Jim não sente seu coração bater por um breve instante, imaginando que aquela voz vinha de Ben. Ele voltou a encher seu peito com ar ao ver o timoneiro talhando.

                Simon encrava sua faca na madeira do navio e olha para Jim. O garoto não sabe dizer o que vê nos olhos de Simon. Decepção? Raiva? O olhar de Simon era indecifrável. Ele caminhou até o garoto e parou na frente dele. Jim estremeceu ao ver o homem muito mais forte e alto bufar como um touro.

                - Ele viu seu rosto? – Perguntou Simon. Jim não teve tempo de perguntar como Simon sabia o que havia feito.

                - Não, senhor – Respondeu Jim. Seu peito contraiu-se. Ele sabia. Ele sabia a besteira que fizera

                - Esse corte? – Seu ar ainda era sério. Terrivelmente sério. O olhar do timoneiro analisou o filete de sangue coagulado na bochecha de Jim.

                Jim engoliu em seco antes de responder:

                - Superficial

                - Ótimo. Assim eu não vou me sentir mal se fizer isso – Simon ergueu-o pela parte de traz da gola do casaco.

                A porta dupla da cabine do capitão foi escancarada e um corpo arremessado dele. O garoto deslizou pelo chão até atingir a parede e dar um gemido baixo de dor. Ben olhou para aquele corpo no chão e seu timoneiro com fumaça saindo de suas narinas. O capitão terminou de escrever a frase no pergaminho, guardou a pena no tinteiro e virou-se para Simon.

                - Sim? – Disse em um suspiro

                - Esvazie os bolsos! – Ordenou Simon

                Jim sentou com dificuldade, tirou do bolso a escama verde e a arremessou na direção de Ben. O antigo medalhão fez um baque surdo ao atingir as papeladas do capitão.

                Os olhos do capitão pousaram no objeto por um longo momento. Ele suspirou novamente. Não havia necessidade de perguntar nada ao rapaz. Caros leitores, Benjamin já conhecia o garoto o bastante para saber o que ele havia feito e porque ele havia feito. O capitão vira seu olhar até Jim.

                Os pensamentos do capitão vagaram por milhares de quilômetros e espero conseguir trazer o pouco que deles para vocês. O garoto, que ele havia resgatado da marginalidade, nunca mudou de verdade. Não importava o quão boa suas notas fossem ele sempre acaba suspenso por brigar na academia. Ele não tinha amigos, em suas cartas ele falava o quanto desprezava aquelas pessoas. Por mais feliz que Jim estivesse na academia, por mais politizado que fosse ele continuaria sendo aquele moleque de quinze anos. O que quer que ele tenha aprendido durante aquela vida de roubos não poderia ser esquecida.

                - Milhares gastos na melhor academia da Grã-Bretanha – Começou o capitão, seu tom de voz estava carregado com um profundo pesar e desapontamento – Anos de disciplina e ensinamento – Ben passou os dedos por seus fios brancos – É engraçado ver como você joga tudo fora em apenas uma noite

                Jim continua cabisbaixo, seu rosto coberto por uma sombra. Há um aperto em seu peito que ele tenta sufocar desesperadamente. O garoto se levanta do chão, limpa a sujeira dos joelhos e dá as costas para o capitão.

                - Não terminei ainda – Diz o capitão

                O garoto para, ainda de costas ele diz em um tom sombrio:

                - Eu tive o direito

                - Qual é a lei que dá o direito ao roubo? – Pergunta o capitão severo.

                Jim cerra o punho em uma tentativa de manter-se no controle. Seu peito palpitava, seu coração bombeava o ódio por suas veias. Ele se virou para ver seu capitão com o olhar de profunda decepção aquilo foi como uma chave abrindo o ódio em seu peito.

                - A mesma que garantiu a morte de Sarah! – Explodiu Jim – A mesma que o impediu de fazer algo a respeito. – Simon ficou boquiaberto, Jim nunca havia falado assim com ninguém – Você fala de honra, respeito e dignidade. Diga-me onde estava tudo isso quando ele atirou nela! Se ele não respeitou nada disso, por que eu respeitaria?

                - Você quer voltar àquela vida no lixo, garoto? Vá em frente – Ben saiu de traz da mesa e caminhou até Jim. Seus passos eram lentos e seu tom de voz, frio. Era pior que ser açoitado, pensou o garoto – Eu o tirei daquilo porque acreditei em que você poderia ser melhor. Mas o que você me mostrou hoje é que continua sendo o mesmo merdinha que eu achei há sete anos atrás. Se o que eu te ensinei não foi bom o suficiente sinta-se à vontade para esquecer, mas, por favor, não suje mais o nome de sua majestade. Nós somos a marinha real, não roubamos de piratas insignificantes.

                - Ele matou a mulher que... – Parou. Ainda era doloroso demais falar sobre ela

                - Não importa o que ele fez – Disse ríspido – Você conhece as regras e mesmo assim as quebrou. Pelo o que? Orgulho?

                - Vingança! – Respondeu Jim. Ele rangeu os dentes. Seus olhos encontraram o do capitão cheios de ódio e determinação. – Eu fiz o que você não teve coragem de fazer

                - É verdade. Eu não tenho a audácia de me rebaixar a mais um pirata imundo

                Jim ficou em silêncio. Ben foi o homem mais sábio que conheceu. E agora ele está acusando-o a ser apenas mais um Jack, mais um assassino. De todas as pessoas que poderia julga-lo, Ben não deveria nunca ser uma delas. Mas lá estavam eles, estimados leitores, se vocês pudessem imaginar a cena... Dois homens encarando-se profundamente preenchidos de ódio. Benjamin era como um pai para Jim e agora lá estavam eles, lutando com espadas.

                O que quer que guiasse a mão de Jim estava determinada a mata-lo. O capitão era rápido e experiente, ele havia treinado Jim, sabia como o garoto lutava e as brechas que ele sempre abria, porém, o garoto o havia superado anos atrás. Ben se defendeu de um ataque de Jim e as espadas de chocaram saindo faíscas. Com um jogo de pés, Jim girou o corpo e chutou o tronco do capitão que foi arremessado para a parede. O garoto não parou, mesmo quando Ben havia caído segurando suas costelas, ele avançou. A espada cortou o ar e o metal cantou ao encontrar outro metal; a espada de Simon era mais grossa que a do capitão, feita para quebrar ossos e não cortar carne. Com o formato de cutelo, o metal era pesado e bem afiado. Ele empurrou a espada de Jim que recuou alguns passos. Aquilo estava indo longe demais

                - Pare garoto – Ameaçou Simon – Mais um passo e eu serei obrigado a pará-lo.

                Ninguém, apenas o capitão, havia visto Simon daquela forma. Ele se colocou entre o capitão e o garoto, como uma leoa que protegia a prole. Sua mão estava firme e seu olhar ameaçador. Jim voltou a razão quando um homem abriu a porta da cabine exasperado ele gritou:

                - Capitão, o senhor está sendo requerido! – O homem parou surpreso ao ver a cena. O capitão no chão com dificuldade para levantar, Simon na sua frente com sua espada em mãos e o iminente ameaçando-os com sua lamina.

                - Já estou a caminho – Disse Ben. O homem fechou a porta ao sair.

                Jim guardou sua espada e saiu sem olhar para traz. Ben segurou o pulso de Simon impedindo-o de ir atrás do garoto.

                - Deixe-o – Pediu. Simon o ajudou a se levantar como se erguesse uma boneca de cerâmica e o colocou sentado na cama. Ben gemeu baixo de dor – Ele precisa esfriar a cabeça. Esconda aquilo – Ele apontou com o queixo para a escama em sua mesa.

                - Ele vai ficar bem? – Perguntou Simon escondendo a escama na gaveta do capitão

                - O garoto precisa aprender a lição. Se não seu orgulho será seu fim. – Ben tentou se acomodar na cama, mas a dor lhe atingiu novamente. – Exatamente como o pai

                Simon já estava ao seu lado, ajudando-o com cuidado como se o tocasse com muita força poderia quebra-lo.

                - Vá – Falou o capitão – E resolva o problema

                Simon acenou com a cabeça concordando e saiu da cabine