Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 38
Frustração


Notas iniciais do capítulo

AAAAH! Quanto tempo sem atualizar e nessa reta final! Peço perdão pela demora e vamos que vamos que temos só mais... TRÊS CAPÍTULOS!!!! ♥ Espero que gostem!!!



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Sua cabeça latejava. Seus olhos, cansados, pareciam incapazes de ler o que ele mesmo estava escrevendo. Mas Ja’far se deu ao luxo de, com a mão livre, massagear as têmporas enquanto permanecia - ou ao menos tentava - focado. Na outra mão a pena firme enquanto redigia aquele documento tão importante. Era a renovação do contrato de comercialização com Immuchakk. Mas o cansaço já drenava suas últimas forças. A caligrafia tão bela do alvo começava a desenhar garranchos. Ja’fr sabia que precisava parar, mas não.

Ajeitando-se na cadeira e respirando fundo, ele estava determinado a entregar aqueles documentos o mais rápido o possível e terminar hoje era fundamental. O navio partiria antes do raiar do sol e ele precisava ter aquilo tudo revisado, carimbado e assinado por Sinbad.

Era claro que seu rei já estava dormindo àquela hora, presumiu. Mas não importava. Acordaria o soberano aos tapas e o forçaria a assinar aquilo. Depois Sin poderia voltar a dormir. Estava tudo sob controle.

Foi quando duas batidas à porta chamaram sua atenção, mas não havia tempo para ter seu trabalho interrompido. Certamente se tratava de algum criado preocupado ao ver, tão tarde, claridade pela janela do escritório do conselheiro de Sindria. Não que fosse atípico ver movimentação em seu escritório até altas horas da noite, porém...

— Entre!

Ele exclamou de forma breve enquanto mergulhava novamente a pena no tinteiro. Ja’far nem ao menos ergueu os olhos para ver quem entrava. Mas ele se surpreendeu, após ouvir aqueles passos que se aproximaram, ao ouvir a voz tão bem conhecida.

— Ja’far!

Os olhos esverdeados piscaram. Então seu rei estava acordado. Sinbad usava apenas um robe branco de seda e estava de braços cruzados diante de sua mesa.

— O que está fazendo aqui? Pensei que estivesse dormindo. Aliás, seria bom que estivesse. Deve estar cansado da viagem.

— Sim, estou, mas estou mais com saudades de você do que com vontade de descansar! Passei duas semanas fora e, ao voltar, você nem vem ficar comigo!

Sinbad reclamava como uma criança birrenta. Cruzou os braços e fez bico. Ja’far suspirou e deixou um riso contido escapar.

— Pois saiba que tenho trabalho para fazer, Sin… - Ja’far permanecia focado naqueles papéis.

— Pois saiba que seu rei está aqui. - o moreno retrucou.

O rei permaneceu a observar Ja’far. Ele trabalhava como se continuasse sozinho ali até o momento em que Sinbad, perdendo a paciência, espalmou aquela superfície. Os papéis sobre a mesa de mogno deram um pequeno salto, voltando graciosamente ao seu lugar enquanto que Ja’far, perplexo, o encarou. Respirou fundo antes de, furioso, indagá-lo.

— Qual é o seu problema?! - Ja’far exclamou, levantando-se e empurrando a cadeira atrás de si.

— MEU problema?! - Sinbad enfatizou o pronome possessivo. - Eu passo duas semanas longe, quando volto você me ignora e quem está com um problema sou EU?!

— Não entende que estou trabalhando?! O mundo não parou de girar enquanto esteve fora! Eu estou trabalhando para manter nosso país em pleno funcionamento e para que você descanse!

— Eu estou pouco me lixando para o trabalho administrativo! O que eu queria era voltar e… - Sinbad corou um pouco antes de declarar. - ficar com você.

Foi a vez das bochechas tão pálidas do conselheiro assumirem aquele tom rubro. Fazia pouco tempo que haviam declarado seus sentimentos, recíprocos, um para o outro. E Ja’far ainda tentava digerir como aquilo tudo evoluiu tão rápido.

Claro, desde que começou a amadurecer, percebeu que seus sentimentos por seu rei iam muito além da amizade e do respeito, mas ele jamais imaginava que um dia, realmente, eles se tornariam… amantes. Poucos dias depois de saber que Sinbad sentia o mesmo por ele, Ja’far estava entre os braços e os lençóis de seu rei. Ele, realmente, ainda não tinha se acostumado com aquilo, mas Sinbad parecia ter urgência em tê-lo de volta. Em contrapartida, Ja’far via a distância de duas semanas com naturalidade. O que eram duas semanas sem se deitar com seu rei para quem passou dezesseis anos sem sexo e, melhor ainda, por anos sem imaginar que algum dia, de fato, aquele desejo seria saciado? Suas responsabilidades estavam em primeiro lugar.

— Você continua sem um pingo de responsabilidade, Sin! Já tem 20 anos! Não é mais um adolescente!

— Mas você é um adolescente!

Foi quando, inesperadamente, o moreno desenrolou aquela faixa que prendia as duas laterais do robe branco e revelou o corpo - maravilhosamente esculpido, Ja’far descreveria.

O rosto de Ja’far foi, imediatamente, substituído por um grande e viçoso tomate maduro. Ele fechou os olhos e os cobriu com as mãos, perplexo com a audácia de seu rei.

— Olhe pra mim! Não me deseja?! Na sua idade, eu…

— SIN! - berrou o alvo, sem se importar se chamaria a atenção de alguém, àquela hora da madrugada. - Vista-se!

— Me poupe, Ja’far! Já cansou de me ver nú! A questão aqui é se me deseja ou não!

— É óbvio que sim! - um dos orbes verdes abertos escapava por entre os dedos que cobriam seus olhos. - Mas vista-se! O que fará se alguma moça entrar aqui?!

— Ela seria muito sortuda, não acha? - o moreno cruzou os braços sem desfazer a expressão da carrancuda. - Aposto que essa moça daria tudo para ir pra cama comigo, como você podia fazer, mas… Tudo bem, - foi quando ele suspirou e fechou suas vestes. - um dia você vai se arrepender muito de ter me desprezado, tá?

Ja’far, ao ver a expressão magoada de Sinbad, só pôde rir. Ele era tão infantil, tão transparente em relação aos sentimentos, tão genuíno… Aquela pureza conquistava o ex-assassino.

— E por quê um dia vou me arrepender? Pretende me deixar? - Ja’far cruzou os braços, ainda contendo o riso e sem levar a sério seu soberano.

— Não, ué, quem sabe… Aconteça algo e você NUNCA MAIS me veja! - Sinbad usou de tom de ameaça, apesar de ainda parecer cômico.

Era difícil resistir a Sinbad. Ja’far, não conseguindo mais conter o riso, caminhou até ele.

— Seu bobo, eu sempre vou estar...

Foi quando uma mão larga e firme segurou o pulso do conselheiro de Sindria e o impediu de chegar até seu rei. Apertava tão forte que chegava a machucar.

— Mas o q...

Ja’far mal se virou para trás quando foi puxado, de uma vez só, e seu corpo se chocou com um peito largo e bem talhado. Ele ergueu o rosto para encontrar… Kouen. Como ele havia aparecido ali? Não houve sequer tempo para questionamentos. O ruivo, sem poupar a própria força, usou a mão livre para capturar seu pescoço. O alvo se engasgou, arregalando os olhos enquanto era confrontado pelo par tão intenso de Kouen. Chamas pareciam cintilar dentro deles.

— Você nunca mais vai ver o Sinbad, Ja’far! - aquela voz grave e imperativa sussurrou calmamente.

— Si… Sin..! - escapou de seus lábios enquanto ele tentava se virar para seu rei.

Nada. Não havia nada. Sinbad não estava mais e ali e, ao redor, seu escritório havia se transformado nos aposentos do príncipe de Kou. Como se em um segundo tudo desmoronasse. Como se a existência de Sinbad em sua vida tivesse sido deixada naquele passado de um segundo atrás. Agora estava ali, nos braços do primeiro príncipe de Kou.

— Você é meu, Ja’far! Nunca mais vai encontrar Sinbad! Vai ser minha imperatriz até o último dia de sua vida! Vai viver para me satisfazer!

— Agh! Está… lou… louco?!

Não havia mais fôlego. Não havia mais forças para lutar.

um dia você vai se arrepender muito de ter me desprezado” - as palavras de Sinbad ecoavam. Em sua mente? Em seu coração? Ele não saberia dizer.

O ruivo apenas sorria enquanto seus dedos fechavam mais e mais a garganta de Ja’far e ele só podia se entregar. Sin tinha dito que se arrependeria e ele estava certo. Nunca mais o veria. Nunca mais sentiria o calor de seus braços. Nunca mais…

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Um forte arder em sua fronte chamou sua atenção, fazendo-o despertar. Algo gelado, mas macio, era pressionado de leve contra sua cabeça. O que tinha acontecido? Era só um pesadelo?

Ja’far abriu os olhos lentamente, como pôde. De fato ele conseguiu abrir apenas um. Doía tanto o outro, aliás, todo o lado direito de seu rosto. Quanto mais seus sentidos voltavam, mais dor ele sentia. Era como se seu corpo inteiro tivesse sido partido ao meio.

— Ja’far-san!!!! - ele ouviu uma melodiosa voz feminina. - Que bom que acordou!

Ele teve dificuldade em descobrir, em meio à vista turva, o rosto bonito da moça de longos cabelos negros e lisos. Era Ho-Bin, concubina do segundo príncipe. Ela sorriu satisfeita ao vê-lo acorda. Ela segurava em uma das mãos uma toalha rubra, a qual outrora fora branca.

— Vo…

Antes de Ja’far completar, ele se contorceu como pôde ao sentir a cabeça latejar. Mas foi ao tentar levar uma mão até a região dolorida que ele percebeu que seu braço direito, simplesmente, não se moveu. Assustado ele arregalou os olhos, plenamente ciente de onde estava para ver o próprio braço retorcido esparramado no chão em uma posição que não seria nada comum de estar. Ele ficou apavorado.

— Fique calmo! Não deve se mexer muito! Eu vou imobilizar seu braço ainda!

Ja’far balançou a cabeça e, atordoado, lembrou-se dos momentos de terror que viveu com Kouen. Os momentos que o fizeram chegar até ali.

O primeiro príncipe o beijava com violência, apertando firme seus braços enquanto mordia seus lábios, sacudia Ja’far como podia, batendo suas costas contra aquela parede. Uma, duas, três vezes… cada vez com mais força.

— AH! ME SOLTA!

 

Ja’far virou o rosto, libertando seus lábios para conseguiu gritar. Ele pretendia chamar a atenção de alguém que podia estar passando pelos corredores, mas assim que o fez recebeu outro tapa de Kouen. Mais um castigo.

Era inacreditável. Inconcebível. Como Kouen, que dizia que tanto o amava, conseguia ser tão violento assim? Sinbad… Sinbad jamais faria aquilo com ele. Jamais levantaria um dedo.

Mas não tinha como processar aquele momento. O ruivo logo agarrou os fios esbranquiçados e o forçou a encará-lo.

— Me fez de tolo! - ele rosnou. - Eu aqui, apaixonado por você!

— Apaixonado?! - ainda havia forças para reagir. - Quem ama jamais agiria como você… Vai me matar? - desafiador, Ja’far rangeu os dentes. - E diz que me ama?– Você é MEU, Ja’far, e eu faço com você o que eu quiser! Está na hora de você se conscientizar disso!

 

Não. Já bastava ter sido obrigado a abandonar sua persona, se dispor a se vestir como uma mulher para satisfazê-lo, agora ele o obrigava a se assumir como uma propriedade, um objeto.

— EU NÃO SOU SEU! - exclamou Ja’far, que já estava pronto para o que o sucedeu. Um novo tapa o acertou, agora na face esquerda. Ele sentia o rosto arder. - Se tanto te incomoda, Kouen, eu vou deixar bem claro: EU SOU APENAS DO SINB…

— MENTIRA!

 

Ja’far, completamente zonzo, ouviu ao longe o exclamar de Kouen. Mas estavam tão próximos? Ah, claro, com o choque que recebeu em sua cabeça, tudo parecia extremamente distante e abafado. O ruivo, segurando firmemente seus cabelos, bateu sua cabeça contra aquela parede. Como doía!

Aquela biblioteca girou junto do príncipe e se Kouen não estivesse o segurando ainda, ou melhor, pendurando-o pelos fios brancos, certamente o alvo teria ido ao chão.

O mundo começava a parar de tremer quando, mais uma vez, Ja’far teve a cabeça jogada contra a parede. Mais uma vez e outra. Naquela terceira vez, um pouco mais forte, o conselheiro de Sindria pôde sentir o sangue quente escorrer por sua fronte e trilhar o caminho da ponta de seu nariz.

Kouen queria matá-lo de uma vez por todas, ele tinha certeza. Não? Não tinha como perguntar; todo o seu controle motor havia desaparecido. Mal seus lábios mexiam e ele nem ao menos sabia o que estava fazendo.

— Eu vou bater sua cabeça nessa parede… - o ruivo estava ofegante, mas furioso e obstinado. - até você perder a memória de novo! Até você se esquecer completamente quem é Sinbad!

 

A ira, a revolta, dominavam Kouen de uma forma completamente insana. Transtornado ele prosseguiu aquela sessão de tortura. A única vez que Ja’far tentou se soltar, empurrando-o para se afastar, o príncipe torceu seu braço tão forte que foi possível ouvir o momento em que o osso do antebraço de Ja’far se partiu.

Ele não teve forças para gritar, por mais que sentisse uma dor lancinante. Seu corpo doía por completo e não havia sequer tentativa de resistir mais. Kouen o mataria e seria bom que o fizesse logo, porque o que menos Ja’far queria era voltar a ser uma marionete nas mãos do príncipe de Kou.

E por mais que seus pensamentos estivessem embaralhados e ele não tivesse a menor noção do que estava acontecendo, Ja’far tinha plena certeza do seu maior desejo: reencontrar Sinbad. Ah, se Kouen soubesse daquilo… Ele chegou a rir, ironicamente, antes de perder seu último resquício de consciência.

Ja’far, transtornado, lembrou-se daquilo bastante surpreso: estava vivo! Por mais que estivesse em pedaços, literalmente, ao ver o braço caído e sem sustentação, ele estava feliz: ainda havia esperança e, de qualquer forma, havia contactado Sin. Se alguém havia cometido um erro, esse alguém era Kouen, que o permitira continuar a viver.

Novamente aquela toalha gelada encostou, sem pedir licença, sua fronte. Ele se encolheu, bastante incomodado com o arder da ferida, mas ficou a observar a moça tão gentil.

— Eu não posso fazer curativos melhores nem trazer ataduras, senão o Kouen-sama pode desconfiar. Mas posso ao menos limpar seus ferimentos e imobilizar seu braço com esses retalhos. - ela mostrou uma pequena pilha de tecido branco. Ao ver a tesoura sobre eles, Ja’far presumiu que ela mesma havia feito aquilo.

— Por quê?! - ele sussurrou, chamando a atenção da concubina.

— Hm? Por quê o quê? - ela devolveu a pergunta.

— Por que está me ajudando? - o conselheiro de Sindria não conseguia entender.

Um novo sorriso cruzou os lábios da jovem.

— Por vários motivos. - a resposta parecia bastante genérica. Ja’far arqueou - como pôde - uma sobrancelha. Perspicaz como era, Ho-Bin sabia que sua explicação, tão simplista, não seria o suficiente para satisfazer alguém como Ja’far. - Primeiramente porque você é uma boa pessoa. E além disso… você não pode morrer, Ja’far-san.

Havia preocupação em suas palavras. Ela parecia apreensiva. O que queria dizer com aquilo?

— Como assim? Kouen… ele mesmo queria me matar. - era a vez de Ja’far exprimir tristeza. Ele realmente chegou a acreditar nos sentimentos de Kouen e confiava nele. Temeu ferí-lo.

Ho-Bin respirou fundo antes de encará-lo. Os olhos castanhos da moça cintilavam em prata ao encarar profundamente os verdes.

— Se você não estiver aqui, Ja’far-san, o Koumei-sama vai voltar a investir no príncipe Kouen! - ela foi direta. - Desde que você chegou aqui e tirou as chances do Koumei-sama ter algo com… seu irmão, eu finalmente pude pensar que, um dia, o príncipe Koumei irá me ver com outros olhos! Me entende?

Era óbvio que aquela moça era apaixonada por Koumei. Mas ela estava se arriscando demais e tudo para garantir que o príncipe que aspirava não tivesse caminho livre para Kouen, por quem era apaixonado, claro.

— Como soube que eu estava aqui? - Ja’far indagou.

— Vi quando o príncipe Kouen saiu daqui. Ele estava transtornado, as mãos cheias de sangue. Também… ouvi um pouco… da discussão. - ela mordeu o lábio inferior. - Eu sinto muito. Mas sabe, eu realmente acho que a alteza ama o Ja’far-san! Ele só… quer que você esqueça o Rei Sinbad.

— E ele falhou. - Ja’far estava pesativo. - Não me esqueci e nem vou esquecer o Sin! Mas Ho-Bin, eu realmente agradeço a você, mas eu preciso que me ajude… a fugir.

— Sinto muito. - ela se afastou subitamente. - Não posso. Se for embora, Ja’far-san, eu…

— Se eu ficar o Kouen vai me matar! - Ja’far a interrompeu. - Cedo ou tarde! Preciso que me ajude!

Ho-Bin parecia sem saída. Encarou o par de esmeraldas do conselheiro de Sindria.

— Ja’far-san, pode não entender, mas o Kouen-sama te ama! Ele apenas está desesperado! Acredite! Eu queria que o Koumei-sama sentisse por mim o que o Kouen-sama sente por você!

 Não havia cabimento. Ho-Bin era tão apaixonada por Koumei e, acostumada a ver aquela espécie de relacionamento que havia em Kou, no qual a submissão era a lei, que ela não conseguia ver nada de errado no fato de Kouen ter lhe espancado. Ela acabava de dizer que, inclusive, desejava sofrer aquilo se significasse ter o amor de Koumei.

Precisava insistir. Se ficasse ali, se Kouen voltasse, provavelmente não teria a mesma sorte...

— Por favor, me ajude! Se ao menos vigiar, eu...

Ja’far mexeu as pernas para fazer menção de se levantar, mas assim que o fez, ele ouviu o som agudo das correntes se atritando. Olhou para os pés e encontrou, preso em seu tornozelo, um grilhão que se conectava através de uma grossa corrente até outro, o qual estava ao pé daquela enorme estante.

— Isso…!!! - chocado, Ja’far estava incrédulo.

— Sinto muito, mas o Kouen-sama… parece estar com muito medo de te perder! - Ho-Bin parecia realmente ver romantismo em meio àquela insanidade.

— Kouen nunca vai me perder, Ho-Bin. - obstinado, Ja’far declarou.

— Hm? - um sorriso cruzou os lábios da moça.

— Ele não pode perder o que nunca teve!

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A reunião com aqueles dois ministros parecia não ter fim. Enquanto conversavam e discutiam animadamente sobre a divisão de algumas terras que foram tomadas num povoado próximo a Balbadd, o primeiro príncipe parecia distante, absorto em preocupação. Os olhos atentos de Koumei, que se abanava com seu leque, notavam a atitude atípica de seu irmão. Bastante disperso, ele subitamente se levantou abandonando a cabeceira da comprida mesa que ficava na sala de reuniões.

— Se me dão licença, terei que me retirar. Não me sinto muito bem.

— Algo errado, meu irmão? - Koumei rapidamente se pôs de pé.

— Problema algum. Por favor, os senhores podem terminar de tratar o que há de importante com meu irmão. Nos vemos na hora do jantar.

Touché. Kouen conseguiria sair dali e, de quebra, não seria seguido por Koumei que, claro, o questionaria sobre sua apatia. E poderia questionar além também, por exemplo, quanto ao paradeiro de Ja’far. O caçula assentiu, apertando com firmeza o cabo dourado daquele leque, antes de se resignar e se sentar.

Para Kouen era impossível se concentrar. Será que Ja’far estava bem? Estava ao menos… vivo?

Ele parou durante seu trajeto para encarar as próprias mãos. Por mais que as tivesse lavado tão bem, elas ainda pareciam sujas com o sangue de Ja’far. Levando-as próximo ao rosto ele sentia o odor metálico.

Como pôde ser tão cruel? Ficou completamente fora de si e… desejava tanto que Ja’far odiasse Sinbad, que o esquecesse. Será que, ao menos, após tanto que havia feito, ele realmente havia perdido a memória novamente? Seria bom mesmo que Ja’far não se lembrasse do que Kouen tinha feito…

Ele suspirou seguindo até a biblioteca. Felizmente, aquela biblioteca ficava localizada em uma área abandonada do palácio e estava para ser arrumada. Muitos livros, que falavam sobre os antigos governantes de Balbadd, seriam incinerados. Afinal, a melhor forma de construir a história daquele novo país, colonizado por Kou, era ocultando qualquer evidência de que existira algo que precedia a chegada do Império - em especial se aquele algo pudesse parecer melhor do que o novo governo que se instaurara ali. Sendo assim, nenhum criado intrometido ou qualquer outra pessoa deveria encontrar Ja’far ali.

O corredor estava vazio, como ele esperava encontrar. Respirando fundo Kouen olhou para ambos os lados para ter certeza de que ninguém o veria entrar ali. Foi quando apoiou a mão sobre a maçaneta e a girou. O lugar, bastante bagunçado, permanecia o mesmo e Ja’far, diferente de como havia o deixado sobre aquele tapete, estava agora sentado, recostado àquela estante.

Mas o Ja’far que Kouen encontrou nem de longe lembrava aquela figura angelical, banhada pelo claro luar dos pés à cabeça.

Seu rosto nem de longe lembrava o de sempre. Não só por ele só exprimir revolta e dor, como também fisicamente. Com um enorme hematoma que alternava tons de roxo e amarelo em volta do olho esquerdo, várias outras marcas e cortes, além do braço que agora ele tinha pendurado em uma tipoia, Ja’far observava bastante sério a chegada daquele que fora seu amante e, agora, tornava-se seu algoz. Era difícil acreditar que Kouen tinha tentado o matar. Mas ora, não tinha sido em uma tentativa que se envolveram? Mas após o que viveram juntos, Ja’far jamais pensou que pudesse sofrer aquilo.

— Vejo que… improvisou alguns curativos. - Kouen disse com um sorriso amarelo ao fechar a porta. - Eu já ia chamar um médico de confiança para examiná-lo. Sente-se bem?

Ja’far estava indignado com tamanha audácia. O ruivo estava sorrindo? Falando como se não fosse o responsável por seus ferimentos? O alvo decidiu não responder e permaneceu acompanhando, com seu olhar, o caminho que Kouen trilhava por aquele ambiente.

Por trás das cortinas, Ho-Bin mantinha os lábios selados pelas mãos, cruzadas frente ao rosto, tentando bloquear qualquer ruído que pudesse escapar. Até mesmo sua respiração. Kouen não podia descobrir que estava ali.

— Tem fome? Sede? Posso trazer algo.

— Me solta daqui. - escapou pelos lábios de Ja’far, que encarava o grilhão que prendia seu tornozelo.

— Hm? - o ruivo piscou. - O que disse?

— Me tira daqui agora! - bastante imperativo, o alvo se posicionou.

— Não posso fazer isso, Ja’far! Sei que vai querer… Não, digo, lembra quem sou eu? - será que Ja’far não tinha perdido...

— INFELIZMENTE LEMBRO!

Era um balde de água fria caindo sobre a cabeça do ruivo e fazendo sua espinha gelar.

— Eu não sou um animal, Kouen, e mesmo se fosse! Não vou ficar acorrentado! Já basta ser… espancado por você!

— Ja’far, eu vim te pedir desculpas, - ele rapidamente tentou se explicar. - Eu saí de mim! Sabe como sinto ciúmes e você me provo…

— Eu não quero suas desculpas! Agora você sabe a verdade! Eu vim aqui para que não prejudicasse Sindria e, no fim das contas, Kouen, realmente escolhi você! - havia ressentimento nas palavras do conselheiro. - Por mais que eu tivesse descoberto que tentou me matar… me usou, mentiu para mim… Eu decidi que o melhor para Sin era viver longe de mim e eu… eu aceitaria seus sentimentos. Mas agora eu tenho certeza de que não sente NADA! É UM MONSTRO!

— Ja’far…

Agora Kouen estava surpreso. Também pudera, não havia permitido que Ja’far se explicasse. Ele realmente havia escolhido ficar ao seu lado?

O ruivo, de pé, encarava aquele que permanecia no chão.

— Quando cheguei aqui não imaginava que teria que me tornar outra pessoa pra estar do seu lado. Acreditei que me amava. E eu, Kouen, eu te estimei! Mesmo com tudo o que me fez, meses odiando e amaldiçoando e fazendo sofrer quem eu mais amava… Eu acreditava que você merecia uma chance, Kouen. Sabe por quê? Porque o Sin me deu uma chance! E eu me apaixonei por ele. Quem sabe se eu o desse também… - Ja’far balançou a cabeça negativamente, desolado. - Como fui patético. Olha como estou! Meu braço… meu rosto… Meu corpo…

— Ja’far…!! Eu o encontrei se comunicando com Sinbad! Se pretendia…

— Você me aprisionou mais uma vez naquele quarto, me obrigando a ser uma mulher! Eu nunca desejei isso, Kouen! E permaneceu tramando destruir Sindria, a vida dos meus amigos, da pessoa que eu am…

— JÁ CHEGA! - o exclamar de Kouen fez Ja’far se retrair, bastante assustado. - Não ouse falar que ama aquele homem!

— E vai fazer o quê?! Me bater de novo?! Arremessar minha cabeça contra a parede para que eu me esqueça dele?!

Em um rápido movimento, Ja’far puxou a espada que estava guardada na bainha presa à cintura do príncipe. Kouen, com reflexos rápidos, deu um salto para trás, presumindo que seria atacado. Mas ele se surpreendeu quando Ja’far segurou aquela arma pela lâmina e a apontou para seu próprio peito.

— Pode bater na minha cabeça quantas vezes for possível. Posso me esquecer do Sin mais uma vez, mas onde importa, que é de onde ele nunca desapareceu… é aqui que você deve acertar. - ele encostou a ponta da espada em seu peito, rasgando um pouco os trapos que ainda o vestiam. - É aqui que o Sin vive, Kouen.

O ruivo sentiu o suor frio escorrer por sua fronte. A raiva, a frustração, tomavam proporções inimagináveis e ele se continha para não tomar uma atitude impensada. Não novamente.

— Tudo bem, Ja’far. Eu vou fazer você esquecer o Sinbad… de outra maneira.

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A brisa fria do mar açoitava os longos fios púrpura. De braços cruzados, apoiados naquele batente, Sinbad observava o infinito azul que os cercava. O navio seguia a toda velocidade, se aproveitando da maré alta, rumo a Kou. Não havia tempo para pararem, para descansarem. Precisava encontrar Ja’far o mais rápido possível. Seria tarde demais? - ele se perguntava. Se tivesse magoi suficiente, certamente usaria seu masou para ir voando até Kou. E como ansiava para arrancar Ja’far dos braços daquele homem inescrupuloso. Aliás, como ansiava para sentir o sangue de Kouen entre seus dedos. Não deixaria barato tudo o que haviam passado.

Lembrava-se da última vez em que se comunicou com seu conselheiro. Se Kouen tivesse feito algo ruim a Ja’far…

Sinbad suspirou. A preocupação bastante presente em seu semblante.

Foi quando ele sentiu uma pesada mão se apoiar em seu ombro, ao mesmo tempo em que viu a larga sombra do homem de longos cabelos azuis se projetar sobre si.

— Precisa descansar, Sinbad! Precisa estar disposto para quando chegarmos em Balbadd.

— Eu sei, Hina… - um novo suspiro. - Estou muito preocupado. Será que Ja’far está bem?

— Ja’far sabe se cuidar, Sinbad.

— Para ele me pedir ajuda… Eu acho que aconteceu algo muito ruim…

— Nada vai ser pior do que continuarmos tendo ele como refém daquele homem.

— Tem razão. - Sinbad assentiu. - Dessa vez não haverá diplomacia. Assim que eu chegar em Balbadd… vou invadir o palácio e resgatar o Ja’far! - obstinado, ele declarou.

— E claro que para isso contará comigo, não é, majestade?

Sinbad se virou para trás para encontrar a sorridente maga que se aproximava. Yamuraiha, junto de Hinahoho, Drakon e Masrur, haviam feito questão de acompanhá-lo naquela viagem.

— Com certeza. Vai localizar o magoi do Ja’far para que eu chegue até ele.

— Sim!- ela confirmou. - Faremos tudo bem rápido. Dificilmente alguém vai notar nossa presença, eu espero…

— Pois eu espero que não seja assim! - dando-lhe as costas, Sinbad voltou a encarar o mar. - Eu espero enfrentar Kouen e fazê-lo pagar por tudo! Eu nunca vou perdoá-lo pelo que ele fez! Eu espero que ele… veja muito bem o momento em que eu vou tirar o Ja’far dele para sempre como ele fez comigo!

— Majestade… - Yamuraiha apertou com firmeza, resignando-se ao ouvir as palavras tão duras de seu rei.

— Quanto tempo mais até chegarmos em Balbadd, Drakon? - o moreno se voltou para o homem de aparência bizarra.

— Mais três dias no máximo! - ele respondeu prontamente.

— Ótimo! - Sinbad assentiu. - Mais três dias e… esse pesadelo vai acabar, Ja’far... Eu prometo!


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Notas finais do capítulo

Uffa, confesso que doeu muito escrever essa violência do Kouen, mas eu realmente queria demonstrar o quão obsessivo ele ficou e como o "amor" que ele sente pelo Ja'far é mais um sentimento de posse e o Ja'far é um troféu para ele, sobre o Sin, do que amor de verdade. De fato se tocar de que estava sendo enganado foi muito forte. Eu realmente acredito que o Kouen ame o Ja'far, mas de uma forma doentia e nociva. E o Sin precisa chegar bem rápido até lá... Será que ele vai conseguir?!
Obrigada por todos que acompanham esta história há tanto tempo! ♥ Lembrando que mesmo demorando respondo todos os reviews, comments, etc! Um beijão e até o próximo capítulo!



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