Dança da Extinção escrita por yumesangai


Capítulo 5
O segredo da sobrevivência está na imunidade toxicológica


Notas iniciais do capítulo

Sekai



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― Sehunnie, não tem mais jeito, não pra mim.

Sua voz estava cansada, não tinha um pingo de esperança, mas ele sempre se considerou uma pessoa realista.

―  Cale-se!

Por que aquela cena era tão familiar?

― Sehunnie—

Seus lábios se mexem, ele diz algo, mas Sehun não compreende. Não ele, o expectador, mas o outro entende, o que estava com uma arma em mãos. Ele sorri com os lábios trêmulos.

― Kai, muito obrigado.

Sehun acorda com o disparo.

Luhan estava morto. Era um fato que não poderia ser mudado.  Sehun sempre acordava com o som de um disparo. Dele mesmo atirando em Luhan. Por que dessa vez havia sido diferente?

Ele encara o teto não familiar.

Ao descer da cama ele repara na figura do dançarino, encolhido no canto da cama. Ele segurava uma arma como se estivesse refletindo sobre o que fazer.

― Hey. Você dormiu? – Era uma pergunta desnecessária, mas ele não sabia como se aproximar. Qualquer coisa seria melhor do que “Você está pensando em se matar?” ou algo do gênero.

― Por uma ou duas horas. – Ele deixa a arma de lado e apoia o rosto na mão para olhar para Sehun, a posição é desconfortável, então ele bate no colchão para que o outro se sente. - Você?

― Melhor do que imaginava, até acordar de um pesadelo. - Ele apenas comenta, mas espera que Kai não pergunte sobre. Ele se senta na beirada da cama.

― Mais assustador do que isso? – Aparentemente Kai tem uma visão diferente para pesadelos, ele não estava errado.

Um dia após o outro também poderia ser um castigo.

Sehun dá de ombros.

― Sonhar que as poucas pessoas que você conhece morrem por sua causa é um pesadelo.

― É uma benção. – Sehun o encara de forma repreensiva. – Escolher como morrer é um luxo.  – Kai, no entanto, parece convicto no que diz.

Ele gira os olhos.

― Quem você matou?

Kai fala com uma naturalidade que Sehun ainda não conseguia digerir.

― Meu melhor amigo. – Seu tom é pesaroso, seus ombros parecem mais pesados.

― Que bom. – Kai sorri. Um sorriso verdadeiro e compreensivo. – Eu gostaria que o meu melhor amigo tivesse me matado, ao invés de me deixar assim. – Aponta para o olho esquerdo.

― Você disse que era uma armadilha.

“Era pra ser uma armadilha, já pensou nisso? ” Foram as palavras exatas dele. Sehun fez pouco caso na hora, com tanta coisa acontecendo ele não parou para processar todas as informações.

― Qualquer um que abrisse aquela porta iria encontrar uma horda. – Ele fala como se não estivesse magoado. Como se tivesse aceitado a ideia.

― Você estava com uma arma.

Não que uma arma fosse dar conta de todos os errantes, mas talvez o bastante para pular do palco e correr.

― Tinha apenas uma bala. – Outro sorriso amargo.

― Só sobrou uma bala? – Ele precisava ter certeza.

― Não, ele me deixou com uma arma com uma única bala. – Kai fez uma arma com os dedos, botou contra a cabeça e fingiu que atirou. – Simples assim.

― Você não pensou na possibilidade dele voltar para verificar o que aconteceu com você?

― Quem iria abrir uma porta com todas aquelas criaturas?

Fazia sentido de alguma forma.

― Um cadeado estava aberto.

― Não importa.

Não fazia diferença e não mudaria em nada na vida de Sehun. Eles ficam em silêncio, mas é um silêncio confortável, quase compreensivo.

De quem perdeu um amigo, não importa o motivo.

Kai o abraça pelas costas, enlaçando sua cintura, queixo apoiado em seu ombro. Seu corpo é quente.

― Você me salvou.  – Kai começa visivelmente mudando o assunto.

― Isso é você agradecendo? – Sehun arqueia a sobrancelha, mas não o afasta.

― Talvez. Incomodado? Você não pareceu se importar ontem.

Sehun descobre que não se importava.

― Você tem um jeito de demonstrar. Acho que você é uma má influência. – Não era uma reclamação, mas era algo novo. E ele não era bom nisso, ainda.

― Os dias não tem mais 24h, Sehunnie.

Ele sente um calafrio. Como no sonho.

― Você não gosta que eu te chame assim? – Kai no entanto parece se divertir. – Ou é justamente por que gosta?

― Ninguém nunca me chamou assim.  – Ele pensa em Luhan, mas é uma memória breve.

― Então eu posso ser o primeiro?

Sehun inclina o rosto para o lado, o dançarino tem um largo sorriso no rosto, um sorriso que combinava com ele.

Ele se recusa a responder.

― Acho que algumas pessoas são tóxicas. – Sehun murmura, seus dedos vagando pela cintura de Kai, passando por baixo da camisa.

Era o único sinal que Kai precisava, ele o puxa pela nuca e o beija como se o mundo estivesse acabando. Sehun definitivamente não se importa.

Talvez tóxico seja a única coisa que sobrou nesse mundo.

***

Os dois estavam confortavelmente deitados, as roupas espalhadas pelo chão. Kai estava com a cabeça encostada no peito de Sehun, enquanto ele brincava com os fios prateados, eles estavam realmente bem cuidados.

Por que alguém se daria ao trabalho de fazer algo que exigiria tanto cuidado? Mas considerando que agora mesmo eles estavam deitados encarando o teto, a resposta provavelmente era tempo de sobra.

― Do que você sente falta? Não precisa falar sobre pessoas, essa é a parte óbvia, mas os lugares, comida, essas coisas. – Kai foi o primeiro a quebrar o silêncio, se ajeitou contra o peito dele, mas continuou onde estava.

Continuou confortavelmente onde estava.

― É essa a pergunta que você quer me fazer?

― Vamos fazer isso direito, nós estamos aqui e aqui tem tudo, ao menos temporariamente. Vamos conversar.

― Bubble Tea.

Kai ri.

― Isso é surpreendente, não combina com você, ou talvez combine.

Ele parecia ligeiramente confuso e estava realmente tentando imaginar a cena, mas num mundo ideal ele conseguia imaginar. Uma versão do garoto que estava ao seu lado, provavelmente mais tímido, mas com o mesmo ar confiante.

Era uma boa cena. Uma boa memória inexistente.

Sehun lhe deu uma cotovelada.

― E quanto a você?

― Internet, eu costumava postar alguns vídeos de dança. Ar condicionado. Máquina de lavar, pizza!

É a vez de Sehun rir.

― Todo mundo sente falta de pizza.

― Claro que sim!

― Qual o seu último trabalho?

Kai esconde o rosto nas mãos tendo a decência de parecer envergonhado.

― Era de uma música chamada Playboy. Não ria! – Seu rosto está realmente vermelho. Ele se levanta e pesca as roupas no chão e joga as de Sehun em cima dele.

Ele se veste antes de dançar.

― Não achei que fosse humanamente possível te deixar constrangido. – Sehun estava feliz por ver um lado diferente do outro.

Mas ele consegue ver a transformação. Do garoto realmente envergonhado de ter que se apresentar sem música, para o dançarino, a persona chamada Kai.

Ele começa jogando a cabeça, um sorriso de lado se forma em seus lábios. Um sorriso confiante, de quem sabe o que está fazendo.

Sehun descobre que gosta dos dois. Do dançarino que tem um jeito único de agir e do outro, do garoto envergonhado e frustrado que está em algum lugar no meio de tantas camadas protetoras.

[...]

― Você morava nessa cidade?

Eles voltam para as perguntas aleatórias.

― Não, mas é uma cidade grande, pensei em lugares que a maioria das pessoas não fossem tentar se abrigar. E eu já sabia que teatros tem geradores ou ao menos alguns tem. Eu sinto falta de dançar.

― Você estava dançando no palco com aquelas criaturas... - Ele não percebe, mas estava buscando a mão de Kai.

― Na minha cabeça estava tocando O Lago dos Cisnes. Eu não teria aguentado, eu estava fazendo o meu réquiem quando você chegou, eu teria atirado e dando um fim a isso tudo, mas você me encontrou.

― Você é mais forte do que imagina. – Sehun murmura beijando seu rosto.

Kai sorri verdadeiramente e se ajeita em cima dele. O outro ficava melhor assim, com o cabelo bagunçado e expressão de quem não tinha certeza do que estava acontecendo.

― Ainda acha que somos tóxicos um para o outro? – Pergunta entrelaçando os dedos ao dele e prendendo os braços de Sehun acima da cabeça.

― O mundo é tóxico, talvez nós sejamos imunes.

Kai apenas sorri com a resposta. Ele move os quadris e Sehun se contorce.

Eles se completavam, era o bastante.

***

Depois de três dias com essa rotina, é numa madrugada que Sehun acorda solitário na cama do beliche. Ele tateia o espaço vazio e rapidamente abre os olhos, a luz vinda do pequeno banheiro iluminava parte do quarto.

Era possível escutar Kai vomitando.

― O que você tem? ― Sehun imediatamente se ajoelha no chão gelado ao lado do outro.

― Você não está sentindo esse cheiro horrível?

Sehun inspira, mas nada acontece.

― Acho que estou ficando gripado, não sinto cheiro de nada.

Aparentemente Kai sim, pois ele joga a franja para trás e termina de colocar o jantar para fora.

Sehun o ajuda a se levantar e eles seguem para o vestiário onde Sehun tenta ajustar a temperatura da água, mas ela não se altera.

― Não temos mais água quente.

Kai não se importa e entra debaixo do chuveiro de roupa. O spray gelado faz seu corpo começar a tremer, mas qualquer coisa era mais refrescante do que estar vomitando por conta do cheiro de cadáveres se acumulando.

― É o fim dos tempos. ― Ele resmunga parecendo completamente derrotado, bem mais do que quando encarou mais de cinquenta errantes com apenas uma adaga.

Aparentemente todos tem seu ponto fraco.

Quando Kai retorna para o quarto, duas mochilas se encontram prontas no pé da cama. É claro que eles têm que deixar o teatro, é impossível continuar lá com o cheiro de corpos em putrefação se acumulando no salão principal, cedo ou tarde isso iria acontecer.

Mas era um bom lugar, era injusto ter que abrir mão de um lugar tão confortável assim. Onde eles poderiam ser eles e ter apenas eles. Era bom demais para durar.

Kai olha desanimado para a mochila. Eles teriam que andar pela cidade, fugir de errantes e se colocar em risco a cada segundo.

― Vamos? – Sehun estende a mão.

Kai o abraça. Um abraço apertado, um abraço necessitado.

― Você quer dizer um último adeus para esse lugar?

― Não. Você é a única coisa boa que me aconteceu.

Sehun tenta não pensar no sonho.


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