Bem-vindo a Godric's Hollow escrita por Euphemia


Capítulo 2
Capítulo Um - DIA 1


Notas iniciais do capítulo

(Demorei um mês, ops)



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DIA 1

Como assim você está em Godric’s Hollow?!” A voz de uma antiga amiga de Lily Evans ressoou pelo smartphone dela. “Lily! Estou tentando fazer você vir me visitar há anos! O que aconteceu?”.

Aconteceu um desastre, Lily quis falar, mas acabou contentando-se em suspirar.

“Escute, Alice...” A fila para pegar as malas andou. “Eu preciso resolver uns assuntos... Consegui umas férias na empresa e aproveitei...”

Do outro lado da linha, Alice Fawcett ainda parecia indignada com o fato de a amiga tê-la enganado e aparecido de surpresa na cidade natal delas.

Vai ficar onde? Eu sei que a sua avó vendeu a casa de vocês...” Acabou dando-se por vencida e aceitando que Lily não iria lhe contar os reais motivos de ela ter decidido voltar para Godric’s Hollow.

A fila andou mais um pouco.

“Eu vou ficar na casa do James—” Sabendo o que aconteceria a seguir, Lily tentou ser o mais natural possível ao mencionar o nome de James.

James Potter?!” A voz de Alice estava algumas oitavas acima do normal. “Como assim? Você contou para ele que estava vindo e não contou para mim? Lily Evans, eu vou-

As malas de Lily foram colocadas para fora do bagageiro e ela acabou retirando o celular do ouvido para conseguir pegar as suas malas, deixando Alice falando sozinha ao telefone.

“Alice, espera só um pouquinho, estou pegando as malas...” Falou, antes de enfiar o celular no bolso da calça jeans skinny e puxar suas malas para cima do carrinho.

Sua amiga não estava conseguindo entender a real situação na qual Lily estava metida – na verdade, ninguém, além dela mesma, conseguiria entender. Empurrando o carrinho com as malas até um dos bancos livres perto do estacionamento da estação de trem de Godric’s Hollow, ela voltou a pôr o celular no ouvido.

“Alice?” Chamou a amiga. “Desculpe, o cara estava chamando o meu numero, eu tinha que pegar as malas...”

Tudo bem” A outra mulher resmungou. “Eu só queria entender o que está acontecendo, você estava planejando isso da última vez em que nos falamos?

Lily passou a mão pelos cabelos ruivos e empurrou a franja para longe dos olhos. A cabeça dela estava explodindo e ela ainda tinha que pensar em alguma explicação para dar a Alice. Céus, como ela se arrependia das antigas decisões.

“Não foi nada planejado... Acabou surgindo um assunto que eu tenho que resolver com o James e acabamos combinando que eu viria para Godric’s Hollow, já que ele não pode sair da fazenda...”.

Era a melhor desculpa que ela conseguiria no momento e Lily sabia que Alice iria aceitá-la, mas só por enquanto. Assim que as duas se vissem pessoalmente, a outra garota não descansaria até saber o que era esse tal assunto que envolvia Lily Evans e James Potter.

Certo...” Alguns barulhos de panelas e colheres batendo uma na outra foram ouvidos do outro lado. “Eu tenho que terminar o almoço, mas não pense que eu não vou querer te ver... Amanhã de tarde você estará livre?”

“Acho que sim... Qualquer coisa eu te ligo, pode ser?” Olhando o relógio de pulso, que já marcava meio-dia passado, Lily suspirou de cansaço.

Pode... Nos falamos então, Lily, beijos!”

“Beijo, Alice!”

Antes, porém, que Lily desligasse, Alice voltou a chamar seu nome.

“Sim?”

Quem vai buscá-la na estação?”

“James...”

Alice soltou mais uma risadinha antes de despedir-se novamente e desligar. Encarando a tela do celular, Lily finalmente relaxou os ombros e jogou a cabeça para trás, escorando-a na parede externa do prédio. Era suposto que ela estivesse de férias, descansando, mas parecia que aqueles vinte dias só serviriam para estressá-la mais do que a campanha da Jaguar de 2016 – e olha que ela havia se estressado mais do que deveria com aquela campanha.

As duas últimas semanas tinham sido uma loucura para Lily. Desde que havia descoberto que Amos planejava pedi-la em casamento, ela finalmente percebeu que não queria passar o resto de sua vida com ele. E terminar um relacionamento de três anos e reviver as memórias com James Potter que haviam sido trazidas à tona era simplesmente demais para o corpo e a cabeça de Lily.

Só de lembrar-se da expressão de desentendimento no rosto de Amos quando ele a viu com todas as suas coisas que estavam no apartamento dele empacotadas, Lily já ficava mal. Ele era um cara ótimo, mas agora ela via que os dois nunca iriam conseguir ter um bom casamento. Não que isso tenha tornado fácil terminar o namoro – Amos havia chorado, gritado, tentado impedir que ela entrasse no elevador – ou que isso a fizesse sentir-se melhor. Por dois dias, Lily só ficou trancada no quarto, assistindo Netflix e tentando reunir coragem para ligar para James Potter e resolver de vez todos os seus problemas.

Ligar para James também havia sido um desafio. Os dois tiveram uma conversa estranha e desconfortável, exatamente o que se esperaria de duas pessoas que não conversavam havia mais de oito anos. James parecia bem surpreso quando atendeu à sua ligação, num domingo à noite, uma semana e meia atrás.

Lily?” Foi o mesmo tom de surpresa que ele usou quando ela contou que estava se mudando, na época em que eles ainda tinham dezoito anos.

Oi, James...” Ela lembrou que estava pronta para desligar o telefone e enfiar o rosto embaixo dos travesseiros. “Tudo bem?”

Tudo bem... E com você?”

Fora a conversa mais estranha da qual Lily já havia participado em toda a sua vida. Ao contrário dela, James parecia tranquilo e calmo ao telefone. A voz dele havia mudado um pouco, ficado um pouco mais grave, talvez, mas continuava com o mesmo tom simpático que ele teve a adolescência inteira. Era um conforto e um pavor para Lily. Sua cabeça continuava trazendo memórias de um James Potter adolescente risonho que a deixava com dor de estômago.

O relacionamento dos dois havia sido superado. Lily não pensava mais nele, não pensava no namoro dos dois, nos beijos ou no sexo. Fazia bastante tempo, na verdade, que ela havia parado de sonhar com ele. Depois de ter terminado com Amos, Lily havia entendido que ela estava 90% livre para ficar sozinha na vida e viver do jeito que ela queria – a única coisa que faltava era terminar com o casamento entre ela e James.

Lily havia ligado para James Potter com um único objetivo: fazê-lo assinar os papéis de divórcio para que ela fosse finalmente livre para fazer o que quisesse, sem preocupar-se com amarras do passado.

Agora, sentada no banco duro da estação de trem de Godric’s Hollow, ela já não tinha tanta certeza assim se aquele era realmente seu único objetivo de vida.

X

Quase uma hora depois de desembarcar, quando todos os outros passageiros já haviam ido embora (não que a linha Londres-Godric’s Hollow fosse muito movimentada), a sua carona chegou.          

Lily estava quase dormindo sentada. Após ter tomado um comprimido para dor de cabeça, o sono que não havia chegado na noite anterior finalmente bateu. James só não a encontrou dormindo porque o motor barulhento da velha caminhonete azul dele despertou-a. Poderia passar um século que Lily continuaria se lembrando do som inconfundível daquele motor, que engasgava a cada um minuto e vinte segundos e acordava toda a vizinhança da casa da avó de Lily toda vez que James ia buscá-la de madrugada.

Tentando acalmar o coração, ela empurrou os óculos de sol pelo nariz e pôs-se de pé, a bolsa pendendo sobre o seu ombro nu. Lily viu a caminhoneta de dois lugares estacionar duas vagas abaixo de onde ela estava e a porta do motorista abrir. Ao longo de sua estadia ela iria entender o por quê de ter ficado tão surpresa ao ver James Potter novamente. Em sua cabeça, ela ainda tinha a mesma imagem dos cabelos escuros e rebeldes, o corpo magro e estreito, o sorriso – e o rosto sem barba. Quando James desceu por completo da caminhonete e bateu a porta para fechar, virando para Lily, seu coração voltou a acelerar do mesmo jeito que estava antes de ela desembarcar em Godric’s Hollow (quando achou que encontraria James esperando por ela na estação).

O James do passado havia ficado apenas nas lembranças de Lily, porque o homem caminhando até ela nada tinha em comum com o adolescente que ela deixou chorando na mesma estação de trem, vários anos atrás. Os cabelos continuavam negros, no entanto, agora encostavam nos ombros (que estavam bem mais largos do que ela lembrava). Era difícil fazer um check-up de longe e Lily não queria parecer muito interessada nas mudanças físicas de James.

Ele deu alguns passos em sua direção e então parou. A mão de Lily apertou o smartphone com tanta força que uma pequena parte do seu cérebro se preocupou que a tela poderia quebrar. James sorriu – e por um momento foi como se não tivesse passado quase uma década desde a última vez em que se viram – e recomeçou a andar até Lily.

Lis...” Foi a primeira coisa que ele falou para ela. “Você... cresceu.

Uma risada meio engasgada escapou da garganta de Lily e ela sentiu o calorão subindo pelas suas bochechas.

“Você também” Conseguiu falar, empurrando o celular no bolso traseiro do jeans e pegando no puxador de uma de suas malas. “E continua se atrasando do mesmo jeito, pelo visto...”

Os lábios vermelhos dele se retorceram em um sorriso de quem não queria dar o braço a torcer, sua cabeça balançando de um lado para o outro.

“É bom vê-la.”

E esticou um dos braços para passar ao redor dos ombros dela e abraçá-la. Foi o abraço mais desajeitado e sem graça no qual ela já esteve em toda a vida – e isso incluía os diversos abraços que ela recebeu no funeral de seus pais.  James deve ter sentido todo o seu corpo tencionar, pois a largou e deu um passo para trás.

“E então?” Ele recomeçou, pegando a outra mala dela. “Como foi de viagem?”

Os dois começaram a andar em direção à caminhonete de James, Lily arrastando a mala de rodinhas, enquanto James carregava a outra no ombro. Era tão estranho para ela estar nessa situação, que quase não parecia real.

“Normal...” Deu de ombros. “Dormi algumas horas assim que saí de Londres...”

Colocaram as malas na caçamba da caminhonete e James a acompanhou até o lado do carona para abrir a porta para ela. Com um sorriso, Lily subiu até o banco de couro velho e gasto. Era horrível e ótimo ao mesmo tempo estar de volta àquele espaço. Vendo James circular a frente do carro, Lily afundou as mãos no banco e tentou dissipar a memória da última vez que eles haviam transado – envolvia o mesmo banco de couro claro, um vestido florido de verão e a camisa xadrez preferida de James. Um calorão subiu pelo rosto dela assim que o dono do carro abriu a porta do motorista.

“Está bem quente hoje, né?” Ela soltou uma risadinha, empurrando a franja para longe dos olhos. “Bem que a sua caminhonete poderia ter ar condicionado...”.

James não a respondeu, apenas ligou o carro e começou a manobrar. O rádio ligou e a estação local de rádio tocava uma música country do Luke Bryan. Mais Godric’s Hollow impossível.

Parecia que seria um longo caminho até a Fazenda Potter.

X

“Certo” James largou a última mala de Lily no chão do quarto de hóspedes da casa principal da fazenda. “eu queria poder sentar e conversar contigo agora, Lily, mas estamos em época de plantio...”

Ambos ficaram frente a frente, parados nos pés da cama de casal.

“Não se preocupe comigo, James, eu vou ficar bem...”

“Eu sei” Ele sorriu e pegou uma das mãos de Lily. “a Sra. Sprout é a governanta... Ela vai poder te ajudar, qualquer coisa.”

Eles se encararam por alguns segundos até James largar sua mão e ir em direção à porta.

“Sinta-se em casa, Sra. Potter.” Desejou, antes de desaparecer pelo corredor.

Lily quis gritar, mas acabou contentando-se em cair de costas na cama. Seus pés ficaram pendurados para fora, as sapatilhas douradas balançando. Ela esticou os braços até conseguir tocar as duas laterais da cama. Nas duas últimas semanas ela havia pensado sobre como reagiria ao ver James após tantos anos, mas, céus, nunca que Lily iria imaginar uma reação como aquela. Seu coração não baixou dos cem batimentos por minuto enquanto James não a deixou sozinha no quarto, suas mãos ainda tremiam do toque dele.

Lançando um olhar para seu relógio de pulso, Lily notou que já se aproximava das duas horas da tarde. O seu estômago roncou só de pensar que ela não havia almoçado. Lily sentou-se na cama e decidiu que James não se importaria se ela beliscasse alguma coisa de sua despensa. Não era como se fosse fazer falta.

A porta do quarto rangeu um pouco quando ela a abriu e, prendendo os cabelos em um rabo de cavalo alto, Lily dirigiu-se a parte da casa onde ela lembrava ser a cozinha. A casa dos Potter havia mudado muito nos últimos anos. Obviamente tinha havido uma reforma – uma reforma considerável. O piso era da mesma madeira de lei escura que ela lembrava, as paredes do mesmo bege suave, decoradas com retratos de família, mas... Havia algo mais. O sistema de refrigeração funcionava muito bem e os corrimãos da escada principal eram novos.

O barulho de um rádio ligado foi o que tirou Lily de suas divagações. Estranhando, ela caminhou até a cozinha, abrindo as portas duplas brancas e dando de cara com uma senhorinha simpática, que batia um bolo enquanto cantarolava com a rádio local.

“Oh, veja só!” A mulher exclamou, largando a vasilha do bolo no balcão. “A visita chegou!”

Lily olhou ao redor, examinando rapidamente o quanto a cozinha havia mudado.

“Olá” Respondeu, adiantando-se para estender a mão para a senhora. “eu sou Lily Evans, sou-”

“-amiga íntima de James” Interrompeu-a a senhora, apertando sua mão. “sim, ele comentou que estaríamos recebendo visita, mas, meu deus, nunca pensei que seria de uma mulher tão elegante!”

Rindo sem graça, Lily largou a mão da mulher.

“Eu sou Pomona Sprout” Ela continuou, voltando a pegar o bolo no colo para bater. “sou a governanta e a cozinheira.”

Um lugar numa península de café da manhã estava posto e Lily sentou-se ali, puxando o banquinho estofado o mais próximo que ela conseguia sem esmagar suas pernas.

“O que houve com a Sra. McGonagall?” Lily não pode deixar de perguntar, lembrando com carinho da antiga governanta da casa dos Potter.

“Minerva pediu para ir trabalhar na escola local” Sra. Sprout comentou, derrubando a massa do bolo de chocolate numa forma. “faz alguns anos... Talvez cinco? Seis?” Balançou a cabeça, como se estivesse calculando o tempo. “Em alguns meses completa seis anos...”

Foi um choque para Lily pensar que a Sra. McGonagall havia saído da família Potter. Ela tratava James como se fosse seu próprio filho e parecia não ter nenhuma intenção de sair dali. Com um pouco de pesar, ela percebeu que as pessoas haviam mudado ao longo do tempo que ela esteve fora.

“Oh... Faz tempo então...” O barulho do forno sendo ligado quase acobertou seu murmúrio, mas a Sra. Sprout a mandou um sorriso ainda assim.

“Está com fome? Acredito que você também não tenha comido, James levou um potinho de comida para o campo... Céus, esse rapaz não consegue colocar a bunda na cadeira para comer!”

Antes mesmo que Lily pudesse abrir a boca para aceitar ou rejeitar a oferta de comida, a mulher já ligava o fogo das panelas e começava a esquentar comida.

“Muito obrigada, Sra. Sprout.”

“De nada, querida.”

O celular de Lily vibrou com uma mensagem – e foi com surpresa que ela viu que Marley McKinnon havia a enviado um SMS.

Marley McKinnon: chegou bem? Mandei mensagens no wpp, mas vc não recebeu... mande notícias. (13:56)

Digitou uma resposta rápida, informando a amiga e colega de trabalho de que ela estava sem internet e que havia chegado bem. Um copo de suco foi posto em sua frente. A Sra. Sprout acabara de servir-lhe um grande copo de suco de laranja – Lily apostaria seu salário do ano que aquelas laranjas eram provenientes do pomar da fazenda.

“Obrigada.” Murmurou, antes de bebericar o suco e sentir um antigo sentimento de nostalgia envolver seu corpo. Tinha gosto de lembranças.

A Sra. Sprout sorriu para ela e voltou a mexer nas panelas.

“Conhece James há muito tempo, querida?”

“Faz uns catorze anos, pelo menos...” Sem graça, Lily já via onde essa conversa iria parar: em um interrogatório sobre sua relação com James. “Estudamos juntos, sempre fomos muito bons amigos.” – e namorados, mas ela já havia superado essa fase (ou era o que estava tentando se fazer acreditar).

De uma em uma, a Sra. Sprout trouxe todas as panelas até a península onde Lily estava. Só de sentir o cheiro maravilhoso de comida caseira, o estômago de Lily contorceu-se. Havia quanto tempo que ela não comia algo assim? Alguns anos, com certeza.

“São amigos de infância então? Que ótimo isso! A amizade é uma coisa linda mesmo...” 

As duas entraram em um silencio confortável enquanto Lily servia-se e a Sra. Sprout verificava como andava o crescimento do bolo.

“O Sr. Potter está?” Lily acabou perguntando, entre uma garfada ou outra. “James apenas mencionou que sua avó e sua mãe estavam viajando.”

O olhar que a Sra. Sprout lançou para ela foi um aviso de que havia algo errado. Sua expressão – antes simpática e alegre – caiu para algo mais triste e melancólico.

“James não lhe contou?” Com a negativa da cabeça de Lily, ela continuou. “Sr. Potter faleceu um pouco depois que eu vim trabalhar aqui, ataque cardíaco... Foi fulminante.”

O garfo de Lily bateu no prato. Sua boca se abriu e ela não conseguia fechá-la de volta. Era assustador descobrir da morte do Sr. Potter – um homem forte e sempre com um sorriso ligeiro no rosto –, talvez fosse ainda mais entristecedor descobrir pela boca de outros. Ninguém havia contado a ela sobre isso – ela teria se esforçado para comparecer ao funeral e ao enterro –, nem mesmo Alice, que a mantinha atualizada das fofocas da cidade. Foi quase como se tivessem enfiado uma faca em seu coração e girado. Com pesar, Lily percebeu que havia sido uma das diversas consequências de abandonar Godric’s Hollow – afinal, ninguém se importou em avisar Lily da morte do pai de James; nem mesmo o próprio James.

“Ninguém me avisou...” Murmurou, por fim, após um longo tempo em silencio. “Pobre James... Ele e o pai se amavam tanto...”

Lily até acabou perdendo o apetite, não conseguindo terminar de comer a sua carne assada e seu arroz com batatas.

“Sinto muito, Lily.” Sra. Sprout apertou as suas mãos entre as dela.

As duas trocaram um sorriso, mas logo a mulher mais velha a soltou para ir verificar o bolo mais uma vez.

“Desculpe, Sra. Sprout, eu perdi um pouco do apetite...” Desceu do banquinho, cruzando os braços. “Estou um pouco cansada da viagem... Vou para o meu quarto... Caso James apareça, avise-o que quero falar com ele, por favor?”

Logo que a Sra. Sprout respondeu, Lily desapareceu de volta para o segundo andar da casa, tentando segurar o turbilhão de sentimentos que sentia.

X

Os dias em Godric’s Hollow não iriam ser tão fáceis quanto Lily havia imaginado. Coçando a raiz dos cabelos ruivos, ela jogou-se de costas na cama do quarto de hóspedes. Ver James após tanto tempo tinha mexido com partes dela que nem mesmo ela lembrava que existiam. Ele continuava com a mesma aura tranquila que sempre teve, emanando autoconfiança e certeza de uma maneira tão profunda, que até mesmo Lily chegou a acreditar que nenhum problema aconteceria enquanto estivesse em sua antiga cidade.

Obviamente fora um erro deixar-se iludir pela ideia de que nada havia mudado. Encarando o lustre pequeno no teto do quarto, Lily suspirou. O estômago dela continuava pesado e ela sentia um mal estar terrível desde que descobrira sobre a morte do Sr. Potter. Sentia-se... Traída— seria essa a palavra? –, mas ao mesmo tempo sentia-se extremamente mal por saber que foi exatamente assim que Alice, James e todos os seus outros amigos se sentiram quando ela abandonou Godric’s Hollow sem dar muitas explicações.

Soltando mais um suspiro pesado, Lily puxou o celular do bolso traseiro do jeans e desbloqueou a tela. Só lembrou que não havia sinal de internet quando viu o ponto de exclamação na parte de cima da tela. Que Deus a ajudasse, pois desse jeito ela não sabia se conseguiria sobreviver até que James assinasse os papeis do divórcio.

Do lado de fora da casa, a fazenda trabalhava a todo vapor. Mesmo com os vidros das janelas fechadas, ela conseguia escutar o maquinário e os gritos dos funcionários. O sentimento que todo esse barulho trazia deixava seu estômago já pesado, ainda pior. Não era normal sentir-se tão culpada.

“Merda de vida” Resmungou, jogando o corpo para cima e pondo-se sentada. “merda de cidade...”

Parecia que viver oito anos longe de Godric’s Hollow havia reacendido todo o pavor de Lily com cidades pequenas. Ela lembrava com perfeição do ódio que sentia quando mudou-se para a cidade, logo após o acidente de seus pais. O terceiro suspiro em pouquíssimos minutos a atingiu e Lily tentou pensar em alguma coisa que ocupasse sua mente e não a fizesse pensar em coisas tristes – como a morte de seus pais, ou a morte do Sr. Potter.

Suas malas jaziam sobre o tapete do pé da cama. Só de olhar para elas, Lily já ficava cansada. Se havia algo que ela odiava era fazer e desfazer malas. Decidida a fazer o tempo passar, ela arrastou-se até o tapete e começou a abrir a maior mala.

Ela ficaria pelo menos alguns dias ali, então era melhor que arrumar suas coisas para que pelo menos algo em sua vida estivesse organizado.

X

Depois do que pareceram dias de arrumação, as malas de Lily estavam finalmente vazias. Todos os sapatos que ela havia trazido consigo estavam organizados na prateleira de baixo do armário, seus vestidos e camisetas pendurados nos cabides de madeira. Observando todo o trabalho que ela tivera, Lily já nem se lembrava mais de todos os seus pensamentos pessimistas, o que era uma coisa boa.

O quarto que James havia separado para ela era espaçoso e contava também com um banheiro. A casa dos Potter era grande o suficiente para abrigar seis quartos de tamanho médio, a maioria também suíte. Uma das paredes daquele quarto de hóspedes em particular era forrada de armários embutidos, Lily sabia que os armários eram originais de quando a casa fora construída, em meados do século XIX.  A madeira havia sido lixada e pintada de branco, mas todos os detalhes esculpidos continuavam ali, assim como as trancas de ouro. Com carinho, Lily lembrou-se da primeira vez em que ela havia visitado a antiga casa Potter. James estava demasiado interessado em sua falta de conhecimento sobre a cultura escocesa, assim como ela tinha diversos pensamentos estranhos sobre os motivos que as casas precisavam ter trancas de metais tão caros.

Batendo a porta do armário, Lily puxou o roupão e a roupa de baixo que havia separado e encaminhou-se para o banheiro. Da última vez em que ela havia olhado para o celular, já era passada das seis horas da tarde e o céu já estava escurecendo, transformando-se em uma mistura de aquarela de laranja, vermelho, rosa e roxo. Logo o jantar ficaria pronto e James voltaria para casa. Lily precisava estar pronta para conversar com ele sobre o divórcio dos dois. Um bom banho a ajudaria a relaxar e a pôr a mente no lugar.

Como se não bastasse toda a emoção que Amos a havia feito passar nas últimas semanas, ela não merecia James Potter e toda a confusão que ele trazia para a sua vida. A lembrança de Amos fez Lily querer bater a cabeça contra os ladrilhos do chuveiro. Ele era um cara ótimo, só que não para ela. Na verdade, agora que a poeira já baixara um pouco, ela não conseguia ver como tinha levado aquele relacionamento por tanto tempo. Amos era inteligente, tinha sempre uma resposta bem fundamentada na ponta da língua e compartilhava dos mesmos gostos que ela, mas não existia a faísca entre eles. O fogo que deveria fazê-la feliz para o resto de sua vida. Lily não conseguia dizer se alguma vez já havia sentido isso, no entanto, ela sabia que deveria sentir – e que não deveria se enganar e gastar tempo de sua vida com alguém que não iria levar a nada.

Lily fechou o registro do chuveiro e virou-se para pegar a toalha, quando esticou o braço, acabou batendo o cotovelo no vidro, fazendo um barulho estrondoso e um choque subir por todos os seus nervos.

“Bosta” Chiou, puxando o cotovelo para perto do corpo e apertando o ossinho com a mão. “só o que me faltava.”

Enrolou-se na toalha, ainda indignada com o vidro.

Lily andava com um mau humor terrível nos últimos dias – talvez fosse por causa de toda a tensão que andava sentindo – e parecia que o banho não havia ajudado em nada a melhorar seus sentimentos. Ao abrir a porta do banheiro e sair do banho de vapor em que estava, uma correnteza de ar frio a atingiu, fazendo todo o seu corpo arrepiar-se e Lily tentar afundar no tecido do roupão felpudo. Foi com desânimo que ela lembrou-se do quão traiçoeiro era o clima na Escócia. Por mais que os dias no verão tivessem temperaturas altas, a noite iria sempre traí-la com ventos gelados e uma garoa leve. Puxando sua saia preferida até a cintura, Lily tentou aceitar o tempo desregulado de Godric’s Hollow. Pelo menos, pensou ela, são só por alguns dias.

Olhando para o relógio do celular, Lily notou que já estava na hora do jantar e o cheirinho que vinha pelo corredor deixava seu estômago ansioso.

“Sra. Sprout” Cumprimentou. “boa noite.”

“‘Noite, Lily!” A senhorinha olhou para ela por cima das panelas. “Sente, já, já, eu levo as panelas para a mesa!”

Puxando uma das cadeiras da mesa de madeira velha – com um sorriso Lily notou que havia escolhido o mesmo lugar em que ela sentava anos atrás. Em pouco tempo, a Sra. Sprout surgiu com pratos e talheres para duas pessoas, dando um sorrisinho alegre e espalhando suportes para as panelas quentes.

“James está no quarto?” Lily perguntou, quando a Sra. Sprout voltou mais uma vez, desta vez para por a comida.

“James?” Ela virou os olhinhos claros e miúdos para ela. “Oh, não, não... Ele pediu para avisar-lhe que a conversa de vocês vai ter que ficar para amanhã, querida.” Vendo as sobrancelhas de Lily arquearem-se, ela completou: “James está ajudando num parto, uma das vacas decidiu ter o filhote essa noite, parece que vai ser complicado...”

Mordendo a língua para não xingar a Sra. Sprout com as palavras de baixo calão que gostaria de usar com James, Lily aceitou o pedaço de carne de forno que a mulher a alcançava.

“Obrigada, Sra. Sprout.” Acabou resmungando.

Lily gostaria muito de ir atrás de James no meio da noite para falar-lhe algumas poucas e boas, no entanto, ela sabia que não adiantaria em nada. Aceitando que sua conversa ficaria para o sábado, a ruiva levou uma garfada de batatas até a boca.

Parecia que seus planos não iriam dar certo de forma alguma.


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Notas finais do capítulo

Olá queridxs! O capítulo um está aí, betado pela amada da Carol Lair (indico Zerstoren para quem ainda não leu). Demorei, eu sei, acabou que eu entrei em semana de prova e me enrolei para escrever as últimas cenas hehehe
Não sei o que dizer para todxs que comentaram no prólogo, eu sei que era muito pouco para formar uma opinião, mas vocês, amadxs, me encheram de palavras bonitas. Obrigada e até breve ♥



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