Invisível aos olhos escrita por Flávia Monte


Capítulo 10
Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!!!! Comentários são bem vindos!!



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— Como assim você não quer ajudar?

— Ué? Eu sou obrigada a sair do meu belo computador para ir ajudar algum professor idiota? – Prime boceja do outro lado da linha. – Afinal, por que não pergunta uma coisa dessa para alguém da faculdade?

— Prime, você é minha salvação. Eu só preciso que você pesquise com seus métodos rápidos. – Estou faz quinze minutos tentando convence-la a ajudar. No entanto, Prime precisaria invadir o computador do prédio. E para isso precisa estar aqui.

— Você realmente ficou chateada por maltratarem aquela árvore, não é? Que coisa idiota... – Escuto um barulho de algo caindo do outro lado. – Que merda! Está bem eu vou. Mas quero que me compre um teclado novo, o meu acabou de ser banhado por café e não parece muito vivo.

Eu não acho que um dia ele foi vivo, Prime.

— Ótimo, estarei esperando na biblioteca. Será rápido, garanto. – Desligo o celular antes que minha amiga possa mudar de idéia. – Tudo certo! Ela deve demorar apenas dez minutos para chegar. Apesar daquela lenga, lenga toda, Prime mora aqui do lado.

— Então, onde é a biblioteca? – Chander pergunta, encarando o meu celular. – Por que dá última vez que te acompanhei por aqui, ela estava fechada.

— Houve algum acidente lá, e provavelmente continua interditádo, mas acho que consigo entrar por uma das janelas que estão quebradas.

— Isso não me parece muito seguro. – Said reclama e cruza os braços. – Sabe o quanto foi difícil cuidar de você sem você perceber? Agora que você sabe sobre mim, devia me ajudar a te manter viva.

Olho para o lado e consigo perceber seu rosto cheio de angustia. Se ao menos existisse outra forma de entrar. Mas não têm. Abaixei a cabeça, contornei o prédio e parei em frente à janela. Ela era diferente das outras, já que em vez de um vidral de dois metros, era uma janelinha pequena e alta. Preciso achar um jeito de subir nisso.

— Não me diz que você está querendo subir ai? – A fantasma para ao meu lado e ri. – Quer tanto me fazer companhia? Por que eu despenso! – Ela atravesa a parede, seguida por Chander.

— Você quer entrar dessa forma, ou podemos fazer do meu jeito? – Eu olho para a janela quebrada e depois para Said.

— Você consegue me ajudar a passar por ali?

— Claro que sim, mas do meu jeito é bem melhor para o seu corpo. – Ele toca na parede, em baixo da janela e os tijolos parecem se mexer.

— O que está fazendo, Said? – O homem para ao ouvir seu nome, e cruza os braços. – Você consegue abrir a parede?

— Consigo abrir uma passagem transdimencional para entrar na biblioteca. Vai demorar mais do que apenas pular por entre cacos de vidro, mas será mais seguro.

Said estica a mão para mim, e eu a aceito. O ceifador dá um passo para dentro da parede, e eu sinto meu corpo ser puxado para lá. Fecho os olhos de medo e quando abro, estou no meio de uma espiral colorida e estranha. Olho para minha mão, que segura com muita força a de Said e parece que nós somos as únicas coisas estáveis lá dentro.

— Estamos chegando. – Uma luz aparece na nossa frente, e por ser tão ofuscante, escondo meu rosto atrás de suas costas. – Eu esperava algo... Maior.

Abro meus olhos e estamos de frente para uma das longas mesas que tem no centro do salão. Eu não vejo nada desapontador. A biblioteca é gigante e tem mais livro do que qualquer outra que visitei. Não entendo o que ele está dizendo.

— Agora só precisamos esperar a Prime...

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Os dois fantasmas estão andando pelos corredores, pegando alguns livros e depois devolvendo aos lugares. Um negócio que não faz sentido na minha cabeça é: por que temos que levá-la para o outro lado? Ela não estava incomodando ninguém, estava? E se ela precisa ir, Chander não precisa?

Said está com a cabeça apoiada na mesa, e de olhos fechados, parecendo bem cansado. Apesar dele não precisar dormir como os humanos, ainda assim precisa. Said não é diferente de Amon, Dylan, Caleb, Matthew, Tom e nem mesmo é diferente de Pam. E se todos tem um quarto onde dormem, acredito que meu guardião também deveria. Eu não tenho mais certeza sobre quase nada, e por não ser do mundo deles, acho que Said não daria muita importancia para o que eu penso.

— Ei! Careta? Essa aqui não é você? - Chander trás um livro até a mesa que estou apoiada. A fantasma vem logo atrás. - Apesar de o cabelo estar mais curto na foto.

Ele coloca a página aberta em duas fotos grandes. Acho que isso é um anuário. Em preto e branco tem dez meninas de uniforme de lacross e tacos. Acho que essa quadra virou o atual estacionamento. Elas estão todas sorrindo e tem um troféu entre elas.

— Qual delas você disse ser a Careta? - Pergunto examinando cada uma.

— Essa. - Chander toca no canto da foto, onde tem a platéia. E está certo, é identica a ela. - Mas nessa outra foto ela aparece melhor. - Ele vira a página e tem uma foto de duas garotas e um cara. Uma delas é a fantasma ao meu lado.

— Sou eu. - Ela encara a foto e parece admirada. - Eu pareço tão feliz.

— Aqui está dizendo "Liz Campbell ganha título de melhor atacante feminina do campeonato regional de lacross de 1915. O técnico e ex-membro do time masculino lacross diz estar muito satisfeito com o resultado da partida." – Leio a legenda da imagem e percebo uma semelhança entre as três pessoas na foto. – Todos eles são Campbell. – Eu já vi esse sobrenome em algum lugar. Olho para a fantasma e aponto para onde está o seu nome. – Hinata Campbell, é você. Não é?

 Ela fica por alguns segundos encarando sua foto e vejo uma lágrima, que imaginei ser impossível, deslisando pelo seu rosto. Seu corpo inteiro parece mais transparente, como se apenas essa memória pudesse mudar muita coisa. O que será que aconteceu com ela, para ter se pendurado naquela árvore?

— Ei, Cass! – Escuto alguém batento na porta principal. – Está ai dentro?

— Estou! – Grito e antes mesmo deu pensar em como ela iria entrar, vejo a porta sendo arrombada. – Caraca, Prime! Isso que é jeito de abrir uma porta. – Eu rio, e ela me abraça.

— E esse gostosão aqui seria quem? – Falando ao meu ouvido, Prime tenta não fazer nenhuma indireta.

Eu a solto e olho para trás. O único que ela deve ver é o ceifador, isso se ele estiver visível aos normais.

— Se apresente. Sei que está morrendo de vontade. – Digo baixo e cruzo os braços quando minha amiga passa por mim.

— Prime White, ótima cantora e péssima estudante. Estou no Campus de Literatura e outras artes. Tenho dezenove anos e sou de escorpião. Conheço a Cass a dois anos, e somos melhores amigas.  – Por estar usando calça, ela apenas finge ter um vestido para segurá-lo e se abaixar, como faziam para cumprimentar antigamente.

— Er... – Ele me olha e eu só dou de ombros, afinal não sei muito sobre ele. – Sou Said Metatron, sou bom em qualquer coisa ligada a lutas e sou ruim com números. Eu não estou nessa faculdade. Tenho... – Said me olha sem saber o que dizer quanto a idade e eu levanto os dedos, para que ele leia “vinte”. – Vinte anos e sou de Câncer. Eu a conheço faz muitos anos e somos como amigos de infância.

Impressionante. Said tentou ao máximo não mentir e parecer normal. E eu que achei que ele só falaria o nome e pronto. Passo por eles e chego a mesa de computadores. De qualquer forma, dando tanta informação, Prime não vai ficar perguntando tanto. Eles dois chegam ao meu lado e os fantasmas ficam do outro lado da mesa. Minha amiga senta e começa a digitar bem rápido.

— Tudo bem. Já estou dentro. Você quer saber o que exatamente? – Prime continua a olhar a tela do computador.

— O que eu realmente quero saber é onde estava plantada aquela macieira. Eu soube que uma estudante se enforcou naquele galho grosso e isso ficou na minha cabeça. – Quanto mais detalhe, menos perguntas.

Prime franze a testa, porém não discute. Depois de algumas senhas e digitos, ela suspira.

— Pelo o que eu vejo aqui não foi uma estudante que se enforcou. No jornal da escola diz que foi uma irmã de uma das alunas.

“Hinata Campbell, irmã de dois astros da escola Welkent, morreu noite passada em um trote de calouros. A primeiranista havia acabado de chegar ao Campus, onde passaria a morar com as outras calouras, quando os veteranos se reuniram e a levaram para a praçinha Valkna, perto do lado. Hinata e outras quatorze meninas foram achadas amarradas em árvores ao longo do lago Erie. Diferente das outras calouras, Hinata não foi presa pelos pulsos e sim pelo pescoço. O que era uma brincadeira, virou uma cena de crime. Todos os adolescentes envolvidos foram levados a prisão do Campus, onde deram seus testamentos.”

“O ocorrido foi encerrado, e os veteranos passaram os próximos seis meses fazendo serviço comunitário. A escola levará uma multa, e os familiares de Hinata receberão uma quantia por esse fim trágico”.

Então Hinata não havia se suicidado. Alguém a prendeu aquela árvore. E não fizeram basicamente nada quanto a isso. Olho para trás e vejo que ela está horrorizada, com a mão cubrindo a boca.

— NÃO! – Sua voz ecoou pelas paredes da biblioteca, e pelo calafrio que senti isso definitivamente não era bom sinal. – NÃO! COMO PUDERAM ENCERRAR AS INVESTIGAÇÕES COM ISSO. EU MORRI E A ESCOLA SÓ SE IMPORTOU COM A PRÓPRIA IMAGEM!

Said me puxa, e eu fico atrás dele. Prime olha para mim com os olhos visivelmente assustados, já que parece ter escutado o mesmo barulho. Devagar, e sem dar um pio, minha amiga se levanta e anda até o meu lado.

— Quando eu disser para vocês correrem, vocês fogem daqui. Certo? – O homem fica entre a fantasma e nós, enquanto tenta ser discreto. – Corram!

Eu seguro a mão de Prime e vou o mais rápido que posso. Nós duas somos ótimas em atividades físicas, mas quando os livros começaram a voar em nossa direção, a ida até a porta passa a ser quase impossível. Assim que passamos pela porta, essa se fecha com força e estrondosamente. Agacho-me atrás da parede e percebo que Prime está me encarando. Sua boca está um pouco aberta e eu consigo notar sua dificuldade para respirar. Ela coloca a mão em cima de onde é o coração e se ajoelha ao meu lado.

Engatinho até uma das grandes janelas da biblioteca, mas Prime fica parada onde está, tremendo. Daqui de fora eu consigo ver nitidamente Hinata perto do teto e Said ao lado de Chander. Chander! Meu irmão não pode se machucar, não é? Ele já está... No outro lado. Não é? Eles se olham por um momento, e percebo que Said está falando alguma coisa, ele pega uma adaga da cintura e passa o dedo em cima da lamina. Chander brilha e parece ser sugado para dentro da arma. Então a agada pequena se transforma em uma foice enorme, em poucos segundos. O ceifador começa a lutar com tudo que é jogado contra ele. Vejo a boca de Hinata abrindo e um som agudo sai de lá.

E então as janelas explodem.

Eu não consigo escutar mais nada, além de um zumbido. Olho para o lado, e Prime está deitada no chão, com as mãos em cima dos ouvidos. Tento pegar em sua mão e sentir sua pulsação. Que merda. Eu não consigo. Eu não sei fazer isso. Minha mão está tremendo muito. Vejo vários cacos de vídro ao nosso redor, e alguns presos a nossa pele. O que está acontecendo? Tento me mexer de volta até a janela, e sinto muita dor nas pernas. Olho por entre os cacos e vejo uma esfera meio roxa ao redor da fantasma. Said vai até ela com muita facilidade, dessa vez, e faz um corte na frente dela. E em seguida, não vejo mais Hinata.

Volto a me sentar, sobre os cacos, e respiro fundo. Tento olhar para as minhas mãos, mas meus olhos ficam embaçados e apenas consigo ver uma cor vermelha.

— Você vai ficar bem. – Sinto os braços de Said me levantando e me apoiando em seu colo. – Sua amiga está viva. Eu vou fazer com que ela não se lembre, exatamente, do que aconteceu aqui.

— Vai apagar a memória dela? – Pergunto, sentindo dor em todo o meu corpo. Olho para frente e vejo Chander, um pouco sujo.

— Vou apenas mudar a memória dela. Não se preocupe.

Sou levada até o bosque atrás do segundo predio, e Said me coloca deitada na grama. Acho que por ter uma estrutura tão antiga, foi proibido o uso das câmeras. Ainda bem. Sinto os pedacinhos de vidro saindo de mim, um por um. Em cada lugar que fui ferida, sinto algo molhado, escorrendo. Chander está com sua mão fria, segurando a minha.

— Ele está passando o sangue dele nos seus ferimentos. Funciona como uma pomada instantanea. Não vai doer muito mais que isso. – Meu irmão passa os dedos no meu braço para me acalmar. – Não se preocupe. Não faz ideia quantas vezes acabamos nessa mesma situação.

— Se ao menos... – Said para de falar, me fazendo rolar para o lado. Passando alguma coisa nas minhas costas, ele continua. – Se ao menos você não tivesse ido para casa do Willian. Se tivessemos ficado nós três como sempre, eu não teria tanta dificuldade em te curar.

— Por que o seu sangue me curaria? – Minha voz está fraca, mas não sinto nenhuma sensação de tontura ou algo que me leve ao desmaio. – Você é como Matthew?

— Não. Todos os... Quase todos nós, do Outro lado, possuimos facilidade e agilildade em nos curarmos.

— Pela conversa que tive com Tom, foi Amon quem sugou a sua dor para ele. Lobisomens podem diminuir a dor de outra pessoa, pelo toque. Pelo menos, parcialmente. Cada um deles consegue fazer alguma coisa ligada a isso. Shinigamis conseguem desse jeito. – Chander aponta para mim e eu concordo com a cabeça.

— Me desculpe por dizer isso. Mas preferia continuar na ignorância.   


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Notas finais do capítulo

Logo postarei um novo capítulo!



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