— O quê?! – Miku arregalou os olhos e colocou as mãos em frente a boca, eu apenas abracei mais forte meus joelhos ainda arranhados e escondi a cabeça. Realmente havia contado a coisa que mais tentava esconder e a reação não parecia positiva. – Rin, isso é sério? Vocês são próximos, mas, desse jeito?

— Por que eu mentiria? – Me exaltei um pouco novamente, respirei fundo. Miku, ao contrário de mim, foi se acalmando, apesar de sempre ficar um pouco histérica ao receber grandes surpresas.

— Ah... bom... Qual o erro em amar alguém?

Não respondi, apenas sorri ainda com a cabeça escondida e Miku soltou um riso, ela tinha aceitado fácil de mais. Ou eu apenas estava sendo pessimista.

— São esses os "rumores" que a Akita estava espalhando?

Confirmei em silêncio. Miku sabia de muita coisa, ela e Luka, porém, eu não contava tudo.

— Por isso você fingiu que não sabia – Miku disse, em um tom triste, apenas confirmei de novo. – Então é isso. Por isso que vocês estão assim.

— Assim como?

— Vocês dois não desgrudavam! Eram tão sincronizados que chegava a ser bizarro. Agora nem se falam – afirmou. Eu não podia negar. – Você gosta de uma pessoa e se afasta? Eu não te entendo, Rin.

Suspiramos. Deitei a cabeça em seu ombro e ela me abraçou apertado, fazendo um som de como tivesse abraçado um bicho de pelúcia.

— Estranha – murmurei. Nós rimos, ela bagunçou meu cabelo e apertou minha bochecha.

— Formariam um bom casal – admitiu. – Gostaria de vocês juntos, desse outro jeito. No fundo, acho que eu sempre soube que vocês foram feitos um para o outro.

Sorri, foi bom contar para alguém. Por um momento eu ri também. Mesmo que ainda não aliviasse nada o que sentia. Miku riu, encostando a cabeça no sofá da sala dela, onde esperávamos todo mundo pro ensaio.

Ah, parecia tão fácil. Eu fiz tanto drama... Quer dizer, tenho de admitir que seria fácil se não fosse o "detalhe" de que Len é meu irmão.

— Meus pais nunca vão aceitar isso. – Tornei ao momento triste, com a voz fraca. Me joguei de lado no sofá e agarrei uma almofada. – Ninguém nunca vai aceitar uma coisa dessas.

— Isso sim é um problema. – Ela desencostou, voltando a seriedade. – Mas eu aceito e aposto que nossos amigos também vão, então já é um começo.

Len POV

Me preparei e peguei tudo o que precisava para o ensaio sem fazer questão de me apressar, antes ensaiávamos na escola, no clube de música, com alguns veteranos e a Asami, que já era mais uma amiga do professora, nos ajudando. Só depois que mudamos de escola que passamos a ficar na casa de Miku.

— A Rin já foi? – minha tia perguntou.

— Já, deve ter ido falar com a Miku.

Ela nem me avisou que ia sair antes. Era obvio, iria contar sobre ontem. Tudo bem, sabia que Miku ajudaria. Era bom que ela se distraísse um pouco, apenas por isso que estava enrolando para ir.

A imagem de Rin em choque, frustrada, me atormentou. Nunca quis vê-la daquele jeito, nunca quis afastá-la de mim. Aquele dia ela não hesitou e me retribuiu, sorriu também... ela não se lembra. Foi tão grave assim?

Rin não era nem um pouco ingênua. Ela percebeu, eu acho... do jeito errado. Estava tão confuso que nem conseguia pensar em como pedir desculpas ou ainda em quanto isso deixaria um buraco negro de distância entre nós. A sensação de que eu a perderia se não fizesse nada estava mais forte do que nunca e provavelmente estraguei tudo. Errei até sobre mim, só aquele primeiro beijo não foi suficiente, não consegui fingir que nada tinha acontecido.

Eu sempre via minha irmã chorar atrás de uma frieza da minha parte. Jurei internamente que seria uma pessoa melhor, que não seria congelado, que nunca mais causaria motivos para lágrimas... e tinha falhado.

— Len, você não vai? – minha tia, novamente, me chamou.

Percebi que estava parado em frente a porta "dormindo em pé" fingindo checar o celular antes de sair, mesmo que só fosse até a casa ao lado, fazia um tempo. A tela já tinha até bloqueado.

— Ah, tô indo.

Abri a porta, quando coloquei o pé para fora, ela me chamou outra vez,

— Tudo bem com você? A Rin? Seus amigos?

— Tudo – menti, disfarçando o máximo possível.

— Hm... me fale, qualquer coisa.

— Tá. Até mais.

— Até... Mais tarde eu vou lá na sua escola rematricular vocês. Pode deixar que eu resolvo com sua mãe.

E com "sua escola", se referiu à Yamaha Project, que era onde queríamos estar. Confirmei com a cabeça e sorri, depois fechei a porta. Dentro dos segundos de caminhada até a casa ao lado, recordei que era Ágata quem me resgatava de volta para a realidade na infância, me impedia de virar um pequeno clone de alguém cuja a vida era tão amarga que contagiava qualquer um que estivesse em volta. Não sei o que seria de Rin comigo daquele jeito, se ela não estivesse lá para me lembrar que havia uma vida e vontades próprias dentro de mim. Era sempre minha tia quem resolvia tudo por nós dois no lugar da minha mãe, nos salvava.

Cheguei junto com Luka, Meiko e Kaito. Quando entramos, Rin desencolheu-se do sofá e Miku mudou o assunto direto para o ensaio. É, tinha contado.

Atuamos bem fingindo que nada ocorreu e que estava tudo bem, apenas para não explicar para mais ninguém, até pararmos quase na hora do jantar. Miku me fuzilava de vez em quando.

Voltamos, jantamos. Rin foi tomar banho primeiro e eu fui em seguida. Achei que iria me esperar, mas quando voltei ela já tinha trancado a porta e a luz estava apagada. Não eram nem onze horas e como ainda não tinha aula no dia seguinte, isso foi visivelmente um vácuo para mim. Enfim, não estávamos em clima para ficar acordado até tarde fazendo qualquer coisa, nem para comemorar a saída do inferno. Faz alguns meses que esses momentos não aconteciam. Em quantas coisas mais não somos os mesmos?

— Tem certeza que tá tudo bem? – minha tia insistiu.

— Acho que a Rin ainda está meio mal por causa de ontem.

Respirei fundo, era uma mentira quase verdadeira.

— Não vai falar com ela?

— Já nos falamos, no ensaio, agora há pouco. – Ela continuou me olhando enquanto eu falava. – Acho melhor deixar ela em paz por enquanto.

Enfim, ela emitiu um "hmm" e deu de ombros, não parecia convencida.

— Vamos buscar as coisas que ficaram na Academy amanhã, tá? – avisei por fim, para desviar o assunto.

Respondeu apenas um "tudo bem" duvidoso e voltou ao caminho pelos degraus para o "quarto de hóspedes", vulgo cômodo livre lá de baixo, porque agora meu quarto ocupa o que deveria ser o lugar para quando ela viesse.

— Boa noite. – Aumentei a voz para que ouvisse, queria ter certeza de que o dialogo tinha acabado.

— Boa noite – respondeu, no mesmo tom.