Invisível aos olhos escrita por Flávia Monte


Capítulo 35
Capítulo 35


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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— Você está mais alta do que me lembro.

A voz é de mulher, e eu sei disso. Fico um pouco surpresa e olho em volta. Estamos no lugar certo, mas com a compania errada. Tem uma mulher em pé perto da janela de Said. Ela está afiando uma faca e isso é bem amedrontador. Ela parece ter uns trinta anos... Ou um pouco mais.

— Nos conhecemos? – Sou a primeira a falar. Gaelle está bem mais preocupada em manter o sangramento do braço, limpo e bem cuidado.

— Meu nome é Isis.

Ela é um pouco familiar para mim, sim, mas o cabelo lilás longo e os olhos azuis me fazem lembrar mais do Said do que a quem eu tinha pensado em primeiro lugar. Ela joga uma toalha para Gae, que pega no ar, e aponta para mim.

— Nos vimos poucas vezes, não precisa ficar sem graça por não se lembrar... 

— Essa é a avó de Said, a “cópia da outra dimenção” da nossa tia avó Nyx. – Gaelle fala com a voz um pouco fraca, eu consigo sentir um pouco da dor que ela está sentindo. Parece mais um incômodo do que realmente uma dor...

— Não me chame de avó! – Ela grita, apontando a faca na direção de Gae. – Mas na teoria, sua familiar está certa. Eu presenti que você teria problemas, mas Said estava em uma missão. Sorte que sua familiar é um dragão, se não vocês não conseguiriam vir para esse lado. Nem todos os familiares tem esse potencial.

Olho para o braço de Gae e sinto meus olhos começarem a se irritar. Não posso chorar agora. Não fui eu a atingida. Percebo que o sangue parou de sair, mas ainda está bem ferrado aquele local.

— Eu sei sobre tudo, minha querida. – A mulher anda até mim, e parece bem mais sensual do que deveria ser. Ela passa a mão no meu cabelo e depois toca no ar ao meu lado. – Vá para casa. Sua familiar tem que ficar aqui para se curar, sem chamar a atenção de Estratos.

— Você não vai se encrencar por nos ajudar? – Pergunto, me lembrando do que Said disse sobre ela ser do Concelho.

— Não se preocupe com isso, meu bem. Serei sincera nesse momento. – Ela segura a faca pela cerra e começa a rodá-la entre os dedos. – Vocês terão mais problemas futuramente. – Isis para de falar, e me deixa perceber outra semelhança que tem com o Said. Ambos parecem esconder alguma coisa. -  Sua familiar até poderia ir com você, se não tivesse um pouco da sua alma vazando dela. Se for para a sua realidade agora, provavelmente, Estratos a encontraria em segundos. – Ela beija a minha testa e me empurra pela passagem. – Boa sorte, menina.

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Agora eu tenho que ficar protegida sem Gae também. Não acredito que ela estava tão machucada e aquela senhora nem ligou para isso. Senhora é um pouco estranho de dizer, já que ela parecia ter o que? Uns quarenta anos? Será que Said será como ela? Por que se for, não vou poder ficar com ele... Não vai dar para eu restaurar o meu amor por ele, com a ajuda de Gae. Na verdade, mesmo se ela me ajudasse, não seria bom para ele...

A luz não para de girar. Essas cores são estranhas demais, e parece que estou andando a mais de uma hora. Quando a luz vai chegar?

— Menina, sabe me dizer que horas são?

Olho em volta, mas não vejo ninguém. Continuo andando até ser chamada de novo.

— Não seja mal educada! Quando um Gato Divino fala com você, ele merece ser respeitado e reverenciado! – A voz é um pouco aguda, ao mesmo tempo, é séria. Parece com animação de filmes de criança.

Olho para baixo e não vejo nada.

— Eu estou aqui! – Um rabo passa pelo o meu rosto, e percebo que o tal gato não estava a minha volta, ou no chão. O estranho gato verde com asas na orelha, está de cabeça para baixo, a cima da onde estou.

É realmente um gato estranho. Seus olhos não são comuns. O da direita é vermelho e a pupila é alongada. E o olho da esquerda é completamente branco. Que medo. O gato verde tem dois rabos longos e parece a ponto de jogar uma bola de fogo azul em minha direção.

— Não está me ouvindo, menina?

— Eu só... Bem... – Pego meu celular e vejo as horas. Diz que já passam das dez. Sendo que sai do restaurante nove e meia... Devia ser mais tarde, não é? – São dez e dez.

— Não ouvi você me chamar de Meu Gato Divino! – Sua voz me mostra que o ser, verde e estranho, está bem irritado.

— Me desculpe, Meu Gato Divino. – Fecho os olhos para que a alucinação suma. Mas não... O gato ainda está ali. Esse é outro monstro do Outro Lado.— Poderia me indicar a saída desse túnel, Ó grande Gato Divino!

— Você está brincando? – O Gato ri, e algumas bolas de fogo azuis o circulam. – Vou te responder, apenas por ter gostado do seu chamamento. Quando entra na passagem, você tem um destino e tem que continuar seguindo até chegar lá. Se você por acaso se esquecer para onde quer ir, ou mudar de rota, você apenas precisa ir para outro caminho. – Ele aponta para outros pisos coloridos, abaixo do meu, que vão para direções diferentes. – É só pensar para onde quer ir, e pronto.

— Obrigada, Ó magestoso e honroso Gato Divino. – Seu sorriso alarga, e eu pulo para outro caminho e viso o quarto de Amon. Se há alguém que pode me proteger, seria ele.

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É estranho, mas não demora mais do que alguns segundo. Foi como se eu andasse sem rumo por algumas horas e então descobrisse o que fazer. Na realidade, foi isso que aconteceu. O quarto dele está escuro. Consigo perceber que as paredes têm uma estampa de selva. É bonito, extremamente confortável. Contudo, é esquisito.

Amon está na cama, quando enfim o visualizo. Seu peito sobe e desce ritmicamente. Ele está dormindo. Uma música toca baixo, e eu vejo que é um rádio moderno, em uma das estantes. A cama de Amon fica em baixo da janela. Pela luz da lua que entra no quarto, deduzo que é por isso que ele dorme ali.

— Cass... – Sua voz é fraca, e pelo jeito como se mexe na cama, ainda está dormindo.

Ando devagar e chego perto o suficiente para o meu cabelo tocá-lo de leve no ombro. Levo um susto quando ele segura firme o meu pulso e me taca no chão, subindo em cima de mim e me deixando imóvel. A dor é tanta que eu sei que: se onde ele toca não tiver quebrado, está, ao menos, luxado.

— Cass! O que faz aqui? Por que está cheirando a sangue? Você está machucada? – Apesar da preocupação em sua voz, seus movimentos pararam e ele ainda me segura como se eu fosse uma inimiga.

— Graças a Gae, eu estou viva e bem. Agora o meu pulso... – Tento olhar nos seus olhos glaciais e foi como se eu tentasse me afogar na água fria.

— O que aconteceu? – Ele se senta, encostado a cama, e me deixa levantar. É... Acho que meu pulso quebrou de verdade... E a unha dele perfurou a minha pele também.— Onde Gae está?

— O cara que está atrás de mim nos achou... Ela se transformou em dragão e virou um alvo fácil para seja lá que arma ele use. O Shinigami fez um estrago no braço dela, mas Gae está na casa de Said agora. Onde não dá para rastrear e ela pode ficar a salvo! – Estico o meu braço visivelmente machucado, e Amon tira a minha dor. – Só que agora, além de estar sem Said e sem Chander, também estou sem Gae...

— Entendo... – Amon continua segurando a minha mão, e faz parecer que irá voltar a doer quando me soltar. – Agora você está indefesa e eu sou sua última esperança. E você ainda quer manter isso em segredo da minha mãe...

Sua dedusão é realmente impressionante!

— Está certo... Gostaria então que você me treinasse. Sem ligar para a minha saúde. Do jeito que as coisas estão, eu preciso saber me proteger sozinha!

Amon mexe ligeiramente a cabeça e parece estar tentando compreender tudo o que está acontecendo comigo.

— Por isso, mesmo estando bravo comigo sobre o négocio do Tom... Proponho uma amizade! – Estico a minha mão boa, e ele demora um pouco para aceitá-la.

— Certo, claro. Amigos.

Descubro que a escuridão do quarto de Amon é um pouco amedrontadora, e chego um pouco mais perto, sentando-me ao seu lado, encostada na cama.

— Eu sei que você tem a sua vida, e não é por que eu surgi agora que você tem que prestar atenção em mim, no entanto... Se você puder visitar Gae quando não estiver na faculdade, ou me treinando, ou seja lá o que você costuma fazer... Seria ótimo.

— Não vejo problemas nisso. Hoje mesmo ajudei Gae com algumas posições. – Amon escosta a cabeça na cama, e parece mais calmo agora. Ainda sem soltar a minha mão, ele se apoia e levanta. Depois de me ajudar, eu sento na cama e Amon pega algumas coisas para fazer um curativo. – Sei que dói, mas se é daquele jeito que Matt te cura, vamos deixar isso para outro dia, Ok?

Concordo com a cabeça, enquanto espero Amon terminar de colocar o esparadrapo. Meu osso está quebrado. Não é uma simples torção. Mas não está doendo, e meu sangue parou de sair. Está errado não ir pedir ao Matthew para me ajudar. Só que... Eu nem quero pedir mais ajuda. Da última vez que o vi, ele parecia tão doente.

— Amanhã é quinta feira. Fará uma semana que tudo isso começou.

Ao escutar isso, me lembro de Prime e do que eu vi pela câmera de Fran. Me lembro do que Dylan falou e de como agiu. Me lembro de Gaelle indo atrás de mim, e depois sendo atingida por Estratos. As memórias de Tom dormindo em meu peito, enquanto Chander dormia na cama de baixo e Said me olhando, estão vivas em mim. Me lembro de Amon ensinando a Gae a lutar, e também de Matt me curando. E Matt me curando de novo. E mais uma vez... Toda noite eu preciso que ele me faça me sentir melhor. Durante essa semana inteira eu fiz merdas e também sofri muitas outras. Eu posso estar bem confusa agora sobre tudo, mas, mesmo assim, ele merece um dia de folga.

— Sabe... Desde que eu vi Gae, eu percebi uma coisa. – Amon me trás de volta ao atual momento.

— Percebeu que eu seria muito mais linda se fosse metade loba? – Sorrio no escuro, e logo em seguida fico com vergonha. Sei, ao menos, que ele não tem como ver essa minha reação.

— Hum... Talvez. Mas eu estava dizendo sobre ela ser seu Grilo Falante.

— Meu o que?

— Nunca viu Pinóquio? – Nego com a cabeça, e pela forma que meu cabelo se mexe na luz da Lua, acho que ele entende. – Bem, não tem muita importância. É uma história de criança. O Grilo Falante é a conciencia de Pinóquio. Gae é a sua.

— Acho que faz algum sentido. Pelo o que Said disse, ela é a parte oculta em mim. Uma parte contida voluntariamente ou não.

— É... Concordo. E eu acho isso um pouco engraçado.

— Engraçado? – Consigo ver um pouco dos seus ombros desnudos e seu cabelo balançando. – Por quê?

— Por que eu consigo me dar bem com a Cass interior, mas não a exterior. – Ele dá de ombros como se não fizesse tanta importância assim. – Digamos... Eu consigo ver em Gae o que é dela, e o que é seu. E sério... Há frases típicas que ela usa. É engraçado.

— Ela tem frases próprias? É assim que você me diferencia dentro dela?

— Bem... Quando Gae diz “qual é o seu problema?”, eu sei que é ela. E não você, falando.

Escutando isso, percebo que realmente nunca falei essa frase. Não que me lembre. Nunca vi motivo. Mas isso não significa nada. Porém, Gae também havia dito que sabia diferenciar o que eu sinto e o que ela sente...

— Está bem... Vou fingir que acredito em você. Obrigada pelo curativo. Assim que eu estiver melhor, podemos voltar a treinar. E dessa vez seja rigido. Mesmo que isso me faça mal. – Dou um beijo em sua bochecha em agradecimento e levanto da cama.

— Para onde vai?

— Ao quarto de Tom, onde mais? – Sorrio e caminho até a porta.

— Não vai ao de Matt.

Sua voz é séria. Chego a reconhecer a urgência em sua voz. É a primeira, não, a segunda vez que o vejo tão decidido. A outra vez foi no gramado atrás dessa casa.

— Não vou. Relaxa. Vou deixá-lo descançar por um dia.

Saio do quarto de Amon e ando o resto do corredor até o quarto de Tom. Assim com nas outras noites, o frio e breu do corredor fazem meus braços ficarem arrepiados. Ainda mais agora, que Gae está machucada e Estratos pode aparecer de repente... Se ao menos eu tivesse o enxergado direito, eu podeira saber o que está atrás de mim. O menino está coberto quase completamente, contudo está sentado e com um abaju com a luz ligada.

— Achei que você não dormiria comigo de novo... – Sua voz é lenta e não está tão fina quanto antes. Ele parece rouco, como se tivesse resfriado. - Meus amigos falaram que quando um casal está noivo, tem que dormi todas as noites juntos.

Acho que seus amigos estão pensando que eu estou com Amon, e não com você, Tom... E seria bom você não falar para Billy que você quer se casar comigo.

— Vou dormir com você, Tommy. – Vou até minha mala e pego o pijama. Troco rápido, desligo a luz e subo na cama. O menino parece um rolinho primavera, com esse edredom grosso enrolado a sua volta. – Não está com calor?

— O ar está ligado, e eu estava com medo de você não voltar... Onde Gaelle está? – Ele olha para porta, como se ela fosse entrar a qualquer segundo.

— Ela está com Said. Amanhã a gente conversa. – O puxo para o meu peito, deitando de baixo do edredom, com ele. Evito que meu braço recem machucado seja visto pelo menino. Tom me abraça e coloca a cabeça na minha barriga. Normalmente, ele deita em meu peito. – Por que está deitado tão para baixo?

Tom fala alguma coisa que eu não escuto.

— O que foi? – Pergunto e, novamente, só consigo ouvir ruidos. Puxo seu corpo para cima, fazendo com que seu rosto fique na frente do meu, para conseguir escutar melhor. – Repita.

— É... Meu amigo falou que o irmão mais velho dele contou que as mulheres gostam quando pegamos em seu peito... E eu achei que nossa relação não está tão intima assim... Não queria apressar as coisas e acabar te perdendo. – Apesar da escuridão, sei que Tom está ficando envergonhado.

— Tommy, enquanto você for mais novo do que eu, não precisa se preocupar assim. Está bem? Pode dormir no meu peito, contanto que seja apenas para o seu conforto, e se os livros que você costuma ler não tiverem nada a ver com isso.

Tom continua avermelhado, mas acho que o fato dele estar quente tem muito a ver com isso. Ele concorda com a cabeça. Passa o braço por debaixo do meu peito, mas parece bem nervoso quando quase me toca. Ele apoia o seu rosto em meu ombro e eu beijo os seus cabelos negros, como a noite.

— Sabe, Tommy. Ainda não houve uma noite ruim, desde que eu vim para cá. Isso é uma coisa boa, certo? Talvez, você não desenvolva tais habilidades. Então, não precisa ter medo de ficar sozinho a noite.

— É verdade sobre não ter escutado ou visto algo... Durante essa semana. Isso é bom. – Tom me abraça. – Isso pode ter acontecido por você vencer a morte. Isso deve estar alterando a natureza, ou sei la.

Sorrio um pouco triste e o abraço apertado. Sinto um cheiro bom em seu cabelo, e percebo que está um pouco molhado ainda. Ele devia secar antes de dormir... Recordo-me do estado de Gae e sinto uma lágrima brotar nos meus olhos. Não importa se estou aqui, se eu estiver machucando outra pessoa.

— Eu ainda não venci.


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Notas finais do capítulo

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