Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 34
Regresso


Notas iniciais do capítulo

Pessoal, peço mil desculpas pela demora! ♥ A fic está acabando, mas não abandonei! Estou muito ocupada ultimamente, mas tentando ao máximo postar assim que posso! Muito obrigada por acompanharem!



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Quando o par de olhos dourados lentamente se abriu, o rei, que estava confortável dentre os lençóis, se encolheu. Uma brisa fria corria por seus aposentos. O som contínuo da chuva torrencial que caía do lado de fora era um convite ainda maior para permanecer na cama. Foi quando Sinbad, que até então estava preguiçoso e desleixado, se lembrou:

— Ja’far!!!

Ele, que até então estava virado para o lado oposto da cama, virou-se abruptamente ao se lembrar de que tinha conseguido convencer Ja’far a dormir ao seu lado.

Mas, para sua surpresa, tudo o que Sinbad encontrou foram os lençóis vazios e frios. Ja’far não estava ali há algum tempo e, apenas ao perceber sua ausência, o rei sentiu seu coração acelerar. Sentando-se com urgência na cama, ele estava decidido a ir procurá-lo.

Mas não.

Ele parou por um instante e refletiu: devia manter a calma. Não havia mais motivos para se preocupar, afinal, Ja’far havia recobrado a memória e, aos poucos, estava voltando a viver junto com ele e seus amigos. Decerto seu conselheiro tinha acordado cedo, como de costume, e ido direto ao escritório se afogar em trabalho. Como se não o conhecesse! - um sorriso que exprimia a mais genuína felicidade cruzou seus lábios. Como estava feliz ao ver que seu velho Ja’far estava de volta.

Até quando se preocuparia? Estava paranoico depois de tudo o que aconteceu. Mas agora podia se dar ao luxo de descansar e voltar a viver normalmente. - Ele pensou antes de voltar a se deitar, abraçando o travesseiro o qual ele podia jurar; ainda tinha impregnado o perfume de Ja’far. Quando voltaria a tê-lo entregue em seus braços? Calma, Sinbad. Calma… - ele repetia aquele exercício mental.

Voltando a abrir os olhos, Sinbad ficou surpreso ao encontrar um pergaminho entre os lençóis. Não se lembrava de ter deixado nada ali. Seria…

“Aos cuidados da minha majestade” - o moreno leu e logo reconheceu a caligrafia de Ja’far; tão bela e única. Nem mesmo a amnésia havia tirado a habilidade tão maravilhosa de seu conselheiro.

Mas a aflição voltava a lhe dominar quando ele rapidamente se sentou e desenrolou a fita verde que envolvia o papel. Por que Ja’far lhe deixaria um bilhete?

Sin…” - ele começou a ler. Por que suas mãos tremiam? “... Perdão. Essa palavra é tudo o que tenho a dizer. E por mais que eu tente explicar, nesta carta, o porquê de eu estar indo embora, creio que você não entenderia. E eu sei porque, Sin. Você me ama incondicionalmente e, justamente por causa disso, alguém sujo como eu não pode permanecer ao seu lado.

— Não… - escapou por entre os lábios do rei que prosseguia a leitura.

Não quero causar ainda mais problemas. Todos vocês foram sempre tão maravilhosos comigo, mas não consigo me perdoar pelas vezes que os maltratei, pelas vezes que o machuquei e, principalmente, pelas vezes em que me entreguei ao Kouen.”

O pouco de cor que ainda havia no rosto de Sinbad, subitamente, desapareceu.

Parecia óbvio pensar que Ja’far pudesse ter tido relações com Kouen, mas receber aquela confirmação vindo de seu amado… Era um golpe duro demais.

Não consigo tolerar que alguém como você permaneça ao lado de alguém que se sujou tanto! Eu peço perdão, Sin, mas será melhor desse jeito! É fato que realmente morri durante minha viagem para Kou. Meu corpo pereceu para uma luxúria fétida e minha alma sucumbiu à podridão a qual ela sempre pertenceu. Me perdoe e me esqueça! Obrigado por todos os anos que me permitiu permanecer ao seu lado! Seja muito feliz, meu rei! Eu te amo. Adeus.

A carta escapou por entre os dedos daquele que, insistentemente, balançava a cabeça para os lados, incapaz de aceitar o que havia acabado de ler. Não, não, não! Ja’far não podia...!

Ele praticamente saltou da cama, sentindo as pernas bambas de tanto tremerem, sem se importar de vestir apenas o simples robe branco, que estava pendurado no cabideiro, antes de cruzar aquela porta e atravessar os corredores do palácio.

Alguns servos o cumprimentaram, mas a única resposta que receberam foi a expressão aflita de seu rei. A mente de Sinbad não estava apta a processar nada além do fato de que precisava ir atrás de Ja’far e impedir que o perdesse. Não! Novamente não!

Ele chegou ao jardim de entrada descendo em passos largos - de dois em dois degraus - as escadarias e surpreendeu os guardas ao passar pelos portões principais. Não era possível! Ja’far ainda devia estar arranjando alguma forma de sair do país e, afinal, qualquer um o reconheceria. Certamente teriam o visto por mais que ele mentisse sobre os motivos de ter que viajar de uma forma tão repentina.

Assim que se afastou da área residencial e comercial, chegando ao porto, o rei, tão afoito foi alvo dos olhares curiosos de alguns pescadores e demais trabalhadores que estavam carregando suas embarcações, outros as descarregando. Um dos navios já estava de saída do porto quando exclamou:

— PAREM AGORA MESMO! NENHUM NAVIO VAI SAIR DAQUI AGORA!

— Majestade?! - um dos carregadores se aproximou de seu soberano. - O que houve?

— Ja’far! - ele girou os calcanhares e segurou os ombros do rapaz. - Onde ele está? Ele embarcou em algum navio, não foi!?

Sinbad estava tão tomado pela frustração que nem ao menos percebeu que chegava a sacudir violentamente aquele jovem.

— Na-Não vi o Ja’far-san hoje, majestade! - ele respondeu gaguejando para, subitamente, ser agarrado pela barra de suas vestes.

— Ele o pagou para que dissesse isso, não?! - os olhos dourados do rei faiscavam enquanto ele agia de forma extremamente agressiva. Estava descontrolado - ME RESPONDA!

— Ninguém viu o Ja’far-san por aqui, majestade. - um senhor, aflito ao presenciar a cena, se aproximou e tentou acalmá-lo. - Eu estou aqui desde cedo.

— Me diga!

O rei soltou o rapaz para, imediatamente, agarrar agora as vestes daquele homem já idoso. Nada mais importava para Sinbad a não ser… encontrar Ja’far e ter a certeza de que estava vivendo um pesadelo. Na verdade ele parecia reviver aquela sensação de perda, de abandono que sofrera tantas vezes desde o maldito dia em que Ja’far partiu para Kou.

— Para onde foram os navios que partiram essa madrugada?! Preciso saber!

— Que… Que eu saiba um foi para Sasan, outro para Heliohapt e o outro para Balbadd. Saíram já faz umas cinco horas...

— Não... !!! - escapou por entre os lábios trêmulos do moreno quando aquele tecido fino das vestes do homem escapou por entre seus dedos. - Ja’far… - ele murmurou. - O que eu faço?!

Notando o quanto sua majestade estava aflita, o homem se apiedou.

— Majestade, por favor, acalme-se! Talvez Ja’far-san nem tenha saído ainda. Talvez ele ainda esteja em Sindria...

Mas Sinbad não ouviu nenhuma daquelas palavras de conforto.

Ele andava de um lado para o outro enquanto pensava como traria Ja’far de volta. Como poderia encontrá-lo? E se… Jamais o encontrasse?

Onde estavam seus metal vessels? Havia saído sem eles. E se usasse um de seus djinns para voar em direção a esses lugares? Tinha magoi suficiente para aguentar um bom tempo, não? Não. Aquilo era suicídio.

A chuva ficava cada vez mais intensa, ensopando o rei que não se importava com as mechas púrpura que agora estavam grudadas em seu rosto.

A tristeza era tanta que sentia o peito se comprimir e doer. A impotência e a tristeza se transformavam… em raiva, em revolta. Por que Ja’far tinha partido? Nada justificaria deixá-lo! Ja’far sabia o quanto precisava dele

— MAJESTADE!

Sinbad reconheceu aquela voz e, por cima do ombro, encarou Masrur. O fanalis corria em sua direção ao lado de Sharrkan, ambos parecendo bastante preocupados. O que estavam fazendo ali? - Sinbad se perguntava. Ele queria… Ja’far.

— O que faz aqui, majestade? Vai se resfriar nessa chuva! - o príncipe de Heliohapt logo disse quando chegaram perto de seu rei.

— Os guardas disseram que o viram sair correndo do palácio. - Masrur se pronunciou.

— Disseram que estava bastante alterado…

— Me deixem em paz! - foi tudo o que o rei disse. - Eu preciso… ver o Ja’far…

O ruivo e o moreno se entreolharam. Sharrkan mordeu o lábio inferior e Sinbad podia entender o pior…

— SABEM ONDE ELE FOI?! - ele voltou a elevar o tom de voz. - ME DIGAM!

— Só… vimos a carta porque fomos até o quarto procurar o Ja’far-san quando nos disseram que tinha saído correndo. - Sharrkan respondeu.

— É mentira! Ja’far disse onde ia, não?! ME DI…

— SIN-SAMA!

A voz grave de Masrur chamou e, imediatamente, Sinbad parou para fitá-lo. O fanalis o encarava sem vacilar.

— Por favor, acalme-se. Ninguém sabe para onde o Ja’far-san foi. O melhor a fazer é voltar ao palácio. - o homem que era bem mais alto que o rei disse.

— Ta-Talvez ele não tenha partido ainda, certo? - ele deixou escapar um riso meio bobo. Estava tão desesperado. - Ele… Ele...

Sinbad não completou sua fala. Saiu correndo sem pensar em mais nada e deixou Masrur e Sharrkan sem entender nada. Ambos logo seguiram o rei e, após algum tempo, já imaginavam para onde ele estava indo. O topo daquela montanha que ficava na direção oposta ao Palácio.

Ainda em passos largos, ofegante, sentindo a lama grudada em seus pés descalços, Sinbad encarou aquele solitário memorial. Havia flores que haviam sido colocadas recentemente ali. As gotas em relevo sobre as pétalas iam deslizando e chorando sobre aquele túmulo.

— Foi ele… - Sinbad olhou para trás para seus dois generais. - Ele se lembrou… de todos e se despediu. Menos… de mim.

— Ma-Majestade… - Sharrkan tentava ajudar, aproximando-se. - Está muito nervoso! Olha, podemos nos dividir e partir amanhã mesmo para procurar Ja’far e…

— Ele foi embora porque quis! - Sinbad o interrompeu, a voz trêmula quase inaudível em meio ao incessante som da chuva. - Ele… Ele ama o Kouen, na verdade.

— Do que está falando?!

— É tudo… um álibi! No fundo ele se tocou de que… ama de verdade o Kouen e não a mim. Eu… Eu entreguei quem eu mais amava em uma bandeja… para o meu pior inimigo!

— Majestade, nenhum navio saiu para Kou!

— Ele deve chegar a Kou por Sasan. Ele vai despistar até onde puder…

— Majestade…

Sinbad deixou os joelhos irem ao chão e chorou diante daquele túmulo. Chorou tanto quanto fizera em outras vezes, talvez até mais agora.

Urrando como se seu próprio coração gritasse Sinbad sabia que se não colocasse aquilo para fora, ele sufocaria. Mas, no fundo, ele não se importava. Sem Ja’far, nada, absolutamente mais nada o importava. Restava apenas… sucumbir.

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O forte balanço que chacoalhou seu corpo fez com que acordasse para ouvir o estrondo que ecoou.

Ja’far abriu os olhos verdes, já acostumados à escuridão que o acompanhava junto daqueles enormes caixotes que o cercavam. O único som que ouvira até então, naquele porão, além das ondas que batiam no casco daquele navio, era dos ratos que, volta e meia, subiam por seus tornozelos. Talvez a pior parte daquela viagem tirando… a fome e a sede. Ou talvez fosse o ferimento em sua fronte que latejava sem parar sob o curativo. O mesmo ainda que havia sido feito em Sindria.

Assim que o balanço, finalmente, chegou ao fim, Ja’far pôde ouvir muitas vozes se misturando. Onde estava?

Mais batuques e o som de passos que vinham do teto chamaram sua atenção. Era uma movimentação bastante atípica desde que embarcou naquele navio. Foi quando as portas que davam para aquele porão se abriram.

— Vamos começar o descarregamento logo! - ele ouviu.

Tinha de ser rápido! Se iam descarregar o navio, não teria mais os caixotes para se esconder, como havia feito tantas vezes quando um daqueles homens ia conferir a carga.

Ja’far se escondeu até ver desaparecer a sombra do homem que era projetada na forte luminosidade que adentrava aquele lugar.

Passando por entre os caixotes ele correu para fora.

Os olhos verdes foram ofuscados pelo dia ensolarado que agraciava…

— Balbadd?!

Piscando ele reconheceu aquele porto. Mas reconheceu apenas por ser muito perspicaz, afinal, toda a arquitetura daquele país parecia ter sido trocada pela do Império Kou. Claro, Balbadd havia se tornado uma colônia.

— Andem logo com essa merda! Tem muita mercadoria aí pra sustentar vagabundos como vocês!

Ja’far se assustou ao ouvir o estalar do chicote. Um homem que parecia um general do Império, por suas vestes, açoitava cinco homens, todos vestidos iguais, que traziam apressados aqueles pesados caixotes.

Era triste ver que um país tão próspero e onde havia vivido tantos anos ao lado de Sinbad havia regredido tanto, agora até mesmo escravizando sua população.

Ele observava com tristeza enquanto, distraído, não percebia ser alvo dos olhares de muitos que estranhavam sua presença. Ja’far não era só dono de uma beleza exótica, com sua pele tão alva quanto seus cabelos, mas também estava com roupas que condenavam que ele não pertencia à nova Balbadd.

— Com que permissão está chegando aqui? - Ja’far ouviu, imediatamente virando-se de costas para encarar um outro general. - Quem é você?

— E-Eu?! - dando um passo para trás, Ja’far engoliu a seco. - Eu sou… Ja’far. Eu sou…

— Pelas roupas trabalha para Sindria, não?! O que Sinbad o mandou fazer aqui?! - bastante ríspido o homem perguntou.

— Na-Nada! - ele tentou manter uma postura firme. - Eu vim ao encontro do Primeiro Príncipe e General das Tropas do Oeste, Ren Kouen. 

A expressão do homem, bastante confusa, se contorceu quando ele gargalhou. Não só ele, mas como todos os outros que estavam ao redor. - tirando os escravos, aqueles que nasceram em Balbadd.

— D-Disse algo de errado? - Ja’far franziu o cenho.

— Há! Quem pensa que é para vir ao encontro de alguém do nível Kouen-sama?!

— Eu… Vim a mando do Rei Sinbad! - foi o máximo que ele conseguiu inventar.

Ja’far se via encurralado e, para piorar sua situação, ele sentia aquele ferimento em sua testa doer mais e mais. Sentia a pele em seu rosto queimar. Estava tão quente assim? A vertigem fez com que ele buscasse algum apoio, mas ele não encontrou nada. Só ouvia aquelas risadas ao longe e a voz debochada daquele homem ia sumindo, como se estivesse submerso.

Ele nem ao menos ouviu os trotes do imponente cavalo que se aproximou. Foi naquele instante em que todos se calaram e, subitamente, todos os escravos e guardas se curvaram. Ja’far foi o único que permaneceu, com muita dificuldade, de pé sem nada entender quando virou a cabeça para trás e os orbes verdes encontraram…

— Ja’far!!!!

A perplexidade estava estampada no rosto do primeiro príncipe. Suas mãos se fecharam naquela cela enquanto ele se perguntava se o que estava vendo não era uma miragem. Ja’far realmente tinha vindo ao seu encontro!?

Em contrapartida, o coração de Ja’far, bastante acelerado, lutava entre o pânico e a calmaria. De alguma forma, a presença de Kouen, revê-lo, havia lhe trazido algo que ele não sentia há muito tempo: tranquilidade.

Afinal, Kouen não atacaria mais Sindria já que ele havia cumprido o acordo proposto. Não teria mais que viver com Sinbad se sentindo sujo mas, mais do que qualquer coisa…

Ali estava aquele por quem havia aprendido a nutrir um sentimento sem par, único. Apesar de tudo o que havia passado, a traição, ele não duvidava do amor que Kouen sentia. E ao seu lado ele se sentia protegido, seguro. Não temia mais às risadas e aqueles homens ao redor.

Aquele alívio foi capaz de fazer aparecer um débil sorriso em seus lábios, os quais perderam a cor quando a vertigem arrancou Kouen da sua frente. Tudo ao seu redor girou e ele sentiu as pernas fraquejarem.

— JA’FAR!!!!

Foi a última coisa que o alvo escutou antes de sentir seu corpo ir ao chão.

— Oe, Ja’far!

Kouen, desesperado ao presenciar aquele desmaio, praticamente saltou do cavalo sem se preocupar em selá-lo. Sem a menor cerimônia e sem se importar com os olhares curiosos dos demais ele se ajoelhou ao chão e recolheu Ja’far, envolvendo-o em seus braços. O rosto alvo estava tão vermelho quanto seus cabelos.

— Me tragam água! Agora!

Ele ordenou e, tão prontamente, alguns escravos correram, mas um foi mais rápido e logo trouxe um jarro para o príncipe.

— Ja’far…! Está machucado! - ele observou o curativo sujo em sua fronte.

Segurando-o firmemente ele notou quão magro o ex-conselheiro de Sindria estava. Por baixo das largas vestes de oficial que ele costumava usar, parecia que apenas pele revestia seus ossos.

— Senhor, - Kouen ouvia um dos guardas se reportar. - não tinha ninguém além dos escravos nesse navio quando saímos de lá! Ele deve ter vindo no compartimento de cargas!

Não era possível! Ja’far tinha ficado dias escondido durante toda aquela viagem? Kouen estava assustado. Decerto Sinbad não havia permitido que o deixasse e ele havia tomado uma decisão tão arriscada. Eram tantos dias de viagem! Como resistira?

Foi sem pensar duas vezes que Kouen virou aquela jarra em sua boca e inclinou a cabeça para frente para tocar os lábios de Ja’far com os seus, fazendo com que ele, mesmo inconsciente, bebesse daquele líquido e pudesse se hidratar ao menos um pouco.

Todos ao redor estavam completamente chocados com aquela cena. O príncipe Kouen estava fazendo isso, tocando a boca de… um plebeu - não meramente um plebeu, mas alguém que usava roupas de Sindria, país grande inimigo do Império Kou?

O ruivo repetiu aquilo algumas vezes até que Ja’far se engasgou, voltando a si por alguns instantes para se ver nos braços dele. Os olhos verdes estavam miúdos ao fitar o príncipe.

— En...

— Vai ficar tudo bem, Ja’far! Vou te levar para o palácio agora!

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A ilha que costumava esbanjar alegria e prosperidade se encontrava num clima de luto. Fazia uma semana que seu rei não saía de seus aposentos e a preocupação era cada vez mais evidente nas expressões dos generais que, como podiam, tentavam tranquilizar seu povo.

E por mais que estivessem aflitos, todos acabaram entrando em um consenso de que deveriam respeitar esse momento que Sinbad precisava ter. Ele havia decidido, por si mesmo, trancar aquelas portas. E mesmo com os criados indo, regularmente, nos horários de café-da-manhã, almoço e janta, bater em sua porta, eles não eram atendidos. Aquela era mais uma manhã na qual aquela situação se repetia.

As duas criadas que traziam fartas bandejas suspiravam, decepcionadas, quando ouviram passos daqueles que se aproximavam.

— Sharrkan-sama! A majestade não nos atende!

O moreno entreolhou Hinahoho e Yamuraiha, que o acompanhavam. A maga, cabisbaixa, balançou a cabeça negativamente.

— O melhor que fazem é comer essa comida, okay? - o príncipe de Heliohapt cruzou os braços.

— Mas a Majestade não come há dias! - a outra parecia indignada.

— Olha, se a majestade estiver com fome, eu tenho certeza de que ele sairá para comer! Por enquanto deixem ele assim…

— Mas…

— Elas tem razão, Sharrkan. - Hinahoho, bastante sério, o interrompeu. - Essa situação não pode continuar! Ja’far não vai voltar e esse país precisa continuar com ou sem ele!

— Hinahoho-san… - Yamuraiha apertou o cajado em suas mãos, angustiada ao ouvir aquelas palavras cruéis, porém bastante realistas. - Talvez… pensando assim que a majestade não está tendo forças para continuar em frente.

— Não importa! - ele foi ríspido. - Ele tem um compromisso não só com Ja’far, mas com todas as pessoas que dependem dele como rei.

A moça mordeu o lábio inferior e assentiu. Não podia tirar a razão do mais velho.

— Isso vai acabar agora!

Sharrkan e Yamuraiha não tiveram tempo de pará-lo quando o robusto homem girou o braço antes de, com um único soco, arrebentar a fechadura das portas duplas, fazendo com que elas abrissem. O estrondo não foi o suficiente para chamar a atenção do rei. Pelas frestas das portas eles viram que o quarto estava completamente escuro.

Um tanto quanto receosos, eles adentraram os aposentos logo procurando por seu soberano. Mas, para sua surpresa, a enorme cama que ficava no centro daquele amplo ambiente estava perfeitamente arrumada, como se ninguém se deitasse ali há dias.

Sharrkan foi rápido para abrir as cortinas que bloqueavam a luz. Mas mesmo com a claridade, Yamuraiha tropeçou em algo cilíndrico que estava no meio do caminho. O moreno foi rápido ao passar um braço pela cintura da jovem para evitar que a maga fosse ao chão.

Foi quando Hinahoho encontrou as diversas garrafas vazias que estavam espalhadas pelo quarto. Um tanto quanto preocupado ele já seguia para a suíte dos aposentos reais quando encontrou aquele que estava sentado no chão, encolhido em um canto. Os olhos dourados estavam vermelhos e inchados como o rosto cuja metade já era coberta pela barba cerrada. Em seus braços ele tinha o keffiyeh de seu conselheiro e uma garrafa pela metade.

— Majestade! - a maga se alarmou, rapidamente se agachando ao seu lado. - Como está?!

Não houve resposta. Ela só pôde ver os dedos dele se fechando mais naquele tecido esverdeado, como se temesse que alguém lhe tirasse aquele pequeno pedaço de Ja’far.

— Majes…

— ME DEIXA!

A tentativa de tocá-lo foi a pior possível. Sinbad estapeou a mão da moça, fazendo com que ela se assustasse com aquela atitude tão abrupta.

— Saiam daqui… - ele sussurrou. - Não quero ver ninguém…

— Você é mesmo um fraco, Sinbad.

Hinahoho, com uma postura bastante agressiva, deu um passo à frente e cruzou os braços. Encarou fixamente o par dourado daquele que permanecia no chão.

— Pra variar está se embebedando! Ja’far teria nojo de vo…

— CALA A BOCA! - vociferou o moreno. - EU NÃO QUERO MAIS OUVIR ESSE NOME! SAIAM DAQUI! - ele gritava ao ponto de ficar rouco.

Sharrkan e Yamuraiha se assustaram e seus pés chegaram a deslizar um pouco em direção a saída. Mas Hinahoho permaneceu ali, da mesma maneira, parecendo inatingível diante dos gritos de seu rei.

— É por isso que Ja’far foi embora, Sinbad! Porque você, ao invés de pensar em lutar, está se matando na bebida!

— ELE FOI EMBORA PORQUE QUIS! - o moreno se apoiou na parede para se levantar.

— Sim, e você não pode fazer nada quanto a isso!

— Por que está… está fazendo isso comigo?! Quer que eu me torture mais e mais?!

— Mais do que você já está fazendo?!

Naquele momento foi Sinbad que se assustou ao ver o homem que tinha no mínimo o dobro de seu tamanho se aproximar e agarrá-lo pelo robe branco que vestia, puxando-o e arrastando-o até àquele espelho vertical.

— OLHE PARA SI MESMO! - Hinahoho o sacudiu ao ver que seu rei evitava encarar a si mesmo. - OLHE! - ele insistiu. - Está há uma semana trancado aqui enchendo a cara e fugindo da realidade! É esse o homem que Ja’far merecia ter?! Ele se conscientizou de que, ao seu lado, só teria decepção!

Sinbad ficou em silêncio. Apenas observava o próprio reflexo quando riu baixinho.

— Te-Tem razão… Não sei nem porque você… e todos estão aqui comigo ainda. Mas… eu não me importo mais! Se eu não tiver Ja’far comigo…

— VOCÊ NEM AO MENOS TENTOU IR ATRÁS DELE, SINBAD! - vociferou o homem de Immuchak. - Você desistiu! Acatou que ele o abandonou! E sabe, você está certo, mas você ACHA MESMO que Ja’far ia querer abandoná-lo?! Deixar Sindria, que ele tanto ama?! DEIXAR VOCÊ?! Ou você não acredita nas palavras que ele deixou naquela carta?!

Estático o rei estava bastante chocado com as palavras de seu amigo de longa data. Hinahoho havia, praticamente, visto Ja’far e Sinbad crescerem. Amava Ja’far como um filho. E, de fato, havia jogado a toalha cedo demais. Mas não era o correto, se Ja’far não o amasse mais, deixá-lo ir? No que estava pensando?!

Não havia feito o correto abrindo mão de Ja’far, já que ele não mais o amava?

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Já fazia meia-hora que Kouen estava naquele quarto, andando de um lado para o outro, enquanto examinavam o conselheiro de Sindria. Alguns criados limpavam o ferimento bastante feio em sua fronte. Outro constantemente molhava os lábios rachados, que estavam entreabertos, com uma toalha úmida.

— Como Ja’far está?! - ele não aguentava mais esperar. Estava aflito.

— Ele está bastante desidratado e com falta de nutrientes. Nitidamente não se alimenta há dias e, para piorar, oferimento que tem na testa está infeccionado. Certamente é essa infecção que está causando uma febre tão alta. Mas sendo cuidado adequadamente e bem alimentado, permanecendo de repouso, ele vai se recuperar em breve!

Um pouco de alívio fez bem à tanta inquietude. Saber que Ja’far ficaria bem era o suficiente. - Kouen respirou fundo.

Ele se aproximou da cama e afagou aqueles fios esbranquiçados. Um sorriso de paz cruzou seus lábios. Finalmente podia relaxar e desfrutar da sua vitória: sim, Ja’far tinha o escolhido, ido ao seu encontro e estava ao seu lado.

— MEU IRMÃO!

A porta se abriu em um estrondo para revelar Ren Koumei. O segundo príncipe estava nervoso ao mesmo tempo em que parecia… decepcionado no momento em que seus olhos encontraram Ja’far naquela cama. Então os boatos eram verdade… Ja’far realmente tinha abandonado Sinbad para… ficar com seu irmão. - O desagrado tomou o lugar da surpresa e aquela reação foi nítida para Kouen.

— Eu agradeceria se não entrasse aqui gritando! - o mais velho franziu o cenho. - Ja’far precisa de repouso!

Koumei encolheu os ombros, mas se manteve firme, apesar de baixar seu tom.

— É inacreditável que… ele tenha dado as costas ao Sinbad.

— Ele só agiu de acordo com os sentimentos dele. - Kouen foi conciso.

— Fala isso porque ele perdeu a memória. Se ele se lembrasse de Sinbad, eu…

— Você o quê, Koumei?!

Kouen estava tomado pelo stress e, nitidamente, sem a menor vontade de aturar a língua ferina de seu irmão. O primeiro príncipe se levantou, virando-se de frente para um receoso Koumei que, instintivamente, deu um passo para trás. Os criados já saiam do quarto e aquela era a deixa ideal.

— Pode dar licença e me deixar a sós com Ja’far?

Suspirando pesado, Koumei mordeu o lábio inferior antes de se curvar levemente e dar meia-volta para sair daqueles aposentos.

Quando se livraria da perseguição de seu irmão? - Kouen se perguntava quando voltou a se sentar e segurou a mão de Ja’far. Estava insustentável a relação com o caçula desde que descobrira que Koumei o amava daquela forma que ele considerável asquerosa - ele era seu irmão! Koumei devia agradecer aos céus por não tê-lo condenado pela vez em que tentara envenenar Ja’far. Se não fossem irmãos de sangue e Kouen o estimasse muito…  

Um leve espasmo chamou sua atenção.

A expressão, até então, tão tranquila de Ja’far se contorceu. Apertando os olhos cerrados ele foi, lentamente os abrindo. Aquele par esverdeado ainda estava miúdo por causa da alta temperatura, evidente pela vermelhidão em suas bochechas.

Encarando o teto, Ja’far piscou diversas vezes. Onde estava? Aquele teto… não era o quarto de Sinbad. Tampouco o seu. Muito menos… o de Kouen, no Império Kou. Onde estava?

— Si…

— Ja’far!!!!

Aquela voz interrompeu um devaneio inocente - que talvez colocasse tudo a perder. Kouen apareceu com um largo sorriso, expondo o quão feliz estava ao vê-lo despertar.

— E-En?

Ao mesmo tempo em que Ja’far estava confuso, tudo agora fazia sentido. Havia conseguido encontrá-lo, então, chegando em… Balbadd. Tudo parecia tão confuso.

— Eu não acredito que você veio, meu amor! Eu confiei em você, mas… Ainda não acredito! - Kouen chegava a se emocionar. - Como você está se sentindo?! Deve estar morrendo de fome, não?! Os criados acabaram de deixar uma sopa aqui pra quando você acordasse!

Ja’far observava, ainda bastante desorientado, a afobação do primeiro príncipe. Kouen foi até a cômoda próxima à janela e de lá trouxe uma bandeja de prata. E por mais que Ja’far sentisse muita fome após tantos dias sem comer, ele se sentiu enjoado com aquele aroma.

— Onde se machucou tão feio, me diga? - Kouen indagou ao se sentar na beira daquela enorme cama, onde depositou a bandeja.

— Err… - o que diria? - No navio em que vim. - ele não poderia desconfiar que aquela pancada na cabeça era a responsável por ter recobrado a sua memória. - Aqueles caixotes balançavam muito.

— Hm…

A desconfiança era palpável na expressão de Kouen. Ja’far sentiu um calafrio percorrer seu corpo.

— Os médicos da corte disseram que havia resquícios de um cicatrizante de Heliohapt. Pensei que tivesse se machucado em Sindria, já que comercializam medicamentos diretamente com eles.

Os olhos estreitos de Kouen pareciam prontos a fuzilar Ja’far. A respiração do alvo quase parou.

— Ah, sim! E-Eu passei um pouco. - “Não gagueje, Ja’far!”, ele dizia a si mesmo. - Ando sempre com um pouco! Pena que acabou e…

— Entendo…

O sorriso nos lábios do ruivo trouxeram mais calma ao alvo. Kouen não podia nem ao menos cogitar que não sofria mais de amnésia. Talvez não confiasse mais nele, mesmo se dissesse tê-lo escolhido. No fundo, bem no fundo, ao encará-lo ele sentia… raiva. Afinal, se havia se apaixonado por ele, era porque ele havia mentido tanto sobre Sinbad. Seu coração apertava só de pensar no rei de Sindria. Sin era quem amava de verdade.

— Algum problema, Ja’far?

A mão grossa de Kouen tocou a sua e foi inevitável que a repulsa que sentisse, naquele momento, o fizesse recolhê-la. Ja’far levou sua mão até o centro do peito e, assustado, tremia bastante ao encarar Kouen.

— Ja’far?

Mas o que estava fazendo?

— Me-Me desculpe, En… Eu… Eu estou muito nervoso porque…

— Shhh! Eu entendo, meu amor!

Kouen voltou a segurar sua mão, mas daquela vez Ja’far não se afastou. Não podia.

O ruivo beijou de leve sua fronte para, com a mão livre, tocar seu queixo.

— Eu senti tanto sua falta, meu amor!

O coração de Ja’far parecia que ia saltar pela boca. E realmente ia se o príncipe não o beijasse ali mesmo, com toda a fome que tinha de beijá-lo, tocá-lo.

O alvo se esforçou para permitir que a língua do ruivo adentrasse seus lábios e começasse a explorá-lo. Não queria! Por mais que ficasse confuso com os sentimentos que aprendera a nutrir por Kouen, ele não queria ser beijado, ser tocado. Não por alguém que não fosse Sinbad.

Agora ele se lembrava de quem era dono de seu corpo, sua alma, seu coração. Por mais que tivesse evitado se entregar a Sinbad por sua consciência pesar por ter se entregado a outro, ele sabia que pertencia ao rei de Sindria.

— Po-Por favor, En… - apoiando o peito do ruivo com suas mãos ele o afastou. - Não me sinto muito bem…

— Me desculpe, meu amor. É que… senti tanto sua falta! Seus beijos, suas carícias… A forma que fazíamos amor! Eu… - ele sorriu de forma melancólica. - pensei que nunca mais íamos nos amar e olha para nós, agora! Você está aqui para ser minha imperatriz!

— Eu… Eu não descumpriria nossa promessa, En! Mas agora… eu quero descansar! Vamos… - Ja’far desviou o olhar. - teremos a vida inteira para nos amarmos ainda!

Não era uma mentira. Ja’far estava disposto a assumir aquele compromisso… para proteger Sindria. Para proteger Sin.

Afinal, se havia aprendido a estimar Kouen, poderia amá-lo como amava Sinbad, não?

Duas batidas à porta interromperam aquele momento onde o ruivo parecia maravilhado ao ver que Ja’far tinha planos futuros com ele. Seriam tão felizes!

Quem diria, Kouen, que se apaixonaria por um homem? Pelo conselheiro de seu maior inimigo? - ele perguntava a si mesmo, tomado pela ironia e pela descrença.

— Kouen-sama?

Era Seishuu Ri, seu fiel vassalo. Sutilmente ele ficou à porta, evitando encarar o conselheiro de Sindria. Como eram súditos fiéis de Ren Kouen, eles respeitavam a relação dele com o conselheiro de Sindria, aliás, Ministro da Economia do Império Kou.

— Diga, Seishuu Ri.

— É que a nossa reunião sobre a tomada de Sindria era pra ter começado há meia-hora.

— Invasão de Sindria?! - Ja’far se sentou, os olhos verdes arregalados ao questionar Kouen, que suspirou.

— Diga a todos que já estou indo. - foi tudo que Kouen falou.

— Sim, alteza!

O homem assimilado fechou a porta para que Kouen permanecesse a ser inquirido por aquele que mantinha o cenho fechado. Ja’far tinha os braços cruzados, descrente nas palavras que tinha escutado.

— Nosso acordo é que não invadiria Sindria, Kouen! - o típico apelido desapareceu diante da revolta de Ja’far. - Eu vim até aqui ficar com você!

Não era o momento para aquela discussão, mas Seishuu Ri teve um péssimo timing. Mas se havia algo que Kouen odiava era ser desafiado da forma que Ja’far estava fazendo. Detestava que sua autoridade e soberania fossem afrontados.

— E está aqui só por causa disso, Ja’far? - ele arqueou uma sobrancelha. - Pensei que tivesse vindo para ficarmos juntos, mas pelo que vejo é apenas estratégia para proteger aquela ilhazinha ridícula e aquele projeto de rei que nem sangue nobre tem!

— Não é isso! - Ja’far se desesperava quando Kouen voltava a colocá-lo contra a parede. - Mas fizemos um acordo! Não quero que tome Sindria! Não quero que machuque Sin ou os outros! Eles são boas pessoas!

— Não há motivo para discutirmos! - imperativo, Kouen se pôs de pé para impor sua autoridade. - Se Sinbad viver ou morrer, nada vai mudar em nossas vidas!  - Kouen encarou a expressão desafiadora de Ja’far. - Ou você está preocupado com ele por que o ama? Ou será… por que, por acaso, se lembrou da sua vidinha ridícula ao lado dele?


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Notas finais do capítulo

Eita que agora o En colocou o Ja'far contra a parede. Será que ele vai conseguir sustentar essa mentira de que ama o En e o caramba quando não pára de pensar no Sin? E essa história de invasão?
E Sin? Desistiu para sempre do Ja'far e vai viver amando só a garrafa de vinho?
Waaah, está acabando, gente! ♥
Lembrem-se que, mesmo demorando, eu respondo reviews, sugestões, críticas ou só bate-papo que eu adoro! Um beijão!



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