Professores escrita por Vatrushka


Capítulo 9
Escola Trínea




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Gina sugou o ar em um longo barulho rouco. Depois disso, continuamos embasbacados por um tempo. Ninguém falou nada. Stella e o meu tio continuavam se encarando em silêncio.

Stella se referiu a mim, ainda sem mexer os olhos. “Desculpe, Leo. Senti que era o melhor a se fazer. Vocês já estão muito envolvidos nessa história, não quis que se enrolassem mais.”

Jonas se referiu ao meu tio: “Fizemos o que fizemos para defender a Stella do Monteiro, Mestre Fagonça.”

Meu tio estava sério. “Felícia só teve acesso à foto de Stella porque alguém mexeu e expôs as minhas coisas na sala dos professores.” Ele olhou diretamente para Gina.

Os olhos de minha colega se encheram de lágrimas, e ela saiu correndo. Conversaria com ela depois que tivesse seu momento de… intenso sofrimento.

Pisei para fora e fechei a porta da diretoria.

Talvez uma greve não fosse tão ruim assim.

Acordei no dia seguinte me sentindo levemente culpado. Stella ainda não havia aparecido em casa.

Tomara que tenham se resolvido, na medida do possível.

No meio do meu café da manhã, a minha campainha toca. Seria a Gina de novo?

Quando abri, me deparei com a surpresa.

A jararaca.

Felícia.

Tentei fechar a porta o mais rápido possível, mas seu pé me impediu. Ela me venceu na força e me empurrou pra dentro da minha casa.

“Você não vai me sequestrar, sua vaca!”

Felícia revirou os olhos, com uma clara expressão de preguiça.

“Francamente, você  realmente acreditou no alarmismo daqueles surtados dos seus amigos?” Seu tom era de desdém. “Lógico que a gente não ia sequestrar ninguém. Só queríamos conhecê-la.”

Ergui a sobrancelha. “Nossa, tô comprando muito essa história.”

“Pelo amor de Deus, Leopoldo! A gente pode até não ir com a cara do seu tio…”

“Você literalmente se infiltrou no colégio dele pra tentar ferrar com ele…”

“Detalhes.” Ela concluiu. “Como eu estava dizendo, não quer dizer que chegaríamos a esse ponto. Vocês são muito exagerados!”

Embora eu concordasse, adotei uma postura defensiva. Talvez a minha voz tenha subido uma oitava. “A gente é exagerado??”

Felícia pareceu não se importar. “O meu pai quer te conhecer.”

Fiquei atônito por uns segundos. Minha mão estava no meu peito, me afastei alguns metros. Minha testa já estava doendo de tanta contração. “Oi?!?

Ela cruzou os braços, impaciente. “Sim. Monteiro, ele é o meu pai. Aquele mendigo inútil não tinha contado isso pra vocês?”

Informação demais, gente. INFORMAÇÃO. DEMAIS.

“Anotado, querida. Inclusive manda um bei-jo pra ele, um fofo! Fala pra ele me ligar qualquer dia, ok? Vai ser um prazer.” Ironizei, direcionando-a para fora. “Foi ótimo, beeeijo, tchaaaau…”

Ela me puxou pelo pulso.

“Larga de ser frouxo, Leopoldo.”

E fui arrastado.

A escola Trínea era… Diferente do que eu imaginava, confesso. Não se aproximava de um modelo de escola militar. Era mais… Latino? Bem estereótipo de latino, na verdade. O prédio era vermelho. Andando pelos corredores, podia ver os alunos tendo aula de tango e zumba. Consegui ouvir de longe as aulas de música: pelo visto estavam sendo ensinados reggaeton e samba…

Não achava que a escola Trínea teria tanta sensibilidade com as artes…

Felícia interrompeu os passos, me pedindo para esperar. Parece que ela ia falar com o papai dela que eu estava ali.

“Vai…” Incentivei. ‘Pro inferno’, complementei no meu pensamento de forma muito corajosa.

Enquanto isso, eu analisava o mural do corredor. Eram muitos eventos festejados na escola - e eram muitos feriados que eles tinham. Todos relacionados à cultura de países latinos no geral. Como demônios eles conseguiam manter o cronograma de aulas assim…?

Será que eu devia pegar o berrante de decoração na parede? Só pra me defender, se fosse o caso de o Monteiro vir pra cima de mim…

Felícia voltou da sala do diretor, e me encaminhou até ela.

A diretoria tinha daquelas portas duplas de madeira maciça, com adornos de leão na maçaneta. Quando entramos, Monteiro estava sentado em sua poltrona, atrás da mesa - fumando um charuto.

Uma cena muito peculiar.

Seu sotaque era forte. Só não consegui identificar se era mexicano ou espanhol - quando eu digo espanhol, quero dizer da Espanha, e não necessariamente da língua espanhol… Ah, vocês entenderam. “Bem vindo, mi hijo. Queria mucho te conhecer.”

Sua voz era muito grave. Ele era meio careca, meio gordinho. A decoração da sua sala, predominantemente vermelha, só me deixava ainda mais confuso. Ainda que o meu palpite de ele ser mexicano fosse muito forte - até pelas máscaras de caveira decoradas e pelas fotos de músicos de mariachi na parede - ainda existia a chance de 50% de ele ser espanhol (da Espanha): na parede também encontrei a foto de um toureiro. E o escudo do Real Madrid.

“Você é mexicano ou espanhol?” Disparei.

Mi mamá é mexicana e mi papá é espanhol.” Ele esclareceu.

“Mas você é…?” Insisti.

“Porto-riquenho. Mas isso não vem ao caso.” Ele se levantou. “Percebi que vocês estavam com medo de que mi hija e eu quiséssemos machucar a Stella de alguma forma.”

Dei de ombros. Foi essa a impressão que a gente teve mesmo…

Ele riu. “Não, não. Só no máximo queríamos hablar com ela, conseguir alguma informação sobre o seu tio. Nada mais. Sabe, Leopoldo…” Ele se aproximou lentamente de mim. “Eu tenho uma rivalidade antiga com o Fagonça… Desde a época em que éramos motoqueiros…”

Devo ter feito a maior cara de espanto do mundo. Sério? Foi assim que tudo começou? Treta entre gangues de motoqueiro?

“... Mas eu não pretendo nem preciso estender essa rivalidade com usted, por exemplo. Isto é entre ele e eu. Então só queria deixar clara as minhas intenciones… E sugerir, para, caso tenha interesse, trabalhar na minha escola.”

Eu ergui a sobrancelha. Embora eu tenha certeza de que seria muito interessante dar aulas de antropologia focadas em populações latinas, algo me soou esquisito.

“Então vocês me chamam pra vir aqui… Achando que eu ia aceitar o convite… Na expectativa de que vocês a longo prazo conseguissem tirar informações sobre o meu tio de mim…? Vocês realmente acham que eu sou tão burro assim?”

Felícia e Monteiro se entreolharam. Deram de ombros, fazendo uma expressão de confirmação. “É.” Assumiram. “Era mais ou menos isso mesmo.”

Revirei os olhos, dando as costas e saindo dali.

“Estaremos sempre de portas abertas, mi hijo!” Exclamou Monteiro.

“Vai pro inferno!” Berrei de volta, sem olhar pra trás. “E o Barcelona é muito melhor!”

Saí correndo quando ouvi os passos furiosos de Monteiro em minha direção.


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