Filhos do Império - Chapeuzinho Vermelho(Livro Um) escrita por Ally Faro


Capítulo 8
Capítulo Oito - O Fim da Caravana


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.
Divirtam-se.



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         Charlotte sentiu o estômago revirar.
         O acampamento estava completamente destruído, os animais que puxavam as carroças desaparecidos, cadáveres em vários estágios diferentes de decapitação de membros espalhados pelo acampamento, roupas jogados a esmo pelo chão, vidros, provavelmente de remédios, quebrados e sangue pintando o solo.
         Charlotte viu um homem que tivera o pescoço quase que completamente cortado, uma criança jogada, era o menino que a fazia lembrar de Harry, de um modo doloroso no chão e desviou o olhar, antes mesmo de perceber como ele morrera, logo encontrou o corpo de Bernadette, de barriga pra cima, ao lado da fogueira, a mulher fora cortada na barriga e suas tripas estavam para fora. Charlotte sentiu a terra girar e fechou os olhos, não queria mais ver como os outros foram assassinados.
—Mas que diabos foi isso? —Ela sussurrou, não esperando resposta, mas teve.
—Provavelmente um assalto. —Alfred falou. —Preciso ver se realmente todos morreram. —Ela assentiu, se segurando para não botar pra fora tudo que estava em seu estômago. —Fique de olhos fechados ou vire de costas, mas não sai daqui, temos que ter certeza de que quem quer que tenha feito isso, já está longe. —Ela assentiu.
          O tempo parecia se arrastar e os nervos de Charlotte se acalmaram, assim como o enjoo que sentia, abriu os olhos e viu Alfred andando por entre os corpos. Char não sabia o que a enojara tanto ali, já vira muitos corpos decapitados em estado até piores que aqueles, desde criança via como os Lobos deixavam suas vítimas ou pelo menos o que restava de algumas delas.
           Charlotte suspirou e notou uma movimentação próximo de onde estava, virou para o homem e não conseguiu segurar o grito que brotou de sua garganta.
—Charlotte? —Alfred chamara, já correndo para onde ela estava.
—Mas que merda! —Xingou ela.
—Não foi minha intenção assustar. —Dante informou no mesmo momento em que Alfred se colocara ao seu lado.
—Você não deve chegar tão silenciosamente por trás das pessoas! Principalmente em uma situação como essa! —Charlotte disse bem mais alto que pretendia, porém havia se irritado com aquilo, precisava se concentrar em um sentimento diferente do horror que lhe subia a cada vez que encarava aquela cena.
—Desculpe.
—Dante, o que houve aqui? —Alfred exigiu.
             Charlotte percebeu que Dante estava extremamente pálido, havia um pano muito grande e ensanguentado enrolado a mão do homem e alguns machucados por seu rosto. Char voltou a mão e notou que na verdade, ele perdera a mão direita e sua palidez se devia da perda de sangue.
—Eu havia me afastado para minhas necessidades. —Explicou. —E quando estava voltando, ouvi barulho de cavalos se aproximando, todos ouviram, mas achavam que era alguma Caravana indo para o norte, porém não era. —Dante fechou os olhos e respirou fundo, se apoiando em uma árvore. —Havia dois homens a cavalo e cinco carroças cheias, assim que pararam sacaram suas espingardas e facões, mandaram que ninguém se mexesse, todos obedeceram, todos... —Suspirou. —Eu estava na borda da Floresta, um pouco escondido, então vi quando eles começaram a simplesmente matar todo mundo, falando várias coisas desconexas e... Apontaram a arma pro pobre Hamilton, decapitaram o pai dele e no desespero ele tentou se aproximar, os desgraçados atiraram no Hamilton, ele só tinha oito anos, só oito anos. —Charlotte sentiu o ar lhe sumir dos pulmões.
—Onde estão as meninas, as duas crianças? —Char quis saber, mas algo lhe dizia que já sabia a resposta.
—Eles a levaram, elas gritavam, mas eles riam e as jogaram dentro de uma das nossas carroças, as amarraram...
—Também levaram algumas das mulheres mais jovens, não é? —Alfred questionou, parecia se esforçar ao máximo pra conter a raiva.
—Sim. Assim como algumas carroças, todos os animais que as puxavam e dinheiro que achavam. Não se interessaram nos remédios e nem em grande parte dos mantimentos, só em parte das bebidas.
—Como você perdeu a mão? —Char quis saber.
—Eles me encontraram, eu corri, mas ele me pegou, era um rapaz, jovem, devia ter uns vinte anos. —Suspirou. —Disse que eu pagaria por tê-lo feito correr, então me bateu e decepou minha mão, mas Rick chegou e o acertou, me mandando correr e eu corri, tirei minha capa e enrolei no ferimento, mas estou velho e já não corro com tanta facilidade, me escondi na Floresta, desmaiei em algum momento, depois que acordei, só pra me certificar, deixei algumas horas passarem. —Respirou fundo. —Quando cheguei vocês estavam aqui.
—Que horas que isso tudo aconteceu? —Alfred perguntou.
—Um pouco antes do jantar.
             Charlotte se sentiu tonta novamente, isso foi apenas pouco depois que ela e Alfred haviam saído dali, ele tocou de leve o ombro da menina e a chamou, Char o encarou.
—Você pode cuidar da mão do Dante? Preciso ver o que ainda temos aqui para nos ajudar, precisamos começar a caminhar ainda hoje, faltam poucos dias pra Lua Cheia.
—Estávamos a quantos dias da cidade da minha avó? —Char sussurrou. —Cinco, não era?
—Porém andando pode ser o dobro do tempo ou mesmo mais.
             Char sentiu a tontura voltar, o dobro daquilo representava que ainda estariam na Floresta quando a Lua Cheia chegasse.
—Vamos dar um jeito. —Alfred falou ao ver a expressão dela.
             Charlotte suspirou e encarou o rapaz, assentindo em seguida.
—Certo, mas vamos resolver uma coisa de cada vez. —Decidiu. —E o que está a nosso alcance agora é ver o que nos sobrou e tratar de Dante.
            Alfred a olhou surpreso, havia uma decisão implacável na expressão da menina, que ergueu a cabeça e começou a ajudar Dante a caminhar até onde ficavam os remédios.
           Charlotte cuidou habilmente da mão de Dante, estava adaptada a ajudar Harry e seus machucadas, nunca nada tão grave quanto a perda de um membro, porém os princípios eram os mesmo. Alfred caminhava entre os destroços e organizava uma pilha do que restara de útil para a viagem. Dante perdera a consciência e a menina suspirou, olhou dentro da carroça e juntou alguns remédios e ervas que poderiam vir a precisar, logo saiu e notou que Alfred estava sem camisa, expondo o tronco e Char viu várias marcas dispostas por seu corpo, ele estava puxando os corpos para uma pilha de cadáveres, ela se encostou e o observou.
          Char analisou o rapaz, algumas linhas finas e esbranquiçadas marcavam sua costa bem definida, os ombros largos tinham aquelas mesmas linhas, porém nenhuma cicatriz parecia recente ou realmente visível, todas, independente do tamanho, eram da mesma forma, apenas linhas esbranquiçadas.
           Alfred terminou por fim de empilhar os corpos, haviam quatro pilhas, era meio de tarde, estava suando, ele respirou fundo e a encarou, vendo quem o observava.
—Teremos que fazer uma pira, não podemos simplesmente partir e deixar os corpos daquela forma. —Informou e ela assentiu. —Onde está Dante?
—Desmaiou, está fraco, perdeu muito sangue durante a noite. —Olhou para dentro da carroça, mas se desencostou e foi até o rapaz. —Ele não tem forças pra seguir viagem, não em um bom ritmo pelo menos. —Suspirou. —Sugiro que comecemos a viagem só ao amanhecer.
—Perderemos tempo demais. —Ele comentou.
—Sim, porém não temos opção. —Alfred ponderou e assentiu por fim. —Precisamos analisar nossas outras opções a partir do momento que a viagem iniciar. —Eles se encararam.
—Por que diz isso? —Pela primeira vez desde que vira Alfred no início da viagem, notava um desconforto no rapaz.
—Não tente minimizar o que está por vir, Alfred. Nós dois sabemos que mesmo se partirmos agora, não conseguiremos chegar a cidade antes da Lua Cheia, quando os Lobos surgirem, estaremos dentro do território deles, ainda estaremos vagando na Floresta.
           Alfred suspirou e desviou os olhos para o lado, depois encarou a menina novamente.
—Sim, estaremos. —Concordou. —Mas existem algumas casas fora da Cidade, uma pequena vila, se chegássemos lá...
—Sim, estaríamos relativamente seguros e isso se alguém nos desse abrigo. —Suspirou. —Mas como disse, vamos por partes.
—Não lembro de você ser tão forte e decidida. —Falou de repente e ela deu um sorriso de canto, extremamente pequeno.
—Sou mais forte do que pensa e não sou uma criancinha assustada. —Ele sorriu da mesma forma que ela fizera.
—Não, não é.
—Seria bom se nos afastássemos um pouco, não estou inclinada a dormir em meio aos mortos.
—Acorda o Dante.

            Char apoiou Dante enquanto entrava na Floresta, Alfred alertou que logo seguiria, ficaria pra trás para queimar os corpos. Charlotte sentou o velho a apenas cinco minutos de caminhada.
—Fique aqui, logo volto.
           Charlotte correu de volta ao acampamento, a capa vermelha inflando atrás dela, onde deixara Alfred, quando chegara lá, as piras queimavam em fogueiras altas, o cheiro de carne e gordura queimando era horrível e extremamente enjoativo.
—O que tá fazendo aqui? —Alfred a encarou. —E onde está Dante?
—Precisamos levar o máximo de comida possível, creio que se eu ajudasse a levar, seria melhor. E quanto a Dante, está a alguns minutos daqui, nos aguardando.
           Alfred parecia querer discutir e ela o encarou seriamente, o que o fez suspirar e desistir da provável briga.
          Juntaram tudo o que conseguiram e logo se afastavam das pilhas, o cheiro revirava o estômago da menina, que caminhava o mais rápido que conseguia.

 

          Charlotte lavou o rosto na água do riacho, o estômago ainda enjoado demais para conseguir manter o que quer que tentasse comer. Alfred se lavava ali ao lado, esfregava tanto as mãos e braços que a pele estava vermelha.

—Alfred. —Charlotte o chamou, ele a encarou e viu um brilho distante nos olhos verdes.
—Que?
—Você acha que Dante vai conseguir?
           Alfred olhou por sob o ombro, na direção em que o homem deitava encolhido a sombra de uma árvore e depois voltou pra ela. Eles necessitaram parar várias vezes durante a caminhada, porque Dante não conseguia prosseguir.
—Não sei. —Suspirou. —Ele perdeu muito sangue, mas Dante é forte, mais do que parece.
—Espero que sim.
—Você tem que descansar um pouco também.
—Só eu? Até parece. —Bufou e ele a encarou, quase entretido. —Precisamos fazer turnos de vigília e como eu estou sentindo a adrenalina pulsando em minhas veias, creio que não vá conseguir dormir agora, então vá descansar e quando eu sentir sono, chamo.
           Alfred parecia a ponto de discutir, mas deu de ombros e foi deitar no mesmo lugar em que dormira noite passada.
           A noite estava quente, Char notou que Alfred conseguira dormir depois de muito tempo, Dante ainda estava enrolado em si mesmo e respirando fracamente. Ela sentou na pedra em que ficara enquanto Alfred tocava e suspirou, parecendo que havia sido a décadas.
           A noite passada havia sido inacreditavelmente boa, música, boa conversa, risadas, porém quando a manhã chegou, se abateu de modo violento. Char ouviu o som baixo de tosse e desviou os olhos para Dante, que acabara de acordar. Charlotte se ergueu e caminhou até o velho, puxou o cantil de água que colocara ao seu lado e lhe entregou, sabia que após tantas horas devia estar morrendo de sede
—Está com fome? —Quis saber.
—Mais enjoado que faminto. —A voz estava rouca.
—Entendo.
            Dante estendeu o cantil de volta pra garota, que ao pegar, acabou tocando levemente na ponta dos dedos do homem, estava absurdamente quente. Char levou a mão a testa do senhor e suspirou, estava ardendo em febre, por isso se encolhia daquela forma.
—Você está com febre e bem alta. —Alertou ela. —O que está sentindo?
—Somente frio, enjoo e minha cabeça dói.
—Volto já.
           Charlotte foi até um dos sacos de viagem, onde enchera de remédios e ervas, vasculhou por um momento e encontrou o mesmo remédio que Dante a fez beber quando era ela a estar doente. O líquido dentro do vidro tinha uma cor esverdeada e um cheiro horrendo, tanto quanto gosto, depois puxou um dos cobertores e voltou até o senhor, lhe deu uma dose substancial do remédio e ele bebeu sem reclamar ou questionar.
—Acho que voltarei a dormir. —Informou.
—Acho melhor comer algo antes disso.
—Irei botar tudo pra fora.
—Pelo menos terá algo a por pra fora. —Falou o que sua mãe sempre dizia e ele sorriu e dessa vez teve certa diversão, mas obscurecida pela febre e cansaço.
—Quando acordar da próxima vez.
           Charlotte suspirou e se deu por vencida. Ele se enrolou novamente e ela lhe estendeu o cobertor, que fora facilmente aceito. A menina voltou a sentar na pedra. Ouviu quando Alfred se mexeu e logo o viu sentar, ele olhou ao redor, depois encontrou Dante deitado encolhido todo coberto e por fim a encarou.
—Ele está com febre, dei remédio e o cobertor. —Informou dando de ombros e Alfred assentiu.
—Você deveria dormir um pouco. —Alertou ao se colocar de pé.
             Charlotte estava cansada, não com sono, mas decidiu não brigar, se deitou onde outrora fora o lugar do rapaz, usando a capa como apoio pra cabeça. Encarou as estrelas por um longo tempo, até que o cansaço a tomou por completo e ela adormeceu.

...não acho provável.
—Eu preciso deixá-la em um lugar seguro. —Alfred afirmou, mas parecia muito distante.
É improvável que ache um lugar seguro.
—Mas posso tentar. —Havia uma leve irritação na voz do rapaz. —E você também não está nada bem.
—Vou ficar. —Assegurou.
Espero que rapidamente.
—Já mandei você ir embora e levar a menina, mas você é teimoso.
—Não vou te abandonar aqui sozinho. —Ele pareceu quase ofendido com a ideia.
Que seja. —O mais velho disse algo pra Alfred, mas fora muito baixo e a menina não ouviu. 

            Char se deixou ser embalada novamente para o sono, acordando horas mais tarde e viu que o sol já estava quase nascendo, olhou para o lago e viu Alfred ali, ele estava sem camisa e se lavava o melhor possível. As marcas em sua pele chamaram novamente a sua atenção.
—O que aconteceu com a sua costa? —Ela perguntou antes que conseguisse evitar, mas falara baixo e rezou para que ele não tivesse escutado, mas ele ouvira.
—As ganhei quando a mamãe morreu. —Respondeu a encarando, mas havia algo naqueles olhos, porém ela decidiu não discutir.
—Entendo.
—Sei que sim. —Disse voltando a se lavar.
           Charlotte se ergueu, olhou Dante que ainda dormia e foi para o lado do rapaz, retirou a blusa mais pesada, mostrando uma de seda bem mais leve, de alças finas e um pouco mais curta, que colava levemente em seu corpo.
          Char começou a se lavar tão bem quanto era possível com toda a roupa que ainda usava.
—Você tá querendo um banho, não é? —Alfred a encarava e ela correspondeu se olhar.
—Estou desejando um banho como quem deseja água em um dia seco.
          Alfred sorriu, desde a noite anterior ela não o via sorrir de verdade, mesmo que fosse um sorriso tão pequeno.
—Vamos deixar Dante acordar e te darei cinco minutos.
—Cinco? Em cinco minutos eu só conseguirei entrar e sair da água. —Ele balançou a cabeça negativamente, mas ainda sorria.
—Nem em uma situação como essa você facilita pra mim, não é?
—Não costumo facilitar as coisas, prefiro dificultar. —Ele bufou, mas havia diversão.


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Notas finais do capítulo

E ai? Curtiram?
Deixem seus comentários.
Beijos e até o próximo capítulo. :D



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