DIA 2

“-e então eu disse para o Amos que eu não podia mais namorar com ele, peguei minha última mala e entrei no elevador.” Lily terminou de contar toda a história do seu término. Alice, sentada do outro lado da mesinha do único café da cidade, levou uma das mãos ao rosto, em um gesto de choque.

“Mas, Lily!” Ela exclamou, parecendo não saber o que falar. “Você e Amos se davam tão bem! Você disse para mim que o amava!”

Lily tomou um gole de seu suco para não responder Alice com uma resposta mal-humorada. Sim, ela pensou, amava, do verbo amar no passado. Mexendo o canudo de seu suco, acabou dando de ombros.

“Não sei, Ali” Resmungou, sentindo-se cansada de tudo isso. “eu realmente achei que o amava, mas ver o anel de casamento me fez pensar que...” Soltou um suspiro e não continuou mais a frase.

Sua amiga juntou as mãos das duas. Os olhos castanhos de Alice brilhavam de entendimento – e Lily sentiu-se agradecida que sua amiga mais antiga conseguiu entender pelo menos uma parte da grande bagunça em que ela havia se metido.

“...que você talvez não amasse o suficiente para passar o resto de sua vida com ele?” Alice completou, com um sorriso sincero no rosto. “Ah, meu bem...”

As duas ficaram em silêncio por um momento. O sol da manhã na Escócia era leve e não queimava, era uma sensação agradável senti-lo na pele.

“Bem, pelo menos isso eu resolvi.” Lily tentou ser positiva, tomando o resto de seu suco. “Agora só falta o resto.” Jogou seu corpo contra a cadeira do café.

Os olhos de Alice se estreitaram e a ruiva soube de imediato o que vinha na sequencia.

“Falando no resto” A loira cruzou os braços. “que história é essa sua com James? Achei que vocês dois tinham terminado tudo quando você foi embora...”

Mesmo que Alice quisesse ser sutil, ela nunca conseguiria. Suas sobrancelhas claras ganhavam vida própria quando a garota estava interessada por algum assunto.

“Bem...”

“Oh, Lily, não me venha com ‘bem’, eu conheço você mais que isso!” Riu, cruzando os braços e inclinando-se contra o encosto da cadeira. “Você por algum acaso está escondendo um filho de James? Me diga, quando foi embora, você estava grávida, não estava?!” O tom risonho nas palavras da amiga avisaram Lily de que a ideia era apenas uma brincadeira, mas quando Lily apenas riu e não respondeu, Alice pareceu ficar um tanto nervosa. “Lily Evans, você não está escondendo um filho de James, ou está?”

“Deus, Alice!” Lily explodiu em gargalhadas – as primeiras em duas semanas – e demorou um tempo para conseguir se recuperar. “Não! Eu não fui embora grávida, por Deus!”

Alice contentou-se com essa resposta, mas não desistiu de saber o que estava acontecendo.

“O meu problema com James é bem maior que um filho...” Lily continuou, coçando a bochecha. “...Quem me dera se fosse apenas um filho...” Murmurou, escorando um dos cotovelos na mesinha de metal. “Você tem tempo, Ali?”

“É recém nove horas” Respondeu-lhe a amiga. “posso ficar aqui até o meio dia, eu estou trabalhando só meio turno essa semana...”

“Então...” Sem olhar para a amiga, Lily começou a contar como todos os seus problemas começaram. “Eu não sei se você se lembra daquele fim de semana, um mês antes da formatura, em que James e eu...”

X

2008

“Eu te amo” Uma Lily vários anos mais nova murmurou, encostando seu nariz gelado contra o nariz igualmente gelado de James, tão jovem quanto ela. “acho que eu não conseguiria viver sem você.”

“Como ‘cê é exagerada, Evans.” O sotaque escocês de James ficou pronunciado, mas nem o sotaque mais pesado do mundo esconderia a voz emocionada dele. “Eu te amo também, se quer saber.”

“Bom.”

Os dois estavam deitados na cama do quarto de James, na Fazenda Potter. A blusa de Lily tinha desaparecido há muito, perdida na confusão que sempre fora o quarto de seu namorado. A camisa de James também teve um destino parecido, mas parecia que nenhum dos dois estava muito preocupado com isso.

“Tem algum plano para depois da escola?” Lily murmurou, quebrando o silêncio da madrugada. “Você disse que queria fazer faculdade.”

“É” A voz de James era baixa. “é uma ideia.”

“Eu fui aceita na universidade de Manchester.” Admitiu a ruiva, sem olhar para o rosto do namorado. “Vovó achou que eu deveria tentar, eu nunca achei que conseguiria...”

“Isso é ótimo, Lis!” O corpo de James cobriu o dela, seu rosto genuinamente feliz por ela ficando frente a frente no rosto de Lily. “E você vai?”

O silêncio da ruiva deixou clara a resposta. Ela queria – desejava – ir para Manchester e sair de Godric’s Hollow assim que conseguisse. Nunca havia sido um segredo entre os dois e James nunca se importou com o fato de que sua melhor amiga zarparia para longe assim que a escola terminasse – só que eles não eram mais apenas melhores amigos.

“James...” Ela murmurou, tentando pegar o rosto do namorado para olhar no fundo de seus olhos dourados. “Eu não quero ficar longe de ti.”

Os dois rolaram pela cama até estarem abraçados, cada um segurando o outro como se suas vidas dependessem disso.

“Hei, ir para a faculdade não é o fim do mundo...” Ele riu, respirando o cheiro do shampoo de Lily. “E eu sempre posso ir te visitar...”

“Não vai ser a mesma coisa.” Lily reclamou de forma infantil, afundando o seu nariz no pescoço do namorado. “Não vou te ver sempre que eu quiser, não vou poder te contar as coisas...” James tentou murmurar que eles sempre podiam conversar pelo telefone, mas Lily não quis ouvir. “Eu só...” Soltou um suspiro.

“Vai dar tudo certo, Lis” James pegou o rosto da namorada entre as mãos. “eu ainda não sei se vou ficar na Fazenda mais um ano e depois vou para a faculdade, ou se eu vou... Não queria deixar a minha mãe tão doente...”

Lily sentia-se frustrada. Não estava obrigando o namorado a sair de Godric’s Hollow – e nem queria fazer isso –, ela só queria ter certeza de que James estaria sempre com ela. Desviando o olhar, a ruiva tentou não explodir toda a sua irritação com a situação em cima de James.

“Não se apresse, Jamie, você tem todo o tempo do mundo, pode fazer o que quiser...”

“E se o que eu quiser for ficar com você?”

Um turbilhão de emoção tomou conta do estômago de Lily, seu coração bateu tão rápido que pareceu quase impossível respirar.

“Então casa comigo.” Ela murmurou, virando o rosto até que seus olhos se conectassem com os de James. “Casa comigo, James.”

X

“...E então nos casamos naquele fim de semana mesmo.” Lily terminou a segunda história naquela manhã. “Pegamos o carro de James e dirigimos até Hogsmeade e casamos lá.”

“Você é completamente louca, Lily Evans.”

Me conte uma novidade, Ali, pensou Lily.

“Vocês dois casaram e depois você sumiu da cidade? É por isso que James estava tão arrasado quando você foi embora!” A voz de Alice subiu algumas oitavas.

“Shii, não grite!” Lily olhou ao redor, mas ninguém no café parecia estar prestando atenção na conversa delas. “Eu sei, destruí o coração do James, ok?” Ela resmungou, brincando com uma das pulseiras. “Mas ele já superou, somos adultos agora e eu quero o divórcio.” Com um olhar para Alice, Lily completou. “Eu sinto que só vou conseguir seguir com a minha vida depois que tudo isso acabar.”

Alice lançou um olhar simpático para a amiga ruiva, mas não parecia muito contente com a nova descoberta.

“Você é muito idiota, Lily” Falou a loira, balançando a cabeça em negação. “espero que conserte as coisas com o James, ele não merece tudo isso.”

“É o que eu quero, Ali.” E realmente era o que Lily queria. Consertar tudo com James e acabar com a distância que havia surgido entre eles. “Enfim, agora que você sabe o que realmente aconteceu, será que podemos falar de alguma coisa mais leve? Tipo o casamento de Bellatrix Black com Rodolphus Lestrange?!”.

X

Alice fez a gentileza de levá-la de volta à Fazenda Potter quando chegou perto do meio-dia. Infelizmente, os carros não conseguiam chegar perto da entrada da casa e Lily estava usando botas de salto.

“Só pode ser brincadeira” Ela murmurou, encarando todo o caminho até a casa, que apresentava um incrível gramado barrento. “tem que ser brincadeira!”

Suspirando, Lily deu alguns passos em direção à casa, mas assim que olhou para seus pés, decidiu que não iria destruir suas botas de quatrocentas libras da Givenchy com o barro escocês. Ela havia esperado por quase quatro meses para que as botas entrassem na promoção e não iria desperdiçar toda a sua espera!

A franja de Lily caiu sobre seu rosto quando ela se inclinou para retirar uma das botas dos pés. Empurrando o cabelo para longe, a ruiva afundou o pé agora só coberto pelas meias brancas, na grama suja. O outro pé ela escorou no joelho e puxou a bota para fora. Assim que seus sapatos caros estavam a salvo, Lily pôs-se a caminhar até a casa. A cada passo em que seus pés afundavam no barro, Lily arrependia-se profundamente de sua decisão. Ela nem gostava tanto assim das botas, elas machucavam seu calcanhar e nem mesmo eram de seu número.

A porta da casa abriu-se antes que ela pudesse chegar lá e a Sra. Sprout pareceu bem confusa em vê-la voltando de seu café com a amiga segurando suas botas nas mãos.

“Meu Deus, menina!” Exclamou a mulher. “O que aconteceu?”

“Eh” Lily olhou para suas botas, depois para seus pés sujos, e então levantou os olhos para a senhora. “eu não queria sujar meus sapatos com o barro...”

Sra. Sprout levantou as sobrancelhas grisalhas até elas desaparecerem no lenço que ela usava para proteger os cabelos do cheiro da comida.

“Não viu o caminho de pedras?” Indicou com a mão, um caminho lateral.

Se antes o humor de Lily estava ruim, quando ela viu as pedras limpas e bem organizadas que levavam até a casa, o pouco de bom-humor que restava desapareceu.

“Não...” Suspirou, sentindo-se derrotada.

“Tire logo essas meias molhadas, vou lhe fazer um chá enquanto o almoço fica pronto...” A governanta estendeu as mãos para pegar as botas de Lily. “James já deve estar chegando também, ele falou que almoçaria em casa hoje!”

A perspectiva de finalmente conseguir um tempo para falar com James a animou um pouco e, entregando suas botas, Lily começou a retirar as meias brancas que ela sabia que nunca mais voltariam a sua cor original.

“Você gosta de carne selvagem, meu bem?” A Sra. Sprout perguntou depois que elas já haviam entrado na casa e que Lily tinha posto meias novas e limpas.

“Sim, não tenho nenhum problema.” Respondeu, sem pensar.

“Ótimo, estou fazendo carne de cervo, minha mãe me ensinou, quando eu era pequena, alguns truques para deixar a carne bem saborosa...” Parecendo perceber que Lily não tinha muito interesse em receitas de família, a Sra. Sprout parou de falar e mudou de assunto. “Por que você não vai assistir a um pouco de televisão, na sala? Você parece do tipo que gosta de notícias...”

Agradecida por ter uma desculpa para ficar sozinha e poder ter um mínimo de contato com a tecnologia, Lily desapareceu pelas portas duplas que levavam a sala de televisão. Uma manta de lã estava atirada num dos sofás e foi lá que Lily enrolou os pés, deitando para assistir o noticiário do meio-dia da região.

Em sua cabeça, ela ensaiava as palavras que iria usar e a melhor maneira e tom para conversar com James. Lily não sabia o tamanho do estrago que sua partida havia feito, a conversa com Alice mais cedo apenas tinha confirmado seus pressentimentos: James Potter sentia-se traído – e com razão.

Gemendo, a cabeça da ruiva afundou nas almofadas fofas. A vida dela não podia ser mais simples? Por que ela não tinha a vida de Petúnia, sua irmã? Ela já estava resolvida profissional e emocionalmente, e não tinha nenhuma crise de vida.

Uma voz em sua cabeça murmurou que Petúnia também era uma chata, que não descascava as bananas para não jogar as cascas foras e que não valeria a pena ter uma vida como a dela. Afundando mais o rosto nas almofadas, Lily tentou se matar sufocada.

Como ela deveria começar a conversa com James? “Com licença, pode me passar a salada e a propósito, eu quero o divórcio”? Deus, isso seria ainda mais difícil do que ela tinha planejado. No seu telefonema com James ela não havia falado que queria divorciar-se, mas também não tinha deixado a entender que ela queria reatar o casamento depois de todos esses anos. Lily sabia que James não era estúpido e que deveria saber muito bem o tipo de conversa que ela pretendia ter com ele. No entanto, aquilo não tornaria mais fácil iniciar toda essa discussão.

Puxando o celular do bolso, Lily desbloqueou a tela e abriu o aplicativo do facebook, determinada a distrair sua cabeça de todo esse estresse. Quando o aplicativo não carregou, Lily lembrou que ela não tinha mais internet. Seus dados móveis haviam acabado no trem para Godric’s Hollow e parecia que James nunca havia se importado em instalar internet na Fazenda.

As lamúrias de Lily foram interrompidas pela porta da sala e por James, que colocou a cabeça para dentro.

“O almoço está pronto, vamos?” Surpresa, ela desligou a televisão e acompanhou o dono da casa até a mesa de jantar, que – notou Lily – estava posta apenas para dois. “Pomona comeu antes, ela queria ir até a cidade comprar algumas coisas.” James explicou, ao ver que ela havia notado a mesa.

Cada um deles sentou de um lado da mesa, frente a frente. Os primeiros minutos do almoço foram acompanhados de um silêncio mortal, que só foi quebrado quando o celular de James começou a fazer barulho, anunciando que ele possuía novos e-mails.

“Ah” Despretensiosamente, Lily comentou: “você tem internet?”

“Wi-fi” James levantou os olhos para ela. “quer a senha?”

“U-hum.” Lily tentou parecer trivial, dando de ombros e voltando a comer.

Os dois voltaram a ficar em silêncio, volta e meia trocando pequenos sorrisos com simpatia. Terminando de comer, Lily levantou o rosto para estudar o a expressão de James. Ele parecia tranquilo, então a ruiva decidiu arriscar.

“James” Tossiu, apoiando os braços na mesa. “eu queria saber quando podemos ter um tempo para discutir sobre o nosso casamento.”

O moreno parou de mastigar e, de onde estava, Lily viu os músculos de seu pescoço se contraírem. Mas num piscar de olhos, James relaxou e voltou a mastigar. Lily pensou, por um momento, ter imaginado a tensão, mas quando o homem em sua frente demorou mais do que o normal para engolir a comida, ela notou que James estava comprando tempo para si. Depois de engolir, ele tomou um longo gole de suco e dobrou cuidadosamente o guardanapo em seu colo, tudo isso sem levantar os olhos para olhar para Lily.

Impaciente, ela tentou não soltar um “Bem, e ai?", pois ela sabia que ser chata não iria ajudar nesse momento. Sua perna tremia de ansiedade e quando James finalmente olhou em seus olhos, por trás dos óculos quadrados, ele não parecia tão simpático quanto antes.

“Eu achei que você gostaria de aproveitar uns dias em Godric’s Hollow antes de tocar nesse assunto.” Ele juntou as mãos, segurando seu queixo, e apoiou os cotovelos na mesa. Lily teve que desviar o olhar, sentindo-se um tanto incomodada com a intensidade que exalava de James. “Você deu sorte de pegar alguns dias de sol, geralmente temos muita chuva nessa época.”

“Eu sei” Lily resmungou, remexendo-se na cadeira estofada. “eu queria resolver esse assunto logo, tenho muitas coisas para fazer em Londres e não posso deixar as campanhas publicitárias por muito tempo-”

Um bufo de James a interrompeu e Lily parou de falar, estreitando os olhos para ele.

“Você está de férias, Lily, deixe de ser maluca por trabalho.” O moreno começou a falar. “Ou melhor, arrume desculpas mais convincentes, está na sua cara que você está louca para sumir daqui, me diga, você sentia-se assim quando fugiu da última vez?”

Ouch, a boca de Lily abriu com indignação.

“Desculpe?” Ela levantou as sobrancelhas. “Eu não fugi!” Batendo as mãos na mesa, Lily ignorou a dor que sentiu em suas palmas.

“Por favor” James rolou os olhos. “você ficou oito anos fugindo daqui, não venha agora tentar me enrolar.”

Empurrando a cadeira para trás, James levantou-se, parecendo pronto para sair, mas Lily não tinha dado a discussão como encerrada e, empurrando a sua própria cadeira, ela caminhou atrás dele.

“Certo!” Resmungou. “Acredite no que quiser, Potter! Eu só quero a sua assinatura nos papeis do divórcio!”

James não virou para ela, mas ela sabia que ele estava puto da cara. E era bom que ele estivesse! Por que ele já havia irritado muito ela com essa conversa idiota!

“Bem” Ele parou na porta da casa, segurando-a aberta. “pois saiba que eu não vou assinar!”

E batendo a porta, ele deixou-a furiosa e sozinha na imensa casa.