Gina, Chico e eu embarcamos na aventura de ir até a Itália só para encontrar a tal Stella Santoro.

A início, eu estava resistente. Tanto por achar que estávamos indo longe demais só por uma fofoca, quanto por dinheiro não nascer em árvore - sabemos o tipo de preço que uma passagem de avião de última hora pra Europa tem.

Chico pôs a mão no meu ombro, tentando me sensibilizar. "Não é só por uma fofoca, Leo. Vamos atrás da Stella para tentar protegê-la do que sabe-se Deus o diretor Monteiro e a Felícia tiverem tramando."

Tá, justo.

"Mas continuo sem dinheiro."

"Eu banco tudo que você precisar, Leo. É importante." Gina comentou. Olhei para ela, estarrecido, por alguns segundos.

"Você também é professora Gina, não tem capital pra iss..."

Não pude completar a ideia, já me empurraram pra dentro do carro em direção ao aeroporto. Percebi que Gina estava muito mais séria e falando com voz mais grave do que já a ouvira falar na vida.

Jonas, o mendigo (embora eu tenha quase certeza de que ele é um espião russo) não pôde nos acompanhar pois, por estar em um intercâmbio, não podia abandonar o país sem toda a burocracia e tal tal tal.

Evaristo também havia ficado para trás, tomando conta das aulas que estávamos deixando de dar com aquela ideia maluca. Estava muito curioso para saber como demônios ele ensinaria matemática, educação física, antropologia e história ao mesmo tempo.

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Pulando aqui um bando de detalhe desnecessário, chegamos na Itália. Fomos para uma província no interior da Itália, em Toscana, chamada Lucca.

"Quem é Lucca?" Tinha perguntado Chico no meio da viagem.

Segurei imensamente a vontade de responder "meu pau que te cutuca", afinal o grandalhão é sensível e poderia começar a chorar.

Graças a Jonas (sabe-se Deus como ele conseguiu, por isso não confio nele) conseguimos o endereço de Stella. Quando estávamos a caminho de sua casa, caminhando por uma feira da cidade, ouvimos um grito de ódio distante por trás de nós:

"O que vocês pensam que estão fazendo aqui?!" Não precisávamos de nos virar para reconhecer o rugido feroz de Felícia. Suspiramos alto e ao mesmo tempo.

Felícia e o diretor Monteiro, que estava ao seu lado, começaram a correr em nossa direção.

Nunca havia visto o diretor Monteiro antes, mas assumi que fosse ele. Era um velho gordo, parecidíssimo com o Poderoso Chefão parte 1.

"Ai meu Deus, o quê a gente faz...?" Murmurou Chico, com medo.

Olhei para os lados, buscando uma ideia.

E tive uma ideia estúpida. Mas era o que tinha pra hoje.

Gritei no meio do mercado, apontando para Monteiro e Felícia: "Olha aqueles dois! Eles passam ketchup na pizza!"

E uma multidão de italianos cercaram os dois, indignados. Aquilo nos daria tempo!

Aí você leitor pode estar se perguntando "ué mas como que eles entenderam se falam italiano?" e eu te digo: aceita que dói menos.

Encontramos a suposta casa de Stella, a alguns quarteirões de distância da confusão que eu havia provocado. Era uma casa pequena porém amistosa, charmosa. Com o coração acelerando, corremos até a porta.

Gina tocou na campainha irritantemente por muitas vezes seguidas. Quando a porta se abriu, todos levamos um grande susto silencioso.

Era a Stella.

Mas agora, ao vivo, conseguíamos distinguir detalhes... Que a foto não nos permitia.

Bem... Como explicar...?

Apesar do longo cabelo negro, e aparente botox na boca, e roupa feminina... Seus traços eram...  Definitivamente masculinos.

Sinto que a encaramos de boca aberta por alguns segundos. A única coisa que se passava na minha cabeça era "será que é drag ou será que é trans?"

"Buon pomeriggio" Stella foi a primeira a nos cumprimentar, com uma leve expressão de dúvida. "Ciao! Ah.. É... Io... Noi... Noi viaggiamo..." Gina claramente estava se enrolando com o pouco de italiano que conseguira captar do dicionário de bolso que comprara no aeroporto. 

Supus que, como nunca havia ouvido falar de o meu tio saber italiano, Stella provavelmente falava português. "Somos conhecidos do Marco. Marco Fagonça."

Stella ergueu suas sobrancelhas impecavelmente desenhadas, numa expressão de surpresa. "Gostaríamos de conversar com você." 

Agora foi a hora de Stella ter o espanto. Apenas após alguns segundos, respondeu. "Claro. Entrem, entrem." 

Enquanto isso, na escola Stella Santoro... 

"Então alunos," Declarou Evaristo, com a postura de um general, em frente ao auditório no qual havia reunido quatro turmas diferentes. "Como podem ter percebido, alguns professores estão em falta hoje." 

Uma aluna loira de tranças cochichou para os coleguinhas ao seu lado: "Estão indo atrás da namorada do diretor!" 

Evaristo apontou em direção desta aluna, chamando-a a atenção. "Ei!" Gritou. "Aonde você ouviu isso?"

A garota se levantou para responder, tímida. "O mendigo me contou."

Evaristo revirou os olhos. Se o Jonas fosse mesmo um espião, como Leopoldo tanto afirmava, era o pior profissional do mundo.

Se bem que eles não podiam falar muita coisa...

"Muito bem classe! Classes, quer dizer! Tive uma ideia! Vamos fazer o seguinte!" Enérgico, puxou o quadro ao seu lado para mais perto de si. "Eu vou resolvendo algumas equações no quadro. O resultado de cada questão vai ser o número de polichinelos que vocês vão ter que fazer. A cada polichinelo, vocês vão ter que justificar e explicar um fenômeno histórico, escolhido a critério de vocês."

"Mas professor," interrompeu um aluno "e a Antropologia?"

"E alguém lá se importa, garoto?"

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A decoração da casa de Stella era completamente country. Não me foi uma grande surpresa, afinal sua roupa combinava.

Me lembrei da casa do meu tio, tinha decoração semelhante. Meu Deus, que lavagem cerebral é essa que ele teve...

"Sejam muito bem-vindos, mes amours. Fiquem à vontade, sentem-se." Disse Stella, apontando para os sofás da sala. Todos com estampa de vaca. E tinha um tapete com couro de vaca no chão também. E uma cabeça de alce na parede...

"Também fala francês?" Gina perguntou, acomodando-se. Chico preferiu ficar em pé, provavelmente rezando por todos os animais que foram vítimas da chacina na mobília.

"Oui! Francês, italiano, turco, português, espanhol e inglês, na verdade. Sem querer me gabar, é claro, mas sou apaixonada por estudar línguas. Por conhecimento no geral, acredito." Os olhos de Stella brilhavam ao falar do tema, enquanto trazia uma bandeja com chá. "Tenho vodka também, se quiserem."

"Não, obrigado. Muita gentileza." Eu disse. "Você... Por acaso é americana?"

"Como adivinhou?!" Ela ficou boquiaberta.

"A decoração de velho oeste denunciou um pouquinho." Respondi.

Chico respirou fundo, fechando os olhos e coçando a testa.

Instaurou-se um silêncio de poucos segundos. Eu não sabia muito bem como puxar o assunto, Gina também não. Chico não estava em condições de responder por si no momento.

"Como está o Marco?" Perguntou Stella, em um tom suave, tomando um gole de (chá)?

"Está bem. Ele..." Comecei, aos poucos.

Mas Gina me atropelou: "Ele fundou uma escola."

Os olhos de Stella brilharam novamente. "Mas isso é incrível! Conte-me mais!"

"Nós somos funcionários dessa escola. Professores. O Leo aqui, professor e sobrinho do senhor Fagonça." Gina voltou a se empolgar - e sempre que se empolga, fala rápido.

Stella olhou para mim com mais atenção. Parecia querer estudar as semelhanças físicas que eu pudesse ter com o meu tio.

Duvido que tenha achado alguma...

"E nós viemos aqui, Stella... Bom, por parte, por curiosidade, não vamos negar." A professora de matemática deu uma risada um pouco histérica, como de costume. "Afinal, a escola em que lecionamos foi batizada com o seu nome."

Stella levou a mão ao peito, numa expressão de choque. Sua boca formou um perfeito O. Parecia estar prestes a chorar. "É mesmo?"

"Sim." Afirmou Gina, sem levar muito em consideração as emoções de Stella envolvidas no momento. "E também tem alguns inimigos do senhor Fagonça que estão aqui para te perseguir. Então, para sua segurança, seria melhor que viesse com a gente."

Enterrei o rosto na minha cara. Informação demais, Gina, informação demais.