Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 39
Esperança


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Gente... Quanto tempo! Como pedi desculpas no journal, eu peço aqui! Me perdoem pelo meu enorme hiatus. 2018 foi um ano super intenso e muitas coisas aconteceram! Mas agora vamos encerrar a fic, não é? Muito obrigada a todos que permaneceram e suportaram esse meu tempo fora, e muito obrigada aos novos leitores que têm curtido. Eu espero que vocês gostem muito do final que deve ocorrer em poucos capítulos.

Esse capítulo é dedicado a alguém muito especial que, infelizmente, perdi no fim do ano passado! Meu amigo Vinícius Brazil era leitor das minhas histórias e um GRANDE AMIGO que o Magi Br me deu!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/690726/chapter/39

Os joelhos, avermelhados e atravessados por riscos vermelhos desiguais, se arrastaram até que ele chegasse à estante mais próxima. Ele se esgueirou escalando, com o único braço possível, pelas prateleiras de mogno, até conseguir se pôr de pé. As pernas, bambas, mal conseguiam se sustentar. Também pudera, não comia há dias e Ja’far podia confirmar aquilo ao ver o próprio reflexo nos vidros da janela. A magreza começava a aparecer por entre os trapos que vestia.

Sentia-se sujo, os fios brancos bagunçados estavam ressecados. Não se banhava há dias também, mas nem assim… - Ele observava o colo, no qual estavam estampadas manchas roxas e as marcas ferozes dos dentes do ruivo. - Kouen se negava a possuí-lo.

Um som mais alto chamou a atenção de Ja’far. Eram passos?

Ele piscou, bastante preocupado. Kouen já tinha voltado? Será que novamente...

A porta foi escancarada e duas moças e dois fortes criados adentraram o lugar. Haviam descoberto que estava ali? Iam libertá-lo? O minúsculo sorriso que cruzou seus lábios desapareceu quando, por último, o primeiro príncipe entrou.

— Vejo que está muito bem, Ja’far. Está até mesmo de pé! - sorrindo, genuinamente, Kouen cruzou os braços. - Trouxe esses criados para cuidarem de você!

Exasperado, Ja’far se assustou assim que aqueles dois homens, bem fortes, seguraram cada um de seus braços. O do lado esquerdo ao menos se atentou para não tocar a região ferida.

— O… O que significa isso?! - ele indagou, mantendo-se firme. - Para onde vão me levar?

— Calma, meu amor. - o ruivo se aproximou, tocando no rosto do alvo. - Eles vão cuidar de você. Eles já estão cientes de que teve um surto e fugiu do palácio, acabou arranjando briga na rua e ao voltar veio parar aqui… Pobrezinho! Encontrei você aqui esta manhã...

— QUÊ?!

Não. Agora Kouen estava indo longe demais. Estava dizendo aos outros que estava louco? Era pior do que quando Sinbad acreditou que estava desequilibrado.

— As criadas vão te ajudar a tomar um bom banho e vão cuidar dos seus ferimentos.

— Trouxemos um hanfu lindo para você por, Ja’far-san. - uma delas falou com bastante simpatia ao exibir a veste que tinha em mãos, tons pastéis na mais pura seda.

— Vai ficar linda! - a outra respondeu com a mesma simpatia e o artigo feminino que o definia como a mulher que Kouen apresentou estava mais que presente.

— Está vendo, meu amor? Estão todos preocupados com você! Você é a futura rainha de Balbadd!

— Linda? Rainha? Definitivamente Kouen não estava querendo fazê-lo parecer louco. O ruivo estava, de fato, querendo deixá-lo louco. A fúria o dominou, apesar da debilidade ter lhe contido um pouco.

— O que significa isso, Kouen?! Você que me manteve aqui! Trancado!

O príncipe cruzou os braços e suspirou, um olhar piedoso em seu rosto transmitia a pena que ele sentia da pobre noiva. Entreolhou os servos, todos confusos e hesitantes com o exclamar da futura rainha.

— Coitada, ela está muito assustada! - ele deu de ombros e se voltou às moças. - Não se esqueçam que Ja’far gosta de se banhar e vestir sozinha. Apenas o auxiliem nos detalhes. - a orientação era óbvia: Kouen tinha de manter a farsa de que Ja’far era uma mulher. As criadas não poderiam descobrir seu corpo masculino. O temor pelo preconceito e por se afirmar um futuro imperador viril faziam com que o ruivo sustentasse, firmemente, aquela mentira.

Ja’far estava boquiaberto. Como Kouen conseguia ser tão dissimulado? Há meses havia conhecido uma pessoa maravilhosa que acreditou realmente ter se apaixonado por ele… Será que aquele amor, tão doentio, era capaz de fazê-lo agir assim? Kouen estava agindo daquela forma apenas para ter certeza de que não o perderia? Mesmo após ter descoberto que não estava mais desmemoriado, que sentia ódio dele…

— Me deixem a sós com sua alteza, por favor.

As palavras de Ja’far, bastante ríspidas, foram confrontadas pelos olhares dos criados que esperaram um posicionamento do príncipe. Ja’far não tinha autoridade sobre eles - ao menos enquanto ainda não estivesse casado com seu soberano.

Kouen agitou uma das mãos e, com um sorriso melancólico, os deu licença. As moças e os dois homens se retiraram da biblioteca. Verdes e vermelhos se confrontaram.

— O que significa isso, Kouen?!

O ruivo suspirou antes de dar um passo à frente, no mesmo instante em que Ja’far recuou.

— Eu errei, Ja’far. Já o pedi desculpas, não? Então vamos esquecer tudo isso!

— Não dá pra esquecer os ossos quebrados do meu braço, Kouen! - o ex-assassino disse entredentes.

— Claro que sim! Eu trouxe minha espada. Com o poder do meu djinn posso…

— Não ouse! - Ja’far balançou a cabeça negativamente. Ele rosnava. - Não quero que use uma gota do seu magoi para apagar as marcas dos tapas que me deu!

Um novo suspiro e Kouen, sem saída, correu para agarrar as mãos de Ja’far. E como ele era muito mais forte que o ex-conselheiro de Sindria, o alvo não teve escolha a não ser ficar frente a frente com o príncipe. Havia lágrimas nos olhos de Kouen.

— Se eu pudesse voltar no tempo, Ja’far, jamais teria o agredido como fiz…

— Sin jamais teria feito o que você fez… - ele tentou se afastar. - Eu tinha consideração por você, Kouen. Em nome do que vivemos, mesmo com… toda a sujeira que fez para que eu odiasse o Sin.

— Eu sei, eu sei!

Foi em um impulso que Kouen abraçou firmemente Ja’far. Afundou os dedos nos compridos naqueles cabelos brancos desejando não só agora, mas para sempre, fazer com que ele esquecesse Sinbad, e também a asquerosa agressão que tinha cometido contra aquele que tanto amava.

— Não quero te perder! Saí de mim! Você é tudo o que tenho, Ja’far!

Ja’far afastou o rosto, até então pressionado contra o peito do mais alto, para encará-lo. Ele mordiscou o lábio inferior e foi, apesar de cruel, completamente sincero.

— Mas você não é tudo o que tenho, Kouen. Tenho meus amigos e o Sin… Eu me dispus a viver aqui pelo bem deles, por causa de suas ameaças! - Ja’far viu a testa de Kouen franzir em desagrado, - Mas mesmo assim, como havia o dito, eu aprendi a gostar de você… - remendando-se logo em seguida.

— Eu prometo que isso não vai se repetir! - as palavras dele eram firmes.

Os olhos esverdeados cresceram quando Kouen largou suas mãos e, subitamente, se pôs de joelhos. Duas lágrimas escaparam e atravessaram as laterais do rosto do ruivo. Era o momento perfeito, Ja’far pensou.

— Eu imploro! Prometo que jamais...

— Não quero apenas isso. - interrompeu. - Quero que desista de invadir Sindria.

— Anh? - o príncipe piscou.

— Você ganhou. - Ja’far abriu os braços. - Eu estou aqui, sou seu.

— Você pediu que Sinbad o buscasse… - com seriedade, Kouen expressou a fúria que seu ciúme causava.

— Queria que eu fizesse o quê? Estava para me matar, Kouen…

Não havia o que contestar. O ruivo se levantou e, cerrando os olhos, assentiu.

— Eu prometo que não irei invadir Sindria, então… Mas também me prometa que jamais vai me abandonar, Ja’far! Porque no dia em que me abandonar, eu juro que vou matar o Sinbad!

— Essa proposta? - Ja’far riu ironicamente, incrédulo. - Você já fez ela quando foi a Sindria. Me ameaçou e aqui estou eu. Não me trouxe com seu amor, mas… com seu ódio.

Aquelas palavras perfuravam o coração de Kouen como se fossem estacas afiadas.

Kouen suspirou pesado. O alvo tinha razão. Se não tivesse deixado o ciúme o consumir… Ja’far estava certo, já havia vencido Sinbad quando conseguiu fazer com que seu conselheiro e amante deixasse Sindria para ficar ao seu lado. Não havia motivos para ter tido tanto medo. Se não aprisionasse Ja’far naquele quarto… Se não o agredisse…

O ex-assassino se surpreendeu ao ser puxado pelo ruivo que o abraçou com tanta força. Ja’far, tendo a cabeça pressionada contra o peito de Kouen, podia ouvir as batidas tão aceleradas do coração do príncipe. Naquele momento ele podia ter certeza do que o príncipe falava.

— Perdão! - a voz grossa estava trêmula. - Perdão, Ja’far!

Não. As mesmas mãos que o acariciavam eram as que haviam lhe espancado… Sin jamais teria o tratado daquele jeito. Sin jamais teria ido tão longe… por um capricho. Nem que tivesse cometido um erro terrível.  

Mas ao olhar, pela lateral do braço do ruivo, pela janela, o horizonte vazio, a linha azul retilínea que nem se movia para anunciar a chegada de uma embarcação, Ja’far sentia o coração se comprimir em desespero. Quando Sin chegaria? Será que chegaria, aliás? Será que o salvaria?

Como tinha sido covarde em abandonar sua própria decisão que protegeria seu amado país…

— Eu estou esperando uma resposta, Ja’far. - mesmo exigente, o tom de voz de Kouen era suave. Havia em seu tom mais desespero do que exigência.

O alvo afastou o rosto, antes grudado ao peitoral do príncipe, para então encarar aquele par marejado. Arrependimento e vergonha estampados naquele rosto que ansiava por uma resposta positiva.

— Eu irei perdoá-lo, En… - aquele apelido era depositado, ali, como uma demonstração de confiança… e de perdão. - se desistir dessa ideia de invadir Sindria. Se esquecer que Sinbad existe.

— Como posso esquecer Sinbad se você não o esquece?

Touchet.

Ja’far respirou fundo e então, determinado, encarou os olhos rubros.

— Quem é esse? - ele balançou a cabeça de um lado para o outro. - Nunca ouvi falar.

Kouen não vacilou, analisando todo aquele teatro no qual os dois interpretavam. Ele assentiu e, então, sorriu para depois puxá-lo novamente num abraço.

— Eu te amo, Ja’far! Nunca mais falarei de Sindria, nada disso!

Sindria? - piscou o alvo com uma expressão desentendida. - Não sei do que está falando, En. - repetiu Ja’far, os olhos opacos transmitindo a segurança que até mesmo tamanha mentira era capaz de transmitir a Kouen.

Os olhos do príncipe brilharam e ele beijou, com toda a paixão que sentia, aquele que amava mais que tudo - ou apenas sonhava em ter como posse, como o troféu sobre Sinbad. Mas não podia negar que Ja’far era aquele que conseguira abrir uma brecha em seu coração tão frio. Como pôde feri-lo? Amava-o tanto que o medo de perdê-lo fazia com que cometesse loucuras, mas não. Aquilo jamais se repetiria. Eternamente cuidaria e protegeria Ja’far.

— Eu te amo, Ja’far! Eu te amo!

Suspirando em total desolação, Ja’far se confortou nos braços quentes de Kouen enquanto as lágrimas afogavam seus olhos. Se quisesse sobreviver de uma forma ao menos digna aquela era a melhor maneira. Decidiu se submeter aos caprichos de Kouen sonhando que, um dia, Sinbad viria ao seu resgate. Caso ele não viesse, Ja’far podia sentir os braços da morte tomando o lugar dos braços de Kouen - mas ambos não tinham o mesmo significado? Ja’far se sentia morto desde que deixara seus amigos, seu lar, seu amor, para trás.

— Eu tive uma ideia, sabe? - Kouen sussurrou. - Não vou mais pensar em fazer uma cerimônia luxuosa para nos casarmos… Amanhã mesmo será nosso casamento, o que acha? - Ja’far arregalou os olhos e entreabriu os lábios, mas nenhuma palavra de resistência conseguia sair. Era como se sua garganta estivesse travada. Podia apenas ouvir o príncipe. - Já passei suas medidas aos artesãos e amanhã mesmo podemos nos casar. Tudo muito discreto. Sei que merece mais, mas podemos fazer uma festa maior depois. Mas eu não aguento mais um dia sem estar, oficialmente, ao seu lado, Ja’far. O que acha?

Os lábios finos e rosados se mexeram um pouco, balbuciando algo ininteligível. Kouen piscou, desentendido.

— Acho muito rápido… - foi tudo o que ele conseguiu dizer. Seu coração disparava ao pensar que, se negasse qualquer coisa, Kouen podia agredí-lo mais uma vez e, daquela vez, poderia matá-lo.

— Mas meu amor, por mim eu estava casado com você desde sempre! E preciso me desculpar… - ele encarou os hematomas no rosto tão branco. - por tudo que fiz. Ao terminar a cerimônia amanhã, vamos viajar!

— Viajar?! - Ja’far inquiriu imediatamente. Ele tremia.

— Claro. Nossa Lua de Mel! Casamos pela tarde e já embarcamos. Levarei você a lugares lindos que nunca conheceu antes.

Não. Não podia ser verdade.

Ja’far não conseguia acreditar em como o que já estava ruim, péssimo, poderia piorar ainda mais. Ele estava atordoado, sentindo as mãos de Kouen, tão fortes, segurando seus pulsos como se fossem duas grossas algemas - e não eram? Suando frio sua única saída era acatar com as decisões de Kouen. A partir de amanhã estariam casados, teria de se portar como uma mulher, seria levado para longe de qualquer chance de voltar para Sindria.

— Vê como esqueci essa ideia de invadir Sindria? - o ruivo sorria de forma genuína. - Você tem toda certeza, meu amor. Preciso focar em nós dois apenas. Com minha nomeação para Imperador em breve, tudo sairá perfeito.

O alvo teve uma ideia.

— E-En… - ele gaguejou chamando pelo apelido carinhoso. - Pense bem! Pode me manter como uma concubina. Precisa se casar com… com uma moça que… que possa lhe dar filhos e…

— Eu já pensei em tudo isso, meu bem. - Kouen sorriu mais abertamente. - Podemos fazer uma nova viagem e… O que acha de adotarmos uma criança? Um bebê? Ao voltar poderíamos dizer que é nosso filho, aliás, SERÁ nosso filho. Sei que adora crianças.

Não era possível. Kouen estava completamente louco, Ja’far pensou.

Ele tinha uma série de planejamentos, tudo de uma forma perfeita e… diabólica aos seus olhos. O príncipe não se importa com suas opiniões, com o fato de não querer assumir uma outra personalidade, de viver sob suas regras… ordens.

Ja’far encarou novamente as mãos de Kouen - por que ele apertava tanto seus pulsos com cada vez mais força? Ele estava louco, obcecado… E Ja’far não se via nem ao menos capaz de argumentar algo. As lágrimas foram caindo sobre as quatro mãos até o momento em que, retirando uma dali, Kouen afagou o rosto tão bonito, mesmo que estivesse machucado.

— Está emocionado, meu amor? Você é… tão sensível. - admirou-se.

Kouen havia lhe tomado qualquer chance de protestar. Tudo o que ele pôde fazer foi deixar o corpo amolecido para que o ruivo o abraçasse. Ele seria seu marido. Mais que isso: Kouen seria seu dono.

Com o rosto pressionado no braço do príncipe Ja’far podia ver a janela que era coberta e descoberta pela cortina que balançava com a brisa que vinha do oceano.

Com os olhos vidrados naquele retilíneo horizonte, tudo o que Ja’far podia fazer era ver suas esperanças naufragarem no oceano, lugar de onde ele tanto sonhava ver suas esperanças emergindo.

Jamais voltaria a ver Sinbad. Jamais voltaria a tocá-lo. Jamais voltaria a senti-lo.

Ja’far só pôde concluir que, realmente, sua morte havia chegado ao cair daquele penhasco, naquele fatídico dia. Porém, só agora, ao perder todas as esperanças, ele fora capaz de aceitá-la.

—-----xxxxxxx-----

Passos apressados ecoavam pelo assoalho de madeira da embarcação.

Concentrado na leitura dos pergaminhos que tinha em mãos, Sinbad se assustou ao ouvir a porta de seu quarto se abrir e bater, de forma tão violenta, na parede ao lado.

Ergueu o rosto para encarar a maga que, apoiando-se em seu cajado, tinha a respiração ofegante. O suor escorria desde o rosto bonito até o decote que exibia aquele volume avantajado.

Sinbad, apreensivo, largou tudo na mesinha redonda ao lado e se levantou da poltrona.

— O que houve, Yamu? Sente-se bem?

Ele se aproximou, preocupado, quando foi surpreendido pelo sorriso vitorioso que cruzou os lábios da moça.

— Eu consegui, majestade. - ela pausou para recuperar o fôlego e ajeitar a postura. - Consegui sentir o magoi do Ja’far-san!

Alívio, descrença e felicidade se misturaram na expressão do rei. Sinbad abriu um largo sorriso antes de abraçar aquela que, além de sua subordinada há tantos anos, era uma grande amiga.

— Muito obrigado, Yamu! - ele se afastou para encarar as safiras dos olhos da mulher. - Assim saberemos com certeza onde Ja’far está! - passando a caminhar de um lado para o outro, o rei demonstrava sua ansiedade. - Acha que em um dia, no máximo, chegamos em Kou?

— Sim! Creio que pela manhã, amanhã, devemos estar lá.

— Hina disse que seria melhor desembarcarmos distante do porto principal para não chamarmos atenção…

— Ele tem razão, majestade. Não é prudente criarmos um conflito e, lembre-se, nosso objetivo é apenas resgatar o Ja’far-san.

O silêncio se instaurou e, observando seu soberano, que estava de costas, Yamuraiha pôde vê-lo cerrar o punho direito. Era nítido que apenas resgatar Ja’far não era o suficiente para Sinbad.

— Não pense em fazer alguma besteira… Sinbad.

Chamando-o pelo nome, era como se a maga fizesse com que sua majestade despertasse. Ele se virou de frente para Yamuraiha e, mordendo o lábio inferior, encarou o chão.

— Não aceito… que Kouen saia ileso disso tudo.

— Tem que aceitar!

— Eu tive que aceitar muita coisa até agora!

Sinbad esbravejou com tanta agressividade que Yamuraiha se assustou. Ela segurou com mais firmeza o cajado e deu um passo para trás, sem desviar os olhos de seu rei. Não importava quão boas fossem as notícias, Sinbad permanecia transtornado e desde que Ja’far havia partido pela primeira vez, há tantos meses, para Kou.

— Kouen quase matou Ja’far, o colocou contra todos nós, fez com que ele me odiasse! Pra terminar… chantageou Ja’far. Eu tenho certeza! Tudo que temos sofrido, Yamu, é culpa dele! Eu juro a você que nunca… senti tanta vontade de…

— Majestade! - Yamuraiha o interrompeu, bastante tensa com o rumo daquela conversa. Ela se aproximou e segurou a mão de seu soberano. - Você não é assim! Não se transforme naquele que tanto repudiamos… - a maga se referia ao príncipe.

Engolindo a seco o moreno a encarou. Ela tinha razão.

— Me desculpe, é que… não consigo aceitar como tudo isso aconteceu.

— Isso vai acabar e vocês… nós… - corrigiu. - nem ao menos vamos lembrar que um dia vivemos essa pesadelo.

—-----xxxxxxx-----

Passava das dez quando as portas de seu escritório foram escancaradas. Ja’far se assustou tanto que a pena, em suas mãos, vacilou e manchou o pergaminho no qual escrevia.

— O QUE ESTÁ FAZENDO AQUI, JA’FAR?!

Sinbad, o responsável por tamanho escândalo, exclamou ao adentrar o lugar. Caminhou até a mesa de mogno sem reparar na testa franzida do alvo.

— Hoje é o primeiro dia da comemoração da fundação de Sindria! Ninguém está trabalhando exceto os criados da cozinha e vamos compensar esse descanso de hoje a eles! É para não morrermos de fome. - ele riu. - Nós e os outros não combinamos de aproveitarmos o dia e ir pra praia, não?  

O moreno exibia a si mesmo em trajes mais leves, brancos, além de não estar carregando nenhuma de suas joias.

Ja’far bufou, sentindo o sangue ferver, enquanto encarou o rei. Pensava que, graças ao feriado instituído por sua majestade, teria paz para trabalhar sem interrupções.

— Sin, eu estou tentando recuperar o tempo perdido com a festa de ontem à noite, se me permite. - Ja’far se controlou para não gritar com seu rei. Sua cabeça já latejava.

— Mas você não pode trabalhar agora! - ele falava com autoridade. Combinamos de ir à praia!

— Há! - o alvo riu de forma irônica. - Certo, majestade, então vamos deixar o país afundar porque teeeemos que ir à praia. - ele cruzou os braços. - Se vocês querem ir aproveitar o dia, não têm o que fazer, ótimo! Mas eu tenho, sim!

Sinbad fitou a pilha de pergaminhos que havia na lateral da mesa de seu conselheiro. Entreolhou Ja’far e, suspirando, decidiu abraçá-los. Aquela atitude causou estranhamento. Confuso, o alvo se levantou ao ver seu rei seguindo em direção à janela.

— SIN! O que está fazendo?!

O tempo parou quando Ja’far viu Sinbad arremessar todos aqueles documentos, aproximadamente 8 pergaminhos, para fora. Eles foram voando para cair na fonte que ficava no jardim interno.

Incrédulo o conselheiro afastou seu rei para se debruçar sobre a janela e ver os papéis molhados que já começavam a se desfazer. Voltando-se a Sinbad, ele pôde encarar a expressão tranquila e cínica do rei.

— ORA, SEU!!!!

Ja’far agarrou o moreno pelo decote de suas vestes. Nas pontas dos pés ele quase chegou à altura de Sinbad para que pudesse encará-lo. Esse, por sua vez permanecia impassível.

— Enlouqueceu?! Aqueles documentos eram de suma importância!

Foi quando o moreno encarou os olhos verdes que cintilavam vermelho. Então ele respondeu calmamente:

— Eu não me importo, Ja’far.

Os cinco dedos da mão direita do conselheiro, ao encontrarem o rosto do rei, estamparam ali uma forte marca vermelha. Sinbad estava perplexo com aquela atitude, ao mesmo tempo em que a realização do que havia feito deixara Ja’far transtornado. Ele tremia. Como havia sido capaz de estapear seu melhor amigo, seu amante… seu rei? Ele deixou os joelhos irem ao chão e abaixou a cabeça, fazendo com que o keffiyeh deslizasse pelos fios esbranquiçados.

— Me… Me desculpa…

Sinbad suspirou - e era nítido como a atitude de Ja’far lhe trazia tristeza, mas ele ficou por um instante apenas observando o alvo. Ja’far estava ofegante, um tanto quanto incrédulo com sua própria atitude.

— Eu… Eu só queria que se importasse… com… com…

— Repito, Ja’far: eu não me importo. - ele foi seco. - Tudo o que me importa é que você esteja feliz e passe um dia tranquilo, sem preocupações, ao meu lado.

Ja’far sentiu seu coração se despedaçar ao ouvir aquelas palavras. Como havia sido tão estúpido? Poderia ter feito aquele trabalho depois… Poderia… ter agido de forma diferente. Certo que Sinbad não devia ter jogado os pergaminhos fora como fez, eram documentos muito importantes, mas… Nada justificava tê-lo agredido.

Ele apenas ouviu os passos de Sinbad, que seguiu em direção à porta.

— SIN!

O moreno não hesitou e, sem olhar para trás, deixou o escritório.

Ja’far permaneceu ajoelhado, sendo corroído pelo arrependimento, quando foi impossível não ouvir aquelas vozes que sussurravam do corredor.

— Você viu?

— Sim, inacreditável!

— Chega a ser patético como a majestade faz de tudo para agradar o Ja’far-san e é sempre maltratado ou repreendido por ele!

— Você já viu isso acontecer antes?!

— Há! Inúmeras vezes! Volta e meia o Ja’far-san grita com a majestade na frente de todos, até na frente de quem não é da corte.

— Tsc, tsc. Ele só vai aprender mesmo quando perder a majestade.

— Verdade. Afinal, a majestade pode ter a mulher que quiser e, mesmo assim, prefere o Ja’far-san.

— Quando o Ja’far-san perder a majestade ele vai se arrepender muito…

Ja’far praticamente pulou da cama ao acordar. Ele levou as mãos ao centro do peito, a blusa branca de linho que vestia estava grudada pelo suor em sua pele. Não era só um sonho… Ele se lembrava, agora perfeitamente, daquele dia. E não é que aquelas servas estavam certas?

Ele apertou os olhos e balançou a cabeça, agradecendo por estar sozinho naquela cama. A partir daquele dia teria que acordar ao lado de Kouen. Pela claridade que entrava pela janela e por entre as cortinas de linho, passava das cinco da manhã. Ja’far sabia que, pensando em seu casamento com o ruivo, que significava que jamais voltaria a ver Sinbad, ele não conseguiria voltar a dormir.

Colocando as pernas para fora da cama, ele caminhou até a janela e contemplou, mais uma vez, o oceano que se projetava ao longe.

Ele sentiu o coração saltar. O par de esmeraldas cresceu e Ja’far os esfregou misturando as lágrimas que começavam a transbordar. Não estava de olhos fechados? Não estava dormindo?

Um pomposo navio, ao longe, tinha as bandeiras de Sindria hasteadas.

O vento soprava, impulsionando aquela grande embarcação e Ja’far tinha certeza de que ela trazia, ninguém menos, que o rei dos sete mares.

Nem tudo estava perdido… talvez.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Finaaaalmeeeente esse navio chegou! Navio vindo à jegue esse haha!
Kouen não engana mais ninguém. Por mais que ele realmente ame o Ja'far - ou não - ele está completamente louco e abusivo, trata o Ja'far como uma propriedade. Qual será o destino dele? Espero que tenham gostado do capítulo e PROMETO que a próxima atualização será em breve!
Um beijão!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Remember Me" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.