Professores escrita por Vatrushka


Capítulo 4
Espiões




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Estávamos, nós 5, exprimidos no Uno Novo vermelho do Evaristo.

Felizmente, eu estava no banco da frente.

“Leo,” Chico murmurou atrás de mim, com voz dengosa. “será que você realmente não consegue colocar o banco um pouquinho mais pra frente?”

Pobre Chico. E seus (titânicos) dois metros de altura.

“Desculpa, cara, mas não tem como.” Respondi. “Meus joelhos já estão sem circulação aqui.”

Ouvi Felícia bufando. “Se eu estivesse na frente, como disse, conseguiria dar espaço pras suas pernas, Francisco.”

Duvido. Ela é mais alta do que eu!

“Não tem espaço pra jararaca no banco da frente.” Respondeu sutilmente Evaristo, o motorista. Seus olhos brilhavam com a mesma intensidade de uma lesma morta.

Eu ri. Não me arrependo.

Mesmo que recebesse facadas imaginárias da professora de história.

Ela nada disse. Provavelmente estava ocupada demais bolando uma vingança dolorosa o suficiente para nós dois.

Ah, eu esqueci de apresentar o Chico? Desculpe! Bem, ele é o professor de educação física. Fui apresentado a ele oficialmente minutos antes de entrar no carro. Foi engraçado. Eu fiquei encarando ele, boquiaberto, por alguns segundos.

“Leo?” Ele estranhou. “Por quê está me olhando assim?”

Meus olhos brilharam. “Alguém já te disse que você é muito, mas muito parecido com o Freddie Mercury mesmo?”

Ele revirou os olhos, corado. “E como.”

“Será que você…?”

“Não.” Ele já cortou meu pedido. “Eu não vou dublar nenhuma música só pra você ver. Entra logo.”

Eu vou fazer isso. Ah se eu vou.

Nem que seja a última coisa que eu faça.

Mas já tinha ouvido falar dele pelos meus alunos. Uma vez, quando eles voltaram da quadra estranhamente agitados, me contaram:

“O professor Chico chorou. De novo.”

Franzi a testa. Os alunos pareciam estar com pena, não ridicularizando.

“Um menino matou uma lagartixa que apareceu, e… todos sabem como o Chico é sensível…”

E agora, estava receoso que ele fosse abrir o berreiro porquê não tinha espaço pras pernas.

Mas algo me dizia que ele não agia como um menino mimado: era apenas alguém puro e bom demais…

Outra coisa que estava me preocupando era a Gina, encostada contra o vidro, estranhamente quieta.

“Felícia, você dopou a Gina?” Insinuei. Graças a Evaristo, aprendi a sempre agir na defensiva com ela.

A expressão da loira suavizou. “E não é uma boa ideia?”

Gina, enfim desabrochou.

“Estou frustada!” Declarou. “Até agora, você não falou qual o plano mirabolante pra invadir a casa do diretor, Leo!”

“Ah, confie em mim.” Garanti. “É genial.”

“Vindo de você?” Provocou Felícia.

“De você é que não poderia ser.” Cortou Evaristo, novamente.

O carro parou. Me aprontei para descer.

Aqui? Na frente da casa?” Sussurrou Gina, entrando no clima de espionagem. “Não seria melhor nos fundos? Ou por alguma janela?”

“Apenas siga os passos do mestre.” Sussurrei de volta. Todos me seguiram, receosamente, até o jardim. Quando pus os pés na varanda, Evaristo vacilou.

“Leo, mas que ideia de bosta é essa?”

Respondi à pergunta tocando a campainha.

“MAS O QUÊ”

Todos xingaram e correram pra se esconder em alguma moita. Revirei os olhos.

“Sai daí, vacilão!” Sussurrou Evaristo, tacando uma latinha na minha cabeça.

O tão aclamado senhor Fagonça abriu a porta.

Tio! A gente queria conversar com você!”

Claro que meu tio ficou todo simpático, riu e nos convidou para entrar.

“Viu?” Sussurrei. “Funcionou.”

Nos sentamos na sala de jantar. Como todo o resto da casa, a sala era repleta de enfeites country.

‘Ora, mas a nossa família não é do interior…’ Me perguntei se a configuração da casa, como tudo até então que dizia respeito ao meu tio, não teria a ver com Stella também.

Sorridente, senhor Fagonça pediu que esperássemos - a comida estava quase pronta. Foi quando reparei que ele estava de avental.

O meu tio estava cada vez mais irreconhecível. E eu gosto disso. Quando ele se voltou à cozinha, Gina se direcionou a mim.

“Agora é a hora certa.” Declarou. “Leo, onde fica o escritório? Ou o quarto dele, tanto faz?”

Dei de ombros, sorrindo. “Não faço ideia.”

Os quatro me encararam por um momento. Chico parecia particularmente mais espantado. “Você nunca visitou a casa do seu tio?”

“Não. Ele morava em um trailer, até poucos anos atrás.”

Gina estreitou os olhos. “Quantos anos atrás, exatamente?”

Fiz as contas nos dedos. “Uns sete.”

Sete anos. Ele abriu a escola há sete anos.

“Aquela foto da Stella… Também foi tirada há sete anos!” Concluiu Gina, maravilhada.

“Seja quem for essa tal de Stella Santoro, causou uma mudança brusca na vida do diretor.” Concluiu Chico, emocionado. “Não é possível que você não a tenha conhecido, Leo. Onde você esteve enquanto seu tio vivia tudo isso?”

‘Bem longe dele.’ Respondi mentalmente. Não pude evitar de sentir uma pontada de culpa, por ter alimentado um medo irracional do meu tio por tanto tempo.

Uma determinação cresceu dentro de mim. Estou feliz que alguém tenha conseguido fazer meu tio virar uma pessoa tão… boa. Solidária.

Stella. Preciso encontrá-la. Conhecê-la, agradecer por tudo o que fez, principalmente por estar presente para o meu tio - o que, para minha vergonha, eu não fiz.

“Leo?” Chico estalou os dedos na minha frente, me tirando de meus pensamentos. “Me responde, criança! Onde você esteve esse tempo todo?”

“Estudando.” Admiti, de imediato. É o que sempre fiz, a minha vida inteira… “Você não precisa bisbilhotar nada, Gina. Eu pergunto pro meu tio.”

“Tem certeza?” Conferiu Evaristo.

“Absoluta. Pergunto depois do jantar.”

“Não acho que ele vai estar à vontade para falar sobre isso com a gente… tenho impressão que a história entre ele e Stella, infelizmente, teve um fim.” Arriscou Chico, pensativo. “Talvez seja melhor você tocar nesse assunto a sós. Com família, sempre é mais fácil conversar.”

Ainda que Gina quisesse participar de cada etapa do desvendamento do mistério, acabou aceitando a sugestão.

Pois bem. Comemos. Para a nossa completa surpresa, meu tio também cozinha muito bem. Levantei a hipótese de Stella ter o ensinado a cozinhar, mas comecei a achar que estava exagerando.

Não é possível que meu tio faça tudo com base na sua convivência com Stella.

Certo?

Porquê seria muito estranho se fosse.

Enfim, a comida estava ótima, mas acabou. Aí comecei a ficar aflito. Como ia chamar o meu tio para um canto e conversar? Os olhares dos outros professores estavam me pressionando.

Para minha alegria, não precisei de falar nada. Meu tio se levantou, falando que precisava de pegar um não sei o quê no andar de cima.

Sob leve e espontânea pressão, eu o segui.

Subi as escadas. Ele estava procurando alguma coisa no armário do seu quarto, cantarolando alguma música revolucionária italiana que aprendi nas aulas de -pasmem- história, na faculdade.

De novo, me veio aquela sensação de “Hey, isso deve ter a ver com a Stella.”

Pobre menina. Mal a conheço e já a enxergo em todo lugar.

“Oh!” Ele tomou um susto ao me ver ali, o encarando. Era para ter sido uma exclamação de susto, mas foi tão grave que me lembrou um rugido de leão recriando com as leoas no National Geographic. Meu cu trancou. “Você tá aí! Precisa de alguma coisa?”

Eu avancei no quarto, coçando a nuca. Como eu toco no assunto…?

“Tio… Vou ser honesto, ok?”

“Por favor, seja.”

“A Gina achou uma apostila nas coisas do seu trabalho… E achou a foto de uma mulher chamada Stella. Ficamos curiosos, e… Bem eufóricos para saber quem é ela. O que vocês tiveram juntos. O porquê da escola ter recebido o nome e… o porquê de você não ter dito nada pra sua família… já que ela parece ter sido tão importante na sua vida.”

Claro que eu disparei tudo isso de olhos fechados, retraindo todos os músculos. Quando tive a ousadia de espiar sua reação, de imediato me arrependi.

Ele estava… Triste. Devastado. Destruído. Lutava para as lágrimas não caírem, e seu olhar estava perdido em memórias que jamais voltariam.

Senti uma pancada de culpa e pena. “E-eu, desculpe, eu não queria…” Devagarinho, fui tentar me aproximar. “Se não se sentir à vontade para falar…”

Ergui minha mão trêmula em direção ao seu ombro, na intenção de acalmá-lo.

Pra quê.

Ele soltou um urro de dor que me fez cair três metros de distância.

Chorando alto como uma criança que quer um brinquedo - só que uma criança muito grande e muito assustadora - deve ter chamado a atenção da vizinhança. Porquê, se não, chamou a atenção do pessoal no andar debaixo, pelo menos.

Como estavam longe e dificilmente conseguiriam diferenciar um berro de tristeza e um de ódio, os professores concluíram que tudo havia dado errado e que a qualquer momento um diretor Hulk desceria com o meu cadáver - pronto pra meter a porrada em todo mundo.

Por isso não estranhei ao ouvir cadeiras caindo, pessoas correndo desesperadas e o arrancar brusco do carro.

Xinguei Evaristo mentalmente, ao ouvir seu berro de despedida: “Segura essa marimba, Leo!”

Companheiros até a morte. Sei.

Senhor Fagonça se ajoelhou, olhando para o céu, ainda chorando. Tive vontade de abraçá-lo, de falar que estava tudo bem, de consolá-lo. Juro que tive.

Mas eu nunca disse que eu era uma pessoa digna. Sou um cuzão, não nego. Aquele fantasma aterrorizante da minha infância estava materializado na minha frente, e… Fiquei sem reação.

Mentira. Eu reagi, sim: saí correndo.

Quando cheguei na rua, ainda ouvia o choro retumbante. Corri ainda mais rápido.

No meio da corrida, só olhei uma vez pra trás.

E nessa olhada, vi que Felícia ainda estava na casa.


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