurar, vai encontrar. — Falo.

 

—Como vai, princesa? — Anat fala ao se aproximar de nós.

 

—Estou muito bem, Anat. — Faço questão de sorrir. — E você?

 

—Convincentemente bem, como a situação exige. — Ela responde.

 

—Alegre-se, minha querida. — Falo, plena de ironia. — Amanhã você irá partir para um futuro glorioso. Como esposa de Seth terá luxo, conforto e regalias que nunca imaginou.

 

—Mas, passarei o resto de minha vida longe de minha família. — Anat ressalta.

 

—São consequências do destino que escolheu. — Falo. — Antes longe do que morta, não é mesmo?

 

—Tem toda razão, alteza. — Ela concorda e ri. — Há muitas coisas que eu não poderia ver estando no mundo dos mortos.

 

—Você está contente, não é? — Pergunto e me levanto, ficando frente a frente com ela. — Está feliz porque Hur e eu estamos brigados e nosso casamento está por um fio.

 

—Já que a princesa pergunta, eu estou sim muito satisfeita com essa situação. — Anat responde. Tento controlar meus ânimos por presenciar tamanho cinismo. — E mais satisfeita eu ficarei quando a notícia de que se separaram de vez chegar até meus ouvidos.

 

—E o que te dá a certeza de que isto irá acontecer?

 

—A senhora. — Ela me encara. — Eu sei que não acreditou plenamente nas palavras de Hur e que ainda está desconfiada dele.

 

—Você realmente não me conhece. — Falo rindo. — Eu posso não ter acreditado em meu marido a princípio, mas sempre soube que ele estava dizendo a verdade.

 

—Como é tola, princesa. — Anat provoca.

 

—A tola aqui é você, por achar que seu plano de me separar de Hur iria dar certo. — Altero um pouco a voz. — E se quer saber, nós estamos muito bem e ainda mais apaixonados do que antes.

 

—Não é verdade! — Anat exclama. — Está dizendo isso para me provocar.

 

—Se não acredita, procure por Hur e vai ver que o meu perfume está impregnado nele. — Falo e os olhos de Anat me olham irados. — Lamento muito se isto te deixa contrariada, mas o amor que me une a Hur e que o une a mim é muito maior que as suas intrigas.

 

—Não me faça mudar de ideia e ficar no palácio para provar que está errada, alteza. — Ela me desafia. — Eu posso ter o homem que eu quiser, e faltava muito pouco para eu conquistar o seu marido.

 

Não me contenho e dou uma bofetada em Anat, que se desequilibra. Em seguida, pego seu braço com força e a atiro contra o chão do jardim. Ela não reage, apenas me olha furiosa. Vejo sangue sair de sua boca, fazendo com que eu me dê conta da força que usei contra seu rosto.

 

—Pelos deuses, senhora! — Leila segura meu braço. — Se acalme.

 

—Isto é para você levar como lembrança para Om. — Falo, olhando-a de cima. — Apesar de ser pouco perto do que você merece e quase nada diante do que eu sou capaz de fazer.

 

(...)

 

—Me prometa que vamos ficar sempre assim, juntos. — Hur pede, enquanto caminhamos de mãos dadas pelo palácio. — Foi horrível acordar e não te ver ao meu lado, Henutmire.

 

—Todas as manhãs serão como esta, meu amor. — Falo sorrindo. — Sempre irei amanhecer em seus braços.

 

Continuamos andando pelos corredores, em silêncio, somente apreciando a companhia um do outro. Até que cruzamos com Paser, Atalia e Anat no caminho. Atrás deles, duas servas carregam cada uma um baú, certamente com os pertences de Anat.

 

—Já estão de partida? — Pergunto.

 

—Sim, alteza, o barco está nos esperando. — Atalia responde. — Já nos despedimos do rei, faltava a senhora.

 

—Agradeço por ter aceito meu pedido e vindo até aqui. — Falo e sorrio gentilmente para ela.

 

—Não agradeça, foi uma honra atender a um desejo da princesa, ainda mais para levar comigo algo tão precioso como esta moça. — A grande sacerdotisa fala. — Certamente não irei me arrepender.

 

Minha atenção se volta para Anat, que tem seu olhar fixo em minha mão unida a de Hur. Se ela tinha alguma suspeita de que menti quando disse que meu marido e eu estávamos bem, não tem mais.

 

—Já se despediu de sua prima, Anat? — Pergunto.

 

—Sim, senhora. — Ela responde. — A grande esposa real ficou triste pela minha partida, mas compreendeu minha decisão.

 

—Todos vamos sentir muito a sua falta, minha querida. — Uso de ironia, que somente Hur e Paser percebem.

 

—É melhor irmos, não podemos nos atrasar. — O sumo sacerdote fala.

 

—Tem razão. — Atalia concorda. — Se despeça da princesa, Anat. Ela fez tanto por você.

 

—Sim, claro. — Anat se aproxima de mim, mesmo contrariada. — Agradeço tudo o que fez por mim, alteza. Graças a senhora irei realizar meu maior sonho. Serei eternamente grata. — Ela sorri falsamente. — Adeus, princesa Henutmire.

 

—Adeus, Anat. — Falo e ela faz uma reverência. Nunca me senti tão feliz por dar adeus a alguém. — Que os deuses lhe abençoem nesta nova jornada.

 

—Até breve, princesa. — Atalia me reverencia, enquanto Anat distancia seus passos de mim.

 

—Faça boa viagem, grande sacerdotisa. — Desejo.

 

Vejo Paser, Atalia e Anat caminharem em direção a entrada principal do palácio, até que minha visão não os alcança mais. Me sinto aliviada ao saber que Anat logo estará em um barco rumo a Om e que assim que pisar seus pés no templo não poderá voltar. Eu mandei um tormento para longe de minha vida. Agora, tudo voltará a ser como era antes de Paser chegar de Aváris, trazendo consigo sua sobrinha órfã.

 

—Não consigo saber quem foi mais falsa, você ou Anat. — Hur fala.

 

—Nem toda a minha ironia supera a falsidade daquela mulher. — Falo.

 

—Princesa! — Leila se aproxima de nós, ofegante.

 

—O que foi, Leila? — Pergunto. — Por que é que está nesse estado?

 

—Fui aos aposentos de suas filhas, para on

ordá-las... — Ela responde, mas parece lhe faltar o ar para continuar falando.

 

—O que aconteceu com minhas filhas? — Diante de minha notável preocupação, Leila se cala. — Fale de uma vez, Leila.

 

—É a princesa Tany. — Minha dama diz. — Ela está doente.


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Notas finais do capítulo

Tanyzinha está dodói... O que será que ela tem? Henutmire deu uma bela lembrança para Anat. Quem mais ficou feliz de dar adeus a futura sacerdotisa?



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